Mãe,

Meus parabéns pelo seu aniversário;

Também gostaria de te parabenizar por outras coisas que acho importante que você saiba no dia de

hoje:

Mãe,

Meus parabéns pelo seu aniversário;

Também gostaria de te parabenizar por outras coisas que acho importante que você saiba no dia de hoje:

Primeiro: por você, não apenas por existir, mas por sobreviver cada dia no mundo da maneira espetacular e guerreira que você faz, mesmo que isso signifique noites mal dormidas e horríveis dores de cabeça, nada te impede de continuar tentando seu melhor para ajudar os outros e se superar cada vez mais.

Segundo: parabéns pela sua vida e pela forma que você a vive, com isso não quero dizer que parabenizo seu nascimento, mas suas conquistas após ele e seu jeitinho de ser, a carreira, os amigos, a família, o intelecto, a beleza… você é incrível em todas as matrizes e, obviamente, minha grande inspiração. Admiro como você faz bem o que gosta e até o que não gosta, amo seu humor ácido, saturado das idiotices do mundo, e da sua sabedoria sobre aquilo que a rodeia. Reclamo do seu ego inflado, mas jamais viveria sem ele e me canso das suas discussões políticas, mas agradeço todos os dias pelo que elas me ensinam.

Terceiro: por ser mãe, por se pai, por ser minha. Parabéns por ter me criado em um mundo tão caótico sozinha, me dado a vida e me ensinado como vivê-la. Obrigada por fazer parte de quem eu sou e batalhar para que eu possa achar as outras partes de mim mesma e não cobrar quase nada em troca.

Quarto: por ser linda, dentro e fora. Gentil, solidária, simpática e caridosa, sempre ama o próximo, mesmo quando as ações não condizem com os pensamentos. Nunca faria mal a alguém que não a tenha machucado ou que não a agrade.

Quinto: pelos seus princípios, nunca abaixar a cabeça para alguém que afronte suas ideias, seus planos ou seus sonhos. Pela bravura de defender aquilo que acredita, mas sem dar as costas para quem te aconselha, andar com os punhos fechados e com a mente aberta.

E por fim, quero te desejar coragem e força para que consiga sustentar sua maneira de pensar apesar dos preconceitos alheiros, energia para que nunca deixe de ajudar o próximo e a si mesma, gratidão por me educar, vitórias para que continue conquistando tudo que queira e amor para que perceba o quão é especial para nós.

Parabéns pelo seu dia e pela sua vida.

Amo-te mais que tudo.

Com muito carinho,

Cecília Romulumhermazy C. M. Boreli.

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Descaminhos de um precipício vazio

Resumo

DESCAMINHOS DE UM PRECIPÍCIO VAZIO

O vento soprava intensamente no final de setembro entre as labaredas das desgraças e os sorrisos dos inocentes. Eram verbos demais para se contar. Atribuições infinitas. Misérias contidas em enlatados coloridos e adocicados. Pisar em degraus, alucinações momentâneas, depredar a alma. Conter o riso e escancarar as mágoas. Caminhar novamente para o fim do ano. Para o início das compras e suas alegrias parceladas.

As reuniões fraternas. Papai Noel. Deus é generoso nas bocas adulteradas. Carregar sonhos, promover diversões, depois mais uma xícara de café, solúvel, sem gosto, amargo e frio. Descaminho. Retomar o início do final contido. Desejar morrer. Acabar. Finalizar. Depois de um brinde, fotografias. Escritas diluídas de imensos vazios. Apenas um sublime caminho vazio. Um precipício grotesco e solitário. Gritos amordaçados. A tortura em cabedais nas bancas promocionais.

Primavera de Oliveira — Send in a voice message: https://anchor.fm/catia-castro8/message

Transcrição

O Engenho Grita na Gente

Primavera De Oliveirahttps://anchor.fm/catia-castro/episodes/O-ENGENHO-GRITA-NA-GENTE-emqhth
https://anchor.fm/catia-castro/episodes/O-ENGENHO-GRITA-NA-GENTE-emqhth

África – Tenho uma “África”, dentro de mim. Um tambor que pulsa o meu sangue. E faz fervilhar um horizonte infinito de sonhos. Tenho tanta África em mim, pulsando, arranhando meu peito. Um sabor de colo de mãe preta. Somos uma terra que ainda escorre sangue e suor negro. Tenho uma África que me encanta, e por vez me traz um semblante triste de um canto distante. (Primavera De Oliveira)

O ENGENHO GRITA NA GENTE

Grita na alma arranhada,

Arrancando a saliva,

O grito reprimido.

Dói o peito, sangra,

O sangue ferve,

Pensar enlouquece a gente.

Ah, a gente sente, ama e canta,

Uma beleza dolorida, cheia de dor

E ofensas.

O peito clama,

Um sofrimento latente,

Que continua encoberto, disfarçado,

Em carne exposta e dolorosa.

Ah, esse cantar em murmúrio.

Tem um moinho dentro da gente,

Igual cana que vai destroçando

E arrancando a gente

Do chão.

Olhamos para o céu,

E enxergamos o passado de sangue,

O caldo de cana fervendo,

A negra sendo estuprada,

O peito amamentando

E amando essa gente.

Gente de farinha de mandioca,

De rapadura escaldante,

De moinho engolindo perna de criança,

Da senhora da casa bonita e grande,

Do canalha senhor molestador,

Autoritário e religioso.

Depois o padre na visita dominical,

Marcando igual gado o símbolo da submissão,

A dor pulsante e uma força tamanha,

A amar essa terra, esse sol escaldante.

Tem um engenho dentro da gente,

Que vai moendo nossa carne,

Nossa alma desatinada,

Nossos desejos profundos,

Transformados em mel,

A adoçar o paladar dos outros,

Enquanto o corpo escorre o suor,

De uma terra que clama justiça.

Tem um passado na gente,

Que caminha devagarinho,

E assombra,

Encanta.

E junto com o vento suaviza,

Quando o barulho do mato alto canta,

Junto com o finalzinho de tarde,

Sentimos a vida correr pelas nossas veias,

E um sentimento de pertencimento,

Acaricia nossa alma tão desenhada.

AH, TEM UM ENGENHO DENTRO DA GENTE.

Um dor que não sabemos de onde vêm,

Uma tristeza fininha, doída,

Que escorre sobre nossos ombros.

O engenho da gente amordaçado,

Que insisti em abafar nosso grito,

Ah, queríamos o peito da mãe preta,

Acolhendo a gente.

É um país esquisito, tranquilo,

Com pensamentos em tormento,

Parece que o navio negreiro

Visita a gente em um sono sofrido, triste.

A gente tem um grito preso dentro do peito,

A carne moída em garapa e melado,

Feito de cobre, tacho com o fogo queimando

As cicatrizes expostas.

O vapor eliminando as impurezas,

Expostas pelo corte profundo,

Da saudade de um lugar longínquo,

E ligeiramente estranho.

Tem um engenho dentro da gente,

Um batuque que tira nossos pés do chão,

E emana um espírito alegre, cativante.

O chão pulsa sobre nossos pés,

Até envolver o coração no grito do tambor,

Tem um engenho dentro da gente.

Tal como um suplício de canto profundo,

E que mora lá dentro de nós, em silêncio.

Um canto que se toca lá no cantinho do olho,

truncado, sentindo a alma descansar

Depois de um dia de tormento.

O engenho habita na gente,

Em círculos vai rodando e moendo

Tudo que a gente gosta,

Vai dilacerando o peito da gente,

Sangrando até a carne ficar branca

E parada no meio do nada.

E lá na frente continua a colheita,

A terra fecunda

Que não sucumbe

Aos homens.

Somos esperança,

Sendo purgada na moenda.

A senzala canta um choro profundo

Que envolve cada parte do nosso corpo,

Da nossa pele,

E arremete para um grito fininho,

De desespero e dor.

Ah, tem um engenho dentro da gente,

Que por mais avenidas que passamos,

Na hora do choro ele continua a se mover,

Purgar, transformar o pão doce,

Em saliva amarga,

Sentido o peito arranhar sem compreender.

Tem um engenho dentro da gente

O engenho grita na gente.

O sangue ferve no corpo da gente.

O olhar reflete savanas,

Gritos de ondas,

Os barulhos dos corpos remetidos, jogados,

No fundo do oceano.

A travessia da gente nessa vida,

Sendo purgada em caldeiras gigantes,

O homem vai sendo escorrido junto com o caldo

Da cana-de-açúcar, o melado de braços negros.

A vida negra sendo movida pelo moinho da injustiça.

O coração bombardeando em pequenos orifícios,

Extraindo o mel da vida, dessa esperança martirizada.

O engenho grita na gente,

Mesmo em arranha-céus, sentimos o vento gritar,

O barulho da terra, o tapa do vento,

Algo dentro da gente grita e sangra.

Existe um engenho dentro da gente,

Que clama o peito da mãe negra.

Somos tantas mulheres brasileiras,

Que mesmo em pele branca sentimos,

Uma angústia longínqua de terras estranhas.

Tem um engenho dentro da gente,

E ele grita que nem animal ferido.

Um grito que assombra,

E vai moendo a gente,

Que nem cana e aguardente.

Existe um pecado dentro da gente.

Que necessita viver!

Tem um grito dentro da gente,

Que quer rasgar nosso peito e sangrar o chão.

Tem um mar de morte dentro da gente,

Que sente as ondas engolindo nossos sonhos.

Tem uma dor dentro da gente

Que não sabemos de onde,

Sentimos uma tristeza intensa, distante.

Um grito fininho que vai consumindo

Nosso peito, vai moendo, triturando.

O rosto abatido, ficamos perdidos,

Num banzo estranho, como num sono profundo.

Somos navios negreiros em noites de tempestades

E relâmpagos,

depois somos arrastados por vilas,

Pontes de pedras envolvidos em óleo de baleia,

Mostramos nossos dentes, nossa glote,

Nossos músculos, virilhas e genitálias,

Somos consumidas que nem aguardente,

Tragadas em gole e cuspe,

Feridas e escárnio.

O engenho grita na gente

Na cama ensanguentada, na poeira sendo arrastadas

Entre o sopé e o viaduto, tudo é moído, consumido,

Nas melhores fornalhas de sol quente,

Iluminando a carne mordida, arranhada e o mel extraído

Da moenda, da purga, das formas em forma de pão.

O doce é vendido, apreciado e moldado

Em sangue exposto, fervilhando em cobre,

Em tachos de cozimento do melhor caldo

Produzido pelo nosso engenho democrático.

(Primavera De Oliveira)

Fiel Pecadora

Oração

Fiel Pecadora

Cecília R. C. M. Boreli

Ensine-me tua oração

Que pra ti rezarei

Aceite meu coração

Que só a vós amarei

Ó vossa santidade

Escute-me clamar

Perdoe a humanidade

Por roubar-lhe o ar

Peça-me uma oferenda

E serei seu sacrifício

Não me importa que da minha alma  eu me abstenha

De ti, ó Senhora, farei meu vício.

Absolva meus pecados

Isente minhas punições

Liberte os amargurados

Quebre as maldições

Divindade, divina

Aceite-me como sua fiel

Faça de mim uma amiga, uma concubina

Doe-me seu mel

Mais que um Deus

És uma mulher

Protegei os filhos teus

Se é isto que quer

De teu riso

Fizeste o mundo

Abra as portas do paraíso

Tire-me de onde sucumbo

Glorioso, impetuosa

De sua beleza me banquetearei

Abençoe-me Senhora

E destronarei qualquer rei

Por tua graça irei de erguer

E por teu poder irão cair

A terra há de tremer

Quando dos céus emergir

Cecília Romulumermazy C. M. Boreli

RASCUNHOS INACABADOS: uma carta para o amor

Primavera De Oliveira

    Hoje acordei de manhã e comecei a escrever cartas. Prometo cortar cada pedaço da sua insignificante existência. Desmembra-lo como se cada pedaço fosse uma verdade. Como se a cada respiração eu sentisse sua alma. Prometo matá-lo infinitamente. Sublimemente. Até você pedir perdão.

Colocarei cuidadosamente as palavras em linha retas, cada uma seguida de um corte profundo e solitário. Uma miserável dor, cortando artérias e pulsos. Até que eu consiga fazer você sentir a vida. Irei sugar cada gota de sangue em suas entranhas malditas. Sufoca-lo até você se perder na mais profunda agonia. E morrer. E novamente morrer. E depois… Viver!

Apenas um sopro. E depois abraçar todos os pesadelos contidos em nossa alma. Até que nossos gritos despertem nossos olhos. E envolvam nosso coração empobrecido. Tenho tantas maldições. Somos migalhas. Pedaços picados de desafetos. Paixões vulneráveis. Amores ridículos, toscos. Perdemos nossas esperanças em um banheiro imundo de uma   lanchonete, no meio da rodovia deserta e solitária.

Somos carnes estilhaçadas, buscamos o saber. Esse conhecimento maldito. O amor apenas uma taça jogada sobre a mesa, depois de consumido. Não preciso fechar os olhos para ver você. Está aqui pertinho. Crescendo como uma erva daninha sobre minhas entranhas. E eu aceito. Dou gargalhadas. O ar vai comprimindo meu peito. Meus olhos buscam o abismo. Busco a morte em uma singela canção. Eu sei. Eu sei.

Apenas sinto meu corpo despencando no abismo. Pular, gritar e depois lembrar. Aquecer todos os meus pesadelos. Poder tocar as pontas de meus dedos sobre seu rosto. Sufocar todas as minhas lágrimas em seu peito. Não quero amar. Apenas um instante que eu possa respirar. Vejo você tão perto. Tão intenso. Tão belo. Nebulosas canções.

Sim! As manhãs são nostálgicas e as noites perturbadoras. Elas desvelam nossa alma corrompida. Eros, demônios, sangram sobre colheitas devastadas de insetos. Poder colher os últimos grãos.  Apenas um pouco. E então, preencher a vida. Poder finalmente sorrir e esquecer. E depois pular de todos os abismos. Morrer com um leve sorriso junto com seu corpo em meu peito.

Posso cantar uma canção para você? Ela é suave, sorridente, manhosa. Acredito em nossos fantasmas construídos com tanto prazer. Somos calmaria tempestuosas. Sorrimos para nosso barco não naufragar. Sorrimos demais. Cantamos para nossos demônios pessoais. Amo cada um deles. Todos eles. Acredito em cada um. Amo todos.

Bom, irei começar escrevendo cartas para você, usarei todos os meus sentidos. Todos os meus demônios. Em cada linha irei morrer. Vou abrir o meu peito calmamente e sangrar devagarinho.

Todos os dias uma pequena morte. Até que você compreenda que a dor não é só sua. A dor é nossa, somos carne pisoteada, sangrando pela vida. E ainda assim insistimos em caminhar, sangrar.

Eu sinto todos os seus arrependimentos. Suas decisões erradas. Seus caminhos tortuosos que te levaram a essa insanidade. Seus devaneios intensos, seus sonhos abortados e depois jogados em uma lata de lixo. A vida totalmente interrompida. Cravada de espinhos, pedras pontiagudas, sol intenso sobre o seu corpo pulsante.

Somos matérias gastas, rotuladas de solidão. Lâminas barulhentas cantando canções vorazes. Tragamos a vida em um segundo. Sentimos tanto. O peito sangra. E como é bom sentir a angústia ensurdecedora; ouvir o lamento da noite. A luz mostrando sombras. Depois o apagar da vida.

Primavera De Oliveira

Sempre imaginei que meu amor seria doce e envolvente. Porém, sempre foi amargo e insano. Hoje vivo cada minuto de sua insanidade. Dedico esse livro aos amantes e todos os seus devaneios. O amor sempre é doce em almas inquietas e delicadas. A mais sublime de toda a perfeição do vazio inexistente. (Primavera De Oliveira)

Capítulo I

A espera enlouquece. O abismo se transforma em moradia. O amor pago, depois cuspido, pisoteado e estuprado. A imensidão que abraça a alma perdida

e diluída em uma vida de ruínas. Sejam bem-vindos ao meu paraíso devastado de amores gastos. 

(Primavera De Oliveira)

*Instantes*

Novamente as emoções voltaram, seu rosto me assombra. Envolve todo o meu ser. Você me faz companhia. Olho para o precipício e vejo seu rosto, sinto minhas mãos sozinhas. O pássaro no céu estava voando ao lado de outro, enquanto a chuva fininha insistia em demorar a cair. Depois ele voltou voando sozinho, solitário. Livre e abraçando todo o céu.

Vejo você enclausurado na loucura de suas grades invisíveis. A poeira consumindo seu ser. Olho, respiro, sinto toda a sua angústia em se viver. Morrer. E amanhã continuar a morrer, devagarinho. Até mesmo as lágrimas são singelas e delicadas. Tenho tanta tristeza em mim, tantos relicários escondidos e indefinidos.

Somos misérias corrompidas em filosofia, desenhadas em novelos sem fios. Costuramos a loucura, beijamos o tempo. E abraçamos todo o desespero de uma tarde solitária. Precisamos das grades para olhar o infinito.

O abismo caminha dentro nós, cantando e sorrimos drasticamente. Nesse momento começo a sorrir. Ah, como é bom sorrir na miséria indecifrável. Não compramos nenhum abajur, tudo está escuro, sombrio e triste. As lágrimas não deixam meu rosto. A solidão se tornou meu casaco mais fraterno.

Hoje a chuva cai de mansinho. O céu está nublado, apenas duas aves dominam o céu, voaram por um bom tempo em companhia. Depois apenas uma atravessou as nuvens. A outra despencou sublimemente, numa leveza que corrompeu minha alma. Sinto tanta tristeza. Tantos sentimentos. Tantos vazios amordaçando meus gritos.

Sim, o sol tem brilhado tanto na televisão. Mas vejo tudo turvo, brilhos prateados sobre o céu. Parecem pingos de estrelas em faíscas. Não me importo se você já percebeu tão rapidamente.  Eu sei que você já sabe e sente. Mas, não me importo. Nada que não nos tire do chão vale a pena. Confesso que meus olhos estão em prantos.

Não para de crescer aqui dentro. Você me percebeu desviando o olhar por um segundo. Eu sei. Eu percebi. Eu vi.

*Moderação*

Era necessário esquartejar o corpo. Precisava olhar a sua alma. Arranhar a carne. Torturar. Fazer você lembrar. Atormentar você. Buscar nas profundezas todos os seus demônios e ouvi-los. Ah, que voz sublime, pausada, cheia de ponderações.

Esquece Aristóteles e todas as ponderações filosóficas. A alma pede vícios. É preciso buscar os excessos. Todos eles. Desenterrar todos os demônios. Todos os sonhos. Compreender que não estamos sozinhos. Somos carnes, animais desfigurados. Amo o que você me faz sentir. Febre!

Masturbo com seus olhos sobre meu corpo. Fecho os olhos e percebo seu rosto. Sua face emblemática. Seu sorriso despercebido. Os olhos atentos. O universo em perigo. E finalmente consigo gozar com todos os meus sentidos. Toda a minha pele, epiderme, glote e gosto pecaminoso do escárnio vivido. Dou risadas. Fecho os olhos e adormeço.

Amanhã continuo a ser solidão.  Não importo. Minha pele estremece. Meus olhos estão em febre. O gosto. A lembrança. Busco cada pedacinho de seu corpo. Fecho os olhos e vejo você. Absurdamente desumano.

Uma leve ponta de sorriso espantou meu semblante desprezível. Como é bom amar cada pedacinho de suas entranhas. Seu peito exposto. Os olhos negros em forma de contos.

*Solidão*

Triste. Estamos ficando tristes. Desesperados. A insanidade começou a envelhecer. Hoje mais calma e sorridente. O sol de Camus. O calor agredindo. Corrompendo a existência. Olhar o mar e se perder. Sentir. Compreender o vazio.

Perceber os detalhes. E depois entristecer a alma. Construir todos os arrependimentos em fileiras de madeira. Dar vida ao vazio em formatos inacabados. Constelações de grade. Insistir em perceber. Continuar procurando. Saber que existe um vazio insuportável. Acordar e continuar cavando. Depois os desmoronamentos sufocando nossa respiração. Não conseguir respirar.

 Não conseguir. O corpo sendo comprimido, empurrado para o fundo. O céu vai ficando distante. As paredes aumentando, engolindo, cortando.

Meu Deus, temos que gritar! Por favor, grite! Não estou ouvindo. Grita! Grita bem baixinho. Por favor, fale o meu nome. Eu preciso ouvir. Eu preciso olhar e te ver. Não consigo comer. Não consigo me levantar. Estou presa nesse abismo. Você me jogou com tamanha força, nessa cova profunda e sombria.

Vou levantar o rosto e olhar o sol. Talvez seja esse o “estrangeiro” que desperta. Eu sinto aquele sol descrito. Compreendo cada gota de suor. Cada luminosidade descrita de um sol límpido e intenso. Sinto todo o mormaço adormecendo e embriagando o meu corpo. Vamos amolecendo, anestesiando as paixões e todas as suas insanidades. Tenho tanto sol em mim.

*Promessas*

Confesso que tinha esquecido de minha promessa. Poder cortar, sangrar todos os seus malditos poros. Morrer em sua boca. Abraçar o seu peito e sentir todo o calor dos nossos infernos amaldiçoados. Sinto sua presença em meu passado. Não sei em qual rua.

Vejo você totalmente despido. Consumirei toda a sua carne, poros, entranhas, sua glote, saliva, esperma, junto com todos os seus demônios e suas faces. Fecho os olhos e me vejo apertando seu corpo. Esses braços corrompidos. Enfim, poder morrer suavemente.

As promessas ocultas, inseridas em nossa escuridão miserável. Nossos amores superficiais. Nada que crave sobre a carne e despedace, quebre, fragmente nossas entranhas conseguirá sucumbir nossas almas desprezadas.

Nossas devassidões são sombrias, deploráveis. Vejo você absurdamente desumano, insano, cruel e ordinário. Solitário, talvez. Absurdamente perdido. Indecifrável. Totalmente corrompido e amaldiçoado. E como não amar essa imensidão de dor? Toda essa insanidade? Essa busca eterna de poder sorrir e sentir finalmente a vida.

Apenas vejo nossos corpos sendo arrastados pelas profundezas de nossos abismos. O penhasco maldito da vida. Depois mutilado, despedaçados. As rochas absorvem nosso sangue. Subimos. Arrastamos sobre pedras pontiagudas. As mãos feridas.

Os olhos distantes lacrimejam a dor latente do abandono. As feridas sangrando pelo caminho. E não mais olhamos para trás. Apenas o céu carregado de tempestade. E o corpo dormente de tamanha dor, paramos um segundo para percebermos a imensidão de uma vida além do precipício.

Os campos verdejantes. A colina em um quadro exposta na sala sombria. Finalmente silenciamos nossas vidas. Finalmente morremos. Finalmente.

*Desejar*

Não esqueci das promessas. Ah, essa maldita promessa. Apenas o despedaço do mais puro prazer. Gozar sobre seu corpo. Arrancar a sua alma. E beijar todos os seus pesadelos. Depois eu juro que irei apertar suas mãos e olhar em seus olhos. E finalmente amar.

Os sentimentos já começaram a tranquilizar em meu peito. Estou exausta. Escrever é exaustivo. Morrer e depois começar a viver, sentir. Fechar os olhos e conseguir finalmente chorar com um singelo sorriso. Colocar a mão no peito e lembrar. Desejar. Desejamos demais. Somos sonhos gastos. Vivemos vidas atormentadas. Membros mutilados. Imensas horas de torturas. Depois os passos distantes, solitários, esquecidos.

Somos migalhas jogadas pelas avenidas. Ouvimos o trânsito. O barulho exaustivo. Corrosivo. Olhamos para as pessoas. E tudo parece adormecido. O caminhão de lixo barulhento e fétido, e nem mesmo percebemos.

Depois começamos novamente a morrer em pedacinhos. Todos os dias uma chama vai se apagando. Vamos esfriando nossos corpos e cobrindo nossa solidão. Aquecendo. Cuidando avidamente dela como se fosse uma amiga de longa data.

O tempo vai consumindo nossos sonhos. Nossos olhares. Engolindo nossos sentimentos. Depois sentimos o precipício sobre nossos pés. Temos que aproximar, olhar. E novamente jogar nossos corpos no abismo.

E morrer novamente. Subir o desfiladeiro com suas rochas pontiagudas. As mãos sangrando. O peito exposto. As vísceras expostas. O rosto quebrado. O coração estraçalhado. E depois da subida chegamos ao topo. Nem vivos. Nem mortos. Transformados.

Ah, devo me desculpar, “Memórias do Subsolo”, esse sim é meu livro predileto. Menti, levemente. Não! Apenas simplifiquei os sentimentos. Você não iria compreender todos os sentimentos. Cobri um pouco a alma. Dilacerar todos os gritos contidos. Dizer todas as palavras, assusta, corrompe.

Trazemos germes de loucura e insanidade em nossas bocas. Somos matérias corrosivas. Sabemos viver. Dilacerar todos os desejos e sentimentos. Vivemos, até que nossas escolhas nos levem de volta ao precipício. E pulamos. Abrimos o peito com todos os bisturis perfeitos.

*Cartas*

Tinha feito um rascunho, perfeito e inacabado. Sobre minha alma ruidosa, tempestuosa. Sim! A calmaria me tortura.

Acho que você estava escrevendo para mim. Mas, não importo. Fomos forjados em ferro e fogo. Depois jogados no mar gelado da solidão.

    Vejo seu rosto. Vejo você. Absurdamente perdido. Em devaneios. Burocracias malditas. Pilhas de papéis ou enlatados. Não importa. Elas interrompem nossas vidas.

    Fomos marcados em ferro e fogo, forjados na centelha dos deuses e todos os seus dilemas. As memórias nos assombram. Somos sombras de solidão. Sozinhos, juntos com os amigos.

Um mar de calmaria tempestuosa. A febre ardente do desejo em alucinações e pedidos de perdão.

*Leveza*

Ah, não existe calmarias, ventos tranquilos.

Viver é transbordar.

Sonhar. Buscar o inacessível.

 Esperar você!

Uma eternidade.

Por enquanto você mente para você mesmo.

Uma mentira ignóbil.

O gesto. Ah, o gesto.

O gosto do riso.

Não nos perdemos no mundo.

Ah, essa quietude não existe.

Brincar!

A única forma de viver.

Sorrindo para confrontar a alma destorcida.

E nesses reinícios.

Encontros dilacerados.

Eu vejo você agora.

Nesse instante.

Perdidamente em ruínas.

Os martelos maltratam o destino. Construir escadas.

E depois pular para sentir toda a dor. Sentir o indecifrável.

Eu vejo você maravilhosamente perdido.

Como uma taça de vinho sendo tragado e depois cuspido.

Diluído em suas incertezas…

Suas decisões erradas. Gastas.

Tanto amor desperdiçado. Desfalecido.

Suspirou escondido.

 Foi leve.

Minha alma exposta em seu murmúrio exaltando a leveza.

Me lembrei da literatura em confissões de perdão.

As rosas sem fragrâncias.

Deus deve mesmo saber dançar.

Espero toda a decadência em meu corpo.

Até os últimos lampejos

Cortando cada pedaço.

E depois sendo devorada e amada.

Capítulo 2

Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados 
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado. 
Eu deixarei… tu irás e encostarás a tua face em outra face. 

(Vinícius de Morais- Ausências)

*Amor*

Não quero piedade ou falsas promessas. Nada que não me arranque a carne, dilacere minha face, terá eternidade. Apenas o amor em febre pulsante e doente. Toda a devassidão em um segundo de uma eternidade. Sentir o mundo em minutos. Olhar a sua face e morrer da mais sublime insanidade.

Segurar seus pulsos e vibrar junto com seu corpo. Olhar o seu rosto e ver a minha própria face. O amor é escandaloso e suave. Amaldiçoado e vislumbrado como uma meretriz em clemência.

Aos santos todas as reminiscências e aos pecadores somente glórias de quem realmente viveu e sentiu a vida pulsando ordinariamente. Somos metáforas ridículas. Mulheres perdidas sobre a noite solitária e incongruente. Mentimos maravilhosamente bem. Seu corpo me acompanha como uma dançarina inacabada.

Ah, como vislumbrei sua doce presença martirizada como um indigente, perdido na mais sublime prisão. O cachorro uivando para a lua, sozinho sobre o vento gélido, incapaz de mover, respirar ou mesmo chorar. Tanta dor exaltando o deserto infinito. As escolhas erradas. Mas, nem mesmo existem escolhas certas. Apenas esse maldito caminhar indissolúvel.

 O único momento de paz, esse único sentimento de leveza, apenas alcançamos quando nos atiramos para dentro de nossos precipícios. Ah, o abismo habita em nossa alma castigada. Tão deplorável essa existência. Extremamente miserável.

*Súplica*

Estou escrevendo com sangue e dor. Você está me fazendo chorar. Por favor, pare! Pare!

Somos retalhados, cortados todos os dias, picados, desmembrados incessantemente. Os sentimentos expostos, vividos, ávidos de amor. Depois somente as pausas. Respiramos.

Não existe fuga. Escolhas. Apenas esse martírio, correndo. Lembrando de nossa vida ordinária.  Meus sentimentos começaram a se acalmar. Aceitar você. Seu corpo. O semblante delicado e fraterno.

A voz suave, mansa. De quem já gritou todos os horrores dentro do peito. Agora o olhar parece que aceita a morte docemente. E como é bom morrer, parar. Conseguir uma lágrima em um rosto empoeirado.

Tenho que dormir novamente. Estou mais uma vez exausta. Perdida. Sentindo toda a minha força escorrer levemente. Os olhos estão cerrados. Não quero abrir, nem suplicar. Apenas seu rosto me conforta.

*Olhe*

Os dias estão velados, gastos e arruinados. E você ainda insiste em continuar. Por favor, olha para o precipício, esse abismo abaixo de seus pés, pule e me abrace. Meu coração já te pertence. Apenas pule. Abrace a solidão. Caminhe pelas pedras. Por entre as sombras, e me ame eternamente.

Seu medo é intenso. Pare de resistir. Não tenho tanto tempo para esperar. Enquanto não sentirmos o chão, e todo o nosso corpo desfeito, não conseguiremos nos reestabelecer. É preciso sangrar todos os sentimentos. Te vejo tão perdido. Tão intenso. O corpo morto e juntando todos os seus pedaços em lâminas afiadas.

*Chuva*

A chuva cai fininho lá fora. Suave. Lava o corpo arruinado. O pensamento distante, sombrio e passivo. Vejo você cada vez mais perto. Sofrendo, insistindo em sorrir. Insistindo em insistir nesse pesadelo. Apague a luz, quem sabe você na escuridão, não consiga ver o fim do túnel.

Apague a luz e comece a olhar ao redor. Depois olhe no espelho e procure por seu rosto. Aquele mesmo que ficou no passado. Quando os dias traziam passarinhos para os seus braços.

 Por favor, fale o meu nome. Até que seu coração consiga ouvir. Por favor, fale o meu nome. Até que sua alma se cubra com minha angústia. Por favor, fale o meu nome. Até que o seu corpo sinta meus dedos tocando o seu rosto.

Por favor, fale o meu nome. Até que você abra os seus olhos e veja o abismo. Pule… Feche os olhos para sentir o vento, e para que finalmente você possa conseguir olhar de verdade. E depois me dê um abraço.

A cada palavra escrita nessas linhas, mas eu me perco em você. Impossível retornar ao início. Jamais será como antes. Você cruzou o meu destino. As palavras serão cravadas em minha carne. Cada uma, letra por letra, tintas e pesadelos em meu ser.

Prometo vivenciar todas elas. Meus demônios são imensos e belos. Talvez ousados, desafiadores. Não luto. Agradeço todos os meus pesadelos. Eles me forjaram em rios de fogo. Depois rochas vulcânicas. No peito o calor continua intenso, vivo. Os olhos. Ah, os olhos, são areias movediças. A boca, blasfêmias sussurram, junto com meus gritos intensos, luxúrias e pecados ordinários.

Aceito todas as correntes. Todos os infernos. Todas as tentativas decadentes. Todos os precipícios. Todos os abismos para ter por um dia o seu corpo. Uma noite dentro dos seus olhos. Um suspiro próximo a sua alma. Um minuto gozando em seu corpo. Ah, aceito todos os abismos para ter você perto de mim. Todos os abismos.

  Fim.

Encerro a primeira parte desses “Rascunhos Inacabados”, com uma angústia imensa. Mas, é preciso parar. Preciso que ele compreenda que os “infernos”, são tantos. As dores são imensas, e os abismos são eternos. Apenas conseguimos fugir por um instante. E então, amamos.

Amanhã irei retornar para esses meus malditos “Rascunhos Inacabados”, “Cartas para o amor”. Sei que nunca serão lidas ou mesmo sentidas. Meu corpo está em febre, náuseas. Você me jogou de volta para o abismo. E eu aceitei sentindo toda a delicadeza do vento sobre minha face. E todas as pedras cortando minha carne. Não se preocupe, irei sobreviver. Você me alimentou de sonhos, fez emergir todos os meus pesadelos de volta para o meu rosto. Eles irão amparar minha queda.

Posso ver no fundo do abismo seu rosto próximo a montanha. O vento me traz uma leve brisa, e finalmente eu consigo morrer com sua imagem diante da minha face. Não tenho medo, apenas uma paz infinita. Finalmente meus pesadelos adormeceram.

(Primavera De Oliveira)

Através da Janela (Selene de Maio)

 

Selene de Maio,

escritora da primavera, de romances intensos

e nebulosos. Fragmentada em ilusões amorosas.

 Instantes audaciosos e

inesquecíveis.

Um prazer contido

 em cada página.

Um coração roubado e fervilhado do mais puro

 êxtase momentâneo.

(Primavera De Oliveira)

Um amor num espaço de tempo. A infinidade de se amar. Buscar o inalcançável e depois sucumbir ao prazer, desmembrando cada parte do corpo em um êxtase profundo.

O livro “Através da Janela”, narra todos os alicerces demolidos

de uma nova paixão. Sejam bem-vindos a cada página desfigurada

desse amor

doentio e sombrio.

(Selene De Maio)

Viver como luzes incandescentes na mais completa escuridão.

(Primavera De Oliveira)

 A noite nunca foi solitária. O céu sempre acompanhou você nos mais tórridos dos destinos. (Selene De Maio)

COMO CONTINUAR?

Um espaço na eternidade. Nesse vazio gritante sussurro seu nome. Vejo seus precipícios. E como são belos. Poder te tocar, apreciar, sentir seu gosto, sua boca decadente e infame.

Tragédias humanas. Deterioramos entre escolhas solitárias. Te amo. E como eu amo. Perdidamente? Não! Não mesmo. Amo seus olhos e toda a sua insensatez. E ainda continuo a amar seu corpo. Seu gosto. Suas ruínas. Todo esse seu desprezo.

Ontem olhei para a sua janela. Penumbras? Talvez uma taça em ruídos dilacerados pelo chão. Ainda sinto seu gosto. Sua boca sufocando meus gritos. Sua língua amaciando minha pele, percorrendo meus poros, minha glote.

Descruzo minhas pernas e trepo ordinariamente. Como é bom sorrir. Enlouquecer. E depois adormecer o meu corpo em seu peito retalhado.

Hoje despeço de nossos encontros. Busco um pouco de lucidez. Visto meu manto de solidão. O calor é doce, suave, desliza sobre minha pele. Deito-me sobre a cama e masturbo com meus olhos sobre você. Gozo maravilhosamente sobre sua face maldita.

Apenas nesse instante, desprezo. Escárnio. Retribuir feridas. Esfaqueamos nossas verdades e depois voltamos para nossa casa sombria e cada vez mais solitária.

O rosto no espelho nunca mais foi o mesmo. O sorriso tem profundidades inalcançáveis.

Conseguimos cantar em silêncio. Chorar no desprezo. Nem mais fingimos, apenas somos o que nos tornamos. Monstros fraternos. Desertos. Montanhas de areias. Olhamos para esse mar maravilhoso do deserto. Pisamos em princípios, sentamo-nos e sorrimos.

Olhamos para esse abismo e sentimos toda a paz adormecer nossas mentes. E o corpo finalmente aceita a morte. E levemente sorrimos. E o meu amor cada dia mais me trouxe um pouco de você. Beijos no infinito.

Como não poderia amá-lo? Todo o ar que eu respiro é você. A cada deslizar dessa caneta eu me perco em leves sorrisos. Meus olhos me trazem você.

Selene de Maio

22/07/2021

I Parte

Meus olhos sempre contiveram você.

(Selene de Maio)

Alucinações passadas

Ontem sonhei que demônios saiam de meu corpo. Eram alucinações malditas. Sem tempo nem espaço. A atmosfera era negra. Impossível olhar o horizonte. Apenas espaço sem paredes. Uma bolha nebulosa.

E minhas tentativas inúteis de não contaminar. Vagões eram separados. Apenas os famintos eram segregados. Em outros espaços os melhores eram selecionados. O caminho era sem volta. Uma escravidão em ruínas.

Vivíamos no terceiro andar isolados, esquecidos do mundo. E a noite contaminava todo o espaço. Tudo sombrio. Nevoeiros de maldição.

Acordei nessa manhã de inverno com esses sonhos entre meus pesadelos repetidos. As dimensões sufocam nossas vidas. E em qual delas podemos viver uma fantasia?

Nada mais me assusta, aos poucos vamos bebendo a noite. E nem mesmo percebemos a ausência da luz. Apenas um horizonte de escuridão, medo e abandono. Sem tristeza, me desespero num altar de mim mesma. Apenas aceitamos.

Continuar?

Acordo com o olhar vazio. Uma leve penumbra no dia. Lembranças de tormentos. A memória apenas fleches de instantes nostálgicos.

Por vezes monstruosos demais para que sejam lembrados na sua íntegra. Desprezo. Ah, esse verme que corrompe nossa alma.

Na época não existia sentido. Mas, hoje compreendo aquele instante que meu olhar congelou por segundos. Existia algo que me fazia sorrir. Uma nuvem de esperança que passeava pelo meu céu de fevereiro. Era um corredor vazio, algo que não poderia ser compreendido nessa dimensão.

O sentimento de pertencimento, talvez houvesse gritos me chamando, guiando, não sei bem explicar.

Existia algo oculto e indecifrável. Meu coração congelou e minha mente tentava compreender.

Apenas nesse momento consigo entender, somente nesse presente as lacunas desse labirinto foram decifradas.

Sei que você estava por entre aquelas paredes. Agora meu passado reflete nessas páginas desse presente infame. E novamente você recusa compreender. Morreu mergulhado em sua exatidão. Suicidamos em quartos separados, nesses rascunhos inacabados.

Quinta-feira negra.

O sorriso melancólico que transborda em cinismo, rebeldia e falência de uma vida. O vazio abrangendo todo o ambiente. Paredes negras.

O chão em abismo. O céu em metáforas. A dor extrema da escolha maldita. Sem vida, sangue, plasma, olfato e olhar. Talvez todas as cifras corrompessem suas artérias. O café ordinário, o cheiro esquecido. O amor nunca vivido.

A procura. O peito em ruína. A aceitação cristã. O peso da família. O sobrenome aplaudido. Esqueceu de ser ele mesmo.  Preso em passados de ruínas decadentes de esquinas.

O amor ficou do outro lado da rua, abandonado em sua liberdade. A sina de ser você mesma e transformada em precipícios de jardins. O abismo de uma cama confortável e bela. As gargalhadas voltaram para meu rosto e cada vez mais estridentes.

É difícil ser nós mesmos diante de tantas faces embrutecidas. O concreto da vizinhança sufoca os gritos.

As paredes se tornam bolhas sem cantos. Sem janelas. Sem portas. Apenas o espaço girando, contraindo e dilatando as veias de meus pensamentos. Tudo girando e contraindo o peito. Naufragando os olhos. Sem abraços. Apenas o manto da solidão confrontando e aquecendo a alma.

Os caminhos foram separados tortuosamente. O aprendizado era o oposto de todos os verbos adjacentes. Sombras caminhavam junto com alguns traços de luz.

Você me veio calmamente em semblantes de solidão. Magicamente perdido em sua insensatez. A loucura vestida de razão. Tudo clama misericórdia em sua face.

Amei perdidamente seu semblante de pecados. Pasmem! Nunca alguém refletiu tanto a minha própria face. Os sentimentos foram contraditórios. 

Primeiro desejei, amei. Depois odiei cada olhar que remetia sua lembrança. Refletimos nossos fracassos em rostos amaldiçoados.

Esses míseros “rascunhos inacabados”. Sim, você. Não escrevi todo o alcance de meus sentimentos. Na primeira parte apenas descrevi as primeiras ondas do amanhecer. O sol nem mesmo tinha emergido em sua força.

Apenas a lâmina do vento frio e gélido batendo sobre minha face. O precipício nem mesmo tinha sido construído. Simplesmente uma areia deserta, sem conchas ou estrelas do mar. Um deserto infalível de um oceano infinito.

Olhei calmamente seu discurso inicial de arrependimentos e ausências. Um confronto revestido de resignação.

Era novamente fevereiro. Odeio esse mês. Sempre uma surpresa desagradável. Um amor em conta gotas. Um alvoroço juvenil.

Talvez esse despertar de esperança a cada recomeço. Sempre me surpreendo com essa capacidade do ser humano de amar. Recomeçar novamente em um novo formato.

Novas desilusões sombrias, esperançosas, ruidosas. Odeio ter esperança. Deixar despontar um sorriso. Aos poucos vamos nos acostumando com o eterno retorno do amor, e logo depois seu fim no espaço de uma curva.

Tudo termina em ruínas. Depois de um tempo os pedaços dessa insensatez se tornam cenário para o início de um novo amor, porém sem grandes atribuições.

Começou no final de um abismo

Um dia antes foi a temperatura mais baixa dos últimos anos. A geada atingiu os campos do interior, relatos de animais que não suportaram a baixa temperatura e morreram em manadas.

Nos campos o barulho de cacos de vidros, pois quando seus moradores pisavam sobre a relva molhada e petrificada pelo frio intenso que cobriu os dias, e então os estalos em passos. E foi justamente nessa estação mais fria do ano que meu coração aqueceu minha alma.

Sua boca tinha cheiro de pêssego. A maciez do veludo. Os olhos semicerrados. E o seu gosto extremamente adocicado. Foi em uma manhã de inverno com o barulho ensurdecedor do motor do carro ligado e com a conversa febril no telefone, a discussão, o desentendimento. Fiquei olhando. Admirando.

E por um breve momento você desligou, e todos os ruídos desapareceram. Somente nós dois naquele espaço. Eu sei que você continuou me olhado ir embora com as chaves recém roubadas. Ah, que manhã ensurdecedora. Acordou meu pobre coração. O lençol revirado, meu cabelo solto e desiludido. A água quente aguardando o café. Foi num pobre sábado. Parece que ficou num passado tão distante.

E depois novamente nos encontramos. O telefonema da noite anterior. A roupa despida devagarinho. O beijo molhado, quente, vibrante. Uma boca suave, intensa. Uma eternidade dentro de um minuto.

Um oceano dentro de uma única gota. Minha mente começou a girar. O corpo ainda estava quente quando ele foi embora. Os lençóis sempre amassados. Pensei em desistir. Eternizar esse instante de calor em meio ao inverno mais frio dos últimos anos.

Fecho os olhos e escuto o barulho da relva sendo esmagada no caminhar de seus moradores. Parece estilhaços de vidro sendo recolhidos depois de uma intensa luta. O branco dominando a paisagem. O gelo formado em camadas finas sobre a água cristalina.

Mas enquanto vou descrevendo o tempo, vou olhando seu rosto refletido sobre minhas lembranças. A boca, o olhar profundo. Tento respirar inutilmente o seu corpo. Não consigo. Apenas abraço o inalcançável. O amor eterno no início da noite. Nem mesmo esperamos a madrugada.

A despedida sem garantias ou promessas. Apenas o barulho do portão gritando a vida em seu rangido solitário.

Através da Janela

Era final de tarde e o sol ainda continuava vigorando depois da janela. O calor era insuportável, talvez Maomé tivesse alucinações desprezíveis nas temperaturas incandescentes do deserto.

Ainda lembro do frio e minhas pantufas pelos corredores do velho hospital. O câncer que acompanhou minha vida por tantos ciclos.

As lembranças acompanhadas de uma xícara de chá. Ah, sim, todos os dias em intermináveis recomeços. Reconheci sua voz assim que virei o olhar sobre o pedestal de um final de relacionamento.

As migalhas não alimentavam mais a alma desvalida, torturada. Ainda continuo acompanhando sua saga de jardineiro. As flores crescem a cada dia nos canteiros trilhados por suas memoráveis mãos. Tantos afetos desprezados.

Somente nesse ano em que as sombras me alcançaram notei sua doce presença nesses percursos de seringas e morfinas. Abracei tantos carrascos, tanta solidão que me cegaram. Agora reconheço meu abismo acima de minha cabeça. Existia um céu e tanta luz.

JUBARTE

Ah, o som. A insensatez. O saber desprovido de razão. Bom, acredito que tenha sido o calor. Era primavera, o sol queimava, florestas sendo devastadas pelo fogo. E na tarde de domingo o mormaço me lembrando, consumindo minhas memórias.

Tentei mil vezes correr do meu destino, mas você estava lá, tão sério, intenso. Busquei minhas lembranças. Ah, agora percebo, você nunca se aproximou.

Minha presença atormentava. Você fugiu para longe do meu encontro. Corremos do destino e ele apenas nos aproximou ainda mais.

Começo a sorrir. Talvez, o tempo. Ele mesmo, sempre presente, lembrando. E a fita do destino ficou flutuando no céu escaldante.

Labaredas de calor consumiam a vegetação castigada pela seca. E você tão intenso consumia minha seiva, meus orgasmos espalhados pela cama que dormimos sobre a noite incandescente.

E na manhã coberta de sol de primavera, as últimas flores desabaram sobre o concreto escaldante, o céu sem nuvens, límpido e obstinado acompanhou nossos últimos momentos, bem no final da primavera.

Últimas palavras

Sempre sobram espaços para as últimas palavras, aquelas que nunca foram ditas, pronunciadas. O último minuto, as últimas lágrimas caídas, meu Deus, e como elas caem lentamente.

O percurso do rosto até o chão. A cabeça levemente abaixada e as lágrimas pingando igual gotas de chuvas. Os últimos minutos.

E quando a esperança der seu último suspiro sufocada em sua loucura, na busca de se viver, sempre sobrará espaço para as últimas palavras não ditas.

O último cigarro tragado. A taça não bebida. Sempre no último minuto um sopro sufocado do fim de um único suspiro. A esperança depois de longos períodos de agonia, agora silencia no fim dessa primavera maldita. Ah, como é bom dizer adeus.

O intocável tocável destino

Brumas, penduricalhos e nos outros muros, seu rosto sem espelho. Metáforas da angústia.

A escravidão moderna nos noticiários. A primeira boneca depois de uma eternidade. O rosto sem rugas, expressões. Prosopopeias da atualidade.

Compramos embalagens reluzentes para presentes transparentes. Na camiseta decorada, desenhos de unicórnios.

Gargalhadas proféticas. Lembro ainda como se fosse hoje, subi as escadas suavemente acompanhada do seu olhar. O destino com lâminas afiadas mutilou nossa presença.

Depois de tanto tempo a distância trouxe uma brisa de sua presença. Na verdade, foi apenas um sentimento. Uma emoção que foi preenchendo cada sopro de minhas manhãs.

Vejo você mais velho, um pouco mais cansado. Os braços mais fortes. O olhar mais sombrio e o sorriso mais triste. Um desalento sem explicações. Ainda procuro nosso martírio. Os deuses devem estar mesmo loucos com nossa desobediência. Todos os ventos me trazem sua lembrança.

Nossa linha estava o tempo todo próxima, embaralhando nossa angústia, apertando nosso pescoço, cortando nossa carne, agora que o tempo desenrolou todas as pontas, ficaram as cicatrizes expostas. E o coração em pedaços insistindo em bater nossa melodia mais profunda.

Meu querido são brumas que não voltam mais. Pesadelos revestidos de sonhos. Solidão alimentada por anjos. Uma morte lenta e angustiante caminhando lado a lado em nossos malditos passos. E em todo o meu corpo eu vejo você.

Sinto sua presença em todos os dias miseráveis de minha vida. Agora que o laço não corta mais meu pescoço, posso sentir toda a minha solidão e perceber sua presença insistente.

II PARTE

Pesadelos de um passado sombrio e triste, velado na mais pura solidão.

Talvez! Talvez. Quem sabe eu o amasse de verdade. Nenhum de nós dois iremos descobrir. Foi melhor assim. Sem decepções. Nem lençóis amarrotados ou corações despedaçados. Verdades! Apenas nossos corações sabem sobre elas. Malditas verdades. A consciência inerte como neblinas de calor sobre o asfalto.

Somente um céu sem nuvens e o brilho do sol consumindo nossas consciências. Seu beijo nunca mais será lembrado. E sobre o meu rosto nenhuma lágrima será mais desenhada.

As cadeiras vazias do refeitório. No final do corredor a última luz apagada. Ainda consigo escutar a sombra dando seus últimos passos.

Apagar a mente com um leve sorriso sobre os lábios ainda úmidos do seu último beijo de adeus.

(Primavera De Oliveira)

Mármores de pétalas

O frio que cobria meu pescoço era de náilon, fino, cortante e indecifrável. As lembranças em cápsulas paradisíacas. O corredor. Algo me remetia para aquelas portas. A atmosfera suspensa sobre o peso geométrico. Mármore. Deuses gregos em bancos universitários.

Os desenhos sempre em rascunhos de rostos invisíveis. Nossas miseráveis vidas foram sendo redesenhadas, rabiscadas, dilaceradas por nossas escolhas. Talvez, devido a esse coração impossibilitado de sentir.

Os espaços vagos foram sendo ampliados cada vez mais. O peso desse fio invisível e tirano foi estrangulando dia a dia nossa esperança. Começamos a envelhecer e nem mesmo decoramos nosso jardim.

No final do mês iremos comemorar o início da primavera. O céu florescerá em pétalas rubras depois de uma leve chuva de gotas afiadas. Finalmente seremos enterrados sobre nossos jardins floridos.

Quarta-feira

No meio dessa semana interminável, arruíno minha vida docemente. O amor em cápsulas revestidas de solidão. Abandono em afagos eternos de insensatez. Miseráveis vidas. Penduricalhos balançando contra o vento em perfeita harmonia.

A porta voltou com seu ruído majestoso. Uma canção hilariante ressoando nesse vazio imenso. Ontem olhei novamente através de sua janela opaca e sombria.

Apenas um sentimento leve de um passado tão distante, faminto em se viver. Morremos todo entardecer no mais vazio dos tormentos.

As lembranças sussurram nosso instante. Lembranças infinitas de um segundo não vivido. Nos perdemos em labirintos miseráveis de livros empoeirados. Estantes que afrontam nossas vidas.

Os corredores abrigam lembranças. Elas cantam majestosamente. Entre colunas, jardins. Sobre os estilhaços, morfina. Nos sorrisos indefinidos, palavrões contidos do mais puro desprezo. Mergulhamos em nossas loucuras profundas. A escolha sempre foi nossa.

Tártaro

E se eu te dissesse que ainda guardo todos os seus desejos. Um pouco gasto, nem mais tão profundo, apenas raso e insignificante. Aliás, aos poucos percebemos que nada mais importa, vamos ficando ou nos tornando indiferentes. É preciso muita luz para suplantar todo o ambiente sombrio de nossa alma.

Somos sombras de nós mesmos. Os instantes vão se tornando insignificantes. Tudo vai perdendo o sentido, apenas mais um dia, outro recomeço. Novamente outros passos. Outro sorriso indiferente. Novos rostos velhos e distorcidos.

A janela não é mais a mesma. Nem mesmo percebemos se está fechada ou aberta. Tudo vai se torno indiferente. Nem mesmo importamos se existe uma parede ou outras lágrimas. Somente o abismo parece sorrir de verdade em gargalhadas estridentes.

O coração fininho e anêmico. A música precisa ser autêntica. O som deve ser forte, o volume no último patamar das desgraças. Começo a sorrir.  Ultimamente não paro de sorrir. A morte deve ter uma programação com altos índices de audiência. Novamente começo a sorrir.

No final do precipício o tártaro lindo e bárbaro como novelas ao acaso. Toda a lucidez no fundo do poço em labaredas perfeitas. Ah, como a loucura se tornou a própria sensatez desses nossos dias de infindáveis ruínas.

Busco em minha memória toda a volúpia de nossos encontros de um passado obstinado em lamentações infames de presentes miseráveis.

Seu sorriso nunca foi intenso. Apenas um leve desenho num rosto arruinado. Tão preso em seu passado. Morto por lembranças, pelas escolhas erradas. Foram tantos os caminhos contornados de incertezas que agora pouco importa.

Erramos em tudo. Sem pecados. Nunca merecemos o nosso próprio perdão. A culpa será nossa única companhia depois de todo esse tempo esquecido.

Panfletos

Era abril quando o coração ainda suportava a esperança em panfletos de esquinas. As escritas contidas em papéis coloridos. Foi numa manhã singela de domingo que atendi seu pedido.

Nos encontramos falidos, mas ainda existia um pequeno brilho de esperança doentia em nossos olhos devastados. Nunca mais encontramos nossos versos. Os cadernos foram todos descartados. Matamos toda a poesia no final de domingo.

Todas as palavras que não foram escritas, nem desenhas ou sentidas. Apenas sufocadas, estrangulas em nosso pensamento. Assassinamos nossa alma, enterramos nossos novelos.

Não tivemos nenhuma missa, nem um canto, nenhum acorde. O túmulo não era mais frio que nossos corpos. Morremos naquela tarde de domingo. Seu corpo não sangrou, minha pele não dissolveu, minha mente finalmente conseguiu alcançar toda a paz perturbadora de uma vida. Finalmente morremos.

Os meses passaram tão rápidos. Começamos tudo novamente. Rastejando. Lambendo as tetas do amor ou da rejeição adúltera e fragmentada de escárnio. Crescemos em desprezo e solidão. E novamente nos encontramos. Esses recomeços de amores indefinidos. Meu coração sempre esteve preso a suas lembranças. Seus tormentos sempre alcançaram minha alma.

Nossos desencontros sempre nos trouxeram todas as misérias dessa única e inexplicável vida. Sem tesouras, sem facas, sem anotações.

Novamente esse maldito desencontro. Os mesmos erros. Insistimos em fugir, corrompemos a esperança. Tragamos bebidas de solidão, adultério encobertos de cocaína e whisky. Beijamos a atmosfera de nossas desgraças.

III Parte

Cortinas em janelas indiscretas. Semblantes de pessoas estranhas em sutilezas densas. Sonhar com o paraíso em chamas depois de consolidadas todas as desgraças em labaredas amaldiçoadas. Sua lembrança suaviza meus pesadelos ruidosos.

(Primavera De Oliveira)

O amor em parcelas gratuitas

Dessa vez sem janelas paradisíacas. O fio puxando levemente a cortina e encobrindo tudo. Desenhos em papéis coloridos. Assumimos nosso desespero em embrulhos de presentes memoráveis de nossas confraternizações demoníacas.

 Buscar a morte em paladares adulterados. Em demônios execráveis. Borboletas em novembro.

Meus santos nunca foram confiáveis. Estabeleço tantos cordéis. Todos os bemóis e sustenidos me foram apagados.

Tudo sempre foi mantido em escárnio. Parcelado em tarifas autoritárias, manchadas de abandono.

Sonhei essa noite que você dizia adeus. Senti tanta paz. Chorei em calmarias olhando a correnteza suave deslizar pelas pedras infinitas. Novamente esse início interminável.

Pincéis diluídos em álcool

Os desenhos em rabiscos, envolvendo linhas, páginas manchadas, cabeçalhos vazios, sem assinaturas ou ponto final.

Palavras, traços ao acaso no início da linha. Parágrafos, acentos, sem frases terminadas. Apenas o começo. Novamente o início. De novo o recomeço. O fim sempre o mesmo. Vazio.

Todos os pincéis molhados de puro álcool. A vida pronta a inflamar. Meus demônios são intensos e letrados na mais pura devassidão. Ontem sonhei com sua boca adulterada e pálida do mês de agosto.

Você me veio como uma sombra fresca e sorridente. Morri muitas vezes em seus braços e depois novamente no mais puro desprezo.

Apunhalamos nossos destinos. Através da janela aprisionamos nossos sonhos e esfaqueamos nosso amor delicado. Abandonamos nossos pesadelos em intermináveis noites sobre o luar solitário. Terminamos enlouquecidos em nossas escolhas.

Nossos caminhos nunca mais serão os mesmos. Até que enfim, morremos. 

Selene de Maio.

Apontamentos

Era para ser “Borboletas de Novembro”, mas as janelas…

Elas precedem nossos tormentos.

Vivemos escondendo por entre frestas, janelas trancadas e esquecidas.

E por vezes envolvemos em cortinas. Escondemos do mundo, e no final apenas de nós mesmos em cortinas.

Nunca pensei em subtrair ou me envolver em mantos de solidão, apenas cortinas sobre parapeitos.

Como se quisesse cobrir a alma. Esconder do sol. Dessa vida infame e esquisita que nos consomem como mercadorias em prateleiras de supermercados.

Somos os produtos poucos ostentados dessa iguaria vendidas em mercados imundos e povoados dos mais exigentes fregueses.

Meu rosto vislumbra sua face perdida e autoritária.

O meu amor ficou esquecido no fundo da prateleira empoeirada.

Sem preço, promoções ou carrinhos de compras, apenas suplantado por produtos reluzentes.

No final pouco importa se estamos vivendo ou lendo um livro de folhas desiguais.

Apesar do final, sempre recomeçamos em nossas tragédias pessoais. Talvez seria melhor “Borboletas de Novembro”, pouco importa. No final as janelas continuam fechadas e encobertas de mentiras e desprezos.

Meu amor nunca foi de agosto. Apenas recomeços…

No final que bom que nós dois morremos em nossas escolhas.

Finalmente um pouco de paz antes de todo o recomeço amaldiçoado de nossas escolhas indesejáveis. Somos cruéis com nossa face. Seres doentios e esquecidos.

Tramamos contra o destino. Mas, no final continuamos nós mesmos.

Somos matérias gastas. Seres ordinários. Mesquinhos. Fingindo sentir o outro, além de nós mesmos. Misérias…

Tantas pobrezas em se viver! Sentir! Desejar!

Vivemos uma vida inteiras em frações de segundos. Depois ficamos arrastando pela vida esperando sentir esse milésimo de segundo novamente.

Uma vida inteira desperdiçada, esperando.

Meu amor foi muito maior que eu mesma.

Sobre a janela descansa meus fracassos encobertos de cortinas.

E sobre as suas janelas, imensas escadarias que levam para o mesmo precipício que um você tentou se ausentar.

O destino e suas armadilhas.

Na esquina o mesmo abismo que no passado enterraram nossos corpos.

 Agora somente janelas fechadas.

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O Corvo

O Corvo (Primavera De Oliveira)

A literatura atravessa o tempo, corta a carne e o pensamento latente. The Raven –  O corvo de Edgar Allan Poe, perdura no tempo e me assombra nas noites frias e escuras.   Talvez, devido aos meus demônios pessoais e a solidão acompanhando meus momentos. O corvo e tantas outras aves amaldiçoadas acompanhando nossos dias. Então, espero que gostem da leitura do meu corvo pessoal e sombrio. 

https://podcasters.spotify.com/pod/show/catia-castro8/episodes/THE-RAVEN—O-Corvo-Fanfic-eb17mu

O corvo

O Corvo na espreita janela dentro do vento que assombra os aposentos, murmurei falsamente! E na janela o frio de dezembro em brasas navegantes.  Eliel e nunca mais! Sobre a soleira espiando sobre a noite em névoas espessas, Eliel e nunca mais!

Eliel e os anjos, sua lembrança atormenta meus sonhos no fumegar das noites evidentes, nunca mais, diria no início da madrugada, o milharal se debatendo contra o vento. O Corvo presencia o precipício do tormento. Nunca mais! O vento. A cantiga da noite. O clarão da madrugada sombria. O ruído do vazio e nele o grito da noite em nuvens fumegantes, sobre o despontar da lua, lampejos e nunca mais.

E agora nessa hora, bate-me a porta nesse gorgolejo em espesso sombrio dos umbrais. Eliel, e nunca mais! Apenas o esguio do infinito e nada mais. Eliel, e os céus fumegantes esguiam um grito, e nunca mais!

E como no final da última nota, o tilintar do ruído diminuindo e fluindo na sombria noite, meu coração lampeja num sustenido, e agora e nunca mais.

O martelo trabalhando na noite névoa e silenciosa, murmurando batidas e nada mais.

A negritude do vazio e sobre a janela o corvo junto com o vento uivando lá fora. Em sua negritude e insolência da noite escura e em penumbras, apenas me disse: “nunca mais”.

E diante de tamanha noite sombria e apavorante da espreita janela sorriu-me a face densa e sufocante. E ainda sussurrando um som maldito e nada mais. E o Corvo ainda robusto e rígido diante dos umbrais da noite escura disseste teu nome e novamente o Corvo me disse: “ e nunca mais”.

E o corvo agourento e a cabeça inerte, então, o que trazeis dos umbrais infernais? E ele apenas disse: “não agora”. E grasnou rouco e sombrio me lembrando Eliel, e nunca mais.

Riste e inerte no robusto arcabouço a ave funesta e pálida emergia seu canto e nada mais.

Ave infeliz, agourenta, sombria e abismal, diz-me o que trazes dos umbrais? Desaparece ave sinistra e funesta. Deixei por hora nesse silêncio escuro! E o Corvo disse: “Não agora.” (Primavera De Oliveira)

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A PATA DO MACACO

A PATA DO MACACO  (o retorno) (Primavera De Oliveira)

Nunca aceitei o final do conto de William Wymark Jacobs, “ A Pata do Macaco”, sempre achei que deveria ter uma continuação, não poderia simplesmente terminar com uma porta aberta no vazio. Espero que gostem desse novo final, ou simplesmente, o retorno da pata do macaco.

[….]

As batidas incessantes continuaram até que a Sra. White conseguiu finalmente abrir a porta. E sobre o capuz negro um olhar horripilante sobre ele se desfez. A noite murmurava e do outro lado da rua a luz prateada se cobria de negro, de longe um uivo solitário se desprendia sob o luar.

O Sr. White procurava desesperadamente a pata do macaco para refazer o pedido já que suas palavras não foram totalmente completadas. E em meio ao desespero procurava enlouquecidamente, apalpando o chão no escuro e frio do ambiente. Subitamente a pata havia desaparecido depois que contorceu na sua mão.

Os gritos começaram a vir da sala, a Sra. White exclamava por todo o recinto, Herbert! Herbert! Herbert! Meu filho! Meu Deus, meu filho! Incrédulo e apavorado o Sr. White, finalmente desistiu de encontrar o objeto e levou o olhar para o estranho parado na soleira da porta.

-Boa noite, papai, as duzentas libras já foram entregues?

E com uma voz doce e delicada, disse calmamente:

-Quando a máquina estava me engolindo, pensei que Deus pudesse pelo menos atender o seu desejo.

-Parece que o desejo foi aceito, não é mesmo!? -E quando eu estava acordando finalmente do túmulo, e sem a minha mão que foi triturada pela máquina, algo veio ao meu encontro.

-Olha só papai, que mão linda, eu que senti todos os meus dedos sendo prensados e rasgado junto com o fogo que a máquina me sugava, e em suas labaredas o rosto sinistro de um macaco me olhava. –E depois aquela risada macabra e infinita, tudo se apagou.

-Olha para o meu braço, papai!

E esticando a mão como se fosse cumprimenta-lo, uma pata se abriu de seu paletó. O velho Sr. White, incrédulo e pálido, não conseguiu dizer absolutamente nada, ficou estático sem nenhuma gota de sangue sobre sua face.

A Sra. White, disse que aquilo não importava, era uma mão como outra qualquer. E logo disse para o filho ir à cozinha, pois, deveria estar com fome.

-Vamos, vamos filho até à cozinha, irei fazer o melhor jantar de sua vida!

E o Sr. White com o olhar de pavor, finalmente conseguiu dar um passo, e foi até a porta fecha-la. No final da rua pareceu ter visto o vulto do velho amigo, Sr. Morris.

A mãe perguntava sobre o acidente, se ele lembrava de alguma coisa depois da fatalidade. O filho dizia apenas que se lembrava da face de um macaco e o brilho das moedas tinindo sobre o esmagar de seus dedos dentro da máquina.

O pai assistia tudo horrorizado, suplicando a Deus que aquilo terminasse de algum modo. O filho tomava uma xícara de leite quente, enquanto perguntava sobre o que eles fizeram com o dinheiro. A Sra. White parecia não perceber tudo o que tinha acontecido, era como se o filho tivesse voltado depois de uma longa viagem. Como se nada tivesse acontecido, os dez dias anteriores era como se fosse um sonho. Absolutamente nada havia mudado em seu mundo.

O Sr. White preferiu não sentar, continuou imóvel próximo à entrada da cozinha olhando tudo aquilo, ainda incrédulo e com o corpo em estado de choque, ouviu tudo em silêncio profundo.

Logo depois do jantar preparado com tanto carinho e alegria pela Sra. White, o filho se levantou e foi em direção ao tabuleiro de xadrez na sala ao lado. A noite ainda permanecia escura e ruidosa, de repente um barulho fininho veio do portão lá fora. A mãe nem perceberá, mais os dois homens sim. E trocaram um ligeiro olhar, algo os vigiavam.

A Sra. White subiu as escadas para preparar um banho para o filho que retornará dos mortos, e mais vivo do que nunca. Somente o silêncio entre os dois homens permaneciam no ambiente.

O filho parecia pressentir o pensamento de seu pai e um leve sorriso emergiu de sua face.

Rompendo o silêncio disse calmamente para seu pai: – Vamos pai, está tão frio aqui que nem parece que eu voltei dos mortos. –Que tal acender a lareira?

Ainda em estado de choque e incredulidade, o Sr. White não questionou a vontade daquilo que lembrava seu filho. Rapidamente Herbert colocou sua nova mão sobre o ombro de seu progenitor. –É incrível como algo peludo pode mudar tão drasticamente o destino, não é mesmo meu pai!?

-Sim, é verdade disse o Sr. White. – É verdade! – Talvez, os destinos não sejam traçados, podem existir mudanças, não é mesmo? Ou quem sabe no final os destinos podem ser retomados depois de uma pequena fissura?

-Quem sabe, não é mesmo, meu pai, pena que nosso amigo o sargento Morris não esteja aqui para nos ajudar nessa discussão. – Vamos jogar uma partida?

O Sr. White apenas disse, nessa noite não. Apenas nessa noite, não!

Do andar de cima a Sra. White bradava euforicamente para o filho tomar o banho ainda quente.  Ele subiu calmamente e ainda deu tempo de dar uma olhada para o pai imóvel perto do fogo da lareira. De longe viu a face de algo que lembrava um macaco, mas que desapareceu rapidamente assim que o Sr. White segurou o rei nas mãos.

O frio gritava lá fora. Sobre a copa das árvores o vento dançava morbidamente como uma velha no seu último suspiro de morte.

Mãe e o filho silenciaram quando as portas cerraram e foram dormir. O Sr. White pensava alucinadamente em como pôr fim a todo aquele terror.  E foi caminhando devagarinho até a cozinha, pegou sobre a pia a faca usada para o último jantar de seu filho querido. Era melhor assim, uma aberração não poderia jamais ser permitida. Deus nunca iria aceitar aquilo como seu filho, era precisa salvar a alma daquele que mais amou em sua vida.

Riscou um fósforo e ascendeu um pequeno pedaço de vela maldita daquela noite interminável e amaldiçoada. Subiu silenciosamente a escada até chegar perto daquele monstro deitado na cama do pobre Herbert. E quando seu braço ergueu para apunhalar aquela coisa horrenda, uma mão peluda e robusta lhe segurou o pulso. Ambos se puseram a lutar. O Sr. White caiu no chão com um golpe certeiro daquela pata maldita.

Agora seu filho lhe segurava pelo pescoço enforcando-o como se fosse uma pobre criança.

Não mais sentia seu corpo, as mãos se desprenderam do peito do filho que inutilmente tentava empurrar. Nesse momento um vultou que parecia ser do velho amigo Morris, pegou a faca caída próxima ao seu filho, e com um corte certeiro decepou aquela pata amaldiçoada. E o Sr. White pegou rapidamente aquela mão e fez logo o último pedido que não tinha sido totalmente completado. E acordou na sala de visitar com o ranger dos dentes no copo vazio do amigo Morris. E ao lado do amigo, o Sr. White via seu filho atento e curioso sobre aquela velha história de uma pata de macaco. (Primavera De Oliveira)

***

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Amanheceu Mulher

Amanheceu mulher correndo nua pelo mundo (Primavera De Oliveira)

Era manhã de sábado, sua mãe dormia no mundo contida pelo silêncio enclausurado em meio ao nada. Percorreu todas as contrações,  cambaleando em versos analfabetos, beijou o acaso, e assim Manoela veio ao mundo. Linda, bela, vibrante, sorridente e cantante, cativava o mundo. Seu pai analfabeto e letrado em contas e aritméticas, alcoolizava os algoritmos.

Correndo nua (I Parte)

Não sei bem ao certo as horas em que Manoela veio ao mundo, correndo nua, fitando o mundo. Era deserto, e chovia intensamente. Manoela, bela de olhos vibrantes. Nua, gozava pelas ruas entorpecida em seu narcisismo cambaleante.  Seu algoz, desumano, agarrou seu pescoço em desprezo, sua mãe apaziguou. E assim, foi toda uma vida de estrangulamentos.

Canções inexistentes, machismo exorbitante. Manoela era hematomas, feridas pulsantes, coração em transe. Ainda sorria, cantava para desespero dos loucos alucinantes da rotina diária. Amava, incansavelmente, desesperadamente, objetos grotescos das novelas paradisíacas. Belos hematomas, feridas ruidosas.

Novamente leviana

 (II Parte)

Nas calçadas do edifício, rebolava, andava exorbitando canções, sexo, pudor, devaneios entre estrelas. No lar o grotesco da vida diária, labirintos omissos, torturas picantes em borboletas bailarinas. Baygon, detefon, odores horrendos de vidas desprezíveis. Mata baratas, matem as vidas, niilismo, somente vazio, desprezo, solidão e depressão. Mas, Manoela, nasceu nua, linda, sorridente, amante do destino, da vida, dos outros, do outro e dela mesma. Mulher, sapeca, frívola, por vezes consistente, depois novamente leviana de olhos oblíquos.

Começou bela, depois estrelas, por vezes lágrimas. Não sabia de todas as histórias, nem dos destinos, nem da vida, apenas bailava iguais as borboletas em bando. Em novembro sorriu Manoela, era desgosto e nem mesmo agosto. Foi com cuspe e bofetadas, de rim adulterado, sobreviveu, amou, rejeitou, alucinou. Sofreu, amou e sossegou o coração indócil, volátil, pardo. Pobre Manoela, tão doce e esperta. Morreu em migalhas, sofreu em demasia, até não mais se ponderar, tropeçou pela vida inaudita. Pobre Manoela, tão bela.

Consumidores em transe caótico (III Parte)

Ah, … o passado indigesto, cômico, caótico, mães adulteras, estéreis, religiosas, sádicas, vadias embriagadas. Leitões paridos, filhas ingratas, mas, Manoela era amor, bela e nua.  O tempo, a vida, a matéria, a rejeição, os amores e olhares, e Manoela nua, amantes de outros espaços, outros tempos ruidosos.

Sabe? Não somos humanos, somos fregueses, em estado de gozo. Gozamos o mundo em um minuto. Pobre Manoela, tão inocente, linda e em decadência num mundo de desumanos. Tragédias contemporâneas. Budweiser beer, gostosa, apetitosa, demasiadamente saborosa. Ah, verbos contemporâneos.  Gozar e gozar, até não mais sentir. E na solidão amar o nada, o vazio, o transe. Solidão contemporânea!

E Manoela, sobreviveu a tudo isso. Aos assédios escolares. Depois, novamente assédios no trabalho. Assédio do carteiro, do açougueiro, da manicure lésbica e feminista. E novamente do porteiro, do professor universitário, da cabeleireira que cheirava pó, do carpinteiro. Enfim, transes emblemáticos, espaços ruidosos. Destino e depois apoderar-se de merda trepante. Gozo, gozo viscoso com gosto de vazio cambaleante. Nada, vazio, inexistente, amor desconexo. Nada! De novo, nada.

Mundo cristão (IV Parte)

E continuou fumando, trepando, amando…. Até todos os novelos diluírem e suas pontas alcançarem os bueiros emergindo lodo, esgoto, tinta. Tapetes pisados, destruídos. Bofetadas, arranhões na pele, na pelve, em todos os membros e orifícios. Nos dias seguintes, ressaca, granola e mel.

Os horários, as noites, os homens. Retratos do passado, a mãe em coma, em transe, em silêncio, em rezas bucólicas, tramando junto com os cristãos. Sufocando a vida, o outro, os amores, os gostos e desgostos. Nasceu nua correndo pelo mundo na contramão das regras. Fumava cigarro, tomava ervilhas diluídas em cinzeiros negros. Tocos, pontas de cigarro, resto de álcool. Ah, … Manoela, tão esperta, tão genuína, tão linda, humana, ousou sentir e viver. Não existe liberdade num mundo cristão. Apenas fé, liturgia e calçadas desconexas.

Doenças urbanas (V Parte)

A madrugada ruidosa em restos de copos, cacos de vidros. Banheiros sujos, imundos. O pecado em resto de embalagens. Manoela, tanta vida em uma única vida. Deus quisera ser setembro e primavera. Verão e inverno congelante. Atmosferas em enredos e cantos litúrgicos. As novenas e todos os seus deuses e santos embriagados. De novo a carne, a dor, a entrega, o gozo.

Tantas atmosferas, tantos amigos, juventude plena e leprosa. Doenças urbanas, lepras viciantes. Jovens leprosos, egoístas, viciados, oníricos e líricos, perturbações mecânicas avidas de desejos autênticos e sombrios. Mundo cristão, jejum, tristeza, difamações disformes, vidas vibrantes e congeladas no santíssimo altar.

Manoela, casou. Manoela morreu. Manoela não mais gozou, nem fumou ou vibrou. Entorpeceu de vida doméstica. Cães, gatos, samambaias, vestidos floridos, temperos nos alimentos, amigos desconcertantes.

Sua mãe paria, ouvia hinos na igreja. Seu pai bebia, mentia, fedia, pulsava excrementos, mentes diabólicas. Bocas deterioradas, cheias de minhocas, restos de arroz e cachaça. Xingava, jogava na loteria e de dia dormia. Manoela amava, cantava, sorria. Começou pisando em grama, depois, sentiu a areia, o sol, o mar e o acaso. No vazio gemia. Na escuridão iluminava, e beija-flores amanheciam em seu jardim.

Era novembro (VI Parte)

Não era inverno, nem outono, nem verão ou primavera, somente estações sem cores. E Manoela socorria os enfermos, as meretrizes pudicas e as crianças desidratadas. No início de fevereiro começou plantando sementes, trepadeiras, samambaias, bailarinas, cactos e novelos distorcidos. Depois chegou novembro, chuvas e revistas de passatempo. E nas lembranças o passado em transe. Talvez, dezembro nevasse, e o final de ano temperasse a vida, os destinos, os sinos da igreja e todos os seus bares ao redor.

E dezembro chegou, juntos com as chuvas, os sapatos gastos, os delinquentes e seus enredos desprezíveis. Nem sinal de Manoela, nem de novelas, comidas temperadas ou revistas de passatempo. Juntou as lembranças, suas fotos gastas e rasgadas. Olhou para o viaduto e desistiu de tudo. O mês de novembro sossegou seu coração agitado, e no próximo mês depois de todas as lagrimas enxugadas, enxergou o vazio. E de cima do parapeito do viaduto olhou tudo isso e sorriu. (Primavera De Oliveira)

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E se amanhã

 E se amanhã…

 Talvez, amanhã, os horóscopos sejam favoráveis. Quem sabe, amáveis em suas previsões.  Sem acidentes, novelas de curta duração, amores desfavoráveis.

Caramba! Um ano par. Quem sabe, amar? Ou explicações das construções invisíveis. Bom, amanhã irei acordar novamente com seu rosto em meu travesseiro. Com sua lembrança repentina. E mesmo que você não esteja presente, amarei assim mesmo. Novelas sempre são ilusórias. Mas, o amor é singelo e belo, mesmo na ilusão é real, doce.  Vejo você em minha lembrança, tanto tempo, e infinitamente curto. Nesse ano cultivo algo que se perdeu, e agora foi achado, cultivado, lembrado. Meu doce amor.

Tanto tempo. Doce espera. Amargos os percalços da vida. Mas, nesse momento esperança de seu encontro, seu beijo, sua voz rouca. As músicas alucinantes, os jogos de futebol, sua alegria momentânea. Fotos, palcos de rock, assembleias casuais de amores desconexos.

Gozaria no seu corpo com o suave apertar de suas mãos. Seu sorriso devastador. Lusíadas, nossa epopeia, Dom Quixote, nem Dante, nem nada, apenas esse caminhar de calçadas fragmentadas.  Nesse momento dou gargalhadas de nossa trajetória, tão emblemática, tão cristã, tão casta, ainda continuo querendo gozar em seu corpo, arranha-lo, estremecer no céu de nossas devastações. Adoraria me perder, desvencilhar todo o meu pudor. E por um minuto eu sentiria segura. Mas, apenas por um minuto. E talvez amanhã…

Bom, odeio tudo isso! Adoro esse encontro e depois todos os desencontros. Não importo. Gosto de tudo isso. E talvez amanhã eu siga novamente o rumo das bifurcações. As escolhas são minhas. Não quero uma estrada reta, feliz e certa. Adoro os desiguais, os desencontros que se encontram. E amanhã simplesmente não importa. Apenas gozar em seu corpo bastaria. E amanhã? Poderia escrever luxúria, esperança, amores, sexo, encontros. Mas, talvez apenas esse presente momentâneo supere todos os horóscopos e suas previsões alienantes.

Nesse momento poderia consultar meu mapa astral, minha bússola de loucuras, meus tormentos, meus afagos, minhas novelas, porém, aceito um único instante de pecados. E amanhã eu me confesso. Os zodíacos dizem que Urano deixará meu signo depois de março, amor e sexo, mais livres e satisfatórios. Noites de rock, sem palavras, apenas minhas mãos dadas a você, uma cerveja, meio sorriso, e amanhã não importa. Quem sabe…

Matilhas, uivam. O vento sussurra, seus sonhos prosperam. Minha vida acarreta inflamações de pesadelos alucinantes. Escolhas sempre incertas. Sem lógica. Devaneios? Não!

A vida real já embarga, reprime, sufoca a esperança. E amanhã? Doce, amarga, não importa.

Vivemos lampejos, instantes. Somos roubados constantemente em nossas ilusões. Falsas esperanças, engodos, misérias congelantes. Vejo você! Talvez amanhã todas as previsões dos horóscopos, sejam amigáveis. Merda de rotina.  Conter as palavras, os sentimentos, a vida.

Todas essas batidas no meu peito tenho que sufocar, fingir ser eficiente num mundo de deficientes. Robôs adulterados. Etiquetas amargas. Pobre vida. Miseráveis vidas. Talvez seu beijo amenizasse. Um suspiro de esperança.

E talvez me perderia em sua presença. Mas, tão distante. Tão curtamente próximo. Tão emblemático. Tão bonito. E se amanhã você estivesse sem plantões, sem formulários. E eu soubesse que tudo é simples. Tudo tão verdadeiro. E então, amanhã alguma coisa mudaria. Seria por um momento diferente.

Caramba! Porcaria de ano par. De falsos momentos. Ilusões grotescas. Mas, você ainda continua tão belo e emblemático, usurpou meu coração em um segundo. Droga! O ano surgiu formidável! Que horror! Mas, seu sorriso conteve todo o meu desânimo. Meu sangue niilista. Ajoelhei nesse grito ensurdecedor. E se amanhã fosse diferente? Quem sabe! (Primavera De Oliveira)

***

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Fragmentos

De mansinho

estranho a luz foi indo… de mansinho. Não desejou ficar, foi… Veio a alegria da noite sem lampejos. reencontro com o começo. Solidão.

Sim

Ao acaso. Na vastidão do nada. Sempre escuridão. Em novelos deteriorados, Fuligem. Agora enalteço o entristecer e vejo novamente o acaso escondido no nada. Somente empretoebranco (em preto e branco).

Preto

das cores o preto… solidão sem cores

amor em escuridão

negro de dor…

amor empretoebranco  (em preto e branco).

Saber

E depois continuar,

Em branco?

Não!

Em preto,

Talvez.

Só dessa vez esquecer

Apenas nesse momento, lembrar

Você?

Não!

Lembrar de mim.

Vastidão de ausências…

Cores

As cores sempre estiveram presentes

nos meus livros, primeiro os infantis

depois alguns de adultos

e no final, apenas no horizonte

distante.

Meu amor é preto

de branco inexistente.

Minha vida é poesia

Amor em preto e branco

Vida em preto e Branco

Somente preto

Desesperadamente branco.

,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,

LABIRINTO…

Minto,

Omito

em meu labirinto.

Ilusões…

Vastidões de ilusões,

presa no labirinto,

escorre para o vazio

em lamentações,

desenganos

e alucinações.

Radiação

Erros e alto relevo

mais um engano alucinante.

Mentiras, blasfêmias.

Sociedade histérica.

Estéril.

Incapazes de amar.

Vivendo em desengano.

(Serena de Primavera)

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Velado

“VELADO”

“Você pode me mostrar onde dói”?  Posso respirar sua dor. Sentir. Tocar. Posso até mesmo te amar da forma mais insana. “O tic-tac vai marcando cada momento de um dia morto”. Posso ressuscitar todos os seus desejos. Morrer em sua boca. Tocar o seu peito. Cortar cada pedaço. E depois devorar todas as suas lembranças. “Sinto você apenas em ondas”. Hum… Caminho sobre precipícios, e eles são lindos. Resta saber se irei pular. Ah! Sim!

“Esperando por alguém ou algo que te mostre o caminho” Simples. Pule. Afogue. Sinta, transpire, arranhe. Morra! Humm… morra em meus braços numa tarde de domingo. E depois vista a sua roupa e não volte nunca mais. Preciso apenas de um momento. Esse maldito “tempo”. Apenas um instante tocando seu corpo. Sorrindo para o seu rosto. “Ninguém te disse quando começar a correr”.

Os portões do inferno começaram a abrir. Estou sorrindo. Queria que você estivesse aqui, me vendo sorrir, “céus azuis de dor”. Sinto sua boca inerte. Não preciso fechar os olhos para te ver. Sinto sua pele, seu cheiro, sua dor. Como é bom sentir o peito sangrar. Prisões modernas. Somos matérias gastas. Já escrevi isso antes. Eu vejo você. “fale comigo”, escolher o próprio chão é difícil. Viver é insuportável. “Respire”. Os céus são doloridos e encobertos de dor. “Corra, coelho, corra”. Os precipícios são muitos. E os sorrisos são intensos. Prometo digerir cada minuto insuportável dessa existência. Atravessar labirintos. Tantos sonhos incompletos, amordaçados.

O palco da solidão é deslumbrante. As melhores peças são encenadas pelos loucos. Continuo sorrindo. Meu rosto encosta junto ao seu. Beijo sua face e pulo de meu penhasco. Amo verdadeiramente minha sombra refletindo em seu corpo. Escreva um beijo de boa noite em meu coração velado de tristeza. Te amo com todas as minhas alucinações. Você me faz sorrir.

(Serena De Primavera)

Portões do Inferno

Portões do inferno

Eu também.

As portas do céu estão trancadas. Apenas o pesado dos portões do inferno está aberto para nós dois. Também… gostaria… Os pesadelos são intensos e vivos.  Mordaças. Sim, elas vão engolindo nossos sonhos. Essas malditas mordaças, ponderações de sentimentos. Não poder gritar. Acalmar os sentimentos, mesmo quando eles são intensos. E então, olhamos para o portão do inferno. Cômico. Damos risadas. O destino deve ser mesmo uma peça encenada por um bêbado, dando suas últimas gargalhadas, depois de uma vida não vivida.

Ah, eu também. E como gostaria. Mas, por enquanto irei pegar todos esses sentimentos e prometo queimá-los quando atravessar esses portões do inferno. E quando o céu gentilmente abrir as suas portas, o fogo já terá consumido o que algum dia nem mesmo existiu,

(Serena de primavera)

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O Engenho Grita na Gente

(Primavera De Oliveira)

O ENGENHO GRITA NA GENTE

Grita na alma arranhada,

Arrancando a saliva,

O grito reprimido.

Dói o peito, sangra,

O sangue ferve.

Pensar enlouquece a gente.

Ah, a gente sente, ama e canta,

Uma beleza dolorida, cheia de dor

E ofensas.

O peito clama,

Um sofrimento latente,

Que continua encoberto, disfarçado,

Em carne exposta e dolorosa.

Ah, esse cantar em murmúrio.

Tem um moinho dentro da gente,

Igual cana que vai destroçando

E arrancando a gente

Do chão.

Olhamos para o céu,

E enxergamos o passado de sangue,

O caldo de cana fervendo,

A negra sendo estuprada,

O peito amamentando

E amando essa gente.

Gente de farinha de mandioca,

De rapadura escaldante,

De moinho engolindo perna de criança,

Da senhora da casa bonita e grande,

 Do canalha Senhor molestador,

Autoritário e religioso.

Depois o padre na visita dominical,

Marcando igual gado o símbolo da submissão,

A dor pulsante e uma força tamanha,

A amar essa terra, esse sol escaldante.

Tem um engenho dentro da gente,

Que vai moendo nossa carne,

Nossa alma desatinada,

Nossos desejos profundos,

Transformados em mel,

A adoçar o paladar dos outros,

Enquanto o corpo escorre o suor,

De uma terra que clama justiça.

Tem um passado na gente,

Que caminha devagarinho,

E assombra,

Encanta.

E junto com o vento suaviza,

Quando o barulho do mato alto canta,

Junto com o finalzinho de tarde,

Sentimos a vida correr pelas nossas veias,

E um sentimento de pertencimento,

Acaricia nossa alma tão desenhada.

AH, TEM UM ENGENHO DENTRO DA GENTE.

Um dor que não sabemos de onde vêm,

Uma tristeza fininha, doída,

Que escorre sobre nossos ombros.

O engenho da gente amordaçado

Que insisti em abafar nosso grito.

Ah, queríamos o peito da mãe preta,

Acolhendo a gente.

É um país esquisito, tranquilo.

Com pensamentos em tormento.

Parece que o navio negreiro

Visita a gente em um sono sofrido, triste.

A gente tem um grito preso dentro do peito,

A carne moída em garapa e melado,

Feito de cobre, tacho com o fogo queimando

As cicatrizes expostas.

O vapor eliminando as impurezas,

Expostas pelo corte profundo,

Da saudade de um lugar longínquo,

E ligeiramente estranho.

Tem um engenho dentro da gente,

Um batuque que tira nossos pés do chão,

E emana um espírito alegre, cativante.

O chão pulsa sobre nossos pés,

Até envolver o coração no grito do tambor.

Tem um engenho dentro da gente.

Tal como um suplício de canto profundo,

E que mora lá dentro de nós, em silêncio.

Um canto que se toca lá no cantinho do olho,

truncado, sentindo a alma descansar

Depois de um dia de tormento.

O engenho habita na gente,

Em círculos vai rodando e moendo

Tudo que a gente gosta,

Vai dilacerando o peito da gente,

Sangrando até a carne ficar branca

E parada no meio do nada.

E lá na frente continua a colheita,

A terra fecunda

Que não sucumbe

Aos homens.

Somos esperança,

Sendo purgada na moenda.

A senzala canta um choro profundo

Que envolve cada parte do nosso corpo,

Da nossa pele,

E arremete para grito fininho,

De desespero e dor.

Ah, tem um engenho dentro da gente,

Que por mais avenidas que passamos,

Na hora do choro ele continua a se mover,

Purgar, transformar o pão doce,

Em saliva amarga,

Sentido o peito arranhar sem compreender.

Tem um engenho dentro da gente

O engenho grita na gente.

O sangue ferve no corpo da gente.

O olhar reflete savanas,

Gritos de ondas,

Os barulhos dos corpos remetidos, jogados,

No fundo do oceano.

A travessia da gente nessa vida,

Sendo purgada em caldeiras gigantes,

O homem vai sendo escorrido junto com o caldo

Da cana-de-açúcar, o melado de braços negros.

A vida negra sendo movida pelo moinho da injustiça.

O coração bombardeando em pequenos orifícios,

Extraindo o mel da vida, dessa esperança martirizada.

O engenho grita na gente,

Mesmo em arranha-céus, sentimos o vento gritar,

O barulho da terra, o tapa do vento,

Algo dentro da gente grita e sangra.

 Existe um engenho dentro da gente,

Que clama o peito da mãe negra.

Somos tantas mulheres brasileiras,

Que mesmo em pele branca sentimos,

Uma angústia longínqua de terras estranhas.

Tem um engenho dentro da gente,

E ele grita que nem animal ferido.

Um grito que assombra,

E vai moendo a gente,

Que nem cana e aguardente.

Existe um pecado dentro da gente.

Que necessita viver!

Tem um grito dentro da gente,

Que quer rasgar nosso peito e sangrar o chão.

Tem um mar de morte dentro da gente,

Que sente as ondas engolindo nossos sonhos.

Tem uma dor dentro da gente

Que não sabemos de onde,

Sentimos uma triste intensa, distante,

Um grito fininho que vai consumindo

Nosso peito, vai moendo, triturando,

O rosto abatido, ficamos perdidos,

Num banzo estranho, como num sono profundo.

Somos navios negreiros em noites de tempestades

E relâmpagos,

depois somos arrastados por vilas,

Pontes de pedras envolvidos em óleo de baleia,

Mostramos nossos dentes, nossa glote,

Nossos músculos, virilhas e genitálias,

Somos consumidas que nem aguardente,

Tragadas em gole e cuspe,

Feridas e escárnio.

O engenho grita na gente

Na cama ensanguentada, na poeira sendo arrastadas

Entre o sopé e o viaduto, tudo é moído, consumido,

Nas melhores fornalhas de sol quente,

Iluminando a carne mordida, arranhada e o mel extraído

Da moenda, da purga, das fôrmas em formas de pão.

O doce é vendido, apreciado e moldado

Em sangue exposto, fervilhando em cobre,

Em tachos de cozimento do melhor caldo

Produzido pelo nosso engenho democrático.

(Primavera De Oliveira)

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Escaravelho

Desenhos incongruentes,

Despedaçados de si mesma.

Tormentos infinitos,

Renascer de si mesma,

Entre os excrementos,

A mente desenha insanidades.

Vivências intermináveis.

O retorno sem fim.

Miraculosa.

Milagres de si mesma.

Recomeços.

Buscas invisíveis

A carne dilacerada.

Estilhaços

O corpo dissolvido

Triturado,

Picado em fragmentos de solidão.

A brutalidade do deserto.

Ela simplesmente me perguntou

-Qual nome resumiria tudo isso?

-Que nome eu seria?

Respondi:

-Escaravelho!

Renascer de seus próprios excrementos,

Dando gargalhadas para os imbecis.

Escaravelho.

( Primavera de Oliveira )

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Depreciações

   DEPRECIAÇÕES

Primavera de Oliveira

DIVISÃO

÷ {dividiu}

O MAR

E O AMOR,

DEPOIS  

÷ {dividiu}

LEVEMENTE A ALMA.

EM PRANTOS

CHOROU,

E NO FINAL

TUDO FICOU

÷ {dividido}.

INFINITO

Pequeno

Desajustado

Meu amor

Por você.

INFINITO

Infinitamente morto

E novamente

Infinito

Esse amor.

DESENHAR

Meu coração.

Minha alma.

Meus olhos para você.

Minha dor.

Meu amor.

CORPO

Deitado sobre o seu corpo.

Nem meu.

Nem seu.

Sonhos.

 
                  

Corpos e camas.

Tranquilizar a alma.

Pensamentos

Distantes.

E seu semblante

Eu vejo nesses instantes.

Apenas deitar

E acalmar a alma.

CLAUSTROFOBIA

                                                 S

                                 U                           

                       A                                         T

              L                                                         R

                                         FOBIA

          C                             MEDO                         O

                A                                                      F

                       I                                      O

                                         B               

HELICÓPTERO

Rosas

Espinhos

Lagarta

Pássaros

Helicóptero

Asas

Avião

Liberdade

Redemoinho

Ventos

E no final apenas libélulas no transcender da noite.

CELULAR

             
             
             
             
             
             
             

Em cédulas⏱

Notas 🎷

Dólares⌛

Euro$☢

Novelas⌨

Séries 🎞

Smartfones 🎧                                    

Cotações☘

Bolsas☎

Banco central💰

Parque de diversões☢

Praia☠

Hotel♲

Paredes⛏

Lençol♡

Grades⚰

Controle remoto🎮

PEDRESTES

ATRAVESSAR    LINHAS PONTILHADAS        SEMAFÁRO

HUMANOS        ANIMAIS       PEDESTRES      CICLITAS

TERNOS     SAPATOS   CAMELOS    DESERTO    OÁSIS

VERTIGEM      COLINAS     TEMPESTADES        CARROS

embalagensdeplásticosembrulhosreluzenteslaçoscoloridosvibrantes

faixadepedestreáguaemmartevidasparalisadacaóticasletreirosdigital

TELAS

Imagens maternas de mães amamentando seus filhos.

Telas.

Polegadas.

Todas as pessoas são amadas e protegidas livremente.

Parede em cor gelo clássico e frio glacial ártico.

No fim do mapa.

Na patagônia.

Esdrúxulo.

ENREDO

         felicidade                                      amar

Natureza                                                              liberdade

Sorrir!

Viver!

    Amanhã andar sobre a terra e viver eternamente.

JANELAS

Enfeites sobre as janelas.

Amanhecer com o café no bule.

O pão torrado

E junto com o amor revelado.

Abrir todas as janelas

E respirar.

Até o pulmão preencher a alma

E depois suspirar.

Sem medo de morrer.

Enfim, viver!

PÁGINAS

Em branco

Lilás

Robustas

Nefastas

Carma

Amareladas

Rasgadas

E desveladas!

COLISEU

Morrer sobre o palco e cantar uma oração.

Sobre todos as nações, desvencilhar,

O abismo.

Hitler, histeria, feminismo, gênero.

Enredo. Catástrofe na indonésia.

Miséria no hemisfério sul.

Coliseu em redes, smartfones.

Internet em guerras.

Suicídios, guetos, judeus.

Nivelamento, sacramentos, batismo.

Panaceia, pangeia, estreito de Bering.

Evolução, criação, embalagens de refrigerantes.

Coliseu em emojis, leões abatendo sentimentos, sangue moderno.

Alteridade em pipocas e redes.

Santidade congratulando comunidades.

Gladiadores em terno e cafeína.

JUVENTUDE EM DIÁRIOS

Sexo em academias e anabolizantes.

Leitões sendo paridos e amados.

Domesticados em sobras de enlatados.

Diário de um Banana.

Diário de uma garota.

O mago em varinhas.

Os deuses dos mares.

Vou vomitar.

Tomei muito café.

O sexo desembrulhado.

E consumido rapidamente.

Perfeito! Vida perfeita!

Uma nova tatuagem.

Um novo lábio.

Pílulas depressivas em selfies.

Marasmo total, paralisia.

Vazio interminável da vida.

BALUARTE

Construções fortificadas.

Laços desprendidos.

O vizinho chora no mês de novembro.

Completar as cruzadas, todos os passos compartilhados.

Desmembrar cada parte do corpo.

Em pedaços, triturar.

Lugar seguro.

Invisibilidade.

Baluarte moderno.

Sem chamadas.

Longe dos satélites.

Ser inexistente.

Que se torna existente.

Suprimir todos os eufemismos

Sábado em solidão.

Domingo no baluarte.

E na segunda vivendo na histeria.

CAIXA

Debaixo da caixa

Tinha um pedaço

De dedo cortado.

 No vazio da caixa os sonhos não encontraram portas, nem janelas. Apenas o concreto fechado e acabado. Morto e dilacerado ficaram os semblantes.

Dilacerado.

Morto.

Desmembrado                            

Depois

Empanado

E mastigado.

E dentro da caixa,

Sobre o assoalho

As marcas,

Das pegadas

Sobrepostas,

Sobre os sonhos.

Alcançar

A lua,

E saltitar sobre as nuvens,

Diluídos

Em amores

sem fim.

PASSIONAL

Amou intensamente. Vividamente. Alucinadamente. Transplantando todos os sonhos. Rompendo todos os dilemas. Preso no amor. No sonho enlouquecedor da dor de amar sem sabor. Passional. Amou demais. Viveu intensamente. Buscou a beleza em sua miséria. E ela encerrou seus olhos para a singela vida. Apenas a ausência de quem um dia foi.

ERA SETEMBRO

Nem verão, nem outono, nem paixão ou ilusão. Era setembro. Nem frio ou vento.

 O calor talvez aproximasse. As folhas já tinham todas caído. Não importava mais. Nem ontem, nem hoje. Talvez amanhã. Mas, depois vinha o amanhã, e não era hoje. Deixava para o amanhã. Amanhã irei.

 Amanhã eu vou. Amanhã eu busco. Amanhã eu trago. Amanhã eu pego. Amanhã eu faço. Amanhã eu prometo que vou. Amanhã.

Talvez amanhã eu termine.

FRIO

Chovia intensamente

Quando ele partiu.

Chovia sobre o meu rosto

Quando ele sorriu.

Chovia granizo

Na minha alma,

Quando ele me bateu.

Chovia fininho,

Suavemente,

Quando ele finalmente,

Morreu.

METÁSTASE

Proliferou como um verme sobre o meu corpo. Fui despindo cada sorriso. Cada lindo olhar. Cada palavra alegre.

E finalmente a doença vociferou. Alcançou cada parte da minha alma. Metástase. E então, agradeci a cada migração de minha inexistência. 

REFLEXO

Pisou sobre o solo ainda molhado.

Estava tudo tão calmo e belo.

Conteve tanta alegria em instantes.

Nesse momento refleti toda minha alma naquela existência.

As portas correram levemente sobre o piso.

E entre olhares desapontou a esperança.

Ainda era uma criança brincando com meus jogos.

E em seu olhar levou meu ser, pequeno

E desatinado.

Até a loucura cantar uma doce canção.

E os meus olhos acariciarem o seu reflexo,

Por todos os dias da minha vida.

GRATIDÃO

No final restou apenas gratidão,

Tanta miséria e pedaços jogados em holocausto.

Suplantaram tantas vidas.

Acalmaram minha alma desatinada.

Ensurdecedora.

Ficaram o sentimento de paz,

Gratidão.

A morte seria mais doce e bela.

Ficaram tantas migalhas.

Apenas os instantes.

Viver momentos e ser grata.

Correntes delicadas.

ISRAEL

Jubilar,

Encantar as nações.

Amar os deuses,

O deus.

Jeová.

No final uma corda no pescoço

Matando todo o niilismo.

Não rezar.

Não pecar.

Apenas sufocar a dor.

Vazia.

Inexistente.

AMIZADE

As mãos delicadas que acariciam a alma.

Toca o coração.

Envolve a esperança.

Embala a vida numa canção infinita.

Os ventos soprando

Sobre as copas das árvores.

Amar.

Cuidar.                                                 

Querer bem

Sentir em companhia.       

Vivenciar alegrias.

Amar com carinho.

Completamente

Preenchido.

ALICERCE

L  

       I

              B

                   E

                          R

                                D

                                       A

                                              D

                                                     E

VIVER EM ESPIRAL. MORRER ABRAÇANDO O CHÃO. DESCANSAR O CORPO PESADO E VAZIO.

                                                                         R

                                                                  I

                                                         T

                                               S

                                      I

                            X

                    E             

TRILHOS

Todos os trilhos descarriados.

Tudo destruído em vagões perfeitos.

Corpos reluzentes em laços coloridos.

Vidas magníficas.

Lábios desenhados.

Cabelos encaracolados.

Alisados e desconstruídos.

VÍSCERAS

Mataram o taxista.

Dois tiros certeiros.

Crime passional.

Sexo e drogas.

Madrugadas de euforia,

vazios, instantes eternos.

Preencher a lacuna da vida,

nos desatinos do nada.

O táxi ficou impregnado de sangue,

sem nenhuma razão.

Era apenas uma noite de curtição,

Entretenimentos,

para uma vida sem propósitos.

Sem guerras, nenhum vínculo presente.

Apenas o momento.

CARTA DE DESPEDIDA

Nas redes.

Preso na rede.

Sinfonia perfeita.

Olhares.

Um corpo caído.

Assassinado,

pela ilusão.

Enloquecido pelo tédio.

Um idiota,

sem propósito algum.

Outros disseram:

Depressão!

Ele mesmo disse

que era apenas sem sentido.

Vazio. Nada.

Um deserto sem fim.

ENCLAUSURAR

EXISTIR?

                             A       U  

                     L                         S

                 C                                   U 

               N                                      R

                E                                     A

                   O                             M

                          T        N       E

                           MORRER!

                  E     X                    T       I      R

I      N                   I        S                                       !

DOR

Calor que rima com amor e dor.

Latente, dilacerante, intenso.

Dor.

Belo, vivo, viver, buscar, sonhar.

Um amor que findou e trouxe a dor.

Uma amizade rompida e uma dor cruel,

Corrompendo todos os poros.

Uma mãe que bate no filho e uma dor de mágoa.

E como é belo sentir a dor, significa que vivemos, construímos, evoluímos, amamos.

E quando a alegria bate em nossa cara a dor dissipa, e então, enxergamos a beleza.

Sorrimos, agradecemos, vivemos.

QUEDA

P

U

L

O

U

DO

P

R

E

C

I

P

Í

C

I

O

INEXISTIU.

FLORES

Sobre o luto,

Enfileiradas adocicando o ambiente,

Nefasto.

Sublime.

O encerramento da vida.

Todas as memórias e lágrimas.

Esperanças nunca alcançadas.

O findar

De tantas possibilidades.

Elas são mesmas adoráveis, flores.

Belas.

Carma.

FOLGUEDO

                                   A diversão da infância em seus folguedos. Ave maria, romaria, bênçãos e unções. Sobre o manto a proteção requerida dos costumes. O vínculo de pertencimento. Somos comunidades e travamos a solidão em rebeldia. Deuses modernos. Geração de crianças pagãs. Nas novelas os falsos deuses, nas manchetes a prece em uníssono.

AMOR

                                   Era apenas mais um comprovante de recibo. A nota fiscal. O fiscal. O carro de entrega. O moço da novela.

                                   A menina histérica da esquina gritava. O camelô não tomava banho nunca. Muitos produtos em promoção no dia mais quente do verão. Ela olhou para o lado e pulou do vigésimo primeiro andar.

                                   O telefone ainda tocava e vibrava sobre a mesa. Do apartamento ao lado uma música doce e tranquila preenchia as paredes de concreto. O rosto dela sorria numa paz infinita.  A caçamba ao lado ficou ensanguentada.

                                   O asfalto manchado e cheio de pessoas olhando. O cachorro parou, e logo o sol se pôs, numa tarde perfeita.

TATUAGEM

                                   Grudou repentinamente sobre a pele. Os poros não respiravam. De repente o ar ficou escasso. O teto da sala começou a encolher. Barulhos vindos da escada aumentavam os ruídos assim que aproximavam.

                                   As crianças corriam. Deitado sobre o sofá assistia o mundo, seus barulhos, sua correria. As falas desconexas sobre os corredores iam entrando para dentro do apartamento. O elevador circulando sobre seus ouvidos. A construção ao lado. As cortinas sempre fechadas.

                                   A cegueira fazia seus olhos abrirem para dentro de suas memórias. O escuro e a luminosidade do dia transpareciam sutilmente. E quando a noite emergia tudo se apagava para ressurgir novamente no outro dia com mais intensidade e velocidade.

                                   Eram dias intermináveis. A loucura tinha face, degraus, transeuntes, passagens de corredores. A luz fosca sobre as portas. O pingo de água que insistia em cair pausadamente da torneira alimentava toda aquela histeria.

                                   No final da tarde vinham as náuseas, o vômito contido. Depois o rosto molhado, lavado e enxugado repetidas vezes. Uma pequena dose de remédio e o mundo parecia por um momento parar.

                                   A tortura parecida findar. Por um momento, um segundo alcançar a paz. Respirar lentamente sobre o piscar dos olhos pesados, exausto. E no final um último suspiro e agradecer pelo fim de tudo isso.

MAR ABERTO

Era ilusão. Passageira. Assim era para ser, mas, não foi.

Continuou…

E por meses e meses.

Até o próximo ano, e novamente a ilusão torturando o corpo já abatido.

E depois o ano correu lentamente como uma criança.

Tudo tranquilo e calmo.

E outro ano começou.

Esse surgiu como um mar aberto de tempestades.

O corpo já não alcançava mais a esperança.

As ondas martirizavam.

E o ano se tornou eterno.

FRENTE E VERSO

O vidro transparente refletia a luminosidade da tarde.

No apartamento inacabado, sem janelas nem outonos.

Apenas o frescor da tarde solitária.

Viver frente aos oceanos.

Depois fechar a porta e o verso da vida.

Acordar deslizando a única porta da varanda.

Ouvir uma música que toca de longe.

Sentir a melodia

Depois enfrentar o vazio

E virar para a vida.

Recomeçar novamente

E revelar somente o verso

Da face.

DESEJOS INACABADOS

Vidas Inalteradas.

Viciados.

Alcoólatras domesticados.

Borboletas em bando, suavizar a alma

Em uma latinha de crack.

Doses intermináveis.

Desprezar a vida.

Viver a vida.

Euforia, lirismo,

Compadecer em imagens cristã.

Desejos inacabados,

Até acabar o último sopro da vida,

Em um trago, uma dose doce e suave,

Aniquilando toda a paz sentida.

JÚPITER

Os horóscopos nem sempre são favoráveis.

Mais um ano interminável de desprezo

Caótico.

Sem nenhuma guerra.

Paz eterna que enlouquece.

Vazio eterno e infinito vivido em um único dia.

Júpiter está tão longe,

Nada sólido,

Tudo vazio,

Na atmosfera.

Nada palpável, nenhum olhar ou toque,

Que suaviza essa guerra paralisada,

Estática e solitária.

Júpiter está tão longe.

CANIBALISMO

As embalagens fluorescentes,

Devorando os homens, consumindo crianças.

Pesos nocivos, laços, papel crepom,

E os homens opacos, embalagens vazias.

A humanidade em código de barras,

Embrulhadas em embalagens coloridas e vibrantes.

Vidas sombrias, sem luzes atravessando seus corpos.

Denso.

Espesso.

Pesado.

Vidas pesadas, concretas, sombrias, densas.

Estamos todos mortos e embalados em cores comoventes.

Nada que toque o coração.

Apenas devora a alma e os sonhos.

Canibalismo moderno de embalagens humanas.

TRÁFEGO

Começar o dia pisando em linhas horizontais.

Olhar o termômetro.

O calor.

Os corpos famigerados nas redes sociais.

Canais de televisão supérfluos,

Desnecessários.

Os homens máquina.

As máquinas que alimentam os humanos.

Tráfego de constelações em viadutos,

Nas escadas rolantes,

Na areia da praia.

Nos corredores de hospitais.

Previsão do tempo.

Calor e ondas de depredações.

Rebeliões urbanas.

No final cadeiras sobre o solo

E corpos enfeitados de flores.

LEMBRANÇAS

                                   E os dias foram distanciando. Depois as lembranças temporárias até ficarem insuportáveis. Não conseguir mudar, nem alcançar. Apenas a espera abraçada com as lembranças.

                                   Dissolver todas as lágrimas dentro de uma taça rasa. E no alvoroço da vida apaziguar todos os sentimentos. Martirizando a alma torturada, condenada ao suplício da memória.

                                   O rosto preso nas lembranças. Os pensamentos dispersos e preso no olhar inquisidor. Morrer infinitamente. Depois lembrar cada instante revelado.  No final, apenas aceitar a recordação do instante sentido.

MULTIDÃO

A garganta presa no congestionamento.

 A mente insana.

O devaneio,

Em caos.

Morfina.

Whisky.

Viver em vícios até não mais sentir a vida.

Compreender a solidão

E olhar a multidão.

Consumir.

Até não mais sentir.

Morrer em barras e enlatados.               

EUFORIA

                 Z

          I

                   G

                                U

                           E

                                Z

               A

                                           G

                           U

                                    E.

PROSPERIDADE

Fim de ano, mês de comemorações, reencontros.

Saudações. Desfiles. Abundância. Exaltações.

Casas iluminadas.

Todos vivendo e compartilhando o amor.

Luzes incandescentes.

Enforcar a solidão.

Comemorar os sentimentos

Abraços apertados, vívidos.

Calor humano, sorrisos.

E no final,

A despedida.

Novamente a tortura de viver consigo mesmo.

Sombras de prosperidades,

Num vazio interminável.

ORQUESTRA

Um tambor…

Pés arrastando uma dança sobre o chão batido.

A multidão assistindo,

Encantos…

E as meninas sorridentes em círculos e batidas.

O cabelo sendo jogado sobre as cordas.

A blusa branca…

Os círculos perfeitos sendo construídos.

A plateia,

Os olhares,

E as meninas bailando a vida.

No final …

Os pés em linhas retas

E a orquestra encerrada e silenciada.

DISPARIDADES

Ah, vontades inacabadas, ruidosas que me acompanham.

Dizeres eloquentes pela madrugada.

Cambalear pela noite embriagada e despudorada.

Sexo, whisky, desejo, libertinagem e disparidades.

Verbalizar todos os sonhos e vontades.

Cantar infinitamente até alcançar a alma desejada.

Finalizar com um beijo repentino que liberte toda

A esperança e seus sonhos ensurdecedores.

Amar.

E novamente amar até ficar para sempre no peito,

Na glote,

Na epiderme,

Nos pensamentos

No peito preenchido e vívido.

MALAS

Tentativas.

Reinícios.

Em vão.

Buscar na mente todas as tentativas fracassadas e inexatas de um mesmo sentimento.

Ser desigual entre tantas faces iguais.

Carregar a mala até transbordar.

Os olhos buscam o invisível.

E o coração oprime o visível sentimento exposto.

Abafar a voz,

E suportar o silêncio.

Até nunca mais ter que preencher nenhuma mala.

Todas as viagens cancelas,

Sem mudanças.

Apenas ficar e fixar todos os sentimentos,

E depois sorrir.

ALIANÇA

O peso do brilho intenso.

A falsidade dos sentimentos.

Os dedos que não cariciaram

E o coração em branco e pálido.

A aliança sufocando,

Os gritos contidos.

A verdade nunca revelada.

A algema estéril.

A prisão em reuniões familiares.

Os comprimidos oprimindo a vida.

A aliança,

Linda e bela,

Cintilando sobre os dedos

Frágeis e despedaçados.

ALVORECER

Feriado anunciado,

Lojas lotadas, embrulhos, pacotes.

Crianças com seus brinquedos brilhantes.

As escadas repletas de indigentes em busca de promoções.

BIBELÔ

                   R       A

    I        E        TU

L       T             R

                             A

amor instantâneo,

bibelô,

enfeites perfeitos, lábios volumosos, seios, condizentes, perfil atualizado.

sem nenhuma leitura, tudo sem graça e belo.

PANTAGRUEL

Anúncios, corpos perfeitos, grotescos, deformados, moldados, moldurados, prensados, gigantescos e vazios.

O herói gigante.

A vitrine que engole homens.

A máquina de massagem suaviza a alma.

Humaniza todos os desgostos e angústia.

Um momento de vida ligada a energia elétrica.

Na tela as imagens das árvores próximas ao lago.

O silêncio… o vento…

O assento de couro macio divido em três parcelas.

O gigante que engole tudo e todos em embalagens coloridas e etiquetadas.

O prato servido e consumido.

A sobremesa embrulhada para viagem.

O amor consumido, devorado,

 E depois descartado.

PENSAMENTOS

 A visibilidade no olhar exposto.

Câmeras.

Sentimentos.

Apesar das notícias pessimistas, saber amar.

Num instante apagar todas as desilusões

E recomeçar.

Reinícios.

Aglomerar todos os pesadelos em um único pensamento.

Ficar.

Estabelecer diretrizes.

E finalmente, apagar.

INÍCIOS

perto do fim

 o início

{Intervalo}

em pausas…

TIRACOLO

Sobre o corpo.

Trespassado sobre o corpo.

No meu corpo,

Estabeleço outro corpo.

Vivencio outro corpo.

Amo em mim outro corpo.

Meu corpo,

No colo de outro corpo,

Morre meu corpo.

OLHAR

       DES

                             CEN

                                                                                        ra

                 DO

                            A                                                dei

                                                    LA

                                 DE                                                                                IRA                                                                          a

         Me vejo

                                                                                 do

                                                       bin

                                  Su           

OLHAR

OLHO E NÃO VEJO

VEJO E NÃO OLHO

OLHO E SINTO

SINTO E NEGO

NEGO E ESTABELEÇO

ESTABELEÇO E ACEITO

ACEITO E VEJO

VEJO E OLHO

no seu olhar.

TIROTEIO

Pontos

Buracos

Cartuchos espalhados

Peito ferido

Tiroteio em cápsulas vazias

Marcas

Pedaços

Parar

Amortecer

A dor

E todos os seus sentimentos

Morrer

Em gostas de sangue

E com um sorriso

No rosto.

TANGÍVEL

Um corpo no espaço

Tangível e ao mesmo tempo invisível.

Pulou do décimo andar invisível,

Com os pedaços expostos ficou tangível,

Visível,

Colocaram sua carta nas redes

Tantos olhares tangíveis

Visibilidades compartilhadas

Sentimentos de humanidades

Fraternidade

Lindo, lindo.

Os desumanos são tão humanos

As amizades sinceras e suas declarações,

E a morte tangível, palpável, concreta.

Vísceras

O rosto maquiado e decorado.

Perfeito, lindo, belo e comentado.

Adicionado, compartilhado.

Endeusamentos.

Estética mórbida.

Vários tons,

Sobrepor cores e designer.

Belezas da vida decadente

Vísceras visíveis e expostas

Curtir, definir, existir

Tudo no mesmo lugar

Sem nenhuma paixão.

Propósito em despropósitos.

A pertinência da miséria.

Banalidades.

DEPRECIAÇÕES

A vida vivida sem valor algum, depreciada e vazia.

FIM.

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Um rosto branco e frio

Um rosto branco e frio (Primavera De Oliveira)

Um rosto sobre a noite dormente e pálida. Um rosto fino, branco e solitário caminhando sobre o vento. As sombras desertas mostravam a face perdida e gélida de um mês ausente na imensidão humana. Os lamentos eram colocados na estrada deserta, entre pedregulhos e lampejos de sombras delicadas.

Era início de dezembro e o frio cortava a carne deixando o rosto gélido e pálido. A estrada deserta e suntuosa mostrava seu rosto singelo e calmo. O ruído do silêncio em névoas, salpicavam a alma ingrata, fétida e monstruosa. A soberba em passos delicados. O horror em pensamentos delirantes. A solidão arranhando a carne. O paletó negro cobria o coração amaldiçoado.  A mente acompanhava as linhas de transmissão com seus postes esguios traçando o caminho solitário.

Naquele ano o coração dele ficou mais perto da solidão. O amor insano e suas lembranças desprezíveis. Ela era bela e insinuante.  Os cabelos ligeiramente ondulados em olhos negros. A silhueta perfeita composta de um sorriso singelo e decadente. Morava no final da rua, próximo ao cemitério dos esquecidos. O vento levava os corpos vazios para aquele lado da cidade. A noite dava suas labaredas de incerteza. Pensamentos infinitos moravam no seu ser.

Os lábios quentes e afetuosos arruinavam sua alma. A incerteza da solidão e o desprezo amável torturavam seus lindos dias. Os olhos transmitiam a mais profunda beleza. A aparência da alma verdadeira e seus deuses eloquentes. Ah, o vento soprava em labaredas, pesando sobre os ombros a frieza da noite deserta e estéril. Os pés adormecidos pelo vento, as pedras desenhadas no caminho. O sentimento era que a noite tinha sido congelada. O tempo parado em um silêncio ensurdecedor.

As lembranças. O beijo maldito. Os dedos percorrendo a pele branca e fria. O rosto desenhava sua solidão. O amor tinha consumido todos os seus pertences.

As linhas desenhavam a estrada e os galhos estendidos pelo caminho, dançavam junto com o vento. A orquestrada era envolvente. A imagem do seu corpo despido sobre o luar contaminava a sua alma ruidosa. Seus olhos seguiam em febre e delírios.

Mas não poderia recusar o convite desenhado sobre o pedaço de papel posto sobre a mesa. O licor doce e suave, exalava sua sexualidade. O devaneio horas cometidas sobre os lençóis. O gosto delicado e amargo sobre a taça do hotel onde se encontravam há muito tinha sido esquecido. O retorno ao amor barato e desejado.

O tempo foi fiel ao desprezo. A estrada era o caminho certo de sua loucura e demência. As alucinações do passado retornaram com muita intensidade sobre sua fronte. Os ruídos iam ficando distantes, apenas o barulho de seu sapato deslizando sobre a estrada de terra batida com suas pedras enfileiradas. Os passos cada vez mais devagar, sentindo a lucidez da noite. A escuridão dos desejos desfeitos. O vento acompanhando os pensamentos, os murmúrios produzidos pelos lampejos da noite. A solidão e o silêncio em perfeita harmonia, conduzia seu corpo magro e altivo.

A caminhada conduzia ao pecado devastador e suave que sua alma tanto desejava. O frio batia em seu rosto gélido e pálido. A noite conduzia o corpo esguio e altivo para os mais lindos tormentos desejados. A luz refletida no final da estrada, mostrava a casa da mulher amada. O coração em febre e as mãos frias salpicavam lembranças. O vento arrastava seu corpo desmembrado em pensamentos. As malditas lembranças agora chicoteavam o corpo ressequido.

            O olhar ficou imerso sobre a luz refletiva na última janela. Um vulto passava despercebido em uma silhueta perfeita. O vento trazia o cheiro do passado frio e desvanecido. O corpo esguio, frio e sereno, contemplava aquele instante ameno. Uma paz imensa tocou sua carne. Talvez, pudesse viver aquele instante numa breve eternidade.

            O vento batia em seu corpo trazendo nuvens de tempestades. As lembranças começaram a percorrer suas entranhas. A cabeça estava dormente suas mãos frias riscava um fósforo e depois sendo jogado sobre alguns gravetos. O vento soprava suavemente suas labaredas. A noite contemplava as chamas ardentes. O rosto branco e frio pode finalmente sentir um pouco de calor.

            E o corpo esguio, frio, virou para as labaredas, voltando tranquilamente pela estrada solitária. E antes de atravessa-la o rosto branco, frio, olhou calmamente seu caminho, com as mãos ligeiramente inclinadas pode sentir o vento levando todos os tormentos humanos. E sobre as linhas definidas, a vida continuou a balançar, por um momento a face ficou parada refletindo a palidez da noite serena. E uma paz imensa tocou seu rosto branco e frio.

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Sobre o céu de Fevereiro

SOBRE O CÉU DE FEVEREIRO

PRIMAVERA DE OLIVEIRA

Nuvens indeterminadas de espaços privados. A atmosfera da incerteza. Falsas esperanças congratulam no vazio da desesperança. Desapego. Invisibilidade na multidão.

Tramas nos sonhos dissolvidos. O beijo mais belo. A noite mais infinita cobriu nossos corpos, depois a distância. A falta de sonhos. A frieza de se amar.

Ainda guardo as horas compartilhadas. O lampejo da esperança. Talvez, pudesse ter sido. Ter amado de verdade. Talvez, a presença ficasse no meu corpo. O sonho se sentasse no sofá da minha sala.

Mas, não! Foi embora junto com o ruído do portão. E nas minhas recordações um meio sorriso dissolvendo o infinito.

Amei intensamente. Num lampejo de um minuto. E ficou eternamente grudado em meus pensamentos. Divinamente prazeroso. Na proximidade de seu encontro desejei a paz.

**Feriado**

Desejos relembrados. Encontros marcados. Desmarcados. Momentos. A vida niilista mergulhada nos momentos. Nunca uma trajetória completa. Fragmentos. Instantes indesejáveis. Misérias compartilhadas. Viver num espaço do tempo. Tocar o interfone. Subir escadas. Paredões. Depois saltar do penhasco. Do vigésimo andar. Abafar todos os gritos contidos.

No início da chuva abrir o guarda-chuva. Sem pingos. Tudo seco, organizado e disciplinado. Visto ternos para meu hospício e depois retiro cada peça. Gozo até o corpo não mais aguentar. E adormeço esquecendo que vivo.

Uma pausa. E novamente a vida acelerada. Em círculos viciosos. No feriado a volúpia. O álcool. O nada. Os momentos estéreis. O solo infértil. Deserto. Sem familiares. Sem beijos de pecados.

Tentamos dissolver todos os momentos fraternos. O amor não alcança. Oprimi. Sufoca. Corrói. A solidão suaviza. Amortece. Acaricia o vazio. Sem oscilações. Ilusões tempestuosas. Juntamos todos os nossos sonhos e embalamos com fitas coloridas.

Depois arremessamos nas correntezas. Lindamente abandonados. Somos metáforas de nós mesmos. Perfeitos seres inexistentes.

**Travessões**

A corda girando e a criança pulando. Os amigos batendo mais forte. Revezando a alegria. Os pulos. O riso. O infinito. A infância num único instante. Músicas. Correria. Opressão. Incerteza. O riso incerto. Batidas de um coração abandonado. Trajetórias gigantescas. O tempo bate forte no rosto. Nas despedidas que nunca se reencontram.

Alcançar até o fim do dia sem encontrar um espaço. Um canto feliz. Sem abraços. Sem beijo de esperança. Sem caminhos. A trajetória contida em uma tela invisível e exposta. Sapatos coloridos. Vida discreta e contida. A esperança embrulhada numa loja de tabacaria.

Nenhuma notícia no final do mês. As águas passadas não retornaram. O momento. Buscar o presente. Intensidades. Depois novas tempestades. Recomeços. Euforia. Tudo contido dentro de um enlatado. O grito alucinante preso num pote de geleia.

No final do ano celebramos a vida. As reuniões. Os presentes e todos as suas embalagens em cores vibrantes. O indigente atravessa as ruas e seus parapeitos. O céu parece desabar. As inundações nos bueiros. As crianças nos seus lindos uniformes.

Tic-tac. Tabuadas. O quadro negro. O idioma preenchido nos formulários. Na pasta do desespero. O cinema enfeitado. Os filmes de ficção. Vazios. Sem ensinamentos. Mórbidos e cheios de ação, sem roteiros. Somente falas desprendidas de contexto. O conteúdo é um rótulo de um anestésico. Pílulas solúveis para os momentos de urgência.

Caixas enfileiradas. Filas nos corredores. Nos pátios das escolas. Nas escadas dos sanatórios, shoppings. Lindo! Lindo. Promoções em vitrines. Barbearias bar. Rock bar. Amor bar. Liquidificações da vida. Espasmos. Óculos dimensionais.

Animais abandonados. Figueiras sem frutos. Vidas estéreis. Casamentos estéril. Encontros desagradáveis.

**Batimentos**

O coração pulsa, sangra. Amortece, enlouquece. O discurso de um bêbado no final da noite. Aplausos. O corpo caído. O batimento interrompido, (a solidão é para os inúteis, vazios de alma, de sonhos e amores). Vejo você tão belo. Tão barato. Tão raro. Tão distante. A vida pulsando em alegria, êxtase. Num instante de gozo rápido e desnecessário. Vejo você tão pobre. Alma corrompida. Sem salvação. Queimando no inferno de seus pensamentos. Suas alucinações e luxúria. As músicas de letras pobres e agressivas. Decadência de você mesmo.

O vizinho bateu o carro, ontem, depois que sua esposa fugiu com outro. O amor uma piada de mal gosto. Dou gargalhadas. Adoro isso. O caos. A decadência. A pobreza de se amar. O hospício moderno. A vida é mesmo louvável. Na mudança, poucas malas. No coração maldito, muitas esperanças. E o vizinho ficou retido em sua insignificância, tomando enlatados de solidão. No outro dia não acordou. Desligou todos os seus batimentos com uma corda posta sobre seu pescoço. Foi a cena mais linda que presenciei esse ano. A verdade mais sincera e duradoura. O fim.

Sua família reuniu logo após o velório. O lamento coletivo. Era um homem bom, diziam em coro uníssono. A sua esposa era uma mulher ingrata.

Que gratidão? Apenas desprezou o invisível! Seus batimentos eram fortes. A vida corria no seu peito. Partiu deixando toda a desgraça e seus precipícios.

Ainda lembro do seu canto no final da tarde. Um rouxinol preso sem montanhas. O coração indócil, partiu. Livre! Alma livre.

Alma de alegria. Um coração intenso. Vidas com significados. Propósitos. Sonhos. Batidas de rock. Sábados em pecados. O beijo na boca. Na liberdade. Na intensidade de se viver.

O vizinho foi enterrado ao som de prantos. Debaixo de um sol sem nuvens. Ao som de muitas lamúrias. Nas bocas das velhas de almas desbotadas, com seus maridos encurvados e embrutecidos, cantavam melodias do fracasso. Da insignificância de se viver.

**A vida no seu início**

Os olhos sem brilhos. O corpo que fala. Grita! Explode! Intenso! Jovial! A face da esperança, dos sonhos inocentes. O brilho do início da vida. Da poesia. Dos encontros. Da beleza de se viver. Amar. Amar. Amar perdidamente. A beleza de se acreditar. Buscar sonhar. Esperar. Viver.

Meu Deus, como é lindo o início. As esperas. O encanto. Ah! O encanto! Encantar por uma poesia. Uma melodia, um rosto. Buscar os sonhos. Caminhar acreditando. Rompendo. Sorrindo. Dizendo. Dando gargalhadas. Sentindo.

Poder ter o direito de sentir. Acompanhar o coração. Desligar o relógio e seus miseráveis ponteiros. Parar o tempo, sentir a vida. Ver a vida. Ver o outro e os outros. Tanta beleza nisso tudo. Poder acreditar. Admirar. Querer ser mais, alcançar os sonhos e todos os seus arco-íris.

Um rosto em admiração. Os olhos que se revelam. Os olhos sem cortinas, sem dores, transparente. E o coração sendo compreendido. A vida contém segundos de belezas que depois perduramos. Prendemos na parede de nossas salas. E ficamos lamuriando o passado. Esquecendo de abrir nossas portas. Morremos calmamente dia após dia. Por um segundo podemos nos surpreender. E então, olhamos. Acreditamos. Ah, por um minuto. Apenas por um minuto se o vento batesse em nosso rosto. E então, viveríamos!

Não! Morremos alucinadamente. Mesmo diante de uma canção. Lindamente. Morremos! Adoro isso. Essa morte sem assassino. Esse suicídio sem sangue. Essa histeria do desânimo. A apatia. O vazio intenso. Sem intensidade. Sem destino. Sem sonhos. Morremos perfeitamente lindos. Tanta poesia nisso tudo.

Achei o mês de fevereiro novo, diferente. Tinha você, por um momento parecia ter sentido. Finalmente nessa vida pálida e enclausurada eu vi você. Vestígios de sonhos. Vestígios de um beijo. Insistir. Não curvar. Não aceitar. Insistir! Esperança. Odeio cada uma. Desprezo. Dou risadas. Como é bom rir disso tudo.

Ah, o tráfego. O movimento. As aglomerações. Tantas pessoas obsoletas. Mortas. Trágicas. Vivendo vidas desagradáveis. Pessoas desagradáveis. Banais. Momentos desagradáveis. Vidas estéreis. E você apareceu tão belo e poético. Suaviza a vida. O sonho. A esperança. Essa maldita esperança enclausurada nessa Pandora.

 Estou enlouquecendo. Vivendo. Compreendendo. Sentindo. E não querendo sentir. Quero matar todos os segundos. Dizer não. Sufocar os sentimentos. E assassinar a esperança.

** O mês de fevereiro**

A luz irradiava. O dia era belo. Era início. Era esperança. Recomeço. Depois de tanto tempo, uma pausa para o início. Estava um mês estático. Mórbido. Sombrio. E em silêncio, simples assim, desse jeito, eu olhei. Ainda me vejo te olhando. Suavizou minha alma. Aqueceu o frio. E acariciou a melancolia. Depois a febre. O desprezo. As alucinações.

Era apenas fevereiro. E março nem sequer findava mais as chuvas. O céu de repente ficou negro. Dúvida. Tristeza. Vazio. Novamente, não! Mais um dia, não! Outro dia, não. Outra música? Não! Você? Não!

Mas, era apenas fevereiro. Pobre mês. Pobres corações. Pobre vida. Nunca quis ser primavera. Nem mesmo estação. Apenas a última nota da melodia. Apenas o fim. E você orquestrou do início ao fim. Percebi apenas no final. O arrependimento. A distância. O contato. A palavra não dita. O precipício está tão longe. Em silêncio. Estou cansada. Não consigo alcançar. Não importa a distância. Nem mesmo se está debaixo de meus pés. Ou distante, após a colina. Não importa. O precipício está em mim.

**Niilismo**

Sobre o céu de fevereiro. Aberrações. Demônios. Sentimentos expostos. Canções inesperadas. A batida. O coração. O pulso. A alma desatinada e gasta. Morta, mórbida. Desprezível. Mais uma partida. Outro grito contido na garganta. No peito. Na carne cortada e servida na bandeja do desprezo. O niilismo. Eu. Nós. Todos nós. Mortos. Acordamos sorridentes. Enfeitamos para a vida não sentida. Caminhamos apressadamente. Somos importantes.

Assistimos novelas. Tomamos cervejas em corpos perfeitos. Finalizamos o dia com um lindo sorriso. Histeria em massa. Hospício em embalagens. Familiares soterrados em seus últimos suspiros. Sem pais. Sem irmãos. Sem amigos. Vazios e ocupados. Necessários e desnecessários.

Capitalismo de nação. Homens da nação. Canções mercadológicas. Lógica de mercado. O trabalho dignifica. A fantasia se torna real. O real uma linda história infantil contada pela professora do primário. Lindo! Lindo, lindo. Tantas belezas nesse vazio.

Sentir a vida somente pecando. Distribuindo carne, sangue e sufocando as lágrimas. Virar máquina. Sangrar. Trocar o óleo. As pílulas. Novas novelas. A continuação do seriado. O moleque que corre descalço. Pisar na vida. Beber a vida. Não nascer. Abortar. Viver. E depois desaparecer.

**Formulários**

Reaparecer, Começar. Começos. Reinícios. Inícios. Finais. Lembranças. Esperança. Tragédias. E de novo a vida ressurgindo sob o céu de fevereiro. Longe da primavera, distante do inverno. Tanta luz. Calor. Paixão. Intensidade.  Foi em fevereiro que toquei sua pele. Tão lisa. Tão linda. Tão doce. Tanto sentimento. Depois de tanta pobreza. Tanto amor. Tanta vida em poucas horas. E tanto desprezo por tanto tempo.

A vida uma roda gigante. Nostálgica. Linda. Imensa. Bela. Tanto vazio para uma única vida. Tanto sentimento para poucos segundos. Overdose de calmantes. De sentimentos. De esperança. Apenas o suicídio da alma acalma. Amortece. Suaviza.

E amanhã. O relógio. O tempo. O livro de ponto. A vida contabilizada em horas. Seu gosto. Seu corpo. Minutos em seus braços. Olhar seu rosto depois de beijá-lo. Te amar. Amar. Amar. Sem ter nenhuma esperança do amanhã. Depois acordar e sentir o tempo. As horas. A correria. Olhar a agenda. Agendar a vida. Dilacerar o corpo. Sufocar as lágrimas. E no final assassinar a esperança.

Dilacerar cada pedaço de meus sonhos. E enterrar tudo num terreno baldio. Enfim, poder sorrir em paz. Em alegria. E depois viver o vazio. Abraçar todo o niilismo. E sorrir. E sorrir.

**Pensamentos**

Sempre as escadas. A fala rápida e apressada. Poucos minutos. Degraus. Confissões. Sorrisos. Instantes. Busco você em fragmentos de segundos. Acalmar o coração. O pulso. A histeria. Pensamentos vazios. Tédio. Suicídio. Tanto tempo e agora apenas as lembranças. Os pensamentos grotescos, mórbidos. Trafegar em corredores vazios. Leitos de hospitais em festa. Casamentos barulhentos. Vidas em gritos. Amores estrangulados.

Ainda mantenho as lembranças. A vida que não foi vivida. Preenchida. Não sei. Mas, pensei em chinelos. Calma, descanso. Pausa. Sentir. Viver. E depois desistir, estrangular os sonhos e todas as suas atmosferas solidárias.

Ah, como é bom viver. E como é bom escolher não viver. Pular todos os precipícios. Não pular nenhum precipício. Apenas sentar e contemplar todo o vazio. Olhar. Esquecer. Adormecer. Buscamos vazios. Tecemos labirintos. Perdemos o ponto. O início. Mergulhamos no caos. No desespero. Nas alucinações. Em gritos padecemos. Em silêncio compreendemos. Todos os dias, sonhos. Entre os ponteiros alimentamos nossas feridas.

**Desumanos Humanos**

Humanos em desumanidade. Banalidade. Grotesco. Amor. Pausa. Beijo. Encontros. O soberbo grotesco. Depois a leitura da bíblia e todos os seus provérbios. De novo crente. Descrente. Tomamos todos os dias um cálice niilista. Depois a ressaca. Os sentimentos. Os desprendimentos. Em contas bancárias. O carro do ano. O piso da moda. A cor do granizo. A pintura fresca e o sorriso falso, estrangulado em notas, créditos.

Ah, a vida tão bela e narcisista. Tudo inválido. Nos produtos o prazo de validade. O bicabornato no leite coalhado. A vizinha e seus apliques. O portão ao lado rangendo lindas sinfonias.

Meu cachorro deprimido. O gato do vizinho canta uma tristeza infinita. Estamos todos doentes. Tudo tão belo e poético. As garrafas de vinho vazias. O coração vazio. A vida vazia. No final do dia o troco. Os produtos e todas as suas belas embalagens.

Sábado as redes. As mídias e seus holofotes. O invisível. O visível. O belo. Perfeito. Vidas perfeitas e belas.

No domingo de novo a corda presa sobre a janela e o olhar afastado, parado e mórbido. A beleza em empresas de estética. A vida magra. SER magra em anúncios de outdoor, panfletos nas ruas, placas decorativas. Anúncios em redes. SER magra, esbelta e bela. Lindo. Poético. Vibrante.

SER. Poder estar presente. Presentear a vida, o outro e os outros. Tanta beleza nisso tudo. Chega! Chega! Estou exausta. Ansiosa.  Triste. Parada. Morta. Niilista.

Fevereiro. Mês da luxúria e seus pagamentos. Contas. Projetos. Carnaval. Feriado. Fregueses em ofertas. Piscinas poluídas. Laticínios. Sem glúten. Nova direita. Novo paladar. Novo encontro. Outros encontros. Outras histórias. As mesmas histórias. Os mesmos dilemas. A mesma mesmice. O mesmo paladar, azedo, amargo. Ele esperava sua decisão. Trocou trocadilhos. Imprimiu todas as suas impressões. Não era seu dia de sorte. Trocou ilusão por ilusões. Lindo. Lindo.

O Natal está distante. Mês mágico. Vermelho de amor. De sangue pulsando a vida. Nos enfeites pendurados sobre as janelas. O vulcão Etna em erupção. As embalagens em cores vibrantes. Energético para continuar. Mais um sopro apenas. Mais um dia. Somente hoje. Amanhã café. No final de semana talvez eu durma. Talvez todos nós nos encontremos em uma mesa de um bar. Todos felizes, celebrando a vida.

Os enfeites de Natal, dourados em estrelas cadentes, a natureza verdejante sobre os plásticos revestidos de relva. Belo. Muito belo e prático.

Os porta-retratos sobre as prateleiras. Menino Jesus decorando a sala. Tudo muito cristão e fraterno. E nas veias expostas o sangue niilista bombardeia o marasmo de se viver. Vazio. Buracos imensos. O coração oco, pálido, doente, viciado em aspirina. Lindo. Lindo.

Remédios, corredores. O carrinho da limpeza. O balde com água suja. A vida parada. Dengue. FEBRE, convulsões. Azedo. Vômito. Náusea. Purificadores de ar. A moça da limpeza. O mal humor. O sapato de salto alto. Corredores. A vida pelos corredores. Iluminação artificial. Comida artificial. Prazer instantâneo. 

Encontros inexistentes. Vida bela. As joias falsas. O sorriso em porcelana. A miopia. Os produtos transgênicos. Travesti. Gêneros. Feminismo.  Masculino. Feminino. Combinações. Individualizações. Padrões. Padres confusos e em depressões. Tratamentos. Nos cursos de psicologia, literatura e esoterismo. A verdade absoluta. Padrão. Clichê. Em suma. Ah, que horror. Feio. Não tem beleza. Feio. Horrível.

O batom vermelho, seco. A vida seca. A amizade vazia, inexistente. As reuniões de trabalho. Os infelizes. Felizes em sua solidão. Paraíso. Uma cidade de ouro e cristais. Deus me livre. Horrível. A vida pede terra fofa, macia. A alegria do descanso no final do dia. Não imagino um paraíso sem antes ter sido devastado pela guerra. A paz no caos. A companhia do olhar atento sobre a vida. Sufocar a solidão com um singelo bom dia no início do dia.

**Pecados**

Não existe paz na tranquilidade. Ela adoece, tranquiliza o coração. A vida. Escolhemos nossos carrascos. Mentes insanas atormentadas pelo gosto do pecado. Da vida. Dos sentidos. O prazer. O corpo. Todos os sentidos. Sentir a liberdade. Depois a queda. O preço. A Bíblia e seus provérbios. Depois novos vícios lícitos. Novas obsessões. Construções de paraísos. A necessidade do mal. Das leis e suas regras. Aplacar os sentidos. Viver o vazio. Mergulhar na palavra. Neuroses. Delírios. O corpo e suas abstenções. O não. O precipício. As regras. O sofrimento como graça alcançada. Que horror! Que Deus feio. Uma velha maldita. Deus uma velha de semblante caído, ventre morto, pele flácida. Olhar sem brilho. Boca maldita. Deus uma velha decadente.

O inferno cheio de jovens alegres em comemorações. Adorações. Celebrações. Músicas, danças, corpos, bebidas, gosto, desejo. Entorpecer até adormecer a alma. Apagar todos os sentidos de tudo isso.

Viver! Viver até o último instante. Beber até a última gota. Satanás em corpos femininos. Éden. Afrodite. Vênus. Criação. Compreender a vida. Perceber a vida. Viver. E depois vazio. Niilismo. A busca do irmão. A gratidão. A complacência. Os valores cristãos. O próximo. O outro. Os outros. A palavra. Meu Deus, que inferno. Que decadência. Uma eternidade num corredor escuro, por uma vida sentida. Brindar todos os niilismos. Abrir um parêntese. Um instante. Pecados. Conseguir viver todos eles. Sentir todos eles. Pecados. Consumir cada um.

**Lamentações**

O recomeço. O arrependimento. O fim. O reinício. A plateia. Os discursos. O inferno em parábolas. Morais, éticas, ensinamentos precisos para não se viver.

A receita. Os conselhos. Mil ingredientes. Menos o amor. Amar a vida. A chuva. O frio. O sorriso inesperado. A solidão. Beliscar o braço e perceber a vida. Acordar. Sentir saudades. Recordar. A correnteza. As folhas. O caminhar. A beleza. O belo. As estrelas. O jardim. O grito. Os olhos de quem aprecia tudo isso. As almas que se encontram e depois desaparecem. Tecem novos relacionamentos. Novas vidas. Outros ensinamentos. Novamente o início. O começo.

Somos tantas palavras perdidas. Não ouvidas. Somos tantos sentimentos desprendidos. Temos tantas alegrias e dores. Tantas belezas próximas e distantes. Tantos encantos. Turbilhões de emoções. Matamos Deus e revivemos esse mesmo Deus. Sufocamos nossas dores. E depois buscamos a esperança, o fortuno, a bonança. As recompensas. Outros mergulham na caverna da tristeza. No labirinto da redenção. Outros apenas vivenciam todos os desejos.

Tantas vidas. Tanta vida. Tantos sentimentos. Viver. Viver intensamente. Viver perdido. Viver tentando. Viver sem compromisso. Viver instantes, momentos. Enfim, viver.

Cocaína. Enfim, sentir. Não sentir. Desligar. Sentir todas as emoções. Pecados? Não! Viver! Sentir! Até a exaustão! Psicose. Esquizofrenia. O raciocínio lento. Morto. O mal humor. As crises. A loucura. A depressão. O desespero. A obsessão. Os provérbios que não acalmam a alma. Mata. Matam o corpo. O homem. Os sentimentos. Vazio.

A ansiedade. Os olhos que não conseguem dormir. O calor no peito queimando a esperança. Viver intensamente o vazio. Amar a solidão. O desprezo. A incontingência. Tecer encontros. Tantos demônios acompanhando meus passos. Amo todos, cada um. Saber ser companhia na ausência. Criar construções. Abandonar todos os lares. Conter as falas. Os sonhos. A poesia. Os martírios. E depois desprender o resto da vida.

**Instantes**

Apenas um toque. Sobre a pele. Busquei sentir aquele minuto por horas. Alcançou meu coração fatigado. Por um minuto. Mas, logo todo o sentido se desfez. Não perdurou. Poderia tanto tê-lo amado naquele minuto. Mas, não. Não. Recolher o amor. O gosto. A carne beijada e exposta. Cortada. Revirada. Vívida.

**Hoje**

O amor congelou a alma. Os desatinos. Os martírios e seus murmúrios. A festa no final da noite reuniu todos os anseios. O instinto. As cores vibrantes. Os copos sobre as mesas. O lixo. Os restos. As vozes embriagadas. Os lampejos. Mais um lindo dia cortado do calendário. Depois a volta. O início. O começo. Novamente nada. De novo esse peso. Essa histeria dessa vida estéril. Febril. Pacotes, embrulhos. Laços. Barulhos intermináveis. E você nem mesmo apareceu. Apagou todos os rastos. Todas as fotos. Todas as histórias. Que lindo! Belo!

Hoje. Apenas hoje podemos viver. Depois, saudades. Lembranças. Sorrisos discretos na nossa face. Somente hoje. E depois veremos nossa solidão. Nosso egoísmo eterno. Nossos vazios. Nossa incapacidade de amar. Tanta filosofia para nosso vazio.

**Segunda-feira**

Esperar novamente. Depois continuar esperando. Tentando. Amando. Vivendo. Conversando. Hoje. De novo, hoje. Sufoca. Oprime. O céu todo azul. Horrível. Azul que cega, deprime. Insensatez. É bom. Muito bom. Simplesmente não analisamos, fazemos naquele exato instante. E é bom. Momentos. Vivemos esses lampejos de instantes.

Um mar de rosas picadas jogadas no chão batido e indigesto. Sofrer as consequências das decisões mundanas. O relógio no pulso lembrando os minutos genuinamente autênticos. A obsessão pelo amor perfeito. Pela vida perfeita. A cor da sala perfeita. O sapato perfeito. Belo.

Um dia um amigo meu me disse que relacionamentos são iguais a sapatos. Podem ser macios, confortáveis, mas esses estarão gastos, sem brilho, sem academia, cirurgias plásticas, roupas opulentas. Apenas a maciez que abraça a alma. Congela o tempo. Envolve o pensamento. Acaricia o coração. Esses sapatos são os melhores e mais sinceros.

E existem aqueles outros sapatos belíssimos e em cores exuberantes. Barulhentos nos seus passos. Chamativos. Envolventes. Porém, a cada dia pisado um pedacinho da carne vai sendo cortada. O caminhar vai ficando lento, triste. Pesado. Mas, insistimos, são belos. Combinam com a vida, com outros corpos. Outros passos. Vivem rodeados na histeria da vida. Das festas. Do álcool. Da alegria.

E os pés? Martirizados.

Depois percebemos o estrago. Colocamos curativos. Acariciamos. Ficamos quietos, parados. Vazios. Expostos. Sem calçadas. Palcos. Festas. Sorrisos. Abraços. E começamos a andar descalços. Solitários. Na mais profunda desilusão. Tentando enganar nossos erros. Nossas escolhas.

E depois disso tudo, nem sapatos velhos ou novos. Nem a paz ou o caos. Aprendemos a voar. A olhar. A nadar. Escalar. Nossa caminhada não precisa de sapatos velhos ou novos. Precisa envolver o coração. Os sonhos. As lembranças. Os minutos sentidos pelo toque na memória. O leve sorriso quando toca à música preferida. O coração acelera. E o tráfego da segunda-feira fica por um minuto paralisado. Momentos eternos em instantes.

Os sapatos… O amor. Esse sublime sentimento que acaricia a alma. Depois os pés livres, pisando sobre a terra. Mergulhando no rio. Sentindo a vida. A paz.  Essa compreensão infinita que envolve o corpo e acalenta os sentidos. Tranquilidade. Saber compreender os instantes. Perceber os outros. E tantos sentimentos. Tanta vida. Tantos ventos soprando.

**Insanidade**

Buscar o invisível com os pés fincados no chão. Impossível sentir os ventos e todas as suas imprevisibilidades.

Morrer infinitamente. Depois continuar. Andar exaustivamente para depois parar e olhar, sentir. Vivemos em uma continua rotina. Nos mesmos passos. O mesmo rosto. Na boca o mesmo gosto. No corpo a mesma alma desatinada.

**Sonhos**

Diluir as esperanças dentro de um copo raso e sujo. Buscar palavras para os sonhos nem pensados. Na euforia da entrega o gosto amargo do vazio indigesto.

Os homens estabelecem tantos sonhos. Nas horas estendidas, nos feriados, planejam, sonham. O prazer em cápsulas. Na melhor escolha do seriado. No bate papo sério e emblemático.

Nos novelos desenrolados vamos colocando alguns travessões. Nunca o ponto final. Nem conclusões. Apenas enredos, diálogos inacabados. Finais reiniciados. E todos os vícios modernos cantarolados na multidão.

**Fevereiro**

Sobre as nuvens de fevereiro. Entre alguns pontos do infinito e próximo do precipício. O sol escaldante queimando a pele grotescamente. Os sentimentos paralisados e adormecidos. As cores vibrantes pelas ruas da cidade. Pacotes, laços, placas, carros desfilando pelo asfalto. A primazia disso tudo.

Papelões. Balões. Liceus. Ginástica localizada. Palácios contemporâneos. Subir as escadas dos monastérios. Cantar sinfonia no sol do meio-dia. Tic-tac. Transformações. Girassóis. O arco-íris no reflexo da janela. A transferência sobre a vida. As embalagens empacotando todos os brilhos e sentimentos.

**Amanhã**

No canteiro verde e extenso, apenas uma flor vermelha emergia. De longe os olhares cobriam cada pétala. As lagartas pareciam ter visitado cada folha. A flor continuou austera. E o canteiro enegrecido de formiga e lagartas. Tudo em volta devastado. O caos consumindo cada partícula. O gosto amargo da bebida consumida junto com os amigos.

A morte anunciada nos olhos. O final próximo e seguro. Visível. Opaco. Consumido em cartelas e proteínas   após os exercícios da academia. Músculos. Gorduras. O excesso de peso. A vida não vivida caminha lentamente com a respiração ofegante. A obesidade que engoliu os dias. A pausa. O cansaço. O desânimo. O sono. E a gordura engolindo os homens.

Amanhã talvez a humanidade possa começar a caminhar. Recuperar os sonhos, o ânimo de se viver. Reunir e compartilhar partículas de esperanças.

As tatuagens cobrindo os corpos. O sentimento que não existirá amanhã. Apenas o hoje e agora. O amanhã demora, oprime. Está tão distante. A manhã ainda é uma criança. E a maturidade apenas no final da tarde. E a noite uma velha com insônias, tomando seu drink, fumando um cigarro sem esperanças ou sonhos. Apenas agora. Hoje.

**Cartas**

Um peso morto estendido na esfera do redemoinho de vidro. Consumir todas as energias e correspondências. No barraco do final da rua, mora a cartomante com sua esposa e três filhos. A cartomancia. Cartas de baralho. A pobreza diluindo a razão. As crianças felizes e sorridentes. Belezas exauridas de qualquer sentido.

O destino jogado na atmosfera de seus familiares. Corações compartilhados e humanizados. Fugir da realidade. Do caos desembrulhado. Migalhas de afetos.  Construções desiguais. Paredes desmoronando durante o dia. Tramas oferecidas em mensagens. A necessidade do afeto. A comunidade distribuindo sorrisos e abraços. O sentimento de solidão engolindo os homens.

Jogos virtuais. Poltronas individuais. Salas compactas. Vidas dormitório. Bairros dormitório. Condomínios de segurança. Momentos de liberdade presos ao sexo seguro e descartável. Amores confeccionados.

Fevereiro e os novos horóscopos. Os antigos relacionamentos retomados em santidades. Os mesmos erros atualizados. Congestionamentos de mulheres embriagadas. O milagre da vida em diversas doses.  Os anjos cantam canções. O corpo sangra. Vermelho intenso. Precipícios. A ligação nunca ouvida. O amor que nunca suaviza. As batalhas que nunca acabam. Suplícios. Caos. Paz. Semblantes desfeitos. Corações rebeldes demais para todas as correntes que continuam a viver. Viver!

**SIM**

Os pensamentos buscavam lembranças. O coração lutava bravamente. A guerra emergia. Aceitar ser amor. Permanecer distante. Torturar a esperança. Assassinar os sonhos. Mil vezes sim. Até a vontade sucumbir ao vazio.

Engolir todos os outros. Até os olhos enxergarem somente desertos. E as flores florescerem em vasos estéreis.  E todo o solo contaminado. Dizer sim para o vazio. Até o corpo pesar sobre todas as verdades. E a morte respirar todas as belezas e suas paixões.

E quando a primavera finalmente for sepultada e as noites se tornarem dias. O amor finalmente velado. A paz ininterrupta alcançarem todos os corpos. Então, o vazio sucumbirá e alcançará todas a almas. Lindo. Lindo. Niilismo. Vazio.

O presente de hoje em corpos jovens e corações velhos. Sem ânimo. Desiludidos. Estéreis. Inúteis. A juventude em rostos lindos e com a face envelhecida e entristecida. O lamento profundo e morto. Sim.

**Lembranças**

O barulho da água correndo fininho. O sentimento profundo. A dor de amar. As facas cortando cada pedaço. O olhar que desvia na pele a dor grudada. O corpo enxugado e acariciado. A dor de ser amada. O sentimento perturbador e infinito. Os olhos pedindo a calma.

O desejo que tudo acabe e desapareça. O vazio se alastrando por todos os ambientes. O sábado desprendido nos beijos dos amantes.

Qual a canção perfeita? Como contemplar todas as estrelas? O corpo febril. Dilacerado. Amargo. Infeliz. Invisível.

**O Gozo**

O corpo suado dos movimentos perfeitos. A boca molhada. O lábio em veludo acariciando o corpo. A pausa. O movimento. Os dedos apertando a carne. O rosto deslizando sobre o corpo. A pele quente e úmida. O gozo prendido. O momento sendo sentido. A respiração intensa. O coração revelado. A mente sublime. Os instantes de lembrança. E depois novamente o retorno ao sexo. O prazer intenso.

O calor do corpo apreciado e absorvido. O sexo desembrulhado e consumido. A boca sendo devorada. As mãos apertando o corpo. A alma. A epiderme exposta. Os olhos excitados. O momento eterno em minutos.

Depois o vazio. O vazio extenso no peito e engolindo todas as entranhas.  A solidão de quem está só. O momento consumido e descartado. Apenas um instante de prazer e vazio. Nada. Sexo e gozo. Corpo e prazer. Vazio e sua imensidão negra e obscura. O vazio sendo expandido. A náusea. A indiferença. O nada.

Viver o nada em segundos. Indiferente. Belo e vazio. Sexo e doses de bebidas. Insulina. Diabetes. Injetar um pouco de ânimo para a vida débil e estéril. Apenas um pouco de oxigênio para quem está perto do fim. Um segundo de chamas. Uma pausa rápida e efêmera. Nada. Visceralmente nada, exposto em corpos vazios. Instantes de gozo. De vida. E novamente o nada.

**Nada**

Viver sem lembranças. Buscar momentos perdidos no infinito distante. Chamas de solidão aquecendo a alma. Varrer todos os resquícios de alegria e êxtase. Sorrir sem alegria. Dizeres vazios. Nada.

Deixar ruínas em corações frágeis. Impossibilidades de amar. Aceitar o vazio. E corromper o amor. Buscar o nada e sorrir em lábios modulados. Tudo perfeitamente falso.

Corpo estéril. Coração desprendido. Falsidades. Superficialidades. Mentiras. Não aceitar a alegria. Viver num emaranhado de ingratidão. Corpo falso de uma vida vazia. Contaminada pela desgraça de não se viver. Adormecer. Aceitar. Permanecer o mesmo objeto, ornamentando a vida e sem vivê-la.

O desperdício de um sonho. A não realização de uma esperança. Morrer e aceitar o fim permanecendo sentada sobre o olhar no horizonte. Desesperança que arranha a carne e expõe todas as feridas.

Cicatrizes invisíveis. Ofensas estendidas e aceitas. Permanecer no silêncio. Viver sobre a indiferença.

As flores em seus lindos vasos ornamentais. Mãos que cuidam e regam todas as rosas medíocres. As pragas que se alastram após as chuvas.

Chover até estragar todo o jardim. O mato ruindo, alastrando e sufocando toda a vida. Todas as rosas mortas ao solo e expostas.

E no final, apenas a indiferença. Sem lamentos. Esquecer os sonhos. Sufocar a esperança. Estrangular a dor. E respirar. Pausadamente. Em silêncio. Em comunhão.

O amor ficou em uma esquina pacata e vazia. A luzes dos postes estavam sombrias e mal iluminadas. As ruas desertas e abandonadas com suas cores nebulosas.

O silêncio parecia gritar, gemer em seus ruídos. Algo que agredia a paz e o vazio.

A rua era deserta. Os postes eram verticais com luzes desiguais, iluminando a penumbra. Refletindo a solidão. Na esquina cantava uma melodia silenciosa e dramática. O cesto do lixo. O lixo. O piso de concreto. A luz refletida do poste. E o coração bombardeando solidão. A vida parecia suspirar.

Por um momento aceitou a vida. O sangue bombardeando. A boca em chamas. Os dedos que acariciaram a alma. A pele acariciada e pressionada com tanto zelo. Os poros expostos, lambidos e devoradas em um único minuto.

Por um segundo sentir a vida. Espremer a vida. Arranhar a vida. Sufocar a vida. Tocar a vida. E finalmente fechar os olhos e sorrir.

**Fevereiro**

O céu era imenso em nuvens dispersas. A tarde brilhava. A vida sujeitava os homens. O sol flamejava. Os olhos pararam. Olharam. Sentiram. Vibraram.

Um segundo e uma pausa. O silêncio da alma. O corpo em febre. Em seu calabouço. O corpo gritava, esbravejava em seu leito de morte. O corpo niilista. Uma alma carregada em um vazio ensurdecedor.

Por um instante. Um breve momento. Algo gritou na minha alma. Desejei que o sol se apagasse. O mar secasse. As nuvens descarregassem tempestade. E que o mundo por um curto momento se deteriorasse. E que eu nunca tivesse olhado.

Ah, caminhou. Travou guerras. Olhares, gestos. E o niilismo se tornou desnecessário. Assim deve ser os amantes. Os amores em seus juramentos. A chuva em suas tormentas.

**Esquecer**

O desejo de apagar na face o sentimento revelado e exposto. Sentir a solidão. Viver a desilusão e o infinito em um único dia. E no amanhã retornar ao mesmo vazio.

Tentar esquecer o beijo. A conversa que desperta a alma. Os sonhos. Os instantes sentidos. A paz dilacerada.

A busca do improvável. Do esquecimento prolongado e infinito. Estamos fadados ao inevitável vazio existencial dos nossos dias, compartilhados loucamente. Nos dias não vividos. Aprender a conviver com o vazio. A espera. A conviver com nenhuma espera. Nenhum sonho.

Viver sem propósitos. Sem sonhos. Sem esperança. Alimentando nossos vazios indissolúveis. Tragédias humanas. Vidas humanas sendo ceifadas. Degoladas e expostas em postes virtuais.

Olhares sem compaixão. Frases bonitas e destituídas de qualquer sentimento. Tradições burocráticas. Caminhamos soberbamente amargos. Trivialidades. Novos pacotes de embrulhos. Vidas embaladas. Seu olhar foi tão belo e encantador. Tocou no peito. Sentir a carne viva e ter o prazer de morrer.

Como esquecer um único olhar. Um instante da vida. Um pedaço de sorriso desprendido sobre minha face. E depois gozar em outro corpo. Outra pele. Morrer em outra boca quente e nefasta. Sentir todo o calor de outra alma. Outro ser. Outro coração. E no final expandir todo o vazio encoberto sobre a pele.

Como é doce morrer. Como é amargo viver. Canções sombrias. Vidas vazias. Superficiais e empacotadas. Embrulhos brilhantes e barulhentos. Comer a vida. Engolir o amor. Dilacerar os sonhos. E sorrir imensuravelmente. Buscar primaveras em tudo. Aceitar o deserto. O céu carregado de luz. O corpo sombrio e morto deslizando sobre as areias.

Secar toda a esperança. E cantar o mais alto. Desfigurar a face. E sorrir docemente. Histericamente. Nada importa. Apenas acordar mais uma manhã vazia. Tomar o café. Dizer bom dia e sorrir. Sorrir alegremente.

**Quarta-feira**

O portão aberto…

A alma levemente sorriu…

Apagar o amor. Apagar o seu rosto. Seu toque. Suas mãos. Sua boca. Seu peito. Seu suor. Sua alma. Sua face. Seus olhos. E esfaquear meu coração com toda a força até que sua lembrança fique perdida por um segundo.

E depois começar a construir o meu labirinto. Minha prisão. Meus anseios. Minha eterna e duradoura solidão. A incapacidade de amar. De viver eternamente. Apenas frações, instantes, momentos, segundos de um amor desatinado. Perdido. Sufocado em suas misérias. Delírios.

Deixei entrar pelo portão. Pelo meu corpo. Minha pele. A boca sangrava quente e ruidosa. Devorava cada parte de minha carne. O corpo junto em transe perfeito. O movimento em sintonia. O peso. As mãos ruidosas. A pressa desenhada sobre as curvas.

A admiração. O nervosismo. O toque. A proximidade do desejo. A necessidade do amor. O olhar desviado e anunciado. O coração trancado e enlouquecido. E o corpo em histeria. Em febre. Em luxúria. Em gozo. O gosto do amor na boca. No corpo. Na face. No grito. Na respiração ofegante.

Os lábios devorando o outro. O mesmo. O mesmo desejo. A mesma vontade. A mesma vida. Linda e desiludida. O mesmo olhar de prazer e vazio. O mesmo gozo de morrer e sentir a vida em seus instantes.

Não era final de semana ou um longo início de ano. Era apenas uma quarta-feira perdida num longo e exaustivo dia. E no final apenas um encontro vazio e sem sentido algum. Sem nenhum sentimento. Sem nenhuma lembrança. Apenas vazio.

E o portão fechado. Depois trancado, sem ruídos. Sem abraços de despedidas. Beijos eloquentes. Sem paixão ou aperto no coração. Sem afeto ou expressão. O amor contaminado e esquecido. E a vida niilista. Vazia.

**SINGULAR**

A tarde ofuscava os olhares, e neles os pedestres atravessavam exaustivamente sobre suas faixas pálidas e robustas.

As roupas coloridas e extravagantes. Os ternos delicados. Nas passarelas as flores naturais e superficiais. O verde esplêndido do gramado. Das praças rebuscadas. O jardim do Éden em etiquetas quadriculadas. Banalidades das compras.

As lojas de Pet. Berçários vazios. O ventre no deserto. As migalhas de afeto. O pedaço de bolo na geladeira. As comemorações da semana passada. A roupa ainda com o cheiro da loja. O sapato com a etiqueta. O encontro em desfile de diplomas. Diplomacias de indigentes, valorizados por suas empresas, com suas estampas nos crachás automáticos da vida ausente.

**Sintomas do vazio**

Demências. Os corpos mastigados, triturado como bolinhos fritos e picantes, saboreados pelos outros. E tantos outros em exposição. Ah, o museu mostrava olhares. Dilacerantes. Esculturas vivas. E mortos contemplavam em silêncio amargo e gasto.

As umbrelas no mês de abril. Nada natural. Dezembro em abril. O mês foi inundado por águas. Dilemas. Privações. Canções românticas tocavam na rádio e os jovens dançavam nus sobre os picadeiros da vida.

Os pensamentos atravessam as cortinas, transitam nos afazeres domésticos. Precipitam sobre os encontros. E depois o álcool confrontando nossos pesadelos mais singular.

O olhar era de afeto e compreensão. As mulheres sobre a mesa tagarelavam imensamente. As crianças corriam. Eram livres. E sorriam. Viviam. Olhavam o espaço e pulavam suas imperfeições.

A Bíblia é muito sangrenta. Igual a noticiários policiais televisivos. E milhões caíram. Milhões foram derrotados. Apenas um locutor transmitindo a transparência humana.

Meu vizinho soltou seus cachorros na rua, junto com outros amigos se tornaram síndicos. Uma cena linda de se ver. E logo depois da chuva, o frio, um espetáculo triste e angustiante.

Nessas retinas de almas cristalinas notamos os instantes da vida. E transmitimos gestos fraternos. O amor ficou preso no estacionamento depois de um longo dia de compras, objetos, parcelas, embrulhos e vidraças enfeitadas.

A noite cobriu o estacionamento e as embalagens ficaram expostas no sofá da sala, próximo ao copo vazio

**Parágrafo**

Os garis ainda continuam recolhendo o lixo. O cansaço apenas momentâneo. Frágil. O cheiro amortecendo a vida febril e indigesta. Percorrendo as ruas. E depois caminhar sobre o asfalto em corridas esporádicas. Os encontros são momentâneos, superficiais e barulhentos.

        No final de semana nossos pesadelos tomam formas humanas. Tanto álcool consumido rapidamente. Sábado. Domingo. Depois mais uma semana inteira para conversar com o silêncio profundo e depressivo. Vozes, ruídos e mentiras falsas. Vadias. Vírus promíscuos. O rosto pálido. Fraco. Mórbido em sombras de maquiagens cada vez mais profundas e duradouras.

        A imagem perfeita. Na marca mais autêntica. Tantos antibióticos. Remédios para o estômago. Úlceras estomacais. Cólicas abdominais. Drinks de histeria. O brilho sobre a blusa. A alma desbotada e pálida. O gosto azedo. A boca estéril. O corpo magro. O pirulito doce. As palavras vazias junto aos corpos reluzentes.

        Vidas binárias. A obesidade mórbida. As filas infinitas nos supermercados. Vacinas gratuitas nos postos de saúde.

**O amor**

Ainda sinto sua respiração, seu corpo, sua boca. Tão intensa, humana. O brilho do destino rotulado em plantões e formulários.

Novelas grotescas demais para se mensurar. Amar, meu Deus, amar.

 Lembrar dos instantes, de seu rosto. Do meu coração batendo apressado.

Por um instante não ser vazio. Um mísero minuto apagando uma eternidade banal. Somente por um minuto abrir o peito e deixar entrar toda a vida. O amor em centelhas amaldiçoando tudo ao redor. VIVER!

Apenas por um instante pensar que tudo vale a pena. E depois novamente o princípio. Você foi embora tão afetuosamente e no meu peito a lembrança me afasta dos precipícios que eu gostaria de pular.

Um minuto e o amor alastrou por todo o corpo, adormecendo a mente. E fazendo a tristeza sorrir. Apesar da face ainda permanecer olhando o abismo. Meu amor foi muito maior que minha dor. O carinho e a compreensão foram muito maiores que as quedas dos precipícios. E a escuridão que se abateu sobre minha alma foi muito maior que as noites carregas de estrelas.

O niilismo foi muito mais intenso que os gritos sobre os paredões do abismo. Enfim, sobre o céu de fevereiro a alma leve e adocicada morreu sobre as margens do abismo, na ilusão dos sentimentos, aprisionados pela decência e compaixão da vida. Sem lágrimas, sem os abraços de afetos, apenas o olhar para a loucura desenhada nas paredes do sétimo andar.

Um pulo com o olhar retido. E um corpo caído, perdido na sua agonia de se viver. Um fim sem inícios. Apenas o momento eterno da única dor de não se ter sido amada ou  compreendida.

E no final… apenas um corpo na calçada do prédio dourado da avenida das petúnias.

    Primavera de Oliveira.

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O Niilista

O NIILISTA (Primavera De Oliveira)

Nem sempre compreendemos as novelas e todas as suas atmosferas grotescas. Saber ser borboleta nos dias de tempestades. No final do dia ressurgir em primaveras. O niilismo de nossos dias sufocados em paisagens febris. Amamos o acaso, esse nada vazio e cruel que corta nossa carne. Sempre recomeços, reinícios ridículos, e no final, quem sabe amar.

Caminhamos sobre ponteiros, minutos, segundos e no final nem sempre respiramos. E amanhã ressurgimos do precipício igual a Sísifo e seu destino. Estamos mortos e ainda vivemos. Entre paredões, cordas sobre o pescoço, e em cima do altar cartelas de comprimidos amortecendo todos os nossos sentidos.

E depois da janela, linda e bela, a primavera sem cheiro e cor, cinza, concreto. Olhamos para cima e nele o sol apagado junto ao nosso corpo dormente, não sentimos. Estamos infinitamente mortos! Somos todos niilistas.

                               (Primavera de Oliveira)

** Era novembro**

Nessa época os fantasmas começam a tomar formas, consciências de suas transcendências. Nunca pensei que fosse passageiro e desnecessário. Novembro trazia esperanças, mas tudo foi tão perfeitamente falso, que foi poético, todo o niilismo, todas as angústias e suas inverdades. Os dias continham ponteiros e neles toda a beleza da vida que escorria em seus segundos.

Novembro e tantas inverdades apagadas nos rótulos dos produtos midiáticos, tudo faustosamente belo. Percebo apenas os minutos não vividos, porém, ávidos de serem sentidos, apreciados ao longo da vida. Mas, não! Infinitamente, não! Apenas buracos preenchidos das melhores bebidas, festas, falatórios intermináveis, beijos nunca sentidos, somente nada.

O vizinho nunca mostrou seu rosto, não sei nomes, idades, gostos, apenas existem, e como todos os outros se multiplicam sem serem percebidos. Na frente das casas, números e cores exuberantes. Nas calçadas nuas com seus cestos de lixo, nenhuma sombra, nada de árvores, de verde, de vidas. Cachorros latem pela madrugada. A noite murmura, conversa, chora, grita um ruído mórbido junto com o vento, e no final da rua parecem fantasmas da solidão trazendo notícias de desgraças após o dia não vivido.

Novembro e seus lamentos contorcidos em aplausos fracassados. O que aconteceu com a vida? As ruas estão estéreis, não existem crianças, nem bola correndo pelos arredores, tudo exalando a perfeição maldita. Nas janelas somente brilhos de seriados, entregas rápidas, portões fechados, farmácias nas madrugadas, tudo genuinamente perfeito.

** O início**

Agora começa o som da bateria, batidas, escândalos, pedaços. Ah, pedaços picados de nós mesmos. Maldições? Não! Gozamos demais por escadas. O corpo ainda febril, e a boca pálida.

Somos novelos gastos. Desembrulhados. Amamos? Não! Somos covardes. O rock amortece a vida. Desprendemos dos sentimentos. Somos merdas congelantes. Ah, seu corpo, sua boca. Sua histeria. Seu descaso. Sua raiva ruidosa. Como eu gostaria de morrer hoje.

Somente hoje. Apenas nesse instante. Porém, ponteiros. Malditos ponteiros. Comprimidos. Álcool. Doce álcool. Bebidas dos deuses.

Ainda continuo querendo gozar em seu altar. E dar gargalhadas alucinantes. Seria a melhor música. E no final eu gozaria perdidamente, até perder todos os meus sentidos.

Não tenho nenhum túmulo para profanar. Somente a minha vida. Quero todos os gostos, sabores, pecados, carne e sexo. Sem palcos por favor. Sem selfie, nem mensagens. Telegramas modernos. Que piada. Insanidades urbanas.

Corredores de táxi. Condomínios. Que piada. Tudo igual. Amor igual. Sexo moderno, corpos salientes, bufantes. Dou risadas. Vidas cambaleantes, desprezíveis.

Mundo moderno. Sociologia moderna. Burocratas. Política. Vômitos em embalagens transparentes.

Rótulos, calorias, estrias, silicone. Vou vomitar. Ozônio, injeções. Vidas estéreis. Humanidade esterilizada. Higienizada. Acho que quero a vida dos cortiços do início do século XX. O início dessa industrialização cambaleante.

Morremos ao nascer. Pulseiras de identificação. Código de barra, carteira de vacinação. Vejo você! Sozinho e sorrindo. Lendo ou transando. Não importa, morreríamos se nos compreendêssemos. Nossa genética é ruim. Temos defeitos. Sofremos. E no meio desse caos histérico só penso em gozar. Com um terço na mão.

Você grita tanto. Que canção absurda. Impossível calar a vida. Vivemos? O que aconteceu com nós dois. Desistimos?!  Pelo amor de Deus, desligue essa máquina. Quero poder chorar.  Não consigo. Preciso de álcool. Estou desidratada e sem lágrimas.

** Novamente Nada**

Trincheiras modernas, ratos, lama, cadáveres em plásticos. Embalagens coloridas, vibrantes em vidas apagadas, sombrias.

Tudo tão moderno e caótico, vísceras digitais, padrões. São essas as canções modernas, verdadeiras sinfonias do paraíso.

Emagrecer.

Criar músculos.

Gritar na solidão.

Pesos, medidas, ração, anabolizantes, bêbados. Novamente a extrema pobreza volta junto com a crise de superprodução. Narcisismo, nazismo, lindo, lindo. Niilistas.

Lindo!

Sorrisos de porcelana, nariz de Michel Jackson. Guitarras silenciosas. Secas, enchentes, psiquiatras, remédios, anabolizantes.

Sexo e cafeína.

Lindo! Tudo tão belo e nocivo.

Formol! Leitões paridos.

Detesto as pessoas ponderadas, iguais, ponteiros digitais, sem sinal de vida, mórbido, apático, niilistas desprezíveis. Vejo você tão belo, perfeito, em suas neuroses, tanta filosofia, história, poesia, e nem mesmo sabe o motivo de toda essa histeria. Agoniza em seus prontuários, plantões, viagens nocivas. Tédio. Tentar matar o tempo. Tentar entender o tempo. E no final correr contra o tempo. Depois olhar a humanidade, o espelho, a face, o vazio, a solidão e se perder na agonia moderna. Depois rezar, crente moderno. Crente em correntes e balas.

        Novamente nada, você não acredita, tenta inutilmente ler todos os livros do mundo, e no final beija a ignorância vazia e supérflua. Meu Deus, que vazio. É preferível a morte do que a companhia imbecilizada e apática. Histerias, neuroses. Corredores desprendidos sem amor ou vidas. Sentimentos ausentes.

É necessário espancar a vida. Até o corpo adormecer. Só assim para sentir a vida. Esmagar a carne até a exaustão. Sufocar o vazio, o niilismo, e desprender do precipício. Vejo você em mim.  E quanto te olho me vejo totalmente perdida. O que fizemos? Será que tentamos mesmo viver!?

Queria tanto abraçar o seu corpo, sua alma, seus pensamentos, seus instantes, sua face sombria e amarga. Pecamos demais. Amamos a dor. Só assim sentimos a vida. A alegria vira comédia apavorante. Acredito apenas na solidão, é ela quem dirigi os ponteiros. E a primavera é rápida demais para segurar a alegria, no final as mudanças das estações nos mostram nossa decadência. Nossa face sendo desfolhadas, e depois o barulho das pisadas esmagando tudo que foi tão vívido.

Pausas, pausa, essas malditas pausas que nos mostram o tempo sendo escaldado ainda vivo, seu grito de horror, seus apelos, e no final ninguém percebe. Ninguém olha, todos passam como portas de vidros limpas que deslizam facilmente a cada movimento.

**Prisão Moderna**

O álcool amortece a vida. Os sentidos. Na esfera ingrata, o mau. O mal humor.  O ventre, a carne ingrata.  Santos ou demônios. Infanticídio, ruinas de nós mesmos. Solidão.

Tormentos de uma vida banida. Somente uma longa espera. Muitas vidas, uma única vida.

O inverno… A Primavera… O encontro amaldiçoado dos tempos. Uma longa espera aguardando minha ruína. Eu vejo você! Eu me vejo! Meu tormento! Meu carrasco, minha psicose, minha maldição. Monstros! Você bem sabe o seu rosto! Mentiras! Traições! Soberbo! Anjo do mau! Mil anos não destronam sua face. Perverso! Meu Deus, sou ele, ou eu!

Calígula! Todos tinham seus propósitos! Sua ira! O amor em tormento! Em sangue. Quente! A continuação de uma descendência. Nada é por acaso! Procuramos nossos torturadores.

Uma vida em ruína. Em prantos. Em solidão. Somente ciclos de torturas, entre primaveras, outonos, o inverno sempre chega e suprime. Tudo é apagado. Em transe! Sublime! Perfeito!

O outono ….

Tudo negro em folhas.

Folhas picadas…

Vermelho… Roxo… Sangue…

Não! Apenas tormento de uma mente insana.

Eu!  Você! Nós dois! Perdidos! Amaldiçoados!

Você? Não sei!? Mentira? Sim! Somente!

Acabei em bifurcações. Um amor inesperado. Vejo o passado e nossos desencontros. Não compreendo. Você ainda se guarda. Estabelece fronteiras. Semente seca sem cria.

Deficiente! Desprezível! Sedutor solitário, aparentemente depressivo. Mas, apenas crueldade em seus atos. Carnívoro. Face do mau. Sombrio. Lunático! Em rosto angelical.

Nunca esperei menos que isso.

Eu te vejo!

Correspondências corrompidas.

Muito humano. Pequeno humano.

Desumano.

Os passos noturnos.

Seriados prolongados.

Vidas arruinadas, somente horas.

Exatos expedientes.

Sem libertações, apenas a morte desfiguraria seus sentidos.

Perdão, jamais irei te alcançar.

Fico feliz no caminho que hoje percorro.  Abandonei você com um singelo sorriso. Nada mais vai poder restaurar nossos infernos. Ruínas! Doces ruínas! Doce morte! Doce solidão!

Vejo você!   Tão distante!

Sozinho e estéril, somente só, amargo e esquecido. Na loucura da sua infinita alucinação. Nenhuma droga amenizará o fim.

Suicídio?

Não!

Ainda não! O fim é o seu recomeço. Amargo, desesperado, sombrio, vazio. Droga! Esse vazio é pior! Emblemático!

Dou risadas.  Catarse.  Dou gargalhadas. Vazio. Niilismo, nada.

Nada, nada, nada …

Você nunca deslumbrou nada além do nada. Tão sincero e mentiroso. Desfigurado. Alma corrompida, Blasfêmia. Inquisição, Destino, vida, insurreição. Mórbido. Poético, romântico.  Trágico. Belo.

Amar você?

Não!

Apenas transformar minhas palavras em poesia, nada vigora em seu coração. Doentio? Não sei. Acredito em remissão.  Tão católico.

Muito excêntrico. Pouco aceito. Desprezível. Autêntico. Luxúria. Tentador. Sedutor. Gozaria no altar de Deus. Com toda a minha alma. Meu Deus, como eu gozaria. Até não conseguir mais ter nenhuma lucidez.

Muito católico. Muito cristão. Como eu gozaria! Ah, tão poético.

Muito cristão. Extremamente evangelizador. Apenas um sussurro. E gozo. E gosto.

Vejo você, meu inverno dormente. Forte. Alucinante. Apenas uma briga com minha consciência.

Não te aceito!

Recuso.

Quero muito mais que um inverno dormente.

Quero amar. Quero sentir o sol, a vida, o amor, a dor, você. Ah, quero tanto. Espero tanto, busco tanto. Somente minha dor. Uma chave para a vida. Você! Sem chave. Apenas o fim seria sua libertação.  Mas, tão preso em você mesmo. Paranóico. Doente terminal.

Vísceras expostas em anglos midiáticos. Em rostos felizes.

Que bom que nosso fim, não foi nosso início.  Começamos no final de nossa tragédia.  Muito humano.  Em cada estação de ano, vejo você tão perdido. Momentos, instantes. Apenas instantes. Nada será duradouro. 

Nada!

Nem mesmo o riso.

O semblante gasto.

Pare de magoar os outros em seu covil. Aceite seu túmulo. Sua vida, sua miséria, sua covardia. Liberte as almas frescas que sonham.

Você não tem mais sonhos, nem esperança. Morreu em você mesmo. Pare de aprisionar a sua loucura. Estou em transe. Alucinações em ruínas. Pedras contidas. Vidas arruinadas. Massacradas, transformadas em caos. Explosões gigantescas. Minúsculas, profundas e insanas.

**O cansaço**

O fim. A espera. O fim. Chega! O ciclo insuportável da vida.  Nossas escolhas, sem escolhas.  Prisões. Constelações. Vazio. O vazio que liberta e aprisiona. Tão lindo! Tão poético. Lindo! Muito amor para uma única vida. Não cabe. Não ajusta. Não aceita.  Não presume. Vive!

Sou muito mais que eu mesma. Quero tudo, e apenas o sombrio dia enlouquecido de uma tarde fria. Capatazes, torturadores, atrozes, oficiais, manchas adormecidas. Das cicatrizes das meretrizes. Passados indigesto. Lindo! Poético. Hoje, apenas o transformar do dia em horas, blasfêmia.

Quero a igreja e seus inquisidores.  Quero o pasto, a água, os disseminadores das doutrinas. Quero as moedas tilintando nas alcovas.

Sem álcool. Quero lágrimas. Quero dor. Quero amor. Quero amar. Quero o vazio. A solidão. E você. Somente você em sua loucura. Sua morbidez, sua doença. Seu câncer midiático. Suas profanações.

Sem purgatório, por favor. Estou cansada, exausta. Sem culpas. Nada. Sem remorsos. Nada. Apenas me olhe. Veja. Sinta, olhe.  Amo tudo isso. Não espero nada.

 ** Reinício**

        Não pedimos início, reinícios, partidas de futebol, jogos de azar, horóscopos modernos. Não pedimos nada. Mas, sempre as estações, os ponteiros da indústria, os semáforos sincronizados. Faixa de pedestres, fiscalizações, carros coloridos, penteados da moda, correios e pontos eletrônicos. Reiniciar, quando nada está dando certo. Iniciar tudo novamente. A mesma síndrome romântica, os mesmos sonhos estonteantes. Da vontade de vomitar.

E de repente, do nada a canção voltou. O amor voltou. Agora ouço músicas alucinantes, Canções histéricas me aguardam.

E o niilista? Tão morto, doente, insano. Talvez ele seja eu.

Talvez!?

Tenho medo de não conseguir desfazer das minhas horas. Pobre alma castigada em planos, diários, temáticas bucólicas. Acredito que me perdi naqueles anos juvenis.

Eu amava.

Eu cantava.

Eu dança.

Eu sonhava.

Hoje, escravidão do tempo. Do niilismo. Da insanidade. Da pobreza de se amar. Somos escravos. Contabilizamos correntes.

 Tomamos antidepressivos.

Ainda vivos, vivemos, trafegamos. Pagamos videntes, horóscopos e mapas astral. Trágico mundo moderno. Caótico diria.

De repente do nada me vi em afetos. Meu Deus, como um toque muda o mundo, a alma. Morremos! Estamos mortos! Somos relógios, ponteiros, segundos, vertigens.

Tragédias!

De repente um barulho. Acidentes, muros, buracos. Um pneu furado, um corpo ensanguentado. Ataduras, esparadrapos. E nesse momento respiramos. Como é bom respirar sem ponteiros, horários.

E nessa pausa percebemos o afeto.

O gesto.

A mecânica.

A vida.

Os sentidos.

Nosso propósito.

Ah, o amor.

E no final, vazio.

Sabemos reiniciar. Sempre reiniciar. Reiniciar o outono, a primavera, o verão escaldante, o inverno infernal. Depois encontramos novamente belezas, recomeços. Lindas histórias. E no final tragamos as melhores bebidas preenchendo o nosso vazio. Somos copos rasos. Vivemos vidas rasas, insignificantes. Buscamos aprovações, olhares majestosos, penteamos nossos sorrisos, vestimos roupas de cores berrantes e depois calamos a vida. A vida sem berros, sem voz, apática, vazia e niilista.

**Mídias**

Você saiu da mídia, das novelas. Dou risadas. Era apenas euforia. Já passei tanto por isso. Quando achamos que seremos felizes, e nada. Vazio. Niilismo. Misérias congelantes.

Sua soberba, damos risadas. Livreto aberto. Banca de revista, baratinho, quase de graça. Leitura improvisada, rápida. Sem aprofundamento. Sem ressentimentos. Nada em você é profundo.

Vive insanidades.

Somos ponteiros de um relógio lunático. Percebemos as engrenagens, o sofrimento, a dor. Você reloginho digital de Pokémon. Niilista.

Talvez, todos nós somos instantâneos.  Niilistas em rede.

** Sábado**

Ah, hoje eu quero falar dele. Simpático, voraz. Alucinante, vibra a vida. Nada é importante ao redor. Despreza o vazio. Os rótulos.

Variações da vida.

Você percebe as inutilidades padronizadas. Não aguarda nada! Não sonha ou idealiza. Vive! Distante dos niilismos modernos. Estou te olhando, ainda não vejo.

Percebo.

Você irradia o verão. Tão forte. Tão emblemático. Whisky, rock, solidão e desejo. Você absurdamente perfeito. Loucamente insano.

Provocativo.

Morreria em sua boca. Arranharia sua carne. E abraçaria sua alma. Pecaminoso. Profano. Vive intensamente. Sem arrependimentos. Busco constantemente sua boca.

E os ponteiros nem mesmo lembro. Apenas, o relógio. Nada marcado. Em alguns instantes acredito que tudo seja apenas isso. Mas, depois os ponteiros começam. E eu lembro que tenho que continuar.

Continuar a ser solidão. Amar o niilismo dos dias. Marcar as horas. Os intervalos. Tantas batidas. Gráficos. Chamada. Eu quero viver!

Queria ter tempo. Eu sei amar.

Não preciso de remédios, novelas, mídias, selfies, silicones. Eu sei amar. Mas, de novo os ponteiros. Malditos traços. Malditos panfletos, promoções.

Cremes, viagens. Ah, eu vou enlouquecer. E você! Tão distantes de tudo isso. Talvez, o rock amorteça a alma. O som distancie a ignorância suprema.

Amo você. Seus pesadelos. Sua história. Não existe recomeços. Você foi sem dizer nenhuma palavra. E agora a lembrança. Os ponteiros nunca foram mais que músicas para você. Como não iria amá-lo. Meu doce desencontro que encontro. E amanhã? Estarei pensando em você!

** A porta de vidro **

Estava sentado me olhando profundamente. Nunca disse nenhuma palavra. Talvez a filosofia fosse maior que você mesmo. Não ousou dizer, silenciou eternamente.

Tantos demônios que ajoelhei para sua alma. Não importo com seus monstros. Nem mesmo aguardo doçura ou prazer. Descaso, vida pálida e sombria.

Poderia ter sido apenas uma simples conversa. Mas terminou em ponderações.  Malditos ponteiros, odeio todos eles, romanos, digitais, nada importa, eles giram. Matam em segundos o não vivido.

Desistir?

Talvez!?

Não posso. Não quero. Mais uma vez, e outra vez. E todas as outras necessárias. Meu coração sangra. Estou em febre, convulsões. Odeio essa vida, seus ponteiros e todas as ponderações.

Gosto de palavrões, sexo, madrugadas, esquecer dos ponteiros. Malditos ponteiros. Maldito relógio. Maldita consciência que me apaga.

Tenho que continuar caminhando sobre os ponteiros. Sobre o vazio, o álcool, a febre, carrinhos de supermercado. Compras virtuais, moda, trepar até o amanhecer. Depois o desatino, a ilusão, vazio, e nada, nada mais.

Percebo sua face tão emblemática.  Você e seus monstros, desesperança. Tanta filosofia que ficou belo. Acalmar todos os monstros contidos na sua alma.  Bárbaro! Dilemas urbanas. Sangrar ou estancar a vida. Conter ou matar!  Sem esperanças.

Apenas mais um dia da semana. Deveres do ofício. Balas, cansaço, alucinações. Desistir de tudo. Recomeçar sem querer. Novamente buscar o vazio.

Desenhei uma ampulheta no meu braço. A areia escorre pelas minhas veias, as flores ao lado escureceram. Depois sinto o meu braço girar em círculos caóticos. Fico sentido a areia escorrendo nas minhas veias. Limpando minhas artérias, tudo notadamente desigual, pálido e concreto. Sinto até mesmo o peso sobre minha carne.

**Corpo**

Não sei se ele sentiu meu coração disparado. Estava praticamente escrito no meu rosto, sobre minha face, seu nome. Meus pensamentos, meus poros, minha carne, minha respiração. Tudo estava em você. Olhei depois seu corpo cansado, suado, a voz rouca, parado, descansando, respirando.

Sempre chegou atrasado. Sempre notei. Sempre olhei. Estranho. O que aconteceu. Alguns sábados, outros ausente. E no final, depois que levantou do banco, atravessou a porta de vidro, e então, eu nunca mais o vi.

Fiquei com a ausência, o vazio, o niilismo, o grito contido. Maldições desses ponteiros malditos. Viagens, cansaço, ausência, belezas amargas. Esses ponteiros insistem em me matar. O rosto no espelho, a exaustão do dia, e no final apenas sua lembrança.

Atravessou a porta de vidro levando todos os cadeados. Os monstros me martirizam. Vejo a vida com tanta beleza. Qual a sua filosofia? Por que tanta violência contida? Correr até o deserto deve ser mesmo um tédio sufocante, mente presas em correntes.

Os braços pisados e o corpo ainda cambaleante, suplica vidas, reinícios, febres de um corpo exposto ao sol. Dormências. E no final o tempo parece engolir tudo. Não existe tempo para amar. Não existe tempo para acreditar. Existem apenas minutos, distribuídos em ponteiros. O carrasco faz tic-tac, tic-tac. Sobra apenas o corpo cansado no final do dia, e o que poderia ter sido se não houvessem esses ponteiros malditos.

A esperança luta bravamente, mas os ponteiros não param nem um segundo. Nada, nada, vazio e mais vazios, preenchidos nas melhores bebidas. Amortecemos a vida com o passar das horas. Mas, novamente a lembranças aparece entre seus ponteiros. Torturas, o peito dolorido, pesado, a respiração lenta e sufocante. E no final apenas sua imagem sobre a aquela porta de vidro e as escadas infinitas.

** O reencontro **

Esperei as semanas se diluírem no arcabouço da loucura. Esperei sua presença e uma única palavra, os gestos não eram mais necessários. Apenas uma letra. Caminhos encobertos. E agora?

Espasmos, tuberculoses, câncer, água em Marte. Soldados marchando em montanhas. O cinema estava lotado e eu não vi o seu rosto. As filas sumiram depois que minha cabeça sufocou.

Apertei a tecla e apaguei todas as palavras.

Fim. Começo. Reinício. Agora. Corpo. Novembro. Coloquei todos os títulos de início, fim, reinício. Tudo que me fazia lembrar de você, busquei. Por entre as palavras, apenas senti solidão. Novamente o vazio infinito e supérfluo.

Nunca pensei em desistir, sumir, vivenciar o caótico da vida. Foram caminhos trilhados com tantas bifurcações. Um passado indigesto, efêmero, estrangeiro, nunca me apeguei a ele. O presente sempre foi vivido e o futuro totalmente incerto. Somente reinício nos meus caminhos, nos meus amores. Partos demorados, contrações abortivas, amizades ruidosas, desenganos, vidas sombrias.

Tanta luz e tão pouca luz. Um inferno ruidoso e meticuloso. Muita escuridão para uma única criança. Solidão. A vida em uma tela meticulosa. E os meus olhares percorriam suas cenas. Apreciei todas e nunca vivi nenhuma. Apenas um sonho demorado. Nada que acrescentasse vida. Tudo ilusório e caótico. Vejo apenas ponteiros que foram alterados no decorrer do destino, dos dias.

Dramas modernos. Pegadas viciadas. Descaso. Alucinações, tudo vivido em minutos. Sem descanso, dias e mais dias, novamente os acidentes, os amores em esquina, num minuto, dentro de um ponteiro, milésimos de segundos, lampejos da vida. Sempre foi assim. Desconheço outras maneiras. Simplesmente, de repente olhamos.

E dessa vez você estava lá, parado, emblemático, foi apenas um breve piscar, e depois tudo ficou confuso, assustador. Não conheço sermões, nunca olhei para trás, sempre em frente. Agora nesse instante, parei, respirei, e então, olhei. E vi tanta doçura e tantos demônios.

** Pensamentos **

Dessa vez não mais.  Os ponteiros não faziam mais sentidos.  Não preocupava mais se eles estavam girando. Pensei apenas que dessa vez, não. Simplesmente não.

As horas consumiam meus dias. O niilismo se tornou meu amante inigualável. Agora era minha companhia. Sem cobranças ou falsas esperanças.

Tudo tão simples. Como um mormaço do final da tarde. E com o corpo ainda dormente, tentamos levantar. Erguer os passos.

Caminhar. Mas, não! Simplesmente aceitamos. Deixamos nos consumir de vazio. De nada. Sem esperanças. Sem amor, sem encantos.

Apenas a tranquilidade do nada. Do vazio. Da solidão preenchendo todos os cantos. Todos os poros, toda a alma. Tudo tão belo e suave.

Mas, não! Você simplesmente surgiu. Me tirou a paz. A calma. O sossego. Agora saía do paraíso niilista. Os dias começavam novamente em ponteiros. Me mostrava o tempo. E tudo aquilo que eu não tinha vivido.

Me tirou da poltrona da sala, sem novelas. Sem comprimidos para amortecer a vida. Agora sentia meu peito pesado novamente. A angústia. A ausência.  Sem niilismo. Sem encantos. Tudo caótico.

** A distância **

O desprezo por tudo, a distância consumindo tudo. Tentando não pensar, nem entender, muito menos refletir. Apenas parar e deixar os ponteiros seguir em seu ritmo.

Até que tudo acabe. Tudo transforme. Tudo mude, e tudo permaneça do mesmo jeito. As estações sempre alcançam a primavera. E depois não importa. Novamente ela voltará. Tudo voltará a florir.

As flores no final acabam vencendo. A dor não é soberana. Mas, os ponteiros. Esses malditos! Sempre iguais. Sempre juntos. Sempre autoritários. Sempre presente.

No final eu sei que vai parar. E tudo permanecerá do mesmo jeito. Enquanto estiverem rodando, terei vida. Viverei intensamente. Ah, malditos ponteiros! Nem mesmo posso acompanha-los. Tenho que esperar o momento certo.

Malditas ponderações, regras, etiquetas, teatros. Bebemos um cálice e nos transformamos. Depois pedimos desculpas incansavelmente.

**Alucinações!**

Era o presente de final de ano, simplesmente apareceu do nada, caótico em silêncio apavorante. Não compreendi no início, apenas olhei, mas não vi, não senti. Mas, ele sim. Me devorou a cada segundo, do seu jeito, em silêncio, na espreita, no pisar das horas.

Me senti nua, transformada, tudo girava e eu não sabia com sair, como fugir. Apenas, ponderei. Tentei esquecer, apagar aquela lembrança. Porém, fracassos, e mais ainda ele ganhava. Depois ficou ausente, distante, com seus olhos em chamas, desapareceu.

Fiquei em silêncio profundo com uma imensa vontade de gritar, poder arranhar o peito até sangrar a carne, talvez assim a dor passasse. Mas, não! Era mês de primavera, não pude ficar ausente. Tive que me manifestar. O mês ainda estava seco, as chuvas ainda estavam por vir. A pele seca, a boca seca, o corpo seco, a alma trincada, o coração em poeiras.

Não tive escolhas, ofertei toda a minha epiderme. Não, não importava mais nada. Não queria conter e nem mesmo existir. Mas, não podia desaparecer, tinha que continuar sendo. Dia após dia sendo, vivendo. Era o mês da primavera e dessa vez eu não queria ver as flores, nada, nem as chuvas, muitos menos cores e parques.

Das minhas mãos nenhuma gota de água elas sentiriam. Por mim suas folhas poderiam ficar secas, caídas, até morrem passivamente, beijando o chão. Mas, eu sei que depois elas retornam junto com as chuvas. Elas são fortes. Imensamente fortes e delicadas. O muro de concreto sucumbi com o tempo, as trepadeiras, e juntos com elas as flores. Malditos ponteiros, no final eles ganham.

**Setembro**

Os noticiários desfilam tanto ódio, a vida vai ficando mais apática e sem graça. Amanhã a rotina, depois de amanhã o marasmo, e novamente a apatia e o cansaço maldito. A única coisa que refresca a vida são as lembranças da sua ausência. Sem pecados, somos todos niilistas soberbos e amaldiçoados.

A música acalma, mas é necessário a bebida, o acaso, o sexo gasto. Depois somente ponteiros e vazio, perda, essências profanas. Misérias em enlatados, restos de bebidas, copos imundos, vida impura, estamos todos condenados a essas infinitas repetições.

O muro do vizinho é de concreto, o portão da minha sala é de vidro e reflete o muro de concreto. A vida de concreto, o beijo condensado e amargo, sem gosto, cheio de piadas. Tudo de uma ilusão magnifica, belo, vidas decoradas, cheias de papel picado, festejando a vida. Os encontros, os amores, todos podres e soberbos.

Sua lembrança suaviza isso tudo. Amacia o concreto. Seu beijo deve comtemplar as estrelas. A noite seria eterna. Mas, depois recomeços, inícios infinitos e tudo terminando em outonos e primaveras, ciclos, retornos. Isso tudo enche, enlouquece os sentidos. O clube de boxe suaviza. A dor apaga a miopia. Revela a vida. O sangue. O cansaço.

Odeio esse mês. A primavera está próxima, mas sinto apenas vento, poeira, chão trincado, flores mortas. Passarinhos ausentes, sem calma, nem barulhos. Tudo tão lindamente seco. Os vizinhos levaram as crianças para a casa da avó, sem nenhum barulho. Um silêncio absurdo canta atrás do muro. Tudo perfeito e em harmonia. Como a vida escorre pelo ralo, nem precisa de ponteiros, relógios, ampulhetas. Tudo, tudo, tudo lindamente perfeito, sem rumo, bússolas ou compromissos. Apenas hoje, perfeito e belo.

O inverno está indo embora. Não deveria. Pecado! Pecado ele ir tão cedo dessa vez. Poderia ficar, abrigar meu coração. Congelar até fragmentar em pequenos pedaços para nunca mais ser restaurado. Nunca mais! Nevemore! Não agora! Nuca mais!

**Esperança**

De fato, o inverno está indo embora, tão audacioso e frio, meticuloso. Agora espero apenas o tempo cumprir seu ciclo. Essas intermináveis esperanças. Pandora, tudo deveria ter sido libertado. O que ficou amortecendo a vida? Esperança! Tão trágico! Desumano! Cala a vida, os sentimentos. Restando apenas a espera execrável, mórbida, doentia. Adormecer a vida, nada mais.

Sem chances.

Sem nada.

Niilismo.

Talvez, tivesse começado tudo na infância. O silêncio. O infinito. As chuvas. As transmissões de rádio. O vento. As árvores. O vazio. O descaso. O nada.

O banco no final do corredor refletia a vida, as discussões, as novelas intermináveis. O dia nem mesmo tinha ponteiros. Apenas as estações da chuva, depois o sol, novamente a chuva. Depois estrelas, constelações infinitas. O ruído do gato. O buraco imenso.

Não precisava dela, a esperança. Era desnecessária. Hoje ela se apresenta tão cara com a face desgastada, nem mesmo sorrir ou levanta o olhar. Sublimemente despida com o tempo.

Nas épocas de chuvas ocorriam avalanches. Lembro de todas. Hoje, seca, inverno, irrigações, morfina, botulina, programas, sites, espermas, cantos desafinados. Lábios plastificados. Não quero o passado, nem o presente. Nem a esperança. Apenas a sua lembrança conforta.

Balas, carregadas de precisão. Fantasmas e tantos demônios. Parece triste e sombrio. Desanimado. Sem ilusões. Perdido. Falsamente perdido. Distante. Sinto muito não poder alcançar todos os demônios.  A esperança me derrubou. Ela conforta, desanima, tira o que temos de melhor que é saber que não vale a pena.

Ela deprime, faz ter sonhos. Enganos.

Corrosiva.  Ela amortece nossos sentidos. Não deixa a corda presa no pescoço. Ela consome nossa consciência.  Vicia. Todos os dias tomamos um cálice. Depois continuamos. No outro dia tudo novamente. Até entupirmos de comprimidos. Vestimos as cores da esperança. Sorrimos, mentimos, cambaleamos. E depois passamos o cartão de crédito.

**Pesadelos**

Ligamos o ar condicionado ao máximo. Nem mesmo percebemos o brilho do sol lá fora. Mais uma série terminada. Depois jogos, pizza, amigos em rede, na rede. Em novelos coloridos, em pratos giratórios.

Depois a pausa, num bar em um quarto barato, no final do corredor, nos cultos de terça-feira. Comprimidos, pílulas, xarope, absinto. E por um momento a vida pulsa lindamente. No outro dia náuseas. Ligamos a televisão e amortecemos nossa carne. Pausa. Respiramos.

**Semáforos**

O som ligado no último volume. A presença da sirene. O bailarino debaixo do semáforo. A velha maldita atravessando a rua. O cachorro deitado ao lado.  Vitrines coloridas. Vitrines de pessoas vivas. Pessoas mortas andando. Pessoas vivas refletidas nas vidraças.

Novamente a sirene. Os carros nos acostamentos. O ciclista navegante. Somente adultos nos caminhos. Não existem mais crianças nas ruas. Apenas animais domésticos. Pet shop, pet, gostos, cores, sentimentos, ong’s.

De novo a sirene, os radares, as faixas, os outdoors luminosos. Chopp na esquina. Pontos estratégicos de travestis. Olhares desavisados. Lindos semáforos, lindas as árvores podadas em silhuetas perfeitas. As calçadas elevadas. Os portões simétricos e metálicos. Perfeitamente belos. Casas suntuosas, ordeiras e cheias de vidas mecânicas.

A vida debaixo de um semáforo. Os rios poluídos. Os noticiários falsos. As escolas presídios. Os presídios escola. Os professores penitenciários. A polícia humanitária. Meu Deus, caótico. Inflamações de vidas. Niilismo, vazio, nada, apatia, merda, caos, cirurgias plásticas, academias, corpos musculosos e estéreis.

Vitrines modernas!

Pílulas anti-suicído. Suicídio coletivo. Novamente a histeria. O “bem-estar” cerebral.   Suicídio infantil. Pedofilia, zoofilia, pornografia. Vidas em academias. Bullying, pop star, vidas deslumbrantes viciadas em heroína. Vidas cinematográficas.

Nada pessoal, são apenas vitrines. Pessoas socializam vitrines, produtos, compras, parcelamentos, embalagens. O sexo apenas uma necessidade do corpo. E a alma entorpecida de medicamentos. Os sonhos embalados. Os desejos consumidos e descartados. O prazer em capsulas e embrulhos de embalagens.

**O Niilista**

Desapareceu lindamente, deixando a dúvida e todas as suas incertezas.  Subitamente lembrava o mês de março e o findar das últimas chuvas. As ruas antigas eram feitas de paralelepípedos, todos enfileirados. Tudo caoticamente armado, triturado e moldado.

As calças eram gigantescas. Existiam assentos próximo ao portão das casas. E sobre as calçadas as pessoas andavam, ninguém corria, buzinava. Sem ambulâncias, atropelamentos, semáforos de carteira assinada e muito trocados.

Tudo em perfeita ordem. A desordem era ordeira e cheia de progresso. Hoje apenas duelos de simpatizantes, opositores, opressores, inimigos, amigos, travestis, transexual. Tanto sexo, tantas novelas. Bebidas, cervejas, bandejas e sexo. Cardápios e sexo.

Depois a conta, o troco do garçom. O moço simpático atrás do balcão. As meninas gritando histericamente no final do corredor. E então, um pouco mais de sexo. Depois outro telefone, e então, mais sexo. Terminou a noite com um novo beijo, e novamente sexo.

Acordou sem lembranças. Lavou o rosto, tomou o último café, depois desprendeu o lençol preso sobre a janela.

E ele apenas pensou que tudo era uma piada. Não, não era. Nem filmes, nem peças teatrais, era a vida niilista correndo nas veias junto aos ansiolíticos. Tudo muito belo, padronizado, na medida certa, todos os ângulos contabilizados. Todos os seios preenchidos, junto com os lábios e as sobrancelhas arqueadas.

Caoticamente belo. Vidas belas, suicídio belo, remédios na dosagem certa.  Sem frustrações preenchidas de garantias. Setembro amarelo, junto com ipês amarelos. Com a vida amarela. Com os documentos amarelos, os dentes amarelos e o coração amarelo de gorduras. Depois lipoaspiração. Silicones. Hospícios sorrindo lindamente.

Propaganda em bandas de rock, sentinelas sem sapatos. O batom em cores fortes. E o coração derretido e enlouquecido. Tudo tão bonito. Niilismo em rede. Nas capas das revistas, em bulas, entre as páginas dos livros didáticos. Tudo muito bonito e a alma apodrecida, acorrentada em lobotomia. Lembra Sin City, de Tarantino. Perfeito!

Pílulas de niilismo. Drinks niilistas, sexo niilista. Pensamento vazio. Amor niilista. Família niilista. Morte banal. Violência rotineira. Homofobia. Homo, medo, fobia, medo, homofobia.  Homem, medo, homem fobia. Aniquilamento da humanidade, niilismo. Vidas absurdas, nada, descrença, sem crenças, sem esperanças, nem vontade, nada.

No final do dia, nada. Apenas respirar lentamente. Sem sobressaltos. Fim da divindade cristã. Sem sonhos, sem esperanças. Entorpecer todas as noites, remover qualquer humanidade. Sem gritos.

**“Encontro”**

Era início de ano, esperanças, reinícios e recomeços. Não pensava em nada, não busca absolutamente nada. Foi assim, sem esperas, sonhos ou busca, ele surgiu em meio ao caos. Apareceu do nada. Como um sonho brusco. A mente sobressaltou por um instante. Recusei a aceitar.

Nesse instante desse acidente já tinha desistido e aceitado minha face niilista. Buscava nada, almejada nada, vazio. Incontingências literárias e nada mais. Mas, sua face sorriu e eu olhei.  Encontros que não deveriam ser prolongados nem mesmo amados.

O amor acontece, estabelece ditaduras, rebeliões, obsessões, tudo em perfeita harmonia. O coração acelera, as horas de insônia, o pensamento acorrentado, sendo torturado a cada minuto.

Encontrei num final de tarde, era véspera de carnaval, mas sem folia, ou histeria, foi simples, num dia de silêncio profundo. E a garganta presa, o corpo pesado e alma entristecida. Ele tinha o olhar de um louco, uma face sem expressão ou sorriso. Nada transparecia, apenas o olhar psicopático. Meu amor era lunático, de outros espaços, outros tempos, de uma galáxia escrita em filosofia, mas, cheia de cadeados.

Extensas gramáticas, pouco afeto, muito filosofia e pouco sentimento. Apenas cadeados, prisões, arbitrariedades, face do mal. Muitos pecados, e assim caminhei tomando remédios e adulterando meu sangue niilista. Duas vidas vazias, apáticas, niilistas. Pobreza.

Vivemos na extrema pobreza, não temos tempo para o vício, somos obrigadas a procurar clínicas de reabilitação. Não podemos parar os ponteiros, eles giram numa velocidade totalmente desequilibrada.

Malditos ponteiros, quero acompanhar todos esses malditos. Não aceito essa matemática, esse espaço, essa vida sem graça. Não posso parar o amor ainda não me tomou, apenas transgressões e nada mais. Sem clamor ou peito ofegante, apenas face paralisada, rosto atormentado, alma desatina, e nada mais.

As chuvas começaram, voltaram, acalmou minha alma. Não! Ainda não! Somente as tempestades, as cachoeiras, o paredão, os assaltos na madruga. É preciso de tantas tempestades para acalmar a minha alma. A tranquilidade entristece, apaga o brilho da vida, os momentos e todas as suas palavras necessárias.

Não sei em que dimensão, tráfegos ele se encontra. As músicas ouvidas, o evangelho sabatinado. Morreria em seus braços. Mas, por enquanto tenho que viver, não posso parar. Nem mesmo olhar, tudo tão rápido. Corremos incansavelmente. Apenas quando adoecemos sentimos a vida. Os ponteiros suavizam. O sol brilha. E o silêncio canta.

        Nesse momento consigo apenas ser correria, ilusão, noites em febres. Niilista. Sozinha e nada. Desprezo e agenda marcada. Noticiários, depois o micro-ondas ligado. A máquina de lavar roupas girando. A cabeça vibrando. A náusea. O transe. A perda de sentidos. A vontade de gritar e de desligar. Enfim, morrer. Terminar. Acabar. Finalizar sem reinícios.

        Mas, amanhã novamente o início. O ventilador ligado. A partida no carro. O portão fechado. O relógio preso no pulso. O coração sem vida. O sorriso falso.  O cansaço. A fadiga. A vida em migalhas. Prisões modernas. Uma volta ao hospício em escadas rolantes, vitrinas coloridas, promoções, lanches rápidos, bebida rápida. O troco do estacionamento. Comprimidos para dormir. Calar a vida. Silenciar a morte assumida. Pausa.

**Desespero**

Boletos, política, eleições, de novo a fantasia da filosofia. Ela amortece nossa vida, acalma nossos instintos, deprimi nossa barbárie. Somos selvagens, precisamos do outro, o outro, e de nós mesmos. Se não viramos animais famintos, dispersos em manadas.

No final os desejos nos aprimoram. A ética desvenda os caminhos possíveis. Conseguimos perceber o outro, os outros e todos os demais seres. Percebemos os sentimentos, sentimos.

Desejamos viver ou morrer. Ou mesmo se aventurar, correr riscos. Mundo sensível. Mundo das ideias. Mundo de ideias. Viver o outro. Pensar nos outros e em nós mesmos. Tanto desespero. Tanta angústia. Tantas misérias de nós mesmos.

Sem hóstias, agora em cartelas ansiolíticas. Sem amigos, apenas colegas de trabalho. Sem amor, apenas encontros.

Adoro isso. Famílias tradicionais. Até que enfim, morreram todos de sífilis. Feridas. Palavrões. Todos totalmente alvoraçados, perdidos, mendigando afetos. Postando imagens. Roupas coloridas.

Montagens urbanas. Marketing pessoal de vidas suburbanas. Apenas prostibulo virtuais. Gozo curtido em redes. Corpos salientes. Vidas desprezíveis. Tudo horrível e belo. Nero e seus incêndios modernos. Meu Deus, eu adoro isso, me faz sorrir.

E depois eu lembro de você. Suaviza o coração. Sua filosofia, seus demônios. Corpo pesado preso em batalhas. Depois a luta. E a solidão. O niilismo. A devassidão. E o vazio. E eu. E você. Sozinhos. Vazios. Somos niilistas.

Ontem, fui caminhar. Não existia flores nos canteiros, apenas resto de papéis jogados. Folhas adulteradas, árvores despedaçadas. Cachorros em matilhas. E pessoas arriscando as vidas nas suas rotinas miseráveis. Tudo tão caótico e belo. Tudo tão falso e belo. Casas ridiculamente pintadas de cores carnavalescas.

A mansidão do nada. Não fazer nada depois de ter feito tanto, corrido, engatinhado, exprimido, enlatado, picado e finalmente distribuído nas mídias. Tudo belo, perfeito. Traços perfeitos. As fotos em família, academias, chopp, trânsito com o cachorro de lacinho, depois mais fotos, roupas de ginástica. Amigos ao lado, sorrisos, músicas urbanas.  Pessoas belas, vidas perfeitas.

Acredito que ele sabia de tudo isso, mas preferiu não transformar, talvez precisasse disso. Não aderir à loucura é suicídio ou niilismo, nada, vazio, perda dos sentidos, morrer em vida, respirar calmamente, até que todo o oxigênio atinja os poros, as vísceras, o cérebro ficar todo amolecido, aguado, espalhado, morto, com aparelhos ligados, celulares, mundos virtuais.

Você foi embora muito cedo da minha vida, ficou saudades, rastos, férias, queria ser poesia, virei niilista. Amo alguém niilista, vazio e cheio de demônios com toque narcisista. Fiquei viva. Fragmentada, morta, esquelética, histérica, neurótica. Com sorrisos normais, tudo calmamente lindo, suave. Desesperadamente linda essa vida. Desesperadamente sufocante. Corrosiva.

**Perdão**

Tentamos sentir, amar, buscar compaixão, socializar, mas tudo em vão, epidemias de niilismo. Sem vacinas. Nossa HIV moderna, brutalmente linda. Tomamos alguns comprimidos e continuamos a viver normalmente. Smartfones, amigos, sexo, cafeína, whisky, mais sexo, depois os ponteiros, a rotina, os dias, o niilismo, as vacinas, e novamente sexo, cafeína, ansiolíticos, academias. Brutalmente belo.

Perdão, gostaria tanto de morrer e acabar com tudo isso, “amor fati”, ridículo, sífilis, mensagens, programas, bebidas, sexo, e amor diurético.

**Travessões**

Ah, tantos pontos, ponteiros. E a vida sim, depois de uma longa pausa, um travessão, um minuto de vida correndo pelas veias, sentindo, sofrendo. Despedidas. Muitas despedidas, fim, final, finais. Pelo menos dessa vez sem recomeços, sem reinícios. Ah, um travessão, uma pausa, uma respiração. Por um segundo, um sentido disso tudo.

**Fragmentos**

E quando nada restava, tudo tinha sido adulterado. Os sonhos desfragmentados. A alma corrompida. O acaso apareceu no final da tarde. A última brisa do fim.

Atravessou a porta de vidro em um manto preto maldito. A disciplina rígida, sem sorriso, sem expressões. Lindamente morto. A exaustão da vida. O precipício que não enforca. Ficou imóvel, olhando sem nenhuma gota de expressão.

Mas, por dentro o corpo estava em guerra. Os dias eram de lutas. E no grito contido ele beijou o acaso. Algo tinha mudado, queria o destino adulterado.

Apagamos todos as chamas de humanidade, as últimas faíscas de iluminismo. Matamos todos os humanistas, todos os filósofos. Ficamos sozinhos sem perguntas, questionamentos. Amanhã, o amanhã, e depois amanhã novamente. Tudo sem brilho, e na noite apenas volúpia, sexo, cafeína, prostitutas. E nos dias ensolarados, advogados, engenheiros, administradores. No cartão pessoal, o self, os links, os vídeos, os vícios.

No trânsito churrasquinhos, petiscos, assaltos, corpos desfigurados, tatuagens, cores, malabarismo. E no final da tarde você sublimemente perfeito. Tanto caos que sufocou qualquer niilismo.

Demônios modernos, Filosofia moderna. Homens modernos. Deus moderno em zoofilia, e marcas de refrigerantes. Meu Deus, tudo tão belo!

Vidas magnificamente belas. Cirurgiões de Monalisa. Cirurgiões de hospícios. Anfetaminas, heroínas perfeitas. A vida sugada em tetas.

No final da tarde você apareceu com todos os seus demônios. Um evangelizador, crente. Perfeito. Soberbo. Cheio de luxúria.

**Tempestades**

As músicas eram alucinantes, os gritos, as histerias. A psicose. O olhar sucumbindo ao grotesco, os enredos ridículos. Tudo de um infinito mal gosto. Mas, o barulho e o silêncio que ele propiciava. Tudo é apagado. Todos os outros barulhos. O silêncio ao redor. E apenas a histeria. O som grotesco é sentido.

Travamos batalhas todos os dias. A vida é tortuosa. A vida quando é sentida, acabamos descobrindo os nossos algozes. E passamos a ama-los. Quanto mais a dor, mais vivemos. Mais compreendemos. Escrevemos poesias com sangue. Ficamos presentes quando realmente olhamos nossa face ordinária.

As tempestades são necessárias. Apenas nesse momento sentimos medo. Sentimos. Ouvimos o coração bater apressado. O sangue niilista começa a circular, morrer, transformar. Suspiramos, sentimos a tempestade. Vivemos!

**O Niilista***

Era início de março. Final de uma vida. Início de um ano ridículo. O mês sangrava. Meu corpo tinha sido sepultado depois de uma longa agonia lutando.

Não queria mais viver. Nem amar, nem esperar. Muito menos sonhar. Ou acreditar. Apenas parar. Uma pausa infinita. Sem pulsos cortados, sem lençóis presos em janelas. Sem comprimidos diários. Apenas nada.

O meu estado era passageiro. Logo, logo estaria novamente sorrindo. Sem degustações. Sem conversas amorosas. Sem encontros marcados. Sem busca de propósitos, sentidos. Sem ajuda ao próximo. A vida singela, opaca e bela.

Não queria salão de festas. Salões de belezas. Clínicas de estéticas. Nem injeções, aglutinações, feridas, enfermarias ou desidratações.

E nesse descaso matei meu niilista. E me transformei no seu vazio. Abracei com tanta força meu vazio. Até ele se transformar em mim. Nunca senti tanta gratidão por matar minhas esperanças.

 O riso era singelo. O riso. Ah, o meu riso. Nunca senti tanta alegria quando morri. Nunca senti tanta gratidão. O fim. Sem aguardar, sem buscar, sem querer, sem sentir.

Os ponteiros. Lindos ponteiros. Perfeitos ponteiros. Tudo ficou tão belo e poético. Não importava mais a desaprovação. O feio. O belo. O virtuoso. O desagrado. O assassino. A puta. A santa. Os pastores. Nada. Sem batimentos. O gozo. Ah, o gozo, sem importância, sem histeria. Somente adormecer o corpo. Morrer. Morrer e morrer infinitamente. Tanta beleza na vida, nos seus instantes.

As folhas de outono mortas e belas. O luto. A paz. A orgia. O caos. O inverno congelando. A solidão em companhia. O trabalho. As rezas. Todos os homens. Todos os altares. Crenças. Santidade. Sábados. Tudo infinitamente morto. Assassinado. Cremado. Apenas o presente em febre senil. Em novelas. Em seriados falsos.

O meu eu niilista. As sombras no final da noite. O ruído do portão do vizinho. As horas intermináveis. Os dias poucos amáveis. As putas. Os artistas. O imigrante. A mulher gritando em histeria. A televisão ligada. O ar condicionado ligado. A vida desligada. Os filhos pets. O peixinho no aquário. O penteado desfeito. A maquiagem ridícula.

O ano continuava em estações. O sol ardente, depois em chuvas amortecendo a vida. A cerveja gelada. A dor de cabeça. O noticiário repetitivo. O fim. O início. Tudo branco, pálido e singelo. O sangue na neve. Os lábios sem cor. O corpo jogado. A risada dos autores. A morte noticiada. A perda dos sentidos. A loucura em risadas. O grotesco em fotos. A demência. O aborto que sobreviveu e matou a vizinha.

As compras no final do mês. O cartão. As parcelas. Mulheres grávidas. Os bandidos assassinados. As mães paridas nas esquinas. As mãos encardidas de crack. A vida em ervas daninhas. Analfabetos, subnutridos nutrindo a sociedade. Risadas. Comédias. Hospícios dentro de viaturas. Sirene. Irene morreu. Fenicídio. Isabel pariu. Gabriely começou a vender seu lindo corpo.

Ana Clara não foi mais a escola. O moleque do oitavo ano foi visitar seu filho. Amanhã baile funk. Depois viatura. Amanhã filhos prematuros. No final de semana o enterro da avó. Na segunda-feira, o batente. O saco de cimento. A namorada com a erva na mão. O cartão de visita intima. Tudo perfeitamente niilista. Niilistas vivos.

**Sábado**

O corpo vazio. O corpo enxuto e cheio de hematomas. Carne espancada. Canções românticas. O amor glorificado. A mulher compartilhada, depois assassinada. Mulheres em valas, cigarro e cal.

Dejetos humanos. Depósito de vidas. Frigorifico em céu aberto. Deus é mesmo eloquente. A banda de rock glorifica seu nome. Eu cuspo.

Overdose niilista. Drinks suicidas. Amores desprezíveis. Filhos invisíveis. Sem sentimentos. Analfabetos. Burros de carga. Mães em portas de bancos. Doces, santinhos, frases humorísticas de algum deus.

Misericórdia. Tráfegos.  Tráficos. Usuários. Cadelas de marginais. A mãe evangélica. O vizinho oferece oferendas a Orixá. O parente ministro da eucaristia. O sacerdócio é uma criança sendo molestada com uma eucaristia na boca. Deus uma vidente cobrando a leitura de cartas. Horário marcado. O gado sendo chicoteado e numerado.  Cartelas antidepressivas.

**Sem sinal**

Saudades. Malditas lembranças. Fecho os olhos e vejo o seu rosto. Doce! Solitário. Maldito. Distante e tão perto do meu coração.

Filosofia, versos, canção niilista. Vida nobre. Morte em sacos de plásticos. Trabalho dignificante. Sombras soberbas. A luta. O desafio. A pobreza. Os guetos. O fascismo.

A bailarina dançando. Deus bêbado na porta de um bar. Mães abandonando seus filhos. O estado oferece asilo. O hospício virou museu e foi para as ruas. Cambaleando nos semáforos. A mulher grávida, grita. O assassino comemora. O trabalhador espanca seus filhos. A esposa suicida. A escola atende. O ensino purifica.

Pavilhões de estudantes. Pavilhões de doentes no corredor. Pavilhões de presos. Pavilhões de trabalhadores. Pavilhões no trânsito. A liberdade em telas, polegadas, digitais, íris. Minha janela ainda guarda meu lençol favorito. O ventilador do teto gira e refresca minha alma. Minha luz apagou. Minha glicose ficou niilista. Meus santos pularam do precipício.

Meu arco-íris esconde um pote de ouro e outro de overdose. Aberrações humanas. Humanoides decrépitos.

Falsidades, falsas idades. Gorduras em saquinhos de plásticos. Tudo enxuto. A barriga. O culote. A laringe. A solidão em cartelas. Em tarja. Saboreando um enlatado. O rosto do meu amor estampado no meu refrigerante. O rosto do meu amor no meu peito. Na minha garganta apertada, sufocada. No meu coração infinitamente niilista. Na minha pele, nos meus pensamentos. Na minha boca sussurrando seu nome.

Meu amor morto e ordinário. Uma fração do mar. Um segundo de lembrança. Uma saudade imensa. Sem sinal. Morto. Cheio de demônios. Morto. Lindamente morto. Perdido. Sufocado.

**Doença**

Parou de comer. Tomava apenas refrigerantes. Jogos pela madrugada. Na manhã, caminhava. Estava morto. Animes. Mangás. Fanfics. Os ossos eram sentidos na pele. Na superfície. A voz perdida e sem consciência. A exaustão da comunicação inconsciente. O sono. A perda de sentido.

A vida em transe. Em ebulição. O niilismo. A quimioterapia. As terapias. A doença em fase terminal. O alimento de sódio e açúcar. A doença. A namorada virtual e niilista. A professora profética e niilista. O preto. O black. A escuridão. O luto. A alegria do preto em estampas. Sombrio. Parada. Sufocada

Negro. Morto. Malditos mortos. Eles é que são felizes. Imbecis vivendo. Munição dos jogos. Cadelas prostituídas. Cães em matilhas no final do jogo. Viaturas. Canções poéticas. A vizinha foi assassinada. Os filhos foram para o cativeiro. A avó criou. Cadela maldita.

O sorriso em cárie. O crack. O perdão sangra. Extremamente belo. Doenças urbanas. Paixões vadias. Trocado. Vidas em cadeados, jaulas em roletas. Portas giratórias, crédito, chip, dengue, metáforas. Água parada. Vala. Lindas valas. Chão. Buraco. Vida. Flores niilistas. Pets. Internet. Estupro. Amor em orgia. Banquete. Filósofos. De novo o crack e a favela. As munições e suas valas. Tudo morto.

A velha na cadeira de rodas. As freiras distribuíam sorvete. E o circo cantava. A doença. A morte. O arroto. A fralda. A velha desprezível. Lembranças. O chip desgastado. Girando, girando até amortecer a alma.

A bebida. O álcool. A perda. O oxigênio niilista. O fim. A prisão. Viver até o último minuto. Suportar a vida. O outro. Os outros. A rotina. A mesmice. Pedir licença. Trepar até o amanhecer. Vomitar. Reiniciar. O final de semana. A esperança no corpo de uma velha com Alzheimer. O cabelo ruivo. A prótese. O implante. Os leitões abatidos e ensacados. Tudo muito bonito. A missa do cristão. A eucaristia. A santidade. A doença. Novamente a bebida. O corpo de Cristo e em Cristo. Lindo, lindo, soberbo.

**O silêncio**

O maldito silêncio da sua decisão. Seu jogo estranho. Difícil compreender seus pensamentos. Tramas. Plantões viagens. Depois o culto. A assembleia. As lutas. A equipe. A roda em aros. A literatura abrandando seus demônios pessoais. Os noticiários cheios de delinquentes. A ovelha e o lobo mau. Sem perdão.

O frigorifico. Os leitos. As selas. O escrivão. O doente. O niilista. O poeta. A canção do suicida. Tanta beleza exposta. Posta nas redes. O ensejo. O desejo. O gozo rápido e eficaz. O desprezo. A artéria niilista. Os passos cada vez mais apressados. Táxi. Uber. Trilhas. Selvas urbanas e contemporâneas.

O seu beijo que não desfrutei. Sua carne que não consumi. Seu corpo moldado e arranhando junto ao meu. Seu olhar que não desviei. Suas mãos que não percorri. Por dentro um coração escuro e doentio. Nuvens sobre o espaço. Saudades de nosso silêncio.

**Niilismo**

Era sábado, final de uma vida, início de ano. Tinha esgotado todas as minhas esperanças. Todos os meus desejos. Apenas vazio e nada mais. E ele soberbo me olhou de frente. Sucumbi a cada olhar. A cada silêncio compartilhado.

No passado apenas telas, tempo parado, vida contemplada sobre o assento de um banco de madeira. Nunca fui protagonista de outras vidas. Apenas da minha. Em todos os inícios de ano, apenas, olhei, presenciei, nunca vivi ou interpretei. Apenas o tempo, caminhava e vivia. E nesse tempo, eu apenas olhava. Olhei almas dispersas, fragmentadas, dissolvidas, prostituídas, embriagadas. Apenas pessoas interpretando papéis humanos. Vidas humanas, vícios corrosivos no desenrolar de seus papéis malditos.

Apenas contemplei a vida, os outros, o outro. Sozinha, só, absolutamente perdida, sentada em uma cadeira comendo pipocas. Não sou de afeto, meu sangue é niilista, minha vida bizarra, meus gestos egoístas, minha boca silenciosa, meu corpo indigesto, minhas amizades infalíveis, invisíveis, vazias.

E a cada ano as trocas de estações, mas somente a primavera era bela. Depois migalhas, calor, chuvas, folhas caídas e o lindo inverno congelando tudo, matando qualquer vida, soberbo. Mas, as flores sempre foram mais fortes, lindas. No final vencemos, conseguimos sobreviver. Apenas na morte, nesse adubo incerto, belo, florescem flores. A vida vale a pena em todos os sentidos.

Uma vida inteira vazia, e no final apenas um segundo de olhar, muda tudo, faz valer todos os anos insignificantes. E no final, apenas um segundo, uma faísca, e a vida foge das telas e alcança um corpo enfermo. O amor. Apenas essa chama que preenche a vida.

Nessas estações todas foram niilistas, vazias, fragmentadas. Apenas solidão, descompasso. Instantes de beleza. Os homens perderam as estações. Nesse transitar da vida, sobrou apenas a árvore de natal e seus enfeites. O desenrolar do ano vazio, sem ceias, confraternizações, alegrias, afetos. Tudo em ponteiros lindamente perfeitos.

Todos os anos os ponteiros giram em perfeita harmonia. A ampulheta tatuada no braço marcando o fim, depois o reinício. A vida uma sucessão de reinícios, vazia, niilista, empobrecida, arruinada. E você por um milésimo de segundo arrancou meu peito junto com todo o vazio niilista. Mas, no final apenas vazio.

Valeu cada segundo não vivido para esse momento corrosivo. Esse instante soberbo, frio e indigesto. Você! Meu niilista! Somos todos niilista. Vazios e insignificantes. E no frio do inverno percebemos que temos vida. E na primavera sorrimos. E a cada nova estação sobrevivemos.

(Primavera de Oliveira)

23 de setembro de 2018.

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Laços e Encantos

Cátia de Castro Dias – Livro Infantil – ISBN 978-85-464-0171-0

A infância com seus laços e encantos…

O livro Laços e Encantos conduz os pequenos leitores pelas histórias infantis repletas de magia. Na primeira página assistimos ao encanto da Joaninha Joana que nos envolve com sua vaidade. Depois a vida do João, o Gato Bobão, que sonha em levar a sua doce namorada para Hollywood e torná-la a gata de estimação de Angelina Jolie. E enquanto isso, ele vai revirando algumas latas em busca de alimento. Na noite escura João, o Gato Bobão sonha e encanta seus leitores.

E em outras páginas nos deparamos com a história do pato Estalo, que, depois de seu romântico casamento no lago da Pampulha, arruma um emprego no interior de Minas Gerais, na cidade dos Patos, Patos de Minas. Lá enfrenta algumas dificuldades devido à gestão de um prefeito chamado Pedro Malucão. E no final, a cidade encantada das Colmeias vê-se ameaça pelas ondas de ratos que proliferam nos campos.

Laços e Encantos mostra a genialidade de seus personagens no enfrentamento de seus problemas e no encanto de suas esperanças.

E a cada página um sonho, cheio de laços e encantos…

Apreciem!

JOANINHA JOANA

Sábado começa,

Joaninha no salão espera,

Arrumam-lhe o cabelo,

Maquiam suas pintas,

Colorem suas unhas,

Lavam suas asas,

Jogam brilho em seu voo.

E lá vai a Joaninha Joana,

Estonteante, elegante, ofegante.

Ela é toda chique,

Estica as asas, mexe suas pintas.

Sacode a bolsa,

Anda de salto doze,

Nunca esquece um batom,

Um pó, um rímel,

Um pólen, nenhum dólar.

Joaninha é chique de fazer dó.

Seu colar é de safira, brilha,

Sua pulseira é toda dourada,

E combina com sua maquiagem e

Seu vestido de laço enroscado em seu sapato.

Mas como é chique Joaninha Joana,

Que não larga sua sombrinha

E seu picolé de groselha.

De repente o vento arremessa joaninha

Para longe, ela cai com a asinha estendida,

Vira o olhinho e pede ajuda.

Algumas pintinhas ficaram descoradas,

Seu vestido quebrou o laço,

Sua pulseira ficou prateada

E seu colar ficou todo virado.

Lá vai de novo Joaninha Joana

De volta ao salão

Preencher novamente suas pintinhas,

Seu esmalte quebrado,

Seu voo desconcertado.

Mas Joaninha Joana é chique de doer,

Nem o vento, nem o dólar desvalorizado

E seu laço amassado tiram o brilho

De Joaninha Joana, de passarela,

Modelo de grife de brilho de butique.

É chique, é moderna, é esbelta

A Joaninha Joana que encanta…

JOÃO, O GATO BOBÃO

Lá vai o gato João, todo bobão,

se achando esperto, todo belo,

Enrolado em suas patas descobertas

de unhas pontiagudas, profundas.

Dá um pulo, cai lá no fundo,

Subindo o muro, dá um murmúrio

De gato de subúrbio,

Sente um cheiro e corre desajeitado,

Vira de lado, dá logo um rosnado.

Revira a lata, experimenta um assado,

Pega uma pizza de calabresa e acha uma beleza.

Já está todo gordo, soltando gases,

Espasmos, e acaba ficando parado

Com os olhos virados, todo hipnotizado.

Logo que melhora de seu apetite de tigre,

Vai dar um passeio noturno por cima do muro.

Decide subir o telhado com cara de quem não quer nada,

Encontra uma gata e solta uma piada sem graça.

Meio assustada, a gata fica toda arrepiada e brava.

João nem liga e vai procurar outro telhado.

Pula em um quintal e vai subindo pelo varal.

Revira outro lixo e se cobre todo de carrapicho.

João se atrapalha, contorce, fica miando…

Sai caladinho, chorando de fininho,

Mas é um bobão esse João.

De gato assustado a todo atrapalhado

Fica se achando um esperto, um malandro

Que num rosnado se acha todo sarado.

No sábado o gato João se arruma,

Lambe por horas suas patas para ver a sua gata,

A atraente e bela Dolores, que canta e encanta

Na boate do gato malhado.

Dolores é uma gata velha, toda banguela,

Que serve peixe e latinhas de sardinhas

Na boate do gato malhado, e nas horas vagas

Fica cantando, miando no palco malhado.

João Bobão acha Dolores uma estrela.

Seu sonho é levá-la para Hollywood

E comerem juntos fast-food ao som de latas

reviradas. Casariam em um beco escuro,

como num filme de Quentin Tarantino.

Dolores seria a gata de estimação de Angelina Jolie,

e João Bobão o melhor amigo de Batman e Robin.

E nas  noites escuras, salvariam Gotham City

dos grandes crimes, uau, miau, seria aterrorizante.

De repente um arroto, João Bobão acorda,

E junto com Dolores vão passear na noite estrelada.

Apesar de bobão, João é um gato muito feliz.

O MORCEGO SEM DENTE                                                                                          

No fim do mês de setembro, lá vai o morcego sem dente

Atrás de uma vítima, se prepara, ataca, morde e nada.

O pobre cachorrinho pensou que era um passarinho,

Dando-lhe um pequeno beijo, e sem graça

Foi-se embora o morcego sem dente

De cabeça baixa, de voo baixo, com a barriga vazia.

Foi para uma mata todo solitário, desacreditado.

Em cima de uma pedra ficou a chorar.

A Lagarta que passava nem acreditava.

– O que foi, senhor Morcego?

-Está doente? Perdido?

-Não! – E soluçava e esticava suas asas.

-Ah, e agora, o que vou fazer?, dizia o Morcego.

A Lagarta sem entender nada foi-se embora.

De repente chegou o tamanduá chupando formigas,

E com a boca ainda formigando, disse de longe:

– Como vai, senhor Morcego? O que lhe aflige?

Novamente o Morcego sem dente chorava.

Fez uma cara de mal para assustar o tamanduá.

– Ráááá, disse o Morcego.

O tamanduá começou a rir até fazer xixi.

– Pobre Morcego, não tem dente, não tem cabimento!

– Nunca mais vai chupar sangue nem gente!

E de novo o pobre morcego sem dente começou a chorar.

O tamanduá ficou sensibilizado, preocupado.

Foi mais que depressa buscar amoras doces e vermelhas

Para o senhor Morcego sem nenhum dente.

– Aqui está, meu amigo Morcego, são amoras!

– De tão vermelhas mais parecem um vinho suave!

– Experimenta, seu Morcego, nem vai precisar de dente!

E todo constrangido e triste, lá foi o morcego chupar uma amora.

Que espanto! Com a boca toda vermelha, e todo sorridente sem dente,

Seu Morcego foi logo agradecer seu amigo Tamanduá. Agora estava salvo,

Sem dente, e todo a sorrir, voou para bem longe a contar sua história

De vida de mamífero sem dente. Agora estava um moço sorridente.

Sem poder morder, passou a viver de amoras silvestres

E assim conseguiu viver feliz sem ser solitário, de morcego sem dente,

Mas todo sorridente.

O SAPO QUE NÃO ERA PRÍNCIPE

No meio do lago vivia um sapo. Fazia coaxo dando saltos. De pernas encurvadas, com língua afiada, comia mosquito, até periquito. Gostava de fazer nada. Passava o dia na sombra do brejo. Sobre as plantas aquáticas flutuava. Quando a noite chegava, ficava dando coaxos cada vez mais altos. Era assustador. Ninguém tinha coragem de ir até aquele brejo. Parecia uma orquestra de coaxos.

Os outros sapos trabalhavam, colhiam mosquitos, baratas, mariposas, frutas secas e faziam ensopados e se alimentavam. O sapo que não era príncipe não ajudava, não fazia nada. Pegava o resto do ensopado e se lambuzava.

Quando cansava de não fazer nada, arredondava sua barriga para cima tomando banho de sol. E depois calmamente ia se refrescar no brejo e soltar um longo coooooaxo. O sapo não era príncipe, mas vivia como se fosse um rei.

Os sapos estavam desanimados. Como tirar a coroa daquele sapo que não era príncipe? Como fazê-lo trabalhar? Colher mosquitos? Limpar o brejo? Picar os mosquitos para a sopa?

Pensaram, pensaram, trocaram coaxos e nada. O sapo que não era príncipe vivia como um rei. Como tirar sua coroa? 

O sapo mais velho, disse então aos seus companheiros do brejo:

– Amanhã de manhã vamos acordar e não falar nada!

– Ninguém vai deixar nenhum mosquito vivo para o sapo que não é príncipe se alimentar! Nada de sopa! De risoto de lodo!

O velho sapo ainda disse:

– Não vamos dizer nenhum coaxo!

E assim foi. O dia surgiu. Os mosquitos sumiram. Não se ouvia coaxo no brejo. Apenas o barulho do vento trazendo uma vontade de não fazer nada. Mas a fome do sapo que não era príncipe foi aumentando, já não tinha forças para nem mesmo coaxar. Procurou inutilmente um resto de ensopado, e nada.

Mas parecia feriado no brejo dos sapos. Pobre do sapo que não era príncipe, agora sonhava em ser um. Como ele queria ter um servo a lhe preparar um banquete.

E bem baixinho dizia em pequenos coaxinhos.

-Ai que brejo solitário! Ai, ai, minha barriga já nem é mais arredondada, sem mosquito, só sobraram minhas pernas para ir caçar a mosquitada.

E lá foi o sapo que não era príncipe, procurar um trabalho em outros brejos, cheio de coaxos e mosquitos desgovernados que voassem em bando. E assim com sua língua poderia se alimentar, desde que usasse suas pernas compridas e finas, e ficasse a saltar e capturar todos os insetos que lhe rondassem. E assim foi a procura de um brejo.

Estava tão triste, tão mocho, cheio de desgosto. E dizia:

– Ai! Que saudade da noite de luar, cheio de coaxos e insetos a me sobrevoar.

E foi andando o pobre sapo, estava longe de ser príncipe. Não tinha manta, nem coroa, nem servo, nem ensopado, nem nada.

E andando foi o sapo. Arrastando suas pernas finas e compridas. Estava com tanta sede.  E logo foi se aproximando de outro brejo. Este não tinha mosquitos iguais aos do outro brejo. Apenas moscas imensas e barulhentas.

– Ai que saudades do outro brejo, de minha sopa de lodo, da minha barriga toda arredondada tomando sol.

E logo comeu duas moscas azuladas imensas, sua barriga começou a se contorcer, e ele começou a coaxar imediatamente.

– Ai que mal-estar!

– Que dor de barriga eu vou ter!

Não tinha nenhum outro sapo naquele brejo. Próximo a ele uma indústria de laticínios jogava todos os seus resíduos naquele brejo. Era um mau cheiro de fazer enjoar sapos.

E lá foi novamente o sapo que não era príncipe procurar um brejo descente para morar, viver, constituir família, sapinhos, fazer mamadeiras de mosquitos, playground de vitória-régia etc…

E sonhava. Meu brejo, minha vida. Agora ia tomar jeito, procurar um projeto do governo. Um pró-água, pró-família, pró-energia, pró-mosquito. Seria feliz, compraria uma coroa, comeria apenas churrasco de mosquito.

Foi logo se animando. Começou a saltitar, coaxar, falar que nem presidente. De repente. Esplêndido! De longe já se ouvia a canção, as asas dos mosquitos faziam a melodia, e a nota mais grave os sapos emitiam com seus coalhos. O brejo era todo verde de águas turvas.

Então, foi logo se aproximado do brejo e se anunciando. Estava vindo de um reino longe, que sapos bárbaros invadiram, expulsando a todos do seu brejo. Roubaram sua coroa de príncipe. E teve que se esconder por três noites para se salvar. Estava exausto, mas a salvo.

O novo brejo do sapo que não era príncipe logo ficou comovido. Todos os novos sapos ficaram emocionados com a linda história daquele sapo que perdeu sua coroa, seu reino, seu brejo, seus servos. E mais do que depressa trouxeram um farto banquete de mosquitos e lhe serviram.

Como o brejo não tinha nenhum príncipe, então, fabricaram uma linda coroa para o novo sapo. E o convidaram para ser o novo príncipe daquele brejo. E assim viveu seus dias de sapo príncipe, de barrigada arredondada tomando sol, comendo ensopado sem fazer nada. E foi feliz para sempre o sapo que não era príncipe.

O PATO ESTALO                                                                           

O pato Estalo levou um susto,

Deu um salto para o lado do assoalho

Do seu Teobaldo do bico virado.

O pato Estalo está de casamento

Marcado no mês de maio

No lago da Pampulha.

Prometeu fazer uma borbulha

No lago depois que mergulhasse

De bico empinado.

O ganso Ofegante celebrou o casamento

Do momento. Estela e Estalo

Em lua de mel no lago das Garças

quá, quá, resolveram viver numa linda cidade.

Arrumou um trabalho na Lagoa de Patos de Minas,

Pescou um peixe, pescou uma pipoca, abriu as asas, nada,

Mergulhou, e de repente a Lagoa estava seca.

Era governo de Pedro Malucão,

Triste momento, triste lagoa,

Sem peixes, cheia de esgoto,

Igual ao governo do prefeito

Cheio de mentiras e ironias.

Estalo já não era mais o mesmo.

Sem lagoa para se movimentar,

A sua grande pata de pato estava dolorida.

E formou-se um papo no seu bico de pato.

Foi ao médico, tomou um remédio.

Estela ficou toda contente pelo seu tratamento.

Buscou milho no armazém do seu Pato,

Fez uma sopa e molhou o bico de Estalo,

Que ficou revoltado.

Voltou de novo para o trabalho,

Mal-humorado, ficou o dia esticado.

O prefeito aumentou a jornada de trabalho

E no lago, sem fazer nada,

Voltou para casa todo arrependido,

Cheio de mordida de mosquito.

Levou Estela para ver as estrelas,

No lago sem água cantou quá, quá.

Resolveram fazer uma grande viagem

E viveram felizes para sempre.

Estela e Estalo voaram pelo mundo,

Visitando todas as lagoas,

Represas, rios de corredeiras,

Pântanos de jacaré.

Viveram mergulhando, nadando,

Dando gargalhadas, estalos,

Soltando quá, quá, pra lá e pra cá.

E nunca mais voltaram à cidade

Do prefeito enganador,

Que mantinha um lago sem água,

Com aumento de jornadas,

Sem direito de questionamento

E nem mesmo licença.

Estela e Estalo foram viajar sem destino.

Gostaram muito da cidade de Patos de Minas,

Mas não puderam ficar devido à gestão do falastrão.

Felizes por terem vencidos seus problemas,

Buscando outros lagos, outras moradas,

E depois que o prefeito saísse para sempre,

Eles iriam retornar para a singela e doce cidade

Cheia de Patos e lagos maravilhosos.

E Estalo iria novamente trabalhar na lagoa

Cheia de peixes e pipocas

E nunca mais iria adoecer

Ou entristecer.

Nada como o tempo para desvendar as trapaças

E os maus momentos do povo que elege governantes

Mentirosos e irresponsáveis com a vida alheia.

Estela e Estalo iriam retornar depois que o mau

Morresse e as chuvas abundassem novamente

A cidade que outro dia abrigou lindos lagos,

Com seus patos e seus encantos.

O BARQUINHO FLUTUANTE

Ana gostava de brincar com água, fazia balões que nunca afundavam. Flores que mergulhavam junto com peixinhos imaginários. Todo dia que fazia calor Ana enchia sua piscina de água e brincava. Batia os pés na água, molhava o cabelo, dava banho em suas bonecas.

Mas um dia ela aprendeu a fazer barquinhos de papel. Foram muitas tentativas, até que um dia ensolarado, em um papel branco surgiu um barquinho flutuante que no meio da água nadava de um lado para o outro.

O barquinho flutuante e Ana se tornaram grandes amigos. Ana ficava horas e horas dentro da água e o barquinho flutuante nunca se afundava. Os dois amigos estavam sempre juntos, balançando perto das ondas, e os ventos conduziam mansamente as velas de papel do barquinho flutuante.

Porém, um belo dia de sol, o barquinho navegava com dificuldades, tombava de um lado para o outro, tentando se levantar. Ah, pobrezinho do barquinho flutuante, veio uma onda gigante e molhou toda a sua vela de papel. Barquinho flutuante não mais conseguia se levantar.

Começou a se molhar até ficar pesado, cansado e, então, ficou deitado sobre as ondas. Ana foi logo lhe socorrer, porém era muito tarde. Ana ficou tão triste que deixou Barquinho Flutuante sozinho no meio da piscina. Depois ela abriu a passagem da água e o deixou molhando a grama. E o Barquinho flutuante ficou deitado enquanto a água ia embora. Veio a noite e ele ficou lá sozinho. Estava com frio e solitário lá no fundo da piscina.

O dia amanheceu e o sol começou a esquentar a vela de papel de Barquinho Flutuante, e ele começou a sorrir e abriu os olhos.

Era tanta alegria que ele queria navegar, flutuar de onda em onda. À tarde Ana foi pegar uma boneca que ela havia esquecido lá no fundo da piscina, e quando ela chegou perto, para sua surpresa, Barquinho flutuante estava todo seco, branquinho. Ana ficou tão alegre que encheu novamente a piscina e colocou-o novamente sobre a água. E desta vez Ana tomou muito cuidado para não fazer ondas gigantes para que não molhassem Barquinho flutuante.

O ANEL DE LIA

Todo dia Lia desenhava arco-íris, borboletas felizes, cogumelos pintados, árvores recheadas. Lagos com patos amarelos de pernas compridas, de bicos finos, gigantes.

Mas o seu sonho mesmo era ganhar um anel que coubesse em seu dedinho. Sua tia Esmeralda tinha lindos anéis de pedras robustas, quadriculadas, arredondadas, que refletiam o sol, a luz da cor do dia.

Lia brincava com todos os anéis de Esmeralda, alguns eram mágicos, mudavam de cor, escorregavam pelos dedos, hipnotizavam os olhos, mostravam luzes reluzentes e até fantasmas escondidos.

Mas um dia Lia perdeu um dos anéis de Esmeralda. Ficou com tanto medo que se escondeu. E ela nunca mais sorriu, nem riu. E não mais se ouviu a sua voz. Lia desapareceu no meio da luz que hipnotizava os olhos. Pela manhã Esmeralda achou uma linda pedra quadriculada que brilhava quando alguém ria e o sol lhe refletia. Pensou logo em Lia, mandou fazer rapidamente um anel do tamanho de seu dedo.

Mas, sem Lia, o anel começou a ficar sem brilho, e Esmeralda o deixou no fundo de sua caixinha sem luz. O anel foi se apagando, sumindo. Um dia Esmeralda se lembrou do anel de pedrinha quadriculada que havia deixado no fundo de sua caixinha. Começou a procurar, olhava um anel, outro, mas não achava o anel que tinha feito para Lia.

De repente Esmeralda começou a ouvir um barulho, depois uma gargalhada, e começou a andar em direção à sala. Foi quando começou a surgir uma luz. Um grande brilho começou a vir em sua direção e foi ficando mais perto, até iluminar toda a sala.

Era Lia com seu anel que brilhava sobre a luz do dia. E então, Lia e Esmeralda começaram a sorrir, a rir tão alto que o sol brilhava mais forte e intenso. O anel de Lia cabia no seu dedinho direitinho e brilhava imensamente. Pois aquele era o anel de Lia…

O MENINO DE VENTO

Assim que amanhecia o dia, Rafael da Silva levantava-se rapidamente de sua cama, descia as escadas de sua casa meio sonolento, com bafo de enchente, cabelos arrepiados feito serpentes, e lá do alto da escada gritava sua mãe.

– Mãããããe, cadê você?

Sentava-se na escada como se fosse dormir novamente.

Sua mãe, Dona Rosa, devagarinho respondia:

– Bom dia, Rafael, vai escovar os dentes, pentear os cabelos.

Rafael voltava para trás e cuidava de sua aparência. Nem esperava sua mãe lhe arrumar o café e já ia para o terreiro correr atrás de seu cachorro Furacão. Amarra-lhe uma coleira e saía cortando o vento, pulando, correndo, ziguezagueando, zombando.

Sua mãe Rosa apenas ficava da cozinha olhando aquele menino que mais parecia o próprio vento que lhe acariciava a alma, os olhos, o coração amoroso, afetuoso de um dia que surgia.

Rafael gostava de correr com Furacão no meio da grama, pular os gravetos, colocar comida em sua vasilha, brincava horas do dia até que Dona Rosa gritava da varanda para tomar o café gostoso do dia.

Rafael corria, ziguezagueava, pulava, amava o começo do dia.

JURUBEBA, A CACHORRINHA ESPERTA

De manhã já está correndo, pulando, saltitando,

A Jurubeba, cachorrinha esperta,

Vive no meio do gramado, esparramada.

Logo que seus donos saem de casa,

Lá vai ela rasgar a almofada,

Derrubar o lixo, morder as bonecas.

Mas não demora muito seus donos chegam,

E toda sem graça, Jurubeba esconde,

Se atrapalha no canto, e um castigo logo lhe arranjam.

Fica chorando, gemendo, latindo fininho.

Mas Jurubeba é esperta, fica fazendo carinha de dó,

Seus donos não aguentam e vão fazendo um carinho.

Jurubeba num instante vai brincar.

Ela é esperta, cachorrinha danada,

Ninguém consegue resistir a sua carinha

De cachorrinha esperta.

Jurubeba é mesmo uma festa.

A VOVÓ ODETE

Cecília tinha uma vovó que ela visitava todo dia,

A vovó Odete fazia doces, roscas enroladinhas,

Bolos confeitados, tudo combinado.

Vovó Odete amava sua neta, elas faziam uma festa,

E as duas estavam sempre alegres.

Um dia Cecília foi ajudar sua vovó a cozinhar.

Pegou suas panelas e logo picou o repolho,

Depois o quiabo babado e por último o espinafre.

Acrescentou vinagre, alface e tomate.

Fez suco de acerola com granola,

Arrumou a mesa, enfeitou de um lado,

Esticou a toalha, trocou os copos,

E junto com sua vovó Odete,

Fizeram uma deliciosa omelete.

Almoçaram e depois foram tirar um cochilo.

Nem tinha acabado o dia e vovó Odete

Foi logo trazer um presente para a Cecília.

Ela ficou tão contente que chorou de repente.

As duas se amavam num encanto mágico da vida.

A BORBOLETA ANAUÍZE       

Em um lindo jardim vivia Anauíze, a borboleta mais bela

do jardim da floresta. Anauíze flutuava entre as flores

Todas de muitas cores e de muitas pétalas esbeltas.

Eram flores muito charmosas:

Havia a margarida toda tímida,

A bromélia toda esperta que causava inveja

E a orquídea toda cheia de meiguice

Anauíze conhecida todas as flores da floresta.

Próximo ao rio tinha o Lírio todo cheio de brilho.

Sua amiga avenca, que vivia em apuros,

E o jasmim que fica próximo ao capim dourado.

Mas a borboleta Anauíze gostava de conversar

Era com a Dona Soraia Samambaia,

Que gostava de ficar no tronco do Sr. Mangabeira.

Todos os dias a borboleta Anauíze ia visitar suas flores

E depois, quando no final do dia ia procurar a Dona Soraia Samambaia,

Anauíze vivia triste. Sua irmã mais nova tinha arrumado um namorado,

E Anauíze vivia só, pousando, flutuando de flor em flor,

Sonhando com seu príncipe encantado, um Bortoleto corajoso,

Destemido que voasse com ela todos os dias na floresta…

Anauíze tinha lindas asas amarelas, com pintinhas brancas.

Ela era toda delicada, charmosa e vaidosa.

Numa manhã cheia de brisa, Anauíze voava perto de suas flores,

De repente surgiu um pássaro traiçoeiro

e começou a correr tentando alcançar a pobrezinha.

Ela corria, corria por entre a floresta,

Esbarrou-se de repente num espinho arranhando sua asa.

Mas mesmo assim continuou, e o pássaro com seu grande bico

tentava pegar Anauíze. Num instante alguém lhe puxou para baixo,

caíram em cima do senhor girassol todo amarelo imponente.

A borboleta Anauíze olhou para o lado e viu um lindo jovem

de asas amarelas, de cor dourada e de pintas brancas,

Igual a ela. Nesse instante Anauíze se apaixonou

pelo Bortoleto Ângelo cheio de encanto…

Todo ofegante o Bortoleto Ângelo, perguntou a Anauíze:

– Querida borboletinha, você se machucou?

E com um suspiro, toda romântica, Anauíze respondeu:

– Não, meu querido, pois você me salvou daquele pássaro malvado.

A floresta ficou em festa. Anauíze e Ângelo logo foram se casando.

Arrumando uma casa na casca do Sr. Mangabeira, sendo vizinhos

De Dona Soraia Samambaia, que todos os dias abria suas folhas,

Fazendo grandes sombras e escondendo sua casinha dos grandes pássaros.

Logo na primavera uma grande novidade surgiu,

um casulo se abriu, era a filhinha de Ângelo e Anauíze

que tentava tirar suas asinhas de dentro do casulo.

Era mais uma linda borboletinha que surgia na floresta

das flores, cheias de cores, que encantavam a todos.

E foram felizes para sempre…

O SAPATO DE SALTO ALTO

O sapato de salto alto de minha mãe parece um prédio cheio de escadas.

Gosto de calçá-lo quando ela não vê e fico me equilibrando, sonhando.

Penso que posso pegar uma estrela, uma laranja no pé de laranjeira.

Às vezes penso que sou grande, adulta, moça bonita, então, procuro um batom, passo um pó de ruge no rosto.

Fico esbelta, cuido de minha estética, procuro uma bolsa

Que combine com o sapato de salto alto de minha mãe.

Como é bom ser feliz, usar salto alto e ser chique, querida,

Toda bonita, elegante e sorridente.

Sou igual a minha mãe, fina e elegante.

Querida e chique, não sou mesmo?

De salto alto podemos tudo.

A vida se transforma, desabrocha, encanta.

O corredor de minha casa vira passarela, e no espelho,

Enxergo uma multidão me olhando, coloco todas as minhas

Bonecas na cama para me darem nota de modelo de passarela.

Ai, como sou bela de sapato alto.

O sapato alto de minha mãe conta histórias, memórias

De uma infância querida, sem preocupações,

De corrida de meninada, de brincadeiras em cima das árvores,

De pegar a concha do coqueiro e fazer prancha de surf

sobre a grama, deslizar e ultrapassar as horas,

Ver o fim do dia chegar, anoitecer, contar estrelas

No céu imenso sem prédios, casas para atrapalhar,

De menina descalça correndo o mundo no quintal

de casa, sonhando ser atriz, cantora de rádio.

Nem mesmo sabia ler, mas queria um salto alto.

Fui crescendo, lendo, escrevendo, e cada vez mais sonhando…

O salto alto ficou na minha infância,

Hoje ando de rasteirinha, sandalinhas, de pé descalço,

Depois do trabalho, de pernas esticadas para o alto

No momento do descanso.

Mas quando vou a uma festa, calço um sapato de salto alto,

E então, retorno a minha infância, no quarto de minha mãe,

De penteadeira cheia de produtos de beleza,

Pinças para fazer a sobrancelha, cremes para o rosto,

Pó para colorir a vida e no armário o salto alto.

Sou mesmo feliz, porque sempre fui feliz…

PAÇOCA

Paçoca de doce não engorda.

Não tem quem não gosta.

Quem nunca se engasgou?

Paçoca esfarela na boca,

Adoça a vida depois do almoço,

Todo mundo faz gosto.

Comi paçoca no final do ano

Na casa de minha avó materna.

Era bolo, rosca e lá estava

A danada da paçoca.

Apaixonei-me instantaneamente.

Nas prateleiras do supermercado

Ficava agora procurando, sondando.

Cadê?

– Pai, não tem paçoca?

– No outro corredor, filha!

Lá vou eu atrás de minha paçoca!

Embrulhada na embalagem.

Eu acho, pego, abraço, não largo.

Levo para casa e guardo em lugar seguro.

Sei que depois eu vou ganhar uma,

Não! Duas ou três.

– Mãe! Quero mais uma. Por favor!

– Ah, meu Deus, essa menina vive de paçoca!

Fui crescendo me acostumando com vida.

Fiquei triste algumas vezes.

Em outros momentos comemorei.

Depois casei, ganhei uma menina linda,

Que agora está experimentando paçoca.

Ela nem sabe se vai gostar, mas eu sei.

E você? Acha que ela vai comer quantas?

A vida às vezes tem cara de paçoca,

Esfarela por entre nossos dedos,

Adoça nossos momentos.

Às vezes engordados, tropeçamos,

Cantamos e de vez em quando, engasgamos

Quando comemos apressadamente

Aquilo que nós amamos, paçoca doce,

Que não engorda e não tem quem não gosta.

O BOSQUE DAS FLORES

Num bosque encantado lá no fundo da floresta, moravam muitas flores que viviam juntinhas, escondidinhas dos perigos e dos grandes animais que poderiam pisar em suas lindas pétalas. Eram flores muito belas, cheias de fragrâncias e de encantos….

Lá no bosque tinha o Senhor Jacinto que estava sempre triste. Tinha a Rosa Azul que era um verdadeiro mistério, ninguém sabia de sua vida, acordava maquiada, a tarde se fechava e a noite desaparecia que ninguém via.

A Rosa Azul era prima da Tulipa, que vivia esperançosa, aguardando um grande amor que aparecesse no bosque e lhe encantasse seu coração apaixonado.

O jasmim amarelo era pura bondade, gostava de todas as flores, mas tinha um amor imenso que não revelava para ninguém. Porém, quando a Margarida toda inocente passava, seu coração disparava.

Margarida também gostava de Jasmim, enfeitava todas as suas pétalas de branco para atrair o olhar de seu amado. Toda delicada e meiga, Margarida passava as manhas próxima à relva de seu querido Jasmim.

Mas, como sempre tinha uma pétala de Magnólia, próximo a Jasmim, Margarida nunca se aproximava, pensando que ele gostava de outra flor que não fosse ela.

E o pobre Jasmim não conseguia se aproximar do seu grande amor, era tão tímido e bondoso que não conseguia nem dizer bom dia, para sua amada Margarida. 

Já a querida e malvada flor Magnólia, essa era pura simpatia, e vivia deixando cair uma pétala na relva de Jasmim. Porém, Magnólia não gostava da Margarida, pois ela queria o amor de Jasmim só para ela.

A Tulipa, percebendo a maldade de Magnólia, procurou desesperada ajuda da sua amiga Violeta, que era leal a todas as flores. Violeta ficou preocupada com seu amigo Jasmim e foi logo procurar outra ajuda.

A leal Violeta foi correndo em busca dos três irmãos guardiões do bosque encantado. Eles estavam sempre atentos a algum mal que se aproximasse de tal bosque. Os três companheiros e irmãos guardiões do bosque eram o Lírio, conhecido por trazer sorte a todos; o seu irmão Lótus, que protegia todos os amores; e o último e mais poderoso de todos: o Lisianto.

Os três irmãos procuraram sua mãe para pedirem orientações sobre o amor de Jasmim e Margarida, e sobre como poderiam deter a maldade de Magnólia. A mãe dos três irmãos era a Senhora Lavanda, que já estava desconfiada de Magnólia. Ela também ficou apreensiva com a maldade que Magnólia poderia fazer à inocente Margarida.

Lavanda, percebendo que Magnólia já estava deixando suas pétalas caírem na relva de Jasmim, foi logo buscar outra ajuda para socorrer o amor que tinha brotado no bosque encantado.

A Senhora Lavanda se arrumou, toda imponente, foi andando com sua agradável fragrância até a relva de seu amigo Malmequer. Logo chegando, contou-lhe toda a história.

Lavanda perguntou a Malmequer:

– Querido Malmequer, Magnólia é uma flor muito bela, cheia de simpatia, como poderemos deter suas pétalas que estão tentando seduzir o pobre Jasmim?

– Não se preocupe, dona Lavanda.

– Logo, já sei o que fazer para deter a maldade de Magnólia. Vamos procurar Nenúfar, o grande protetor do bosque, a flor de coração puro.

Lavanda e Malmequer foram logo procurar a flor de coração puro da floresta. Nenúfar não morava no bosque. Havia muito tempo que ele tinha se mudado para longe, próximo a um grande rio, preservando seu coração de qualquer maldade.  

Depois de andar horas e horas, por entre as pedras, atravessando um imenso rio, Lavanda e Malmequer chegaram a um lugar tranquilo de águas calmas.

Logo avistaram um lindo brilho de um branco sem fim, e no ar, um canto que mais parecia sereias orquestrando.

De passos calmos, começou a aproximar-se de Lavanda e de Malmequer um senhor de pétalas de um branco sem fim. Em sua cabeça tinha um gorro amarelo aveludado que fazia o brilho intensificar-se ainda mais. Suas pétalas já se encontravam um pouco caídas, de caule encurvado. Mas mesmo assim, Nenúfar tinha aparência de um grande imperador que olhava por todos.

Deu mais um passo e disse:

-Bom dia, meus dois bons amigos, em que posso lhes servir?

Malmequer e Lavanda nem acreditavam que haviam achado o grande protetor do bosque. Todas as flores tinham imenso respeito e admiração pelo grande Nenúfar, ele era uma verdadeira lenda. Logo, Lavanda contou-lhe toda a história, junto com seu amigo Malmequer.

Nenúfar ficou preocupado com a maldade que rondava o bosque, e com seu coração puro elaborou um plano.

Disse para Lavanda e Malmequer irem despreocupados, que ele iria enviar ajuda para o bosque. E que nunca mais nenhum mal iria perturbar qualquer flor querida do bosque encantado.

        E assim Lavanda e Malmequer voltaram para suas casas, aliviados, pois Magnólia seria contida em sua maldade.

Nenúfar chamou seus amigos duendes e lhes entregou várias sementes. Eram sementes de amor. E os duendes, mais que rapidamente, no silêncio da noite correram apressadamente em direção ao bosque encantado, com seus pacotes cheios de amor e esperança.

Os duendes semearam a noite toda, enquanto as flores dormiam. Logo pela manhã as flores acordaram com vários brotinhos em seu bosque. E as flores foram logo jogando as gotas de orvalho que haviam se formado em suas pétalas na noite anterior, em cima dos brotinhos que estavam nascendo.

        Bem próximo ao Jacinto, nasceu Acácia, uma linda flor que quando feita em um lindo buquê se torna uma grande prova de amor. E Jacinto nunca mais ficou triste.

Ao lado da Rosa Azul cheia de mistério, nasceu Cíclame. Este, logo que abriu os olhos, apaixonou-se perdidamente pela Rosa Azul. E ela nunca mais se fechou nas tardes ensolaradas ou desaparecera na noite. Cíclame a amou tanto que não se continha de tantos ciúmes, e a Rosa Azul nunca mais precisou ser misteriosa.

Bem juntinho à prima de Rosa Azul, a sonhadora Tulipa floresceu o Crisântemo Vermelho, e ele, cheio de paixão, todo ardente, foi logo pedindo Tulipa em casamento.

A querida Violeta, leal e bela, não tinha nenhuma gota de orvalho que pudesse dar água a uma sementinha. Mas logo ao seu lado apareceu um dos guardiões da floresta: era o Lírio, todo nobre, que pediu em namoro a leal Violeta.

Lavanda e Malmequer, vendo todo aquele amor no bosque, foram logo contando suas pétalas em bem me quer, mal me quer, bem me quer, mal me quer. E a última pétala terminou em bem me quer, e um beijo de Lavanda acariciou a pétala de Malmequer.

Magnólia acordou com toda a sua simpatia e percebeu que o bosque estava diferente: todas as flores estavam apaixonadas, repletas de pétalas, exalando cores e fragrâncias maravilhosas. Então, Magnólia foi logo procurar Jasmim, mas quando quis atirar uma pétala em sua relva, foi contida pelo Lótus, que queria proteger o bosque. Lótus era irmão de Lírio e um dos protetores do bosque.

Lotus segurou firmemente a pétala de Magnólia, e lhe disse:

– Magnólia, você que é uma flor tão bela e que irradia simpatia, por que você quer estragar o amor de Jasmim e Margarida?

– Meu querido Lótus, toda essa simpatia que carrego é na verdade solidão, não queria fazer ninguém sofrer, apenas queria uma companhia, um amor que me fizesse feliz.

        Lótus ficou tão emocionado que logo abraçou Magnólia. E os dois foram caminhar juntos perto do lago próximo ao bosque, e logo um amor brotou. 

Margarida, que acordou por último, foi logo se arrumando, enfeitando-se para ver de longe seu amor Jasmim, pois aquela manhã lhe parecia tão mágica e apaixonada. Margarida foi se aproximando da relva de Jasmim, e para sua surpresa, não notou nenhuma pétala próxima ao seu amor. E então, resolveu se aproximar um pouco mais.

Jasmim, que olhava o dia que surgia, logo viu à sua frente seu amor inocente. Margarida se aproximava como num sonho encantado. Foi tanta a sua surpresa que no seu peito não couberam palavras, mas ele logo lhe disse timidamente um bom dia.

Margarida desprendeu várias pétalas em sua relva, e um sorriso imenso abriu-se em sua face, e ela deixou cair uma lágrima. Jasmim ficou tão impressionado e tão emocionado que não resistiu e foi correndo lhe dar um abraço.

As palavras explodiram em sua garganta, e ele começou a dizer todos os versos de amor existentes para sua amada Margarida.

Jasmim e Margarida se amaram tanto que se tornaram sementes. E toda primavera flores novas florescem no bosque das flores, trazendo sorte, doçura e grande alegria, como forma de agradecimento ao Rei das Flores, cuja bondade contagiou todas elas.

E assim, a cada primavera, novas flores surgiam no bosque encantado…  Eram tantas flores… E cada uma carregava um amor… Uma luz, um brilho, uma fragrância, um encanto… E viveram todos felizes para sempre no boque das flores…

        E na entrada do bosque ficou apenas Lisianto. Com seu poder, sua imponência, sua glória, em seu pedestal, olhava a todos, protegia toda a beleza contida naquele bosque encantado, cheio de esperança, encantos e amores.

Em cada flor irradiante de um bosque exuberante, esperamos um amor, um encanto, uma semente que nos faça brotar, levantar para a vida, fortes e inocentes para os sentimentos. O bosque das flores narra os conflitos existentes nas relações amorosas. A inveja do amor alheio, a astúcia de criar conflitos, distanciar corações. Mas também mostra o companheirismo, a lealdade, a inocência em se acreditar num grande amor. O bosque das flores é um lugar único repleto de vida.

Essa singela história sintetiza nossa vivência, nossas experiências no convívio com o outro. Na lealdade, fidelidade que podemos adicionar às relações, bastando acreditar, sonhar. E como de uma fragrância única, nossa vida vai tomando cores, simplificando o dia, acreditando em cada amanhecer. A cada nova semente, brotamos como por encanto e nos transformamos.  

O PATO E O GALO

O Gato molhou o sapato do Senhor Pato, que ficou todo irritado. E de pé molhado. E todo engasgado, foi procurar o seu Genilvaldo, o galo do seu Geraldo, o dono da fazenda Esperança.

O galo Genivaldo foi logo dizendo:

– Seu Pato, para que ficar todo irritado?

E seu Pato, todo descontrolado, disse para o Senhor Galo:

– Que absurdo! Não respeitam mais um pobre pato velho que nem mais dança ou canta. Meu sapato está todo molhado. Como eu vou visitar minhas queridas patas lá na fazenda do seu Urias Matias? Estou envergonhado!

O galo Genivaldo, todo paciencioso, foi correndo lá no celeiro do burro Tropeço, e pediu suas esporas emprestadas.

-Seu burro Tropeço eu estou precisando de suas esporas de corrida emprestado para o meu amigo pato.

– Ah, meu amigo galo Genivaldo? Eu empresto com todo prazer.

O galo Genivaldo, todo feliz, foi logo entregando as esporas para seu amigo pato.

-Aqui, meu amigo. No meu terreiro só é galo de verdade quem tem boas esporas. Espero que essas esporas sirvam em suas patas e assim você possa visitar suas amigas patas lá na fazenda do seu Urias Matias. E enquanto isso, o seu sapato molhado fica aqui secando em meu terreiro.

– Oh, meu amigo galo, como posso lhe agradecer?

O galo Genivaldo disse:

        Meu amigo pato, você me agradece indo passear feliz, sem ficar irritado ou chateado. Por que o dia está lindo, meu amigo de patas molhadas.

E os dois ficaram rindo, rindo… O galo Genivaldo, segurando o sapato molhado do pato. E o pato, calçando as esporas, foi se despedindo e indo em direção à fazenda do seu Urias Matias passar o dia feliz e cantando.

O pato e o galo contam uma história feliz de uma grande amizade: um pato que ficava sempre irritado e seu amigo galo que sempre o acalmava. E no final, o pato acaba se acalmando e até rindo das coisas simples da vida.

O galo, sempre pronto a ajudar, busca ajuda em seu outro amigo, o burro Tropeço. Uma amizade simples, singela, entre um pato e um galo. Mesmo diante de um problema podemos solucioná-lo e dali tirar boas risadas, ainda que seja de um modo bem diferente.

A ABÓBORA QUE CRESCEU GIGANTE

Começou com um pequeno brotinho na horta do vovô Roberto. Junto com o espinafre e os pés de alface, foi crescendo, se enchendo, tomando espaço. Toda formosa, Dona Abóbora ficou famosa. Os vizinhos foram vindos.

Ficavam admirados, e exclamavam: Nossa! Que linda!

Parece que ela crescia ainda mais. Ficava toda inchada, e cheia de curvas se exibia.

O vovô Roberto regava, recolhia os matinhos que surgiam.

O espinafre sentiu ciúme e acabou ficando com as folhas todas duras.

A alface ficou de lado, meio sem graça. Mas Dona Abóbora era solidária e foi se aproximando, puxando conversa. E assim ficaram amigos. O tomate ficou todo vermelho de inveja e também foi se aproximando. A cenoura esticou suas folhas, o repolho soltou um arroto e se aproximou também.

A salsinha e a cebolinha deram um rebolado e se juntaram ao grupo. Formaram um grande piquenique na horta do vovô Roberto. Dona Abóbora, toda em festa e contente, foi a melhor anfitriã daquele quintal de alegria. E assim se tornaram grandes amigos.

Mas um dia chegou uma grande caixa de madeira. O vovô Roberto não estava mais recolhendo os matinhos que surgiam. Agora ele tinha começado a puxar todas as hortaliças para a grande caixa de madeira. Pegou primeiro o espinafre, puxou pelas folhas as cenouras, depois alguns repolhos e todos os tomates maduros.

E no final, arrancou do meio da horta a grande abóbora que cresceu gigante. Todos os que restaram na horta ficaram tristes, e a grande amiga que vivia imponente e cheia de alegria foi embora aceitando seu destino.

No final da tarde, sem água para lhes regar, as hortaliças murcharam, ficando num grande silêncio. O único pé de alface que restou escorou suas folhas no chão agora seco, e um pequeno espinafre que havia caído amoleceu suas folhas num choro sem fim. Os tomates verdes que ficaram começaram a enrugar. Não havia nenhuma grande Abóbora que lhes fizessem companhia.

O quintal do vovô Roberto estava triste, cheio de buracos, o vento que ora vinha para refrescar também desapareceu. A noite caiu, e mais triste sentiam-se todos naquele pedaço de quintal que ficava a grande horta.

De manhã, quando surgia uma ponta do sol, uma folha de alface se levantou, depois um pedaço de espinafre que estava caído se ajeitou: gotas de água os regavam. E junto com as gotinhas de água caíam sementes de abóbora. O vovô Roberto trazia no bolso um saquinho cheio de sementes. E continuou a jogar várias sementes, de cenoura, berinjela, repolhos brancos e roxos. Depois, próximo ao espinafre, plantou agrião para lhe fazer companhia, e do lado do tomate, semeou rabanetes para ficarem todos vermelhos.        

        E assim foi plantando, semeando amizades. A Dona Abóbora, quando foi embora, aceitou seu destino e o ofertou a todos aqueles que plantavam sementes de boa qualidade, pois muitas grandes abóboras iriam surgir em outros quintais. E o vovô Roberto pode comprar outras sementes de outras qualidades.

E assim, todos os dias, o vovô Roberto vinha logo cedinho regar aquele pedacinho de alegria. E dessa vez muitos brotinhos de abóbora gigante surgiam.

A abóbora que cresceu gigante conta a história de alguém que consegue cativar, espalhar amizade, alegria, e juntar todos os amigos num grande piquenique. Mas, devido ao destino, Dona Abóbora aceita virar sementes mostrando a necessidade de nos desprendermos daquilo de que mais gostamos, das melhoras companhias, para um gesto maior do que nós mesmos. E assim a vida vai florescendo, cheia de novos brotos, novos encantos. E assim deve ser a nossa vida: já nascer e crescer gigante.

A LAGARTA DANÇARINA

Logo que saiu de um ovo no mês de agosto,

A lagarta Gorete começou a se esquivar,

De uma casca depois de outra,

Até sair de seu ovo com o quadril

Balançando, e de repente estava dançando

Sobre o muro, em cima do telhado.

Mas Gorete dançava mesmo quando

Vinha para seu lado um gavião traiçoeiro,

Gorete saía correndo apressada, mexendo,

Esticando suas patas, dançando.

Mas como rebolava Gorete!

Quando o sol esquentava, logo procurava uma sombra,

Ficava em transe, descansando, cochilando, sonhando.

Ah, Gorete, quando ia para a parede do muro de chapisco,

Doía-lhe o solado, pobrezinha dançarina.

Para sobreviver, só dançando em cima do muro de sol quente.

Gorete gostava mesmo era de descer a parede lisa

Da casa de sombrite do velho vovô Otite,

Que jogava resto de comida atrás do muro

Da casa de Gorete. Por isso que ela vivia ali,

Colada no murro da casa do vovô Otite.

Gorete andava todo dia,

Em cima da laje do tio Garcia.

Na venda do seu Urias Malagueta Urgente,

Sobre a guarita do soldado Serpente,

Entre o quintal do seu Arnaldo Escaldado.

Mas certo dia Gorete não rebolou,

Nem dançou. Seu Urias ganhou um cachorro,

Muito bravo que gostava de correr e assustar

Outros animais que passavam próximo ao seu quintal.

Sem perceber, Gorete foi passear na venda

De seu Urias, e de seu balcão surgiu Rodolfo,

O cachorro louco de seu Urias Malagueta.

Pobre Gorete, teve de correr tanto que se esqueceu

De dançar, de rebolar o quadril por entre suas patas.

Nem mesmo sentia o sol ardente, o chapisco do muro quente.

Rodolfo se aproximava e cada vez mais corria Gorete.

Quando ela conseguiu chegar em cima do muro quente,

Foi um alívio, estava salva a pobre Lagarta Gorete dançante.

E nunca mais Gorete foi à venda de seu Urias Malagueta Urgente.

A vida agora era apenas seu muro alto ou a parede do vovô Otite,

Que lhe alimentava todos os dias jogando cascas de batatas,

Miolo de pão embolorado, sementes de abóbora e refogado de alho.

Dançar, só em dia de sol quente em cima do muro, longe do perigo.

O TROFÉU QUE DEIXOU SEU DONO

Matheus era um menino muito alegre,

Esperto, que gostava de jogar bola,

De imitar Bruce Lee, subir nas árvores,

Fazer lutas de macarrão, socar o vento,

Dar saltos mortais, andar de bicicleta.

Um dia Matheus foi competir em seu colégio,

Ganhou um troféu todo dourado de tamanho gigante.

Sua mãe ficou muito feliz, seu filho tinha ganhado,

Era campeão, primeiro lugar na escola.

Chegando em sua casa Matheus foi guardar o seu troféu

No melhor lugar da estante, todo brilhante,

E logo foi correr e imitar Bruce Lee.

Todo suado tirou a blusa e jogou em cima de seu troféu.

E assim ele fazia todos os dias: jogava blusa, tênis,

Deixava resto de biscoitos em cima da estante.

E o seu troféu foi ficando sem brilho, opaco,

Cheio de teias de aranha, e começou a sumir,

Sumir, definhar, até desaparecer por entre os livros.

Certo dia Matheus abriu um livro de esportes

E nele tinha uma linda gravura de um troféu

Que um time de futebol havia ganhado.

Era tão lindo aquele troféu que Matheus

Parecia que já o tinha visto antes.

Mas o que ele não sabia era que o seu troféu

Tinha deixado sua estante e ido embora

Para as páginas de um livro, onde os campeões

Amavam seus troféus e os exibiam para todo mundo ver.

Mateus era um menino muito insensível

Que não percebia os outros, fazia descaso de tudo,

E não ligava para nada. E assim a vitória o foi abandonando.

Matheus começou a perder os campeonatos

E ficava olhando os troféus de longe, todo triste,

Sem mesmo lembrar que um dia teve um troféu gigante

Que brilhava lindamente em sua estante.

Mas agora nenhum troféu o queria.

Matheus não tinha troféu, nem medalha, nem nada,

Apenas pó, teias de aranha e farelo de biscoito em sua estante.

O COZINHEIRO CHEF

Jordi era um cozinheiro de respeito,

Em sua panela inventava, cozinhava

Cozido de batata, assado de lagarto,

Molho de tomate, salada de alface.

Em tudo colocava azeite.

Azeite de oliva

Azeite de dendê

Azeite de girassol

Azeite extra virgem

Jordi também gostava de fritar,

Picar cebola, ralar cenoura,

Desfiar frangos, amassar bolinhos,

Cozinhar arroz, mergulhar coxinhas,

E decorar à mesa.

Distribuir os pratos,

Arrumar os talheres,

Colocar o azeite e enfeitar…

Enfeitava a colher,

Enfeitava o macarrão,

Enfeitava o garfo,

Enfeitava a vida.

Um dia Jordi foi fazer um molho

De tomate doce, e todos gostaram.

E então, resolveu fazer um churrasco

De churros, depois uma salada de goiabada.

Tudo era novo e gostoso.

Nada combinava, mas todo mundo amava.

Em toda panela que Jordi cozinhava havia uma mágica.

Com uma colher de pau ele misturava,

Acrescentava pitadas de sal, de condimentos,

Sementes de alecrim, folhas de hortelã.

Um dia Jordi começou a se transformar:

Primeiro seus pés foram crescendo, enraizando,

Suas pernas começaram a se juntar

E se transformaram em um tronco.

Depois seus braços começaram a se esticar

E algumas folhas foram surgindo…

E depois outros galhos e mais galhos,

E muitas folhas todas verdes.

Jordi tinha se transformado em uma Oliveira,

Em uma árvore da sabedoria,

Admirada pelos gregos,

e de onde se extraía o azeite de Oliva.

Assim Jordi poderia estar em todas as cozinhas

De todo o mundo, em todas as panelas,

Preenchendo a vida, os sabores, todos os gostos.

E um cozinheiro chef surgia em cada cozinha.

O DENTE SORRIDENTE

Cecília tinha um dente que

Balançava, mas não caía,

Ela sacudia, mas ele não cedia,

Dormia e acordava de dia

E seu dente lhe sorria.

Certa vez Cecilia gritou:

– Meu dente está moleeeeee!

Vai e vem, roda, gira,

Em um vaivém que não se aguenta.

Sua mãe armava um barbante,

Sacodia, sacodia, ficava zonza, tonta.

Ficava puxando, empurrando para lá e para cá

Foi então que de repente seu dente

Começou a sorrir, sua boca começou a ficar dormente,

Seus olhinhos foram diminuindo, sumindo…

Acordou e havia algumas moedas ao lado do seu travesseiro,

E o seu dente….

Desapareceu sorridente.

O COPO AMARELO

Maria Eduarda tinha um copo estragado

Que ficou amarelado de tanto ficar de lado,

Sem graça, apagado de tanto ficar jogado.

Certo dia Amarelo desapareceu.

Esqueceu-se de Maria Eduarda,

Que tinha deixado seu coração magoado.

Sem saber aonde ir, Amarelo ficou sem graça,

Sem nenhuma palhaçada, sumiu do mapa…

A Maria Eduarda já não bebia nada,

Estava enjoada, sem copo, sem colo,

Sem tempero, sem brinquedo…

– Ah, que mundo cruel, EU quero meu copo Amarelo!

Sem graça, estragado, meu dia está arruinado!

Pobre Maria Eduarda, seu copo Amarelo

Havia sumido, mas ela nem desconfiava

Que tinha mesmo era sido abandonada

Pelo seu copo Amarelo todo belo…

Mas Amarelo começou a ficar esverdeado,

Esbranquiçado, todo ouriçado, e lá no fundo do seu desabafo,

Gritava por um pouco de espaço. Maria Eduarda

Não tomava nada, nenhum líquido, nem leite,

Nem refresco, nem água, nem nada.

Mas mesmo assim ele queria que Maria Eduarda

Ficasse apertando, jogando, enchendo de pedra,

de areia de fazer castelo, escavando tesouros.

– Nem me importo se vou carregar suco!

Ou mesmo cascalho! Eu quero é que Eduarda brinque comigo.

E assim o copo Amarelo voltou para casa.

Maria Eduarda já estava pálida, desidratada.

Quando no meio da sala apareceu seu copo

Amarelo, estava todo alegre…

Maria Eduarda correu pela sala e pegou seu copo,

Abraçou, beijou, tomou vários sucos de pera, melão, cereja

Abacaxi, saci, mucuri, de laranja, sem doce

De jabuticaba aguada gelada.

E outros sucos de manga comprida,

Curta, meia estação, japonesa.

Mas ainda tinha muita sede, queria engolir, sacudir,

Pediu vitamina de banana, azul, rosa, verde abacate,

Vermelha de morango, roxa, lilás, cinza,

Pintada, amarga, doce: eram tantos sabores,

Tudo dentro de seu copo Amarelo, seu grande amigo

Que lhe trazia todos os dias um gosto diferente.

E então, nunca mais Maria Eduarda abandonou Amarelo,

Agora carregava seu amigo para a escola, para o recreio,

No aniversário de suas amigas, no parque da praça

E o copo Amarelo nunca mais fugiu ou sumiu….

UMA TARDE CHUVOSA

Disse a mãe da Cecília que o sol logo se abriria depois da chuva.

Mas a tarde passou e o dia ficou todo molhado para a Cecília.

Sua mãe fez pudim, pipoca de amendoim, suco de gergelim.

Sem sol, Cecília não se aguentava, subia as escadas,

Jogava jogos, coloria jardins que poucos conheciam.

Cecília amolava, cantava, ensaiava passos, conversava

Com seu vizinho de ombro que nunca ninguém via.

Sem sol no dia, Cecília espichava o dia, sua mãe sorria.

Linda menina, linda filha que animava as horas.

De tanto amor começou a crescer, o cabelo ficava solto.

Começou a compreender os motivos dos castigos,

Por vezes até argumentava, já estava esperta.

No outro dia o Sol surgia e Cecilia sumia no quintal da casa,

Corria pela grama, tentava pegar o gato que vivia assustado.

A vida é feita de sol e chuva, de um amor infinito que contagia.

Na chuva que molha, a alma e o sol vêm aquecer o que é mais sincero:

O amor de uma mãe por sua filha, ao amor tudo.

INFÂNCIA

Quando criança, não pensava como seria nossa vida de adultos,

Nem sabia que tínhamos que ter responsabilidades.

Gostava de correr, subir em galhos, nem mesmo lápis eu pegava.

Não sabia que a vida era de leitura, de horas e trânsitos.

Criança não sabe o que é fila, desamores, olhares perturbados.

Infância…

Só depois de adultos compreendemos…

As novelas nem mais amortecem a alma.

No olhar distante procuramos algo que nos foi tirado.

Compreendemos a ausência…

Mas não percebemos o vazio aumentando, consumindo…

Quando desiquilibramos e sentimos nosso corpo machucado

É que percebemos o nosso humano fragmentado.

Na correria só mesmo a infância para não esquecermos

De nossa humanidade.

ROSICLÉIA E A ESCOLA

Lá vai Rosicléia, uma menina esperta. Cheia de espinha, de canela fina, mas nem liga. Seu sapato tem um buraco bem na ponta mostrando a meia. Mas que beleza. Quando corre seu pé fica todo fresco.

Está na segunda série decorando a tabuada. Coisa de gente grande. Sua mãe disse que isso garante o futuro. Estuda, lê, escreve e não aprende. A letra sai torta. Tremendo de frio. Estica o A e encolhe o L. Entorta o R e não se acerta.

Rosicléia, que lereia. Credo! Que dificuldade!  Ah, mas como ela é feliz!

Adora ir à escola. Não aprende. Mas, também não esquenta. Na hora do recreio, brinca. Sorri. Corre. Pula corda. E depois as letras. O caderno amassado. E em sua mesa, cascas de lápis, pedaços de borracha. De novo está lá escrevendo. Coloca força no lápis. Os dedos até doem. Ai que dificuldade.

A professora não espera, logo apaga o quadro. E Rosicléia começa a chorar. Sua amiguinha empresta o caderno. E então, completa a história.

A escola é tudo. Rosicléia é feliz. Esse ano não teve jeito: Rosicléia ficou de boletim vermelho. Que tristeza! Vai ter que repetir o ano. Tudo de novo.

Sua mãe ficou brava. Só agora que ela entendeu porque estava tudo colorido em seu boletim. Achava que era bom. O boletim de seus coleguinhas eram todos azuis. Mas só o dela continha duas cores: azul e vermelho. Mas quando chegou em casa é que foi entender o motivo das cores. Não foi suficiente.

        Não aprendeu tudo que a escola tinha para lhe ensinar. Rosicléia ficou um pouco triste, mas não importava, ia aprender tudo de novo.

Mas, o que seus colegas não sabiam é que ela era mesmo feliz. Depois da escola brincava de pega-pega, de subir nas árvores, pular elástico. E depois dormia e sonhava. E assim Rosicléia foi indo…

Mas quando chegou ao sexto ano apareceu um monte de professoras novas. E uma delas carregava livros e começou a ler em sala de aula. Todos os dias ela lia um pouquinho. Eram livros fantásticos, cheios de aventuras. Depois ensinava como se escrevia um verso. Uma poesia. E depois lia um conto. Lia o mundo. Lia tudo.

Rosicléia ficou amiga da literatura. De autores de grandes imaginações.

Cresceu… E começou a escrever. Escrevia tanto. Parecia que era a dona das letras. Da imaginação. Criava mundos fantásticos. Dava nome para bichos, baratas, girafas, galinhas. Patos e burros faziam amizades em suas histórias.

Quanta imaginação. Rosicléia começou a usar óculos de um tamanho assustado. Comprou sandálias de couro. Começou a prender o cabelo e a carregar canetas, lápis, papéis. Depois começou a carregar em seu bolso ilustrações muito coloridas, de vermelho, azul. O bolso ficava cheio de anotações ao lado. Rosicléia era feliz. Quando criança, pulou, quando adulta, ficou sonhando.

E depois que começou a ficar velhinha, Rosicléia ficou mais amada.  E de velhinha começou a correr. Corria todo dia um pouquinho, pelo quarteirão, em volta da praça. E depois que chegava em sua casa, praticava corrida de longa distância, pegava o lápis e disparava. Nossa! Uma história, outra, uma pulga, uma abelha, um caracol. Depois aparecia uma floresta, um monstro, um pijama e depois uma ilustração.

        E então, fechava o seu quarto para ninguém entrar. E começava a aparecer um monte de personagens. Dava até medo. Credo! Tinha feras de todos os tipos. Hipopótamos de boca aberta. Jacarés de asas. Elefantes em cima de árvores.

Mas ela era amiga de todos. Não tinha perigo.

Rosicléia era uma infância que ninguém sonhava. Tinha vivido correndo pelo pasto. Subindo em pés de condes. Tomando banho em rios. Chupando manga madura.  Pisando em abelhas e ficando com o pé todo roxo.

E assim foi crescendo. Envelhecendo. E entrando nas páginas dos livros. Sempre perseguindo as letras que na sua infância escrevera com tanta força. Agora elas ficavam voando sobre as páginas. Pois o lápis da Rosicleia mais parecia uma raquete que arremessava as letras, formando palavras emendadas e cheias de risadas.

Assim foi Rosicléia indo à escola. Repetindo o ano.  De caderno amassado. Com a mesa cheia de casca de lápis. Domou as letras. Capturou a imaginação.  E soltou, nas páginas de seus livros, histórias felizes iguais a ela.

O gatO mInúsculO

(Participação especial de minha filha Cecília R. de C. M. B.)

Numa linda manhã de primavera, Paula foi andar de bicicleta em frente a sua casa. E sem querer ela atropelou um pequenino gatO.  Mas ele era tão pequeno que nem se machucou. Paula ficou com dó dele. Ela o adotou, deu banho, comida, um nome e todo o carinho e amor do mundo.

Ele era tão pequenino que cabia na palma de sua mão.

O coitadinho estava totalmente sujo e ferido. Ela pegou o pequenino, limpou, cuidou e deu remedinho para suas feridas. E depois pegou as roupas de suas bonecas e vestiu o gatinho, que ficou lindinho.

Ela estava em dúvida qual seria o nome do gatinho, mas depois ela decidiu que seria mInúsculO, porque ele era muito pequeno. Depois disso ela mostrou o gato para suas amigas da escola. E elas adoraram o gatinho e queriam ele só para elas.  

E diziam assim para a Paula:

– Me dá ele, por favor!

– Não! Você já pegou!

– É a minha vez.

E logo, começou um alvoroço.

Mas então, Paula logo escondeu o gatinho e saiu correndo antes que elas começassem a brigar.  Chegando em sua casa foi dar um banho no gatinho mInúsculO para irem passear.  

E de repente, quando estava passeando de bicicleta, ela viu os pais do gatinho. Ela não queria devolver o filhote. Mas não tinha escolha. E ela sabia que era errado.

E então, ela devolveu o filhote para os pais e voltou para sua casa feliz para sempre.

TERRA DO MILHO

Era uma vez um lindo lugar chamado Colmeia, que vivia cheio de abelhas e flores de todas as cores. E neste lugar existia uma linda cidade chamada Milharal, com seus moradores afetuosos e alegres. E uma vez por ano acontecia uma grande festa para comemorarem suas colheitas.

Os habitantes de Milharal, porém, queriam que sua cidadezinha brilhasse ainda mais com seus milhos dourados. E então, escolheram uma linda representante para Milharal. Seu nome era Bia, e assim ela começou.

Arrumou as escolas das flores, a cidade administrativa da Colmeia. Organizou as mais lindas festas. E depois foi organizar as fileiras da cidade do milharal. Começou a criar viadutos, avenidas largas, canalizou o pequeno córrego que percorria Milharal.

A linda Bia tudo arrumava e consertava. Porém, existiam os velhos conselheiros da cidade que nada gostaram de ver as flores e os milhos brotarem com mais encanto.  E então, no meio da noite, à surdina, os ratos gordos se reuniram para aumentar seus grãos e suas colmeias.

Bia não desistia e a cada dia trabalhava ainda mais, sem correrias, sem promessas falsas. Fazia tudo certo, com muito carinho e dedicação.  Mas os ratos continuavam a roer suas lindas obras. Porém, havia um rato traiçoeiro que se chamava Peso Roedor, que morava no conselho da assembleia, a vinte e quatro anos, trabalhando na surdina, roendo milharais e compondo músicas ao luar.

Peso Roedor conseguiu reunir os ratos mais gordos do conselho em seu apoio e projeto. No final da primavera elegeu-se para governar Milharal, dizendo:

– Milharal tem pressa!

Todos tinham pressa. Os ratos tinham pressa.

Milharal tem pressa, e isso é o que interessa!

Bradava a todos os cantos, como se Peso Roedor fosse um valente construtor. Mentiras! Promessas!  

Queria achar diamantes igual ao seu pai, nem que fosse preciso encher de buracos e esvaziar o lago da cidade. Mas ficaria rico e gordo.

Escolheu o melhor rato contador para governar ao seu lado. Ele processou todos os construtores e construtoras, agricultores e comerciantes. Insultando, processando, roendo licitações, tramando traições, juntou perto de si muitos vilões que não se preocupavam com Milharal, mas apenas com os grãos que podiam carregar.

Paralisou a escola superior do Milharal, UFPM, para que ninguém se formasse. Cortou o salário das abelhas educadoras. 

Foi eleito com glória sem nenhuma glória. E no mesmo ano diminuíram-se os milhos e murcharam-se todas as flores. As colmeias pararam de produzir seu delicioso mel. E os brilhos dos milhos verdejantes acabaram se amarelando com o abandono da cidade administrativa. Nem mesmo água existia mais para seus funcionários. O rato prefeito morava no escritório e recebia apenas seus convidados, deixando a população abelha no abandono.

Peso Roedor morava na cidade administrativa, começava a trabalhar às seis horas da manhã, processando todos e andando com pilhas de papéis cheios de processos. Cada abelha que começava a trabalhar um pouco mais que as outras ele processava.  

– Tudo legal – ele dizia. – Legal, legalidade, honestidade, eu sou honesto, sou correto!

Roendo queijo, roía milho, ruía vidas, dignidades, colocando os trabalhadores públicos como vilões do reino.

E a cidade em ruínas via ruírem suas ruas, seus milhos, sua festa popular, suas flores, seu parque tão amado. 

As abelhas trabalhadoras da cidade ficaram sem salário. O carnaval foi decretado e o caminhão de lixo foi cortado. Todas as ruas tinham lixo, buracos e tristeza de uma cidade desiludida e enganada pelo filho de garimpeiro eleito em peso, pesando sobre a cidade.

E o pequeno rio que passava ao lado do milharal começou a sofrer assoreamento, com o lixo depositado, o mato crescendo, no abandono, e sem nenhuma pressa de Peso Roedor em resolver. E as máquinas ficaram paradas e os moradores de Milharal agonizavam. A fileira de milhos do Senhor Ápis ficou totalmente abandonada, em meio à poeira, e as abelhas adoecendo, em épocas de chuvas, lamas e lágrimas. E o novo hospital que tinha sido inaugurado no passado pela abelha Bia foi fechado, e seus equipamentos abandonados.

Peso Roedor tinha prometido uma fábrica de colmeias para dar empregos para suas abelhinhas. A fábrica era a Mel Alimentos, mas ninguém veio. Ele falou também:

-Ticket para todas as abelhas estudarem nas escolas Colmeia. Água de graça para as abelhinhas. Enxovais para as mamães abelhas.

Mas o que ele fez? Roeu!

        O Rato do bairro da Graça não tinha pressa, roía devagar, calmamente. Era filho de um rato que vivia procurando pedras entre milhos para se enriquecer, sem trabalhar. Roedor só queria mesmo se engrandecer, perseguia quem ele não via cumprimentá-lo. Ele roía as mesas das pequenas secretárias abelhinhas, as servidoras da Colmeia. Aumentou a jornada de trabalho do reino administrativo.

        No final de outubro todos os moradores da cidade Milharal, município de Colmeia, estavam muito tristes e arrependidos. Não tinha mais mel, as colmeias estavam sem operários, sem máquinas, tudo paralisado.

Milharal estava triste e começou a pensar nos dias alegres e produtivos do governo de Bia. Mas ela não tinha abandonado suas abelhas, nem as plantações. Bia tinha se candidatado ao cargo de representante do município da Colmeia para ajudar todos os moradores de Milharal. E Peso Roedor começou a sumir, sumir… 

E todas as abelhas agora começaram a ter esperanças. O brilho novamente começava a surgir. Bia seria de novo sua represente, além de outras colmeias. E seus moradores nunca mais lembrariam que um dia tiveram um rato roedor em suas vidas em sua cidade tão querida.

        Milharal produzia a cada dia mais milhos e mel.

E Bia brilhava!

Fim.

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O Engodo Dos Dizeres

Aos políticos miseráveis desse país,

as feridas latejantes que suas garras causam a cada dia

nas entranhas desse homem amotinado e esquecido.

Cátia de Castro Dias

____                                                                                                              

A miséria tem cheiro, cor, voz, braços,

pernas compridas, no caminhar se ouve

o eco do vazio, as lamentações da barriga.

O sorriso entre rugas, falhas do acaso,

Homem luxo do destino, pepino, fino,

menino que brinca na vastidão do lixão,

bemóis de sonhos de contos no chão apisoado,

suado das mãos encardidas,

da lama, dos dejetos de uma sociedade

exaurida de igualitarismo.

Socorrida pelo individualismo,

pregada de nazismo,

sofrida pelo consumismo,

sem Cristo,

tu és uma semente,

que cresceu sem céu ,

sem ao menos piedade.

Conclamastes!

Pecado inventou,

roubaste a matéria

da fé, federações

de ilusões nas constelações,

sensação, morreu a indagação.

____

Estagnação dos sentidos.

Amor dos exauridos.

Estrelas dos namorados.

Marcas, manchas, mãos.

Mulheres desanexadas, espécie.

Sensações de um mundo mocho.

Cruzes entre luzes, luxo

dos muros rodeados de câmeras,

camas de repressão, medo.

Invadiram a loja ao lado.

O medo está em todos os cantos,

em todos os prantos, catástrofe.

Barbárie das cidades iradas,

da miséria cultural, sentimental.

Animais famintos, escravizados,

postos em frente de fibras ópticas,

grades de controle remoto,

com direito a sofá e muito bafafá.

_____

Na praça tem semana cultural.

Cultura?

Culto?

Vão ler poemas.

Um dia antes teve procissão,

cisão de lixo tóxico,

e pouco radioativo.

Mas está vivo!

Vísceras!

Vândalos da situação.

Traições?

De quê?

Nas festas tem sexo,

pouco acadêmico,

mas polêmico,

endêmico.

Coliseu contemporâneo.

Câncer.

DNA.

Dane-se o ar.

Repetição,

astronautas, lusíadas,

guerra nuclear,

repetição.

Vamos renovar a colonização,

e sangrar os sonhos,

nativos.

Ondas de subnutrição

sustentáculos do sistema,

emblema.

Lema

da modernização,

regressão.

_____

O esgoto da cultura humana

cheia de lama que encanta.

As saudações das meretrizes,

a cama dos aborígines,

eu e você, na lua, na rua.

_____

Dizem que o canto é a beleza que resta.

E o homem a tristeza que mata.

Já a flor o único ser a dizer.

Será um passado oblíquo?

Uma tangente cheia de gente?

Gente que sente ou mente?

Crê e vê o ser do ter,

poder viver, esvaecer, saber.

São uma aurora de gororoba,

abóbora, vai passar o que na mão?

Esmolas, não, história,

contato do espaço lunar,

era pra ser luar,

sobraram radares,

cataplasma,

espectadores, espectros,

das malandragens, da ilusão.

O que se tornou o rush?

Olha, não dá pra ver o céu,

apenas prédios, outdoors, vidros,

é a realidade concreta da ilusão.

_____

Semáforo, faixa de pedestre,

buzina, guerra no campo.

Acharam água em Marte?

Que arte do nada, fada.

São as correntes do calor,

a invenção dos olhos,

presos em mentes que mente,

impalpáveis palavras hereditárias,

que nos viciaram até saciarmos,

de um saber que nem ele mesmo sabe.

Invenções de mentes inventadas,

atadas nos sonhos das ilusões reais,

de sinais, de finais cristalizados

ponderados em escolas,

nas mesas de senhoras,

nas paredes de escritórios,

não poderia deixar de dizer oratório.

Essa é minha confissão,

posso até ousar dizer missão,

é bonitinho, fino, cristão.

Posso rir, cantarolar, pular,

menos amar a incerteza desse lugar.

_____

Baixo, abaixo, cabisbaixo.

Baixaria, bruxaria, lataria.

Cólicas bucólicas dos alcoólatras.

Multidões, vilões, botijões.

Garantias de empresas,

de pessoas, de objetos,

abjetos de dejetos.

Sisal a melhor forma de consolo

da miséria infantil, xarope,

cisco do circo visto no lixo,

misto de tudo isso, projetos,

não entidades.

Seria melhores viagens,

a Disney ou Veneza.

Estamos todos gagos, galos de panelas

efervescentes enfeitados de coroas.

Mórbidos de?

Como são doces as ondas do mar.

_____

Alô, oi,

sei que seria um erro,

do dizer ensolarado das montanhas,

crianças são sementes,

a lógica de tudo isso.

Não basta ligar,

é preciso compreender.

Tá, tchau.

_____

Leveza, aspereza, limpeza,

beleza, fresca de outrora,

ortodoxo, minhocas, panos.

Cobriram os ensinamentos,

a didática da tática,

estática, elástica, tão casta.

As regras do caminhar,

a política do falar.

Não! É ética e moral.

Então casaram os inocentes,

vieram os imprudentes,

mas só quero falar no sangue,

que escorre, esconde,

cheira, simboliza,

amamenta,

desperdiça, cria,

renova.

As carnes da terra

que se perde na sangria,

fria da morte, dessa sorte.

_____

E o sereno dessa vida serena.

A matéria,

os critérios,

mistérios,

sérios,

os loucos,

palavras duvidosas,

caminhar incerto,

o sebo,

o bêbado,

vômito,

cômico,

do manicômio.

Cosmopolita,

Cosmovisão,

Comoção,

Corações,

sem soluções,

não é nenhuma dor.

Só o engodo do dizer.

_____

A prisão entre quatro paredes,

no sufoco dos olhos,

no vibrar da voz,

canto de glória.

O pão chamado hóstia.

A lógica da memória,

como rebelião do presente,

essa semente nos azulejos,

exaltados nos corredores,

desses amores de odores,

podres de sabores.

Seria a imensidão da cadeira?

A ilusão da caneta?

A vertente da serpente,

nesse trajeto dúbio ,

da discrepância da razão,

da loucura da paixão?

Ou a mordaça do coração?

_____

Ganhei um cristal, um duende,

parafraseando, esqueci,

mas já li, não sei onde?

nos tornamos ciganos…

ganhamos mais vitrines,

os sonhos em pequenas parcelas.

Náuseas de depressão,

lágrimas secas, soluços mudos,

salas de bate papo,

o vento apenas um xingamento,

chuvas de inseticidas,

o espaço para o lado gasto,

o cansaço do contexto, beco.

Beijamos os ídolos,

corrosivos do infinito.

Novas prisões superlotadas,

apertadas, concertadas, privadas

da ignorância, mães martirizadas,

civilizadas nas calhas, calam.

_____

O existir das lamentações,

como canções, dedos de carinho,

agora o parquinho.

Viver o tempo de uma poesia.

As vezes com suas rimas seguidas,

toda desconexas de qualquer sentido,

como uma parábola sem graça.

As pedras das depredações

presas num único desejo,

entre víveres de plantas encobertas.

_____

Calabouço, cabo, choque, misérias.

Tem uma luz acessa.

Estamos aqui para tranquilizar.

Cabeça  de papel.

Quartel.

Trancando, trancando,

está armado, armado,

de revólver, de fome, cultura indigesta,

infidelidade partidária, corrupção

analfabetismo, plano de saúde.

O Funk veio para ficar?

Transporte alternativo,

sociedade na ativa,

nativa,

viva.

Hoje é dia cívico.

Natalidade,

Mortalidade,

idade,

capacidade.

Cidades enlameadas,

Embrenhadas,

Banhadas,

melhor não continuar.

_____

Restaurante distante do instante

em que o buxo urra, gruda

nas paredes do sistema,

ouçam o barulho das latas,

silêncio, silêncio,

o cheiro não é bom,

cadê, cadê, cadê

aqui,

não, não serve

tenta essa outra,

tá bom.

Hei, me dá um pouco, toma

Tá olhando o que meu?

Hei, me dá mais,

vamo leva, vamo leva,

aqui, pega.

Não, esse não.

Vamo passa pela outra rua,

que roupa curta,

meu olha aquela lá,

vamo sair daqui.

Ali tem jornal,

aqui debaixo,

tá frio,

chega pro canto.

_____

Lugares fechados, cadeados,

anúncios de rostos felizes.

Febre.

Boa tarde,  como vai?

Compras, ovelhas, cordeiros.

Convulsão.

Com tantos olhos fechados,

entre tantos lugares,

as  margens só levam lembranças,

como crianças nas miragens,

esgrima, crisma, carestia,

a ciência como projeto da espécie.

E a angústia num bom ângulo,

em quadrados, enlatados,

entre anúncios pudicos,

o mundo em dimensões gigantescas.

_____

Saltos, olhares capazes de se dar.

Amar a insegurança do lugar.

As águas da cachoeira,

presas no céu mórbido do dia,

uma corda, um grito,

a alegria em êxtase momentâneo.

O tempo de um salto

cósmico das ilusões perdidas,

vividas, e o paredão a força

a clamar a ausência da certeza.

Junto com a correnteza, o frio,

o sol, a matéria lúdica,

presa num único lugar

a chamar a liberdade,

fadada nas veias efervescentes

a adrenalina, o homem.

Como crianças brincando

com os antagonismos certos,

da coragem, e do medo,

dá vida e da morte.

Dá liberdade presa numa corda,

e a aventura a nos desafiar,

como incansáveis humanos que somos,

nos atiramos, despertamos,

em minutos um brilho,

uma vida nunca antes vivida.

_____

… e o amor se dissipou em um salto.

para as incertezas lógicas,

das vadias migalhas,

que o dia insistia,

nessa cisma de felicidade.

A capacidade humana,

abandonada para o nada,

como viagens suicidas ,

dos parceiros rasteiros,

nos monastérios, dos mistérios,

a guiar o ar do calar,

para a discrepância,

dá ânsia do amor.

_____

E o homem se fez no barro,

as paineiras de um lugar,

chamada imensidão, com cercas

e farpas na carne a arranhar,

esse passado autoritário e libertino.

Agora a matéria invólucro,

no universo moderno do tédio,

perto das lendas regionais,

sinal de consciência dissipa

das linguagens viris dos vivos,

assim as malandragens…

Entre bagagens, passagens,

escorregadias, sina da rima,

que se guia no vácuo,

cosmológico do gótico.

Micróbios de fobia,

em riba da pipa,

a extrair

e exaurir esse dia.

____

A maquiagem a camuflar

Essa inópia de distúrbio,

entre Maquiavel e Jesus,

emaranhados nos cadafalsos,

ilógico da lógica das lojas,

nos subterrâneos dos pântanos

a embrenhar esse ar túrbido,

rochosos do planalto rasteiro,

da imensidão humana,

crivada na lata da privada.

_____

Tom Zé, o Zé do sertão manso,

do destino puído do lixo,

arranhado do vinil,

a desbravar e garimpar,

a poeira da seca inaudita,

onde aquele personagem

filho de Maria, sonhador,

esqueceu de aviltar a sede,

rouca das lavadeiras,

de caatingas, de jaboti.

Correntezas da fome exaurida,

no agreste do universo, buxo

de Irará irá um mar de sutilezas,

de belezas do pensar, tido subversivo,

da rosa dos ventos, do norte,

onde se apresenta, inventa.

_____

Arriscar, para sonhar,

desejar e mudar o lado de cá.

Caracas, cotovelada posta

entre queixos, queixas, barbearias,

sapatarias, candelabros,

das noites opulentas, lentas…

lentas, lentas, lentas.

Entre vidraças empoeiradas,

dá vida virtual desse animal,

transfigurado da humanidade passiva,

não vou usar novamente masoquismo.

Assim sussurram, surram, suam

iii, tem gente do lado de lá,

esfregando, plantando,

trafegando sobre colheitas,

entre distâncias turbulentas,

vão aumentando a ambiguidade,

das desigualdades aflitas,

dos filhos do sol irado,

nas barbas finas,

dos arruinados mausoléus,

sem aromas para afugentar,

esses lugares de bicharadas.

_____

Setembro, pularam as férias,

que incorro nos esgotos,

quero sair para o mato,

pegar carrapato, fiasco da memória,

onde a onda é congestionamento,

esse estrangulamento de pensamento,

de tempo, de mente, de semente,

nos incautos dos pedágios.

Nuvens de parentesco,

nas asas de um pássaro,

solto no invólucro , lucro,

que aumenta na sangria,

da ruína frente à tela de proteção,

do meu computador de dor,

martirizado para a amizade,

sem bolo de aniversário,

sem feriado, sem espaço,

alternativo, criativo, vivo,

para as almofadadas

caminhadas no elevador

da subida que desce,

o estreitamento dessa condição,

dessa disposição, sem posição

alguma a confrontar esses ossos,

que só quer o humanismo,

para todos os ismos, mas,

sem abismo para nós humanos.

_____

Pô, tô produzindo, consumindo, sumindo.

A minha posição de ser pensante,

errante nesse naufrágio de alienação,

que me cobram, me torturam,

as calúnias do meu ego

preso nessa esfera padronizada,

rejeita até o último padecer,

um sopro,

um cansaço repentino de dias,

e se transformar no peso de ser

diferente do lixão generalizado,

duchas, e as impurezas continuam,

de nascer nesse sistema,

que impregna até na dor,

de sentir um pouco de amor.

Corais agonizantes das depredações,

das ondas poluídas a naufragar.

_____

Pobre poesia de fantasia para a paralisia

vazia cerebral da moçada caçada

nos “guetos” da urbanização, da banalização

sem canção, recorremos  a Férrez,

Dostoievsky.

As mazelas da miséria

para as panelas das senhoras solteiras,

no emblema do corpo,

assalariado para o passado,

 parado em guilhotinas,

tintas concretas do opaco espaço

que é dado nesse mercado materializado

de descartáveis humanos, tornamos.

_____

Sonhamos, acordados nos ruídos industrializados.

Dos comportamentos sentimentais, desses sinais.

_____

Traço, soterramento, demolição,

lona negra, símbolo de tudo isso.

_____

Cadáveres da chacina, cassino,

cachimbo, quilombo contemporâneo.

_____

Coletânea, coleta de lixo no lixão

da periferia ferida de analfabetismo.

_____

Betinho, Bentinho, Zezinho, pelada,

jogo de futebol nas planícies rochosas.

_____

Invasão ou ocupação?

Globalismo, populismo.

Não sabe?

Não conhece?

A realidade da carne,

suplanta de nada.

Colosso.

Humanidade,

cansada de maldade.

Cordel, comunicação, continuação,

contaminações do lençol freático,

desenfreada civilização,

da paisagem virtual, ladrilhos,

beduínos

persuasão do gigantesco remédio,

melodrama do drama, hidratante.

_____

Caricatura de criaturas dita popularmente

de seres humanos, em expansão nas labaredas

do átomo ruflado em dióxido de carboneto,

nem sei mesmo o que isso quer dizer?

Mas se trata de seres perfeitos

para os desenhos caricaturados,

robustos dráculas coados em parafusos

difusos nos fusos horários, salários.

_____

Salamandra.

Samambaia.

Seborreia.

Gonorreia.

Sinfonia perfeita.

Cicuta, sova.

Pantomima.

Filantrópicos.

Não conhece?

É o falar dos trópicos moídos,

puídos pelo Norte da morte,

para a efervescente desumanização,

de nós irmãos a laborar,

ontologicamente, gigantescamente.

_____

A privatização que apagou a iluminação.

Nessa esfera democrática, casta, Ave-Maria.

Mas você não vê.

Mas você não lê.

Mas você não crê

Tentaram ensinar, doutrinar

no lixo que o capitalismo,

maculou, consagrou.

A seleção brasileira não vai bem?

Dalila, lírios, ufanismo,

que se afogou no lodo,

rústico das bandeiras,

adjacentes, crisântemo.

Privatização, privada da nação.

Cânticos nordestinos nas águas da sede.

Sermões messiânicos.

Mas você não vê.

Mas você não lê.

Mas você não crê.

_____

Já escrevi talento preso ao excremento.

Já omiti uma sinfonia desafinada.

Fernando, Itamar, Fernando, não ando bem.

Depois do golpe esta República a golpear.

É, posso dizer de matar.

De sufocar, enlouquecer, estremecer.

Onde esconderam o PCB?

Ah, os filiados se dissiparam,

Fala baixo, pra onde mesmo.

Nossa! Que discrepância,

Deve ser a ânsia da ganância.

_____

Revitalização de Cristo.

Revitalização de epidemias.

Revitalização da barbárie.

Parece uma espada Romana,

leões, cristãos, pão, circo.

Diminuíram as impressões gráficas,

aumentaram os números de famintos,

minto, cadáveres exauridos de alimentos.

_____

O regresso às páginas vazias.

A contida náusea depois das águas.

Calar para ver o dia nascer,

parece sublime, místico,

segurar um pedacinho da vida mesmo

que seja momentâneo,

esse lutar por esse cotidiano,

infame, em que um minuto,

torna o infortúnio sublime.

_____

Galerias.

Calmarias.

desse pesadelo,

ilógico,

da lógica,

racional,

seja inatista,

ou empírica.

Só os amantes,

viciados e ilhados,

nesses entrances,

das tramas,

ocultas,

para suportar,

esses rostos

dispersos ,

em algum

lugar.

_____

Tomar a água fresca do dia.

Banhar os sonhos de um guia.

Sentir a saudade de Luzia.

Perder noites claras nas águas

cristalinas, entre relvas, selvas,

aves, pares de pedras belas.

Garantir o amanhecer momentâneo,

entre tantos meses, um minuto

no silêncio do despertar do dia.

_____

Céticos, sérios, servos, versos.

Vela nas capelas das velhas

 Inauditas, dita corrosiva,

Vivas as paralisias.

Montar os palcos dos fracos,

desses macacos, entre cactos,

atos, astros da imensidão,

na Minerva,

na erva,

venerada,

amada.

_____

Metros pujantes.

Dos jantares

Coloniais.

Clarabela.

Sobrados,

Enfileirados,

nas terras

soltas

a escorrer,

entre chuvas

e almas

arremetidas.

Pavor,

Dor,

e o sol

nem mesmo

mudou.

_____

Martelo,

Mar,

tela

de um bar,

olhares,

andares,

o ser pulsante,

desse instante,

querer

compreender,

florescer,

flor,

ascender

um ser.

_____

Atitude,

Apagador,

régua,

acompanhar esse lugar único,

chamado, sufocado no ar pueril

desse veículo,

voar entre sombras,

posição

esquecida,

medida,

como inverno transparente,

ouvido nas manhãs bucólicas,

levando, sonhando esse destino.

_____

Chave,

voltas, círculos conhecidos.

Porta,

distanciando, afastando a possibilidade.

Tormento,

o momento da loucura,

trancando ou fechando.

Maçaneta.

Força,

Porém, a ousadia,

assim a liberdade.

em passos largos,

alegres,

nos encontros

de seus sonhos.

sonha.

_____

Continuando sobre a possibilidade.

Será que ela é visível?

Mas se os sonhos são contidos.

O que diria a liberdade sobre a possibilidade?

Gostei dessa palavra,

soa com audácia, vontade,

tem que ter construção,

para que o possível

possibilite essa possibilidade.

Qual a nossa possibilidade

de mudar o individualismo

consumista desses dias ruins,

que nossa imagem arrebentou,

sobre a concretização do bem coletivo

para essa dimensão caótica?

São várias as nossas possibilidades

até mesmo de chorarmos frente à brisa,

a esse mundo bonito,

que nossa alienação continua a não ver,

a não sentir, e os movimentos sociais

continuam a efervescer, e nossa pele

apenas esse frio monótono,

de nosso pensamento bobo.

_____

Alistamento.

O patriotismo do vento.

Era pra dizer excremento, mas não soa

muito bonitinho, que lógica incorreta.

Lugares aguçados dos bares

com suas meretrizes aluídas, lúcidas,

Arrebentando padrões, caixões estranhos

nas avessas das belezas singelas

dessas donzelas, levadas, amadas,

não ousaria dizer tanto.

Que sonhos,

 que ser caótico,

postos nos becos dos bêbados,

ruídos das construções, ensolaradas.

Cada caso um caso pardo

do destino, entre miragens,

maquiagens, sinais do tempo,

ensopado da vida enlaçada

de laços desbotados, amarrotados,

em rostos enrugados,

de almas corrompidas.

Pela frieza do amor,

enleado, surpreendido,

corrompido pelas esmolas,

roucas do suor produzido.

Quiseram sonhar o tempo de um sorriso

amarelado, desprendido desses dias ruins,

assim se foram, assim vieram,

assim quiseram, assim lutaram.

Assim morrem,

Espremem,

Envelhecem,

como maracujá.

Como orquídeas,

nascem,

e como

relvas molhadas do orvalho,

o sol secou…

Cresceram os inocentes,

no ventre dos imprudentes,

que você não sente.

_____

Aeronave.

Irradiação.

Cosmopolita.

Contaram as latas, as batatas,

estão cantando, conclusão:

quero ser marujo quando cresce.

Viraram palestrantes os insetos

sobreviventes dos inseticidas.

Qualy, qualidade de vida.

Corromper é crescer no ambiente de trabalho,

luxo de poucos.

A honestidade não é economicamente viável,

tentemos uma outra alternativa.

Os assaltantes se tornaram os funcionários

responsáveis pela melhor distribuição

de renda nesse país, sem burocracia,

assim a justiça funciona melhor

mais rápido e segura.

Nosso cliente é você.

_____

…a fuga dos surpreendidos dias.

desse inverno sufocante, amedrontado,

as abelhas alucinadas, fatigadas,

produzindo, cantarolando em bando.

Quiseram fazer construções

em cima de ruínas,

demolições

sem nenhuma solução.

saber sobreviver.

até o instante…

desse espanto, rastejando por um pouco de luz,

no calor aquecido das chamas azuis,

lutar

pelo conformismo.,

no buxo,

da história,

senhora da memória,

dessa hora,

tão problemática, dos homens despedaçados

e das sutilezas tão desenhadas.

_____

Nove dias,

pisaram em concretos desarmados.

Onze dias,

enfeitaram as ilusões arrependidas.

Inventar,

e buscar os abismos infinitos da realidade.

Idade avançada para quem acabou  de nascer.

Avalanche longe dos barracos,

enfileirados, empoleirados, empoeirados,

dos doentes amotinados no escuro,

Caminho da sina transparente.

Entre corredores desfila a náusea.

Hemorrágica, estática, pálida.

A miséria infantil do limiar,

da loucura acadêmica,

semblante da velhice cômica.

Saber e não esvaecer,

da poesia ruidosa, horrorosa.

que brota do desconsolo,

da impotência, da essência.

cênica de meu ser.

_____

Sob a vigia dura do tempo,

de novo a náusea sufocada,

compreender a solidão querida.

Queijos embolorados,

gostos transformados,

ilhados, pássaros falsos,

da miséria generalizada,

alianças arranhadas, intactas…

talismã das vontades esquisitas,

o homem é mesmo estranho,

e tão conhecido,

que acaba virando estudo de alguns,

loucos apaixonados, sonhadores,

das peculiaridades desse ser

antagônico, bucólico, frenético.

Esperar, entender o que não se pode compreender,

que é a beleza enfadonha,

das mazelas,

das incoerências, dessa coerência

corrompida, despida a cada dia.

_____

Ah, o sublime amor como forma

de encantamento da humanidade,

manipulada até por suas falsas

declarações amorosas, ardentes ilusões,

manifestadas no consumo de massa.

Essa massa esquelética, diabética,

que se cria num passe de mágica.

Câmera, ação.

Cadê as pipocas?

_____

Continuando…

Conseguiram transformar o amor

em banalidade.

A indústria do entretenimento,

do invento,

do masoquismo

embasando a realidade,

E distorcendo a capacidade do amor

latente, fulminante, revolucionário,

que não se cria ou espera,

acontece, não pede licença, perdão,

transforma,

nos conforta.

Não podia ser tão cruel,

os sonhos são possibilidades

de transformação da realidade.

_____

O cansaço,

as lágrimas pujantes,

trancafiadas na alma vazia,

os ardores da vida desiludida,

esse homem sofredor, lutador,

em que nos tornamos,

 que não confortamos.

Consentimos cabisbaixos as tristezas

puídas, os passos sem sentido,

o sorriso exprimido nas feições

amargas, sofridas de quem se esqueceu.

_____

Essa memória traiçoeira

que nos leva ao passado indigesto,

aos sonhos do futuro incerto.

Certo  será as calúnias

dos mosaicos pendurados

em vertigens singelas.

Semblantes.

As borboletas é que são felizes,

e os sorrisos  brotam do nada,

da cômica vida, que se aproveita

do caos humorado do nada.

_____

Aluguéis de levas incandescentes.

O cometa que passou se dissipou.

Amanhecer eternizando a esperança.

Consagrando a infâmia.

Arruinados concretos discretos.

Das passadas enleadas.

Sobrados garantidos.

Abandono retalhado.

Comensuráveis palavras.

Arrendamento de lotes.

Confecções de anúncios.

Malhação dos porcos.

Camuflar a luta dos inauditos.

Dos ditos excluídos de tudo isso.

Nas longas jornadas pesadas.

_____

Ajuntamento das lavadeiras.

Sorridentes nas beiradas dos olhos d’água.

Resumindo contos enfileirados.

Da minha janela projeta sombras,

De pássaros voando frente a minha caneta.

Querer saber as oscilações do tempo

Entretanto os escândalos cânticos,

Dos sermões arrependidos e doces

Vou escrever figueiras parece romântico,

Poder entrar na poesia suave de outros tempos.

De outros momentos que não este.

_________________

A minha janela continua projetando

as sombras dos pássaros em seus voos matinais.

Pareço uma velha de oitenta anos

com meus pés gelados,

minha alma ensebada, meu ventre seco,

meus desejos sumidos, meu paladar esquisito,

meus amigos, bem, eu esqueci de cativá-los.

Porém, ainda continua com a minha poesia,

minha infinita poesia, egoísta, saudosa,

dramática, silenciosa e ruidosa.

Não espero a morte, nem fico sentada

na varanda vendo o que dizem ser a vida

passeando como dois namorados.

Só fico esperando esse suave deslizar da caneta

nessa folha imóvel, que depois recordo,

um pedacinho do tempo mágico como o vento.

Apesar de meus pés continuarem gelado,

Essa poesia continua a me aquecer,

Ela não desiste e nem implora.

Às vezes é inoportuna, meticulosa,

A minha alma uma poesia duvidosa.

Que me socorre e tormenta,

Um mar de calmaria tempestuosa.

_____

deixar fluir, resumir…

as gotas banais do risonho

sonho momentâneo do dia.

desaparecer as rugas…

entrepostas lado a lado

desses pincéis tortos da face

incompreendida,

seria dramática escrevendo esquecida.

O coletivo sentimento

postos agora individualmente,

nos humanos somos mesmos egoístas.

Mas voltemos mansamente a humanidade

diferenciada por suas vontades,

a dramaticidade como sinônimo

do pensamento irradiante desse ser,

agora melhorou um pouco.

Os nossos sentimentos individuais

parecem absurdos frente a tantas agressividades,

é como se a felicidade fosse egoísta demais

diante desse globo colonização,

dessa martirização,

no qual concluíram esse ser.

_____

Contatos, assassinatos,

documentos exatos

das baboseiras,

grosseiras.

Inventar pensamentos.

Construir sentimentos.

Crendices de meninice.

Os olhos correndo nos vagões.

Alucinados da espera indesejada.

Tamanhos vultos.

Deslizamentos nas planícies.

Águas poluídas do azedo fiasco.

Consagração de imagens.

Imagens consagradas,

pelos telespectadores ouvintes.

Formação de comportamentos espirais.

_____

O rápido olhar.

Quantas vezes nos apaixonamos?

Sempre e constantemente?

Ou uma simples e única vez?

Quais são as definições do amor?

Quando sabemos que é falso?

Sempre é verdadeiro enquanto vivemos?

Viver ou esperar transforma alguma coisa?

O sofrimento se dá quando não somos correspondidos?

Ou quando não conseguimos manter a criação do amor por nós esculpidos?

Todo amor é belo?

É confrontador, rebelde ou suave

como uma pequena flor em mutação

nos espinhos ardentes de quem o toca?

O que é o amor de dois seres,

quando os olhos se cruzam, e só o tempo

os separam, como uma faca

afiada cortando um membro,

que ensanguentado brada até a morte?

Como se descreve um amor?

O que queremos realmente do amor?

Ë viver a eternidade em um minuto?

Contar a vastidão num beijo sublime,

corrosivo das tempestuosidades da solidão?

O que é o amor?

_____

Acender um palito de fósforo.

No meio do sol escaldante.

À surdina da madrugada,

A água cristalina poluída,

Pelo cotidiano infame,

Da beleza putrefata,

Dos calabouços, nos esboços

Dessa vida pintada rapidamente.

Sinceramente, que sacramento

Banalizado que você se entregou.

Não há luz tamanha para iluminar

Essa caixinha, úmida, sombria, bolorenta,

Cheia de gente estranha, só esparramar.

Não basta, é preciso perdurar os acontecimentos

Até que firme e os olhos não mais os crie.

_____

Sintetizar nem sempre é bom,

melhor seriam páginas e mais páginas.

As explicações não deveriam ser tão curtas.

Concluir o que poderia durar para sempre,

essas ousadias pretensiosas que ignoram

o breve compreender do instante.

Os cantos sempre são doces,

nas vozes apaixonadas que não

silenciam nem mesmo no abandono.

____

E a criança ao lado do lixo brinca,

dentro do lixo, cata, rasteja, cresce…

O esgoto a céu aberto, no céu aberto,

na sua frente fede, bela paisagem,

Deus é mesmo onipotente, impotente.

Moscas são apenas beija-flor,

nessa flor maior que o capitalismo pariu.

O lixo atômico, urbano, sentimental,

Nas ruínas das indústrias o homem se cria.

Pai nosso que estais no céu,

santificado seja o vosso nome,

E amargurado seja o nosso homem

Que não come, não dorme,

Venha a nós o vosso reino,

Seja feita a vossa vontade,

Nossa vontade mesmo é de nos transformar

em alimento, neste reino subnutrido,

assim na terra como no céu.

O pão nosso de cada dia,

acabou, extinguiram a fé no pão

de todo dia, se é assim aqui na terra

não quero ir pro céu, ele não é grato

de minha presença.

nos daí hoje, o que não tivemos

ontem e não teremos amanhã,

perdoai-nos as nossas ofensas,

Mesmo que seja o de pensarem em um pouco

mais de alimento e justiça,

assim como nós perdoamos a

quem nos tem ofendido,

ou mesmo nos esquecidos,

e não nos deixeis cair em tentação

mesmo que seja a de roubar um pedaço de pão,

mas livrai-nos do (desse) mal. Amém.

_____

Cobertores nas calçadas.

Mãos debaixo de semáforos.

Enxadas no asfalto das cidades.

Humanos puxando carroças.

Caroços duros dessa difícil vida.

Não consigo compreender.

Filas, quarteirões, filas, leitões prontos

para o abate, formulários,

entrevistas, honorários,

horários, sábados, domingos.

Chega!!!!!

O tempo não está bom,

Parece que vai chover.

Querem demissões voluntárias,

É o ano dos voluntários.

Já ia escrever otários.

Cadê Betinho?

Cadê Zezinho que não veio à escola.

Cadê aquela senhora que saiu do manicômio.

A esperança se arrasta, enlaça,

gruda no corpo, nas vontades.

Fila novamente, esse apagão ninguém apaga,

ninguém acaba, meu sindicado está conformado,

meus sapatos estão gastos,

minhas moedas estão escassas.

Cadê Betinho?

_____

Hoje o sol bate em meus pés,

Não estão gelados, da janela

Ainda percebo a correria dos pássaros

Em seus voos matinais, não pareço

Mais uma velha de oitenta anos.

Apesar de querer estar com oitenta anos,

Mais nem tenho um terço da idade.

E essa folha ainda continua imóvel,

Pálida até o momento desta caneta

Ultrapassar  as suas linhas, com seu

Toque de angústia, alerta, deterioramento

De meus pensamentos, talvez em vão.

A cama em que me deito é sempre a mesma.

Os pássaros que passam pela minha janela

são sempre os mesmos.

E essa poesia será sempre a mesma.

De meu universo escrevo versos

Que ultrapassam a minha alma

Para cair nessa folha imóvel e pálida.

Meu mar continua na calmaria

tempestuosa, porém agora vejo sol,

Navegar já não é tão dolorido.

Mas meu rumo continua desconhecido.

_____

Sobre o olhar rápido, não consigo esquecer.

Ao mesmo tempo gostaria de continuar as perguntas.

Mas não, só quero lembrar daquele rápido olhar,

Em vão?

E se o tempo o apagar?

Estou aqui continuando com minhas perguntas,

Que não ouso responder.

Agora dou minhas pinceladas

No dono daquele olhar, que enfeito,

Visto roupas engraçadas,

Sem ao menos saber o gosto de sua boca.

O mês das chuvas está próximo.

E essa tatuagem que não desgruda.

Sempre continuaram doces os cantos.

Nas vozes apaixonadas que não se silenciam,

Nem mesmo no abandono.

_____

Seria bom parar para repensar.

Com quantas senhoras viestes embora?

Às horas do mês de agosto não passam.

Soletrar até soterrar as besteiras.

Concretizar nem sempre é fácil.

Talvez suportar seja ilusão.

Operações são complicadas.

As trevas se sobrepõem a luz.

E a luz se sobrepõe as trevas.

Essa luz sempre nos enganou.

Seria mesmo bom parar para repensar?

O pensamento constante é uma constante

Invariável, no nada o vácuo vasto.

Melhor parar para depois continuar.

* * *

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Pedras Ensolaradas (Texto)

Cátia de Castro Dias

PEDRAS ENSOLARADAS

Germinamos pelas almas que nos regam. Mesmo a terra estando seca a vida pode suplantar entre pedras ensolaradas e crescer esbelta e bela.

I PARTE

Anda…

Entre espinhos, capoeiras,

Poeiras que infiltram na pele seca,

O caule ruidoso chamado homem.

Anda…

Em morros íngremes, caros,

Suplantando a dor da fome,

Carregando na trouxa o pouco possuído,

Junto com a família anda…

Carrapatos, lombeiras, taquaras,

E um deserto imenso se cria,

O vazio da fome já alucina

Não pensa em parar.

Anda…

Sem mesmo saber,

E continua a andar…

Na sombra descansa,

Come a ultima farinha seca.

O corpo adormecido

E o andado desaquecido.

Na boca a água sem gosto ,

Entre feridas a paz esquecida.

E então, levanta para andar,

Anda…

Mais uma subida não sentida.

A dor adormece anestesia.

E agora desce, desce,

Sem saber para onde, desce,

Neste trajeto distante,

Desse sol quente, sem compreender,

Aceita, sem pensamentos.

Só a andar…

Anda…

Enfileirados, dispersos,

Distraídos, reunidos.

Entre galhos secos.

 No meio de pássaros negros,

Esqueletos de animais desfeitos.

Com o barulho do vento,

No rosto envelhecido, continua a andar.

Anda…

A vida um andado desatinado.

Despedaçado, fragmentado.

Coragem incompreendida.

Busca infinita.

Do andado miúdo, mocho.

No céu o sol sem nuvens.

Queimando a flor, construindo dor,

Do andar, do falar sem guiar,

Para o que não compreendemos,

Nem vivenciamos ou mesmo lutamos.

Anda…

Sem mesmo alterar esse andar,

Ainda anda,

De jeito desfeito.

De mãos rachadas, gastas.

Com galhos a chicotear,

O corpo, a alma arranhada.

E continua a andar.

Até chegar a algum lugar.

Mesmo que momentâneo.

E, então, o corpo descansa,

Para depois andar,

Com os pés vazios,

E com a força da vida,

No seu bocejo do dia,

Com a família sofrida,

Sem um sono adormecido.

Com o passar das horas,

A ilusão de viver do que comer,

Nesse bucho da história,

No trajeto caminhado,

Dessa espera adulterada,

Nesse aborto miserável,

Que o andar não cessa,

E a morte não suplanta.

Mesmo que não coma,

Durma, ande, cante.

Sua existência a nossa semente,

Crespa, seca, entre manchas,

O caminho não construído.

Que alguns continuam a desafiar,

A lutar por esse viver ensolarado.

Anda…

Mesmo em pedras,

Favelas intoxicadas,

De vidas arruinadas.

Anda…

Sempre a andar.

Como se o falar,

Fosse um andar.

De desafetos, de fetos prematuros,

Entre vidas duras,

O orvalho preenche a manhã do andar.

Que se cruza entre pedras,

Poeiras, carnes apisoadas,

Músculos batidos, escuros.

Anda…

Nessas linhas retas, certas.

Que o caminho não congrega,

E a febre desabafa com seu bafo,

De miragens nos olhos embasados,

De quem se esqueceu.

Na luz obliqua agora o luar.

Querer entender os motivos,

Os passos pesados, padecer.

Sem sofrimento Deus num atende.

É a sina do homem empurrado,

Para as ribanceiras da fome,

Que agora o consome.

Com suas próprias mãos cava.

A terra seca para nela o filho enterrar.

Com galhos secos, a cruz seca.

Marca o fim e o começo,

Para aqueles que nela sobrevivem.

De novo o andar, mais entristecido.

Mais vazio, lamentações.

O filho alimentado,

Por pedras ensolaradas.

Nos rastros a ausência,

Que a fome cria.

Nas terras secas fecundam os homens,

Enterrados pelos sonhos.

O alimento em cima do corpo germina,

Aflora o bulbo, a vida dispersa,

Pela terra mesmo estando seca,

E nela o homem anda.

Anda…

Com o coração lânguido

As feridas ensanguentadas,

Nas costas o peso da fome.

No rosto a face faminta

Caminha para a vida,

Vazia, travando lutas,

Contando amarguras, anda.

O homem ao longo de sua vida cria trajetos em sua luta continua, nessa vastidão incompreensiva, no caminhar constroem moradas, se relacionam, reúnem vivências, sabores e dissabores de um cotidiano. Nessa esfera ambígua, dessa vida indecifrável o homem caminha.

Em cada andado uma luta, uma história, uma memória que ao longo de suas vidas vão se constituindo, reunindo relações diversas. Nas praças, nas escolas, entre barracos, noticiários pessimistas, vidas vão sendo feitas, ou mesmo desfeitas, pelas misérias impostas o homem vive, sobrevivem, caminham para o que diz ser soberbo.

Todos os dias são dias de lutas, de alegrias e amarguras, empurradas para longe de nossos olhos, esse homem caminha travando lutas. Sabemos que a vida nem sempre é doce e singela, mas para as pessoas afastadas dos centros urbanos, dessa sociedade compreendida com “civilizada”, são poucas as horas doces e singelas.

II PARTE

Como pedras ensolaradas.

Em noites de lua clara.

Nas manhãs de araucárias.

O sol caminha na sombra,

Fresca que o céu não viu.

Querer ser borboleta toda manhã de orvalho.

Lutar para subir o morro.

Morrer entre espinhos.

Na subida do destino.

Que lindo dia,

Que agora faz.

Como posso caminhar até o deserto?

O universo é mesmo um tédio!

Famílias ensolaradas caminham,

Por estas páginas secas de sol ardente.

Queria ter colocado um destino

Melhor, mais doce para eles.

Mas a miséria não é sutil,

Ou amena, é seca.

Feita de carnes secas.

De olhos arregalados.

De ossos estufados.

E passos fortes.

A miséria não é sutil ou amena.

Dói a garganta ao engolir a saliva.

Doem os olhos ao ver o lixo contaminado.

Os morros que nunca são ultrapassados.

Diferente daquelas montanhas,

Que escrevi para Paulo.

Os semblantes são mesmo distantes.

Devo dizer que queria ser melhor.

Entre caminhos pisei em pedras.

Virei pedras ensolaradas.

Sabe? Queria ter virado flor.

Em meio a roseiras virei dor.

Quis mesmo ter até calor, amor.

Mas durante a caminhada.

Vi a miséria saindo do nada.

Queria ter virado pão, Paulo.

Mas virei pedras que não alimentam.

Essas pedras ensolaradas.

Já não sei mais se escrevo,

Ou acompanho essas famílias.

Estou tentando dar nomes, rostos,

Para essas pessoas, mas não consigo.

Quero escrever sobre o abismo.

Sobre a cava onde os corpos dormem,

Onde o homem se alimenta de sonhos.

Virei pedra, como pedra, vivo pedra.

Na pedra que a doçura da nuvem

Não alcança, não descansa essa face magra.

Vejo Deus mais feio,

Sabe ele das poeiras,

que nos caminhos se levantam,

para no rosto trincar a alma,

que a água por mais abundante,

não lava, não disfarça.

Vejo Deus mais feio.

Nos caminhos traçados pelos homens ao longo de suas vidas, vão deixando rastros e vivências de um cotidiano que se cruza nas trajetórias de outros seres, e assim um universo imenso se cria. Porém, Deus já não é mais tão belo, onipotente, apenas uma semente que quer germinar e nem mesmo sabe onde. Caminha e não germina, cresce e não floresce, apenas anda, como se tudo fosse apenas um andar.

III PARTE

Anda…

O sol agora já domina,

Esse homem que não come.

Come e não sonha.

.

Quer encontrar um lugar

Uma morada nova.

Uma esposa nova.

Talvez uma vida nova.

Os urubus sobrevoam,

As carcaças,

E o homem na sua caça,

Caça morada, namorada,

Uma amada.

Os urubus os cercam,

Sobrevoam, comem,

Farejam miséria,

Em pedaços, miséria.

Na terra a miséria.

Nos passos o homem.

Na terra o homem.

Neste papel o homem.

O homem!

Que você leitor não vê,

Não sente o cheiro .

O sol queimando.

A água sem gosto.

Pedras ensolaradas,

São carregadas.

O filho não caminha.

Não suporta mais.

Sabe ele se parar,

A terra engole,

Como um copo d’agua,

Que da lembrança sente.

Anda…

Agruras.

A loucura humana.

Manhã entre sol.

Entre veredas.

Entre espinhos.

Pedras!

Pedras dispersas,

Que se guiam,

Até montanhas.

Cruzam,

Ultrapassam,

Estão vivos.

Anda…

 A vida se tornou

O próprio andar.

Por vezes feitos,

Esculpidos.

Nas pedras,

Neste sol.

Neste capricho

Do destino,

No caminho,

Caminha,

Este homem.

O homem feito,

E agora desfeito.

Passa por uma roça,

De milho verdejante,

Os olhos brilham.

Não é seu.

Não semeou.

Não vai colher.

E nem comer.

Só a caminhar.

Até o vento.

Distante.

Os sonhos se dissolveram na terra que a poeira levou. O vento distante trás o barulho inconfundível dos carros. Já pode atravessar aquela montanha. O que espera o homem? O que esse homem espera? Ilusões? Sonhos? Esperança? E a terra doce e fértil dos milhos verdejantes, foi esquecida? Só ficaram lembranças das carcaças, das poeiras, das pedras ensolaradas?  Pedras urbanas. Homens urbanos. Deus urbano. A lona negra da cor dos pássaros negros sobrevoando as carcaças. O barraco construído nas margens da periferia, o homem para. (Cátia de Castro Dias)

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Dissertação de Mestrado

CÁTIA DE CASTRO DIAS

TENSÕES URBANAS – TRAJETÓRIAS E VIVÊNCIAS DE MORADORES DO BAIRRO ALTO DA COLINA NA LUTA PELO ESPAÇO URBANO (PATOS DE MINAS 1980-2004)

Dissertação    apresentada    pela aluna  Cátia  de  Castro

                                                      Dias    como    pré-requisito   para   obtenção   do   Título

                                                      de   Mestre      em     História    pelo       Programa    de

Mestrado da Universidade Federal de Uberlândia  sob

a orientação   do Prof. Dr. Paulo   Roberto de Almeida.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

2005

BANCA EXAMINADORA

Orientador Prof. Dr. Paulo Roberto de Almeida UFU-Uberlândia

Examinadores

Prof ª.Drª. Célia Rocha Calvo UFU-Uberlândia

Prof. Dr. Robson Laverdi UNIOESTE-Universidade Estadual do Paraná

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS…………………………………………………………………05

RESUMO…………………………………………………………………………………………06

APRESENTAÇÃO………………………………………………………………………07

CAPÍTULO I

Expectativas e dilemas na busca do espaço urbano: a cidade como palco das ilusões e anseios de

indivíduos em suas trajetórias………………………..19

CAPÍTULO II

Desafios e lutas no pertencimento a cidade: marcas, rastros impressos nos espaços

urbanos…………………………………………………………………………………46

CAPÍTULO III

Ilusões e desilusões nos caminhos urbanos…………………………………………..69

CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………………………………………92

FONTES……………………………………………………………………………………………95

ANEXOS…………………………………………………………………………………………..98

BIBLIOGRAFIA………………………………………………………………………………..99

        

Aos entrevistados que em suas falas,

                                                  suas memórias, no recordar e problematizar

                                                               os seus viveres é que possibilitaram

                                                                                                                         a concretização deste trabalho.

AGRADECIMENTOS

Aos colegas do mestrado pelo companheirismo, amizade, pelas risadas nos momentos de descontração.

Aos professores do Programa de Mestrado em História da Universidade Federal de Uberlândia, que me deram subsídios para o desenvolvimento deste trabalho.

Ao professor e orientador dessa dissertação Dr. Paulo Roberto de Almeida, por ter acreditado neste trabalho, pela compreensão, clareza e a presença sempre nas horas de dúvidas, mostrando os trajetos possíveis.

   E aos moradores do Bairro Alto da Colina, pela receptividade e sinceridade com que me receberam. Aos ajudantes do Centro Espírita André Luiz que me indicaram pessoas para serem entrevistadas. Aos  pais dos meus alunos do colégio Padre Almir, que me receberam maravilhosamente.

RESUMO

Este trabalho aborda a constituição do atual Bairro Alto da Colina, na cidade de Patos de Minas,  a luta de moradores diante da necessidade de moradias dignas, devido aos alagamentos constantes que aconteciam no Bairro Vila Operária.

A pesquisa concentrou-se em depoimentos orais, jornais e outras documentações. Evidenciando a trajetórias desses moradores transferidos para outros locais distantes do Rio Paranaíba que por muitos anos fez  tantos abandonados diante de seus alagamentos.

A reflexão da trajetória e das vivências desses morados serve de eixo central num trabalho que problematiza o próprio fazer-se da cidade. Enquanto palco de luta de sujeitos em suas tensões urbanas, assim, constrói-se historicamente na multiplicidade e diversidade de sujeitos os interesses e lutas presentes em seu cotidiano.

 

 

 

APRESENTAÇÃO

A cidade abriga veias cobertas de asfaltos, poeiras que levam homens em direção ao trabalho. Nas filas dos desempregos, nos parapeitos dos desprezos, marcam suas existências entre abandonos, sonhos. Sobrevivem homens nas suas lutas em meio a carnes tensas que caminham pelo universo urbano.

Quando ingressei no curso de mestrado, queria desvendar todos os dilemas de sujeitos renegados aos cantos distantes da cidade. Havia uma parte do corpo da cidade de Patos de Minas que parecia ter sido esquartejada e jogada distante de seu centro, de suas ruas de comércio, dos seus bairros abastados. Na parte noroeste da cidade concentram seis bairros que são o Nova Floresta, Novo Horizonte, Jardim Aquarius, Alto da Colina, Morada do Sol e Jardim Esperança.

No  projeto inicial, eu queria desvendar todos os anseios, lutas dos moradores desses seis bairros. Minha preocupação se projetava no surgimento do bairro. Nas entrevistas com os moradores, sempre a mesma pergunta: quando haviam mudado para o bairro. Os bairros já estavam quase virando sujeitos. Não conseguia perceber esses sujeitos nas impressões de suas marcas, nas construções de seus bairros, nas trajetórias percorridas por esses homens nos seus anseios e lutas. Também tinha uma preocupação muito grande no papel desempenhado pelas associações. Achava que era através dessas instituições que os moradores conseguiam benefícios para seus bairros.

Além da distância em relação ao centro da cidade e a carência desses moradores, o que me levou a escolher esses bairros foi o meu desconhecimento em relação à vida desses moradores já que nunca tinha caminhado por suas ruas.

Quando comecei a dar aulas nos colégios públicos, fui aos poucos descobrindo outras faces dessa cidade. Essas faces não eram praças floridas, casas coloridas, mas alunos de chinelos de dedo, sem blusas de frio para o inverno, bocas que proliferavam palavrões, eram carências muito maiores que apenas alimentos. Eram os filhos dos descasos das autoridades, dos pais embriagados, desempregados. Essa realidade não circulava nos jornais locais, nas propagandas diversas. A cidade que não parava de desenvolver, progredir, com sua “gente simples e hospitaleira”. Mas, não era bem assim no dia-a-dia. A cidade abriga muito mais que praças enfeitadas, ruas com seu comércio, hospitais e escolas. Abriga também indivíduos de carnes tensas, que buscam imprimir suas marcas, delimitar seu espaço. Almejam suprimir seus sonhos, construir uma moradia, esperam que os filhos terminem os estudos. Trafegam por suas avenidas, fazem parte dessa cidade, mas nem sempre são lembrados. Às vezes esses sujeitos são obrigados a gritar, unhar as vísceras desse universo urbano na busca de poderem sobreviver, de se estabelecerem em meio a tantos conflitos, tantos dilemas. Nas caminhadas, as trajetórias e os saldos das experiências no vivido urbano.

Nas caminhadas junto às associações de bairro, percebi que a luta da qual eu esperava não acontecia. Em minhas entrevistas não era esse o papel das associações que eu esperava. Mas as entrevistas me mostraram que a luta acontecia sim, no dia-a-dia e nas pequenas coisas. Os sujeitos vão imprimindo suas marcas em seu cotidiano, nas conversas entre vizinhos, em meio a tragos de bebidas. A partir do momento que compreendi que as associações continham muito mais relevância a mim do que para os moradores, foi preciso buscar outros caminhos. Parei de tentar perceber o “bairro” para perceber os sujeitos, os moradores, as lutas, os trajetos, as vivências, as tensões proliferadas no urbano. Enfim, compreender o ir e vir de sujeitos em suas buscas, frustrações, expectativas.

Nesse caminho, comecei a recordar minha infância, as lembranças das chuvas intensas da década de 80. Meu pai gostava de me levar  para ver o rio transbordado. Era uma cena bonita, ver as águas do rio Paranaíba alcançarem os arcos da velha ponte.  Porém, ao lado o bairro Vila Operária estavam seus desabrigados. Eram quarteirões inteiros alagados. Lembro de ver da parte alta da Vila Operária, as telhas submersas e os moradores com seus olhares dispersos. Sujeitos que viviam vidas alagadas e amargas no corpo dessa cidade  que aparentemente  se apresenta sem grandes problemas.

Algumas entrevistas  foram suficientes para que eu percebesse o processo de formação de dois bairros. E este processo foi construído junto a trajetórias de inundações, lutas por moradia, por sobreviver em meio a uma cidade que lhes havia esquecido.

Não havia sentido pesquisar seis bairros. Eu não queria bairro, e sim sujeitos com trajetórias, vivências. Minhas inquietações foram se transformando, clareando. Aquela parte da cidade a qual eu achava desconhecer, fez parte de minha infância. Nas minhas visitas aos desabrigados. Não eram necessários seis bairros para desvendar as trajetórias, os dilemas de moradores nas suas lutas pelo espaço urbano.

Dessa forma consegui delimitar minha pesquisa e nem por isso a mesma se tornou menos apaixonante.

Todos os caminhos me levavam a conhecer a vida dos moradores do Alto da Colina. Os crimes hediondos que aconteciam na cidade quase sempre tinham como palco à vida desse bairro. E nesses acasos do destino no ano de 2003, assinei contrato para dar aulas no colégio deste bairro e isso  facilitou a minha caminhada por suas ruas, as visitas nos barracos, nas casas aglomeradas, nos pontos de ônibus. Comecei, a partir desse momento, entrevistar os funcionários do colégio, os pais de alunos, alguns me indicavam outras pessoas para entrevistar. Mas, nas entrevistas percebi que precisava caminhar um pouco mais, queria a visão de outros moradores. Foi então que comecei a entrevistar os moradores dos bairros vizinhos ao Alto da Colina. Os moradores do Alto da Colina sempre salientavam demais os problemas no bairro, e seus moradores vizinhos já não achavam tantos males existentes no bairro. Através de entrevistas de falas heterogêneas foi possível desvendar os passos, as tensões.

Minha própria pesquisa foi uma trajetória de idas e vindas. Perceber os dilemas de sujeitos  não é algo fácil, porém se tornou imensamente humano, rico, um aprendizado que uma sala de aula não pode proporcionar. Todos os entrevistados me receberam de uma forma muito fraterna, e com um gosto muito grande por poder contribuir.A  minha impressão foi que eles se sentiram meus professores, os papéis foram invertidos, me descrevendo suas trajetórias, seus percursos na vida urbana, suas frustrações, projetos futuros.

Muitos dos meus entrevistados vieram da zona rural, de outras cidades, nas proximidades do rio Paranaíba, nos vários pontos urbanos até construírem o bairro Alto da Colina. A maioria dos moradores do Alto da Colina veio dos bairros São José Operário mais conhecido como Vila Operária e Nossa Senhora da Aparecida, nas áreas de risco desses bairros. Ao mesmo tempo em que faziam um saldo do vivido as reflexões de suas caminhadas relembravam os projetos passados. Vidas fragmentadas, juntadas no recomeço de novos anseios.

Na década de 80 aconteceram várias inundações na Vila Operária e Nossa Senhora da Aparecida. A vida para esses moradores nesse período foi tensa, conflituosa. Quando os dias amanheciam em chuvas, surgiam os “alagados”, os inundados da Vila Operária, eram quarteirões inteiros submersos. Essas lembranças me ficaram marcadas.

O bairro Nossa Senhora da Aparecida se chamava bairro da Antena. Porém, uma parte desse bairro ficou conhecida com “o beco da Antena”. Essa parte do bairro  Nossa Senhora da Aparecida também sofria com as inundações, com os estigmas da pobreza. A população de Patos de Minas sempre se referia a esse beco como a parte que maculava a imagem da cidade. Havia um certo medo da população nessa área, ninguém caminhava por suas ruas sem saída, seus becos. Mas, quando começou a transferência dos alagados para outro local desta cidade, isso fez com que esse beco ficasse no esquecimento, os olhares agora vão se destinar para os moradores do Alto da Colina.

E nessas inundações, tumultos e alagamentos é que os moradores das áreas de risco vão conseguir seu espaço nessa cidade. As inundações constantes da década de 80 e os dramas desses moradores fazem com que a sociedade se sensibilize, todos os anos os jornais abordavam esses dilemas.Mas, essa sensibilidade vai acontecer depois de muitas lutas desses moradores, muito sofrimento, reivindicações.

As tensões urbanas ficaram mais visíveis nessa época, os dramas se afloraram, o que já era difícil de se conviver com a miséria lhe pesando sobre os ombros, sobre suas vidas, o descaso das autoridades se tornavam insustentável. As chuvas dificultavam ainda mais a vida desses sujeitos, as lutas se tornavam mais intensas. A população  começou a ouvir os lamentos da Vila Operária, os sons do desespero, dos barracos alagados, da fome, da falta de dignidade, de respeito, cidadania.

As ruas de paralelepípedos viviam encobertas de água e sujeitos sem moradias, ano a ano as mesmas cenas se repetiam.

Chega um momento em que toda essa sociedade patense se sensibiliza com os dramas dos alagados da Vila Operária e do Nossa Senhora da Aparecida. A vida para esses moradores estava sendo insustentável, os dramas eram imensos e as chuvas cada vez mais intensas. Essa sensibilidade por parte da sociedade é justamente esses momentos de tensões que levam sujeitos a tomarem providências, seria o limiar da agonia, da miséria desses sujeitos que lutam, brigam, reivindicam diante de tantos dilemas,

As ruas da Vila Operária com seus paralelepípedos, com seus trabalhadores pediam socorro, sofriam com as inundações e os descasos das autoridades. Porém, a medida que a sociedade começa a perceber esses dramas, essas tensões, esses percalços que seres humanos são atormentados as autoridades começam a tomar medidas para solucionar esses dilemas. A cidade não deixa suas feridas expostas, porém, cobre-se, tampam-se as suas anomalias e disfarçam em pinturas ordeiras onde o progresso caminha junto ao homem.

Deixar as feridas expostas é apagar uma imagem de cidade limpa, bonita, tranquila, de gente trabalhadora. As anomalias devem ser conduzidas a outros espaços para que não perturbem o progresso do homem, dessa cidade tão “isenta” de problemas. Esses sujeitos vão ter que conviver vários anos sobre o perigo de novas inundações até conseguirem outros espaços nessa cidade. A vida tem que prosseguir, caminhar, a cidade vive em conflitos, tensões, os seus habitantes querem os seus espaços, poder deixar as suas marcas, suas faces sobre seus asfaltos, ruelas convexas, botequins, escolas e continuar tentando suprimir suas expectativas.

A cidade não é só o centro com seu comércio, suas avenidas floridas, no tráfego de pessoas bonitas. Mas, ponto de ônibus, crianças com fome, alunos que “coçam” cabeças infectadas de piolhos. A cidade abriga corpos desumanos, explorados, vivendo tensões urbanas. Crianças empurram carrinho de mão, nos pés a ausência de sapatos, nos rostos as marcas dos descasos.

Esse trabalho se tornou muito mais que desvendar ruas desconexas, mas, ao mesmo tempo em que eu ia percebendo essas tensões, esses dilemas urbanos, eu também comecei a me humanizar, perceber o outro e suas expectativas, sonhos.

As entrevistas realizadas com alguns moradores acabavam me puxando para uma realidade dura, porém, fraterna. Os seres humanos enfrentam dificuldades, dilemas, também cativam amizades, criam vínculos, sociabilizam, disseminam culturas, proliferam sonhos.

Nas entrevistas sempre permaneciam algumas inquietações, não entendia o preconceito por parte da população patense ao referir a esses moradores. Queria entender a partir de que momento começa a surgir essas manchas, esses preconceitos tão vivo no dia-a-dia desses moradores. Para suprimir essas inquietações entrevistas com os moradores vizinhos foram fundamentais. Busquei compreender os anos iniciais até a formação do bairro, no surgimento das primeiras ruas, a falta de transporte público, as ruas sem asfalto, o descaso das autoridades, tinha a impressão que uma outra cidade estava sendo aberta, construída, redefinida dia-a-dia. O universo urbano é polêmico, conflituoso, abrigam carnes tensas, sobrepostas sobre seus pilares, nos seus espaços.

De início, queria alcançar todos os cantos dessa cidade, buscar o seu fazer-se. Estrangular cada parte até desvendar todos os seus segredos. Mas, não conseguia entender a “áurea” de preconceitos, de disputas, de conflitos que, cotidianamente emergiam na vida dos moradores do bairro Alto da Colina. A luta pelo espaço urbano era muito mais ampla do que minhas pequenas inquietações.

Para buscar esses dilemas conferidos nos espaços urbanos eu tive que buscar ajuda nos jornais, na época das inundações, nas entrevistas dos moradores, nas aulas proferidas dia-a-dia.

O que levou as autoridades a buscarem outros espaços para novos personagens? Quais as tensões que são vivenciadas nesses espaços? Qual a cidade que querem apresentar? E qual a cidade existente nesses dilemas? O que os seus moradores buscam, almejam? O que esperavam dessa cidade? De que forma essa cidade, atrai, iludi, homens e mulheres? Como esses sujeitos caminham pelas avenidas, namoram, trabalham, disputam seus espaços?

Patos de Minas é uma cidade que vive da agropecuária, do comércio local, sem grandes indústrias. É uma cidade que tem em grande parte o trabalho  dos boias-frias, na colheita do café, do tomate, do feijão e tantos outros produtos. Essa cidade ela atrai, encanta, iludi indivíduos que contém expectativas, sonhos. Mas, nem todos os sujeitos vão abrigar espaços dignos em suas ruas, porém, lugares distantes do centro, perto do rio, longe do emprego, são  mundos desiguais.

Os campos na vida desses sujeitos serão outros, sem milhos, roças, gado, apenas a afronta do rio, da vida, da fome, do desemprego. Isso se tornou dramático na década de 80 para os moradores próximos ao rio Paranaíba. Devido aos dilemas vividos pelos moradores do bairro Nossa Senhora da Aparecida e Vila Operária na época das inundações, passa a ser insustentável a continuação desse drama. A sociedade se sensibiliza, os jornais locais não vão parar de focalizar os dramas vividos por esses moradores. Pois, esses moradores circulam por essa cidade, trafegam por suas avenidas, conversam, trocam informações vão a prefeitura, reivindicam, buscam novas oportunidades.

 Então, as autoridades começam a providenciar a “retirada” desses sujeitos. Começam as transferências para o bairro “Jardim Aquarius”, “criado” justamente para os moradores que estavam em situação de risco. Ao entrevistar um funcionário da prefeitura que acompanhou esses dilemas da década de 80, fiquei sabendo que o nome Aquarius foi justamente em referência aos desabrigados da época. O responsável pelo loteamento na época disse para pegar os “alagados” e colocar tudo em um aquário, daí o nome do bairro “Jardim Aquarius”. Porém, o aquário se tornou pequeno, foi necessário outro espaço. Daí começa a surgir o bairro Alto da Colina, uma extensão do bairro Jardim Aquarius. Os bairros vizinhos ao Alto da Colina são o Nova Floresta, Novo Horizonte, Jardim Aquarius, Morada do Sol e Jardim Esperança. Todos localizados longe do centro, é como se um braço direito fosse sendo criado no corpo dessa cidade. Os pés (Vila Operária) que viviam inundados ganharam braços longe do corpo higiênico e sadio dessa cidade. Porém, esse braço é que caminha pelas madrugadas em direção ao trabalho, limpam suas ruas, constroem seus prédios, suas casas. E ao carregar os fardos desse corpo se tornam eles mesmos o próprio peso dessa cidade. O que restam para esses sujeitos são os descasos das autoridades, o medo do desemprego, à volta ao campo como boias-frias, botequins nas esquinas dos desafetos.

Esses sujeitos trafegam por esse corpo, limpam todos os poros e permanecem em manchas, nesse estigma da pobreza que os maculam a cada dia.

Para o desenvolvimento deste trabalho leitura teorias de alguns autores  foi primordial. Em especial o texto de KHOURY, “Narrativas orais na investigação da História Social”, em relação ao papel que os sujeitos vem ocupando na história, nós enquanto pesquisadores devemos sempre dialogar “… com o passado a partir de uma concepção do presente permeada por uma perspectiva de reconhecimento das diferenças e do direito da participação de todos nos destinos sociais”.[1]

Além de chamar atenção para o reconhecimento das diferenças, a autora também lembra o cuidado que se deve ter em não separar o objeto daquilo que pertence, mas, pessoas que participam da história e estão nela inseridas. E que se deve  abordar a história “… como um processo construído pelos próprios homens de maneira compartilhada, complexa e ambígua e contraditória, o sujeito histórico não é pensado como uma abstração, ou como um conceito, mas como pessoas vivas, que se fazem histórica e culturalmente, num processo em que as dimensões individual e social são e estão intrinsecamente imbricadas. Esses sujeitos são moradores das cidades, pequenos agricultores do campo, artesãos,  pescadores, trabalhadores assalariados, grupos de imigrantes, de mulheres, de jovens, velhos ou crianças, membros de movimentos específicos, vivendo experiências de trabalho, construindo modos de viver e de se organizar, ou sobrevivendo em becos e ruas, com bagagens culturais diferentes, com perspectivas futuras diversificadas, enfrentando, ou não, processos de exclusão, marginalização e segregação social.”[2]

A nossa inquietação presente nos leva a questionar esse passado e o modo como esse presente reflete nos modos de vida de sujeitos que vivem em conflitos, distorções urbanas. E nessas reflexões as diversas leituras teóricas de textos como os de Yara Khoury, Alessandro Portelli, Thompson, Raymond Willians, Eder Sader, contribuem muito para examinarmos o papel que empregamos aos sujeitos históricos que têm permanecido nas margens desse desenrolar dos acontecimentos.

E nesse caminho o uso das fontes orais proporcionou novos diálogos com esses sujeitos, lembrando que “… cada pessoa é um amálgama de grande número de histórias em potencial, de possibilidades imaginadas e não escolhidas, de perigos iminentes, contornados e por pouco evitados.”[3]

 Caminhar nesse trajeto é, como nos dizeres de KHOURY, buscar “… apreender os significados mais profundos das relações sociais, e da mudança histórica, compreendendo e incorporando a diversidade de perspectivas e ponto de vista, como possibilidades alternativas colocadas no social…”.[4]

Também nessa trilha de pensar e buscar novos modos, de ver esses “sujeitos”, Eder Sader, em sem livro “Quando os Novos Personagens Entraram em Cena”, contribuiu muito para compreender essa noção de “sujeito”. O modo como o autor procurou entender o significado do que acontecia com a condição da classe proletária em São Paulo, é deixar emergir um novo campo de análise desses sujeitos. Longe de copiar modelos, mas novas formas de reelaborar, do como as experiências no cotidiano de diversos sujeitos vão sendo forjadas num universo de disputas, conflitos e tensões.

Nesse caminhar, E.P Thompson no livro “A miséria da teoria ou um planetário de erros”, me fez refletir para esse repensar de nossas investigações, pois, podemos “… fazer novas perguntas a evidencia histórica, ou pode trazer à luz novos níveis de evidência. Nesse sentido, a “história” ( quando examinada como produto da investigação histórica) se modificará, e deve modificar-se, com as preocupações de cada geração ou, pode acontecer de cada sexo, cada nação, cada classe social. Mas isso não significa absolutamente que os próprios acontecimentos passados se modifiquem a cada investigador, ou que a evidência seja indeterminada.”[5]

Outro texto que me fez refletir no papel que desempenhamos a esses sujeitos e a forma como os analisamos foi o de Raymond Willians, “Dominante, Residual e Emergente”, onde o autor chama a atenção para a nossa percepção aos resíduos que vão permanecendo na vida dos sujeitos e o que vai emergindo.

“Por “residual” quero dizer alguma coisa diferente do “arcaico” embora na prática seja difícil, distingui-los. Qualquer cultura inclui elementos disponíveis do seu passado, mas seu lugar no processo cultural contemporâneo é profundamente variável”, e sobre emergente, “… entendo primeiro que novos significados e valores, novas praticas, novas relações estão sendo continuamente criados.”[6]

Na dinâmica da vida de sujeitos, novas práticas vão emergindo. Porém, pode permanecer resíduos que foram formados no passado e novos elementos podem ser trazidos para o presente. Os sujeitos vivem relações dinâmicas, que vão sendo forjadas no dia-a-dia de suas vidas, novos significados, elementos podem ser constituídos no seu caminhar.

Ao trabalhar com trajetórias e vivências de moradores do bairro Alto da Colina tive de “lidar” com lembranças de sujeitos nos trajetos de suas vidas. Para desenvolver minha abordagem sobre os elementos e evidências trazidas no desenrolar da pesquisa, o diálogo com esses autores foi fundamental, além das discussões feitas em sala de aula durante o período do mestrado.

As discussões teóricas, os diálogos com as fontes, as trocas de experiências entre os colegas do mestrado e a clareza dos professores ao mostrar os caminhos possíveis a serem trilhados, além da paciência, é que se tornaram possíveis às descobertas e possibilidades de concretizar a pesquisa proposta.

Outro aprendizado que me foi muito rico é o fato de poder ter trabalhado com sujeitos, isso me trouxe uma experiência muito grande. Foi a oportunidade de trabalhar com sentimentos, vidas que contém expectativas, elaboram projetos, vivências. Nos dizeres de PORTELLI, a entrevista “… é uma troca entre dois sujeitos: literalmente uma visão mútua”.[7]

E é no diálogo com esses sujeitos que se torna possível compreender as experiências que foram sendo travadas nas suas vidas. É dessa forma que considero possível reconstituir o processo histórico de homens e mulheres no seu ir e vir. Entre o morar, andar de ônibus, permanecer sobre filas, madrugadas na noite em direção ao trabalho, tropeçar em botequins, buscar sonhos é que trafegam sujeitos na busca de seu espaço. É através de depoimentos desses indivíduos que se buscou resgatar as diversas experiências compartilhadas na vida urbana e os elementos que vão emergindo no dia-a-dia.

Nas falas dos moradores poder desvendar uma cidade, caminhar por todos os seus poros ofegantes nas busca de imprimirem suas marcas, seus rastros tão conflituosos e densos nessa vida urbana.

Diante desses trajetos, a opção pelo trabalho com fontes orais é que se mostrou um material rico em desvendar as experiências vivenciadas dos moradores do Alto da Colina na sua luta pelo espaço urbano.

Para o desenvolvimento deste trabalho foram feitas entrevistas com os moradores do bairro Alto da Colina, Morada do Sol, Jardim Esperança, Novo Horizonte, Nova Floresta e Jardim Aquarius.

Além dos jornais que estão arquivados na biblioteca do Centro Universitário de Patos de Minas, UNIPAM, outros documentos também foram utilizados como os dados do IBGE e mapas da cidade.

Os jornais pesquisados abriram possibilidades de reconstituir os dramas vividos pelos moradores da Vila Operária, Nossa Senhora da Aparecida e o mais importante, como a sociedade patense em um determinado momento se sensibiliza para os dramas vividos por moradores que estavam em áreas de riscos. Cuja sensibilidade foi nada mais que o reflexo dessas tensões

Busquei as trajetórias de moradores, suas vivências e tensões de como se articulavam nesse desmembrar da vida. Na luta cotidiana de garantir sua sobrevivência em um meio hostil, onde campos opostos vivem momentos de tensões, o fazer-se da cidade vai sendo configurado, contaminado, constituído na vida de homens e mulheres nos seus descaminhos urbanos.

Nas entrevistas realizadas sempre procurei fazer algumas perguntas já elaboradas, outras foram acontecendo no percurso das entrevistas. Mas, sempre perguntava aos meus entrevistados um pouquinho sobre suas trajetórias, a infância, adolescência, os sonhos, as frustrações, os novos projetos e expectativas. A vida desses moradores não começou no bairro Alto da Colina e alguns, quando mudaram, ainda não era um bairro já formado. Mas, ruas cobertas de terra, sem transporte, energia elétrica, eram o começo de uma nova luta. E essas lutas e tensões não cessam, esses sujeitos vivem expectativas, frustrações. E nesse caminhar as entrevistas e minhas análises me fizeram trabalhar em três capítulos.

No primeiro capitulo busquei recuperar as trajetórias e as vivências desses sujeitos. As expectativas que foram sendo criadas no universo urbano em meio a conflitos, dilemas múltiplos, os anseios desses indivíduos. A cidade é muito mais que escolas, hospitais, comércio, bancos, bailes, são sonhos, projetos, expectativas, lutas travadas cotidianamente.
No segundo capítulo, trabalhei os desafios que esses sujeitos são atormentados. A luta na busca de pertencimento numa cidade que não lhes abriga, mas, afugenta, domina, explora, maltrata por suas veias nocivas, homens e mulheres em suas expectativas. Como esses sujeitos vão imprimindo suas marcas, seus rastros nesse universo urbano.

No terceiro capítulo, as frustrações, a cidade não suplanta todos os sonhos, mas novos projetos vão emergindo junto com novas lutas. Novos significados vão sendo forjados no meio urbano. Alguns ainda acreditam nessa cidade, outros restaram o sonho da volta para o campo ou a procura por outras cidades, alguns esperam que os filhos possam realizar aquilo que não conseguiram. Novos significados, expectativas, sonhos vão emergindo na vida desses moradores.

Sobram as lutas, as experiências, o saldo do vivido, do permitido. Os lamentos urbanos, os gritos abafados, os muros a sufocarem esses indivíduos e nos portões a esperança, os olhares do bairro para o cerrado e ver o sol se pôr sem porteiras. No corpo, as marcas, as novas feridas, o surgimento de novas vidas, novos atores, novos lamentos. Na cidade as caminhadas nas faixas apagadas. Como companhia, as dores, as “ferroadas” dos descasos. Em algumas ruas a união, as brigas, as derrotas e as vitórias que sujeitos travam por suas vidas nos asfaltos urbanos.

Nas entrevistas, as frases finais sussurravam esperanças, novamente essa sombra a acompanhar esses sujeitos, pelas avenidas, nesse universo urbano, nesse palco desigual, nessa atmosfera, sonhos.

Capítulo I

Expectativas e dilemas na busca do espaço urbano: a cidade como palco das ilusões e anseios de indivíduos em suas trajetórias.

Patos de Minas é uma cidade que vive do seu comércio local, da agropecuária, sem grandes indústrias. Porém, é uma cidade bonita, cheia de praças, a entrada de acesso à cidade é muito suntuosa e conduz seus visitantes diretamente ao centro E se os seus visitantes não percorrerem aos pontos mais distantes, dificilmente irão ver as moradias precárias e indivíduos vivendo em tormentos, dificuldades, alagamentos. Para poderem perceber essa dualidade terão que percorrer os pontos distantes, longe das avenidas suntuosas, das praças enfeitadas e com seus casais de namorados. Mas a cidade que se apresenta não é a realidade existente nos seus poros distantes.

Porém, essa cidade apresentada na sua suntuosidade, nas propagandas oficiais de certa forma,  atrai, encanta homens e mulheres.

De que forma essa cidade atrai, fascina, faz com que sujeitos sonhem, almejem percorrer suas ruas? O que levam homens a trafegarem por suas avenidas? A terem que sujeitar ou disputar com um mundo de letrados?  A buscarem suplantar expectativas?

O que esses sujeitos esperam dessa cidade? Apesar dessa cidade não ter grandes indústrias, viver  do comércio local e da agropecuária, porém, suas ruas não têm parado de crescer. A cada dia homens e mulheres vem habitar os seus espaços. Mas, para muitos indivíduos irão restar apenas os becos, as ribanceiras do rio, as ruas cheias de matos. Os sonhos não vão ser tão doces ou confortáveis, mas de concreto, sem luz elétrica, como vizinho o rio ou o abandono.

“Mais conhecida como a “Capital do Milho”, Patos de Minas, situada na mesorregião do Triângulo Mineiro a Alto Paranaíba nomeia a micro região de Patos de Minas, constituída por dez municípios, segundo pesquisa do IBGE (1996).

Quanto aos recursos fluviais, o município é cortado por vários cursos de água, havendo inúmeras lagoas naturais, além de nascentes espalhadas por todo o território com água de ótima qualidade, o principal rio é o Paranaíba.

A rede rodoviária de Patos de Minas é cortada pelas rodovias federais BR 354, pela BR 365 e pelas rodovias estaduais MGT-354 e MG-410 e ainda as BRs 265, 040 e 146.

Patos de Minas não desenvolveu o transporte ferroviário, o mais próximo é feito através da RFFSA, a 70 Km da cidade, no município de Patrocínio. Vale ser ressaltado que há no município vizinho grandes construções abandonadas que seriam utilizadas por uma rede ferroviária que não chegou a ser instalada, hoje estes monumentos estão enfeitando os campos afora servindo de “pinguelas” para os moradores ou  moradia para morcegos no caso de bueiros

Quanto à agricultura destacam-se os produtos: milho, feijão, arroz, café e sorgo. A criação de gado vem se desenvolvendo ao longo dos anos devido às condições climáticas favoráveis que a cidade oferece. Além da pecuária também se destaca a suinocultura e avicultura, sendo a primeira uma grande fonte de pesquisa genética, que traz desenvolvimento para a cidade, tendo em vista as granjas que servem de modelo para todo o Brasil.

Um grande exemplo de produtor rural é Décio Bruxel, que em suas muitas fazendas, produz soja, café, milho, feijão e tomate. Só de milho, são três mil hectares, a soja também ocupa uma área do mesmo porte. Nessas áreas a produtividade média é superior a 1,7 mil quilos por hectare, contra 2.460 quilos em media dos soficultores americanos. Em 2000 este mesmo produtor conseguiu 20 mil sacas para exportação numa área de 750 hectares. Cabe ressaltar também que em Patos de Minas e seus arredores, enquanto uma das maiores regiões produtoras de milho do País, concentram-se 70% das empresas de melhoramento genético de suínos do país, tais como Dan Bred, a belga Segheres e Agroceres PIC.”[8]

O artigo da Revista Exame de novembro de 2001, p.48, da autora Nely Caixeta, registra que Patos de Minas ficou num lugar de destaque ao ser citada dentre outras regiões em que melhor se desenvolve a agropecuária atualmente. Como se percebe, a região de Patos de Minas contém grande produtores rurais e que produzem em larga escala, mas deve ser observado que há na região um grande número de pequenos e médios produtores.

Mesmo sem grandes indústrias, essa cidade atrai esses sujeitos, a maioria dos  entrevistados vieram de regiões próximas a Patos de Minas, outros das proximidades do rio. A D.Eva moradora do bairro Alto da Colina, veio de uma fazenda do município de Patos de Minas. Trabalhou a vida inteira na zona rural, sonhava em vir para a cidade, porém, tinha medo de passar fome. Mas, a vontade foi muito maior, achava que com sua vontade de trabalhar, sua disposição para o trabalho era possível sobreviver na barriga urbana. Veio, lutou. Foram anos de luta até conseguir seu espaço. Na entrevista realizada em sua casa D. Eva fez questão de  mostrar os cômodos que conseguiu aumentar em sua casa devido ao seu trabalho e com suas economias.

Depois  mostrou cada móvel comprado e o valor de cada um e como os adquiriu. Ao encerrar a entrevista foi  mostrando os seus projetos futuros, havia dois sacos de cimentos já comprados. Devido à quantidade de caruncho que caía, esperava poder construir a laje em sua casa. Outro sonho que ficou muito visível foi a esperança que a filha mais nova terminasse os estudos já que os  mais velhos não prosseguiram.

Foram tantos outros sujeitos iguais a D. Eva que minha pesquisa foi se deparando, conhecendo, permitindo a análise. Neste capítulo, estarei abordando a trajetória desses sujeitos até a construção do bairro Alto da Colina. Alguns entrevistados vieram da zona rural, de outra cidade, outros bairros de Patos de Minas e a maioria do bairro São José Operário (Vila Operária) e Nossa Senhora da Aparecida. Serão vários anos vivendo constantemente desabrigados até conseguirem o seu tão sonhado espaço nessa cidade, a casa própria, a garantia de pelo menos uma casa para deixar para os filhos, já que o desemprego assombra constantemente e os estudos poucos prosseguiram.

Construído num passado de inundações, o bairro Alto da Colina abriga esses sujeitos provenientes das áreas de risco.

 “Pro ce vê, na época de enchente mesmo minha mãe tinha que leva nóis todo mundo porque, nóis ia mesmo pros lado daquele campo, busca coquinho, nóis se virava cada um, mas, vizinho não, nóis nunca teve amigo de lá, lembro de muitas pessoas de lá que também ta aqui, a gente lembra. Todo mundo próximo né.”[9]

A D. Lucelena lembra bem essa época de inundações apesar de criança nesse período, porém, a lembrança ainda está muito presente. Além de alguns vizinhos de hoje terem sido companheiros das dificuldades originadas na década de 80, o que deixa ainda mais viva a memória em relação ao tempo das inundações, mesmo de estarem nos dias atuais, morando longe das margens do rio. Porém, essa “transferência”, começou a acontecer depois de muitas inundações, lutas de moradores, reivindicações até que a sociedade patense começa a se “sensibilizar”, os jornais começam a divulgar artigos e fotos mostrando a realidade vivida por esses moradores. Após dias de chuvas era comum as pessoas irem olhar o rio, o seu transbordamento e as casas afetadas pelas inundações. E, então, começa a ser frequentes as matérias nos jornais.

“Pelo Decreto Municipal 632/84 foi desapropriada área 3,5 hectares próximas aos Bairros Nova Floresta e Novo Horizonte mediante pagamento à vista de Cr$6.000.000,00 ( seis milhões de cruzeiros ) dia 16 de janeiro último

Área se destina após a aprovação pela Câmara Municipal, à doação e ou permuta com os flagelados da Vila Operária, para a construção de residências dotadas de toda infra-estrutura (esgoto, água, luz) e a consequente transferência do pessoal PREVIAMENTE selecionado pela Comissão Municipal de Defesa Civil Comdec.”[10]

O artigo de 26 de janeiro de 1984 chama a atenção pelo enfoque dado ao papel dos órgãos responsáveis em resolver a questão dos flagelados, no empenho em transferi-los. Mas, os artigos não vão parar, serão notas constantes apresentadas nos jornais locais durante todo o ano. De início, era apenas o jornal do setor da Igreja Católica, o “Folha Diocesana”, que estava focalizando a questão social. O jornal a Folha Diocesana veiculava em suas páginas, notícias dos problemas enfrentados pelos moradores da parte baixa da Vila Operária devido às inundações. Depois, outros jornais patenses vieram a acompanhar as questões sociais vivenciadas nesta cidade “aparentemente” tão “isenta” de problemas sociais.

Os artigos iniciais nos jornais vão focalizar o papel do poder público e o seu empenho em sanar os problemas existentes. Depois, começam a aparecer artigos convocando a população patense a ajudar as vítimas das inundações. Até mesmo os jornais mostram trajetórias em seus discursos, alguns momentos visualizam a dedicação das autoridades, outros as dificuldades de moradores e alguns começam a conclamar a sociedade a prestar ajuda. São momentos distintos que vão sendo emaranhados nesse período.

“Aconteceu no último dia 13 às 20:00 horas no salão social “Américo Elias Tompa” da Loja Maçônica “Amor e Justiça 3”em Patos de Minas, uma importante reunião com representantes do conselho Patense de Defesa da Comunidade e Comissão Municipal de Defesa Civil.

Reunião teve como objetivo básico, discutir a viabilização do projeto de construção 50 casas, no bairro “Jardim Aquariús”, a serem destinadas aos moradores da “Vila Operária”, cujas residências estão situadas em locais críticos, sempre alcançadas pelas enchentes do Rio Paranaíba. O problema já alcançou uma dimensão bastante séria, com graves reflexos sociais, merecendo das autoridades municipais e de toda a comunidade patense, na pessoa do Prefeito Arlindo Porto Neto, encabeçou a iniciativa, visando sanar de vez o problema que a cada ano se apresenta por ocasião das enchentes do Rio Paranaíba. Adquiriu o terreno, encarregou-se da infraestrutura, comprometeu-se em colaborar doando cascalho e areia, bem como a mão-de-obra pesada e o transporte dos materiais através de seus caminhões. A comunidade representada pelas entidades de classe e clubes de serviços entrou na luta, e as soluções vão se delineando a partir de discussões sérias e objetivas como a do último dia 13.

Várias sugestões foram apresentadas, foram constituídas comissões de trabalho e o projeto deverá passar do papel para o concreto no mais curto espaço de tempo possível antes de chegarem novas enchentes (…) há uma proposta de envolvimento maior de toda a comunidade de construção e também de dinheiro. Foi aberta no Banco real-agência de Patos de Minas, uma conta para receber doações em dinheiro, em nome do Condec, com o n 1022-8000 onde quem quiser colaborar com esta importante obra de cunho reconhecidamente social e humanitária, poderá depositar sua contribuição. A participação da comunidade é muito importante.”[11]

Contas bancárias são criadas para receberem doações da população. Propostas são elaboradas e a preocupação de novas enchentes, novos alagados começam a preocupar a população patense. A questão da moradia, da sobrevivência, da dignidade humana é colocada como uma importante obra humanitária. Campanhas começam a ser feitas e divulgadas, a imprensa começa a expor e enfocar os clamores da população. A aparente solução dos problemas desses sujeitos é colocada como uma grande sensibilidade do Sr. prefeito que se comprometeu com a ajuda de alguns itens para a construção das casas. Depois algumas instituições também vão se comprometer a ajudar essa cidade que se vê ameaçada em sua ordem, em seu progresso, nas suas tranquilas e pacatas ruas aparentemente tão exímia de problemas.

As inundações maculam essa imagem de cidade “ordeira” onde o “progresso não para”, com sua “gente simples e hospitaleira”. As autoridades não podem deixar essas feridas abertas que se veem inflamadas a cada ano no recomeço de chuvas os alagamentos, os desabrigados dessa cidade ordeira, que caminha para o progresso.

“A comdec-Comissão Municipal de Defesa Civil, está agilizando a campanha para a construção de 50 casas destinadas aos moradores da “Vila Operária”, cujas moradias são alcançadas constantemente pelas enchentes do Rio Paranaíba (…)

Ficou definido que a União dos Estudantes Patenses-UEP- organizará uma gincana, com o apoio dos Lions Giovanini e Rotary Clube, visando arrecadar materiais de construção destinados à primeira fase das obras.”[12]

Devido às inundações, uma área específica foi criada para a transferência desses sujeitos que vivem submersos alguns períodos do ano tendo como luta a afronta do rio, da vida, do desemprego, do estigma da pobreza que vão sendo criados ao longo de suas vidas. Problemas esses que não cessam, mas, vão sendo mesclados nas suas trajetórias, em suas transferências, nos seus cotidianos. Os meses vão passando e as notícias nos jornais não cessam, começa a mobilização da sociedade para participarem na solução desse problema social. Problemas este de caráter responsável dos órgãos públicos.

“A COMDEC está empenhada na construção de 52 casas no bairro Jardim Aquariús destinadas as famílias residentes na área alagável  da nossa Vila Operária. Todos os anos, por ocasião das enchentes, várias casas daquele bairro operário são alcançadas pelas águas barrentas do nosso rio Paranaíba, repetindo-se um drama que já se estende há tempos (…) O trabalho é árduo oneroso e necessita de apoio de toda a comunidade.”[13]

O comprometimento das obras e sua viabilização prosseguem e, além da preocupação de que outros indivíduos futuramente poderão estar vivendo novamente em situação de risco, levam as autoridades responsáveis a construírem uma área de lazer nos locais mais afetados. Isso tendo como preocupação o cuidado de não ter de disponibilizar recursos futuros para novos sujeitos que poderão estar vivendo novamente sobre o risco de novas enchentes.

A questão da moradia não cessa, outros indivíduos irão emergir para essa cena. Novas áreas serão destinadas para esses sujeitos que se espremem no dia-a-dia na busca de trabalho, de sobrevivência, de moradia. Pensando em amenizar a questão da moradia em Patos de Minas, começa o projeto Pró-Habitação e a construção do bairro Alto da Colina, vizinho ao Jardim Aquarius. E a maioria dos moradores inicial que vão habituando no bairro  Alto da Colina, veio das proximidades do rio Paranaíba. Na década de 90, ocorreram duas grandes inundações. Além de indivíduos alagados, outros sujeitos iram compor esse momento de construção do bairro Colina. Em um primeiro momento, os moradores que viviam em situação de risco ganharam lotes localizados próximos ao bairro Jardim Aquarius, hoje denominado Alto da Colina. Alguns moradores aproveitaram o material de suas casas demolidas próximo ao rio e construíram no Alto da Colina. Outros sujeitos vão ganhar o material da prefeitura e através de mutirão, construíram suas casas. Em outro momento foram “doadas” casas já prontas para outros indivíduos.

“Aqui ainda não tinha o Jardim Esperança, o Morada do Sol, nem aqui pra baixo, aqui do posto policial num tinha. Aqui o prefeito ele deu  e o material também, a gente só construiu. Ele deu só o lote e o material. Só tinha  a rua de lá, as paineiras, jatobá, cedro, dos pinheiros e jacarandá, só isso, num tinha mais nada aqui, num tinha mais nada aqui, nem escola, mais nada(…)[14]

Não tinha “mais nada”, nada, a cidade é amarga, a luta árdua, a vida da D. Lucelena foi uma trajetória de poucas esperanças. Mas, a luta não cessa, o presente também tem sido árduo, o seu caminho até se estabelecer no bairro Alto da Colina foi um trajeto pesado, conflituoso, da Vila para a Casa das Meninas, uma instituição que ainda hoje abriga meninas abandonas ou em situação de risco em Patos de Minas. Vive da ajuda da comunidade e de setores privados. Para sujeitos como a D. Lucelena, e sua irmã que mora na casa do fundo, no mesmo lote, resta a esperança de que essa cidade ainda lhes possa proporcionar dignidade no viver, poder criar projetos, apesar dos sonhos estarem cada vez mais ausentes.

“Nóis morava no Vila Operária, nossa casa  era lá, mas nóis ficava na casa das meninas, a gente conheceu muito pouco lá de baixo. Foi, foi por causa das enchente, nóis moro lá, nóis morava bem debaixo do morro, então, onde é o campo nóis era muito pequena, nóis brincava na água do rio, então, por isso que nossa mãe coloco na casa das meninas. E a casa lá racho, a água subiu demais lá onde nóis morava, e racho as parede todinha, e fico sem segurança, nenhuma.”[15]

O campo a que se refere a D. Lucelena foi construído depois da transferência de vários moradores que viviam em risco. O bairro Vila Operária é um bairro de difícil acesso, tendo a parte alta e a parte baixa, palco das inundações.

Esses sujeitos vão viver anos em situação de risco, de afronta do rio. Foi necessário, no caso da D. Lucelena, ter sido encaminhada para uma instituição que abriga meninas abandonadas em Patos de Minas, a Casa das Meninas. E depois de tanta luta é que vai conseguir uma moradia com menos risco.

Mas nem por isso a luta cessa, a cidade abriga carnes tensas. Os sujeitos vivem momentos de tensões, medo do desemprego, das águas do rio, do alcoolismo, das drogas cada vez mais comum nas ruas, nas escolas. A cidade abriga um universo tenso de trajetos conflituosos, ruas dolorosas. Já para as autoridades ficam as precauções, tampam-se novos corpos criando barreiras. Na “descoberta” de um caminho que facilite a pressão por moradias, as autoridades constroem um campo de futebol todo murado. Isso impede os sujeitos de erguerem novas casas. A cidadania é abafada em cimentos. Restam para esses personagens novas lutas, novos caminhos.

“Minha mãe coloca nóis na casa das meninas nóis era pititinha, nóis fico até os nove.. Agora minha mãe fico lá  dezoito anos. Ela moro.

Lá na vila operária? Não. A gente conheceu bastante gente, mas, assim, um bairro de pessoas assim, acho que naquela época era muito cheio, um bairro, muito violento, nóis tinha muito medo. Nóis era muito pequenininho, pro ce vê , teve uma época que nóis deu crise de verme, nóis ficava sozinho, minha mãe trabalhava. Nóis passava é, na beira do rio, só a minha mãe trabalhano, cinco menino pequeno, nóis passava tanta fome que nóis comia cerraje. Aí veio aquele tal de Zé Mendonça na época, que tinha aquele Zé Mendonça de Morais, que achou nóis lá, que foi deu socorro, ajuda, nóis fico muito tempo fazendo tratamento, nossa …

Tinha vizinho lá, mas era uma coisa assim, se a nossa mãe saísse e deixasse nóis trancado lá, nóis ficava trancada até a nossa mãe chegasse. Nóis que nóis era muito pequenininho, não dava conta de abrir a porta. Aí minha mãe chegava onze horas da noite, aí nóis ia come a hora que a nossa mãe chegava do serviço, por que ai ela trazia comida do serviço pra nóis. Então, vizinho ali a gente conheceu, de vez em quando dava uma olhadinha, porque nóis custumava muito ir pra berada do rio, ai olhava.”[16]

O passado na vida de D. Lucelena foi de fome, de abandono, do medo de novas enchentes, sem pai, apenas a mãe para alimentar os filhos, na falta de vizinhos, amigos.

Para a D. Lucelena e seus irmãos a vida não foi apenas uma trajetória de afronta do rio, mas, da fome, do abandono, dos vermes, da falta de dignidade para se viver. Após a mudança para a casa localizada no Alto da Colina a luta também não cessa. Continua, o rio agora se transforma no desemprego, na ausência da mãe, nos irmãos que vai ter que alimentar.

“Ah, eu já trabalhei em tanta coisa. Tipo assim o que? Trabalhei de doméstica, já mexi em lavoura. Agora nessa época todo mundo ta pra lavoura.”[17]

Patos de Minas “acolhe” muitos trabalhadores provenientes da zona rural, mas essa mesma cidade os leva de volta como boias-frias, são caminhos dolorosos. Na época de colheita é comum ver ônibus, caminhões transportando os trabalhadores com suas roupas típicas, na mão a marmita. No coração o sonho que a cidade ainda possa realizar, e então a permanência. Restam os filhos e a esperança que terminem os estudos. Como os filhos de D. Carmem, ao perguntar sobre o seu sonho, disse que ao menos os filhos terminassem o ensino médio e arrumassem um emprego bom. Essa cidade acaba iludindo esses sujeitos, camufla, cria esperanças, sonhos. Os sujeitos transportam projetos, expectativas, e assim vão vivendo, se contorcendo no meio urbano. A cada entrevista me sentia triste, pois sabia que poucos irão conseguir realizar seus sonhos, seus projetos. Alguns dos entrevistados eram pais de alunos meus. Ao falarem no sonho dos filhos prosseguirem os estudos, lembrava de seus filhos em sala de aula, já estão no ensino fundamental e mal sabem ler, interpretar, é um mundo desigual.

Os entrevistados, a maioria tinham apenas o primário, daí o sonho que os filhos possam ao menos terminar o ensino médio. E nesse caminhar, a luta em deixar pelo menos a casa própria para os filhos, também isso significa a sua marca nessa cidade, nesse universo de asfalto e tensões.

Esses sujeitos vão ter trajetórias difíceis. A D. Lucelena teve que ir para a lavoura ainda adolescente para cuidar dos irmãos, o trabalho pesado e ao mesmo tempo também demonstra o trabalho da maioria de seus vizinhos, o da lavoura. Não que seja o único, mas, o trabalho predominante que emprega a maioria de meus entrevistados são de empregadas domésticas, boias-frias, pedreiros, donas de casas e tem também aqueles que se encontram desempregados. A D. Lucelena está afastada do trabalho por problemas de saúde, osteoporose tendo apenas vinte e cinco anos, sua vida tem sido difícil, conflituosa.

“Ia nóis três, pra cuida do menino. Não, só com café não, tomate, eles falam pimentão, mas num é pimentão não, é aquês pimenta ardida, dedo de moça, aquelas pimenta vermelha grandona, ês fala que é pimenta de dedo de moça, aqui na gente assim arde tudo, que era o único serviço que a gente sabia faze pra sobreviver era esse de lavoura, porque lá tanto faz, sê trabalha um pouco cê ganha, cê trabalha muito sê ganha.

Aí, então juntava por exemplo, eu a Regina ia panhano a Carla ia incaxetano, aquilo ali, dava no fim do dia era umas duzentas caixa de tomate, então, tinha uma comissão, né. E então, tudo que nos ganhava na semana era de comer, é, aí depois num faiz foi como se diz, num melhoro não feiz foi piorar. Regina descobriu a deficiência do menino dela, aí ela paro de trabalha. Aí eu também já conheci o  Vantuir, ai depois eu também comecei a mexe de doméstica. Aí eu comecei a passar mal no serviço, aí eu trabalhava de carteira assinada, pro Zé Roberto, eu comecei a trabalha pra ele, ai eu passei mal dentro da casa dele, ai ele foi quando me levo pro médico. Não, fiquei encostada  muito tempo, aí o médico pego, me chamo, eu já tinha saído daqui e ido pra Brasília pra continuar o tratamento lá, porque tava secano o braço. Aí, já tinha passano  para o outro, já tava atacano minhas costas, nossa eu num tava, eu já não tava aguentano, aí eu fui pra lá.”[18]

Esses sujeitos vão exercer funções diversas nessa cidade Para a D. Lucelena restou apenas o trabalho na lavoura, era preciso alimentar os irmãos após a morte de sua mãe. Era preciso sobreviver na barriga urbana, fazendo a única coisa em que sabiam fazer, a lavoura, a colheita do tomate, sol a sol a lhes corroer. E neste trabalho era necessária a ajuda dos irmãos..

Além dos problemas vividos no dia-a-dia dos moradores do Alto da Colina, também vão surgindo os preconceitos, as manchas da pobreza e o que esta acarreta. A entrevista realizada com o morador do bairro Nova Floresta, vizinho ao Alto da Colina, delineia bem como vão sendo criados esses estigmas da pobreza na vida desses sujeitos.

O jovem artesão Luis Carlos de Barcelos ao mesmo tempo em que mostra esses preconceitos, também revela um pouco de como eram os anos iniciais da vida dos moradores do bairro Colina.

Para Luis Carlos as moradias das pessoas da beira do “fundão” eram como casinhas de pombo, com fazendas cercando esses sujeitos, era um bairro ainda sendo construído na luta de seus moradores, em suas trajetórias conflituosas. E hoje os problemas não são mais os alagamentos, mas “a droga que roda a meninada”, e o preconceito também. Preconceitos esses que foram sendo construídos em meio às essas trajetórias de inundações, transferências, de morar agora localizados longe do centro da cidade.

“O bairro que eu  lembro de ter começado assim, foi o colina, na época era difícil porque era o povo  lá do fundão, da beira do rio, a maioria das pessoas que mudo  pro colina era lá, por causa das enchentes, aí começo a construir as casinhas de pombo ali no colina(…)

O Jardim Aquaruús já existia, na época que ês féis o colina, mas era uma coisa pequenininha, só tinha tipo um quadrado, ai, do Jardim Aquarius começo a surgir o colina, ai era só  fazenda. Lugar das aventuras. Levar carrero. Tinha um lugar chamado catinguento, sabe, era uma fazenda que tinha lá, cheio de pé de coqueiro, pé de manga, e represa, hoje em dia acabo com tudo. Mas, o povo ia lá e os fazendero num dexava não, sabe. Era chumbo que só nas costas. Também nessa época gostava muito de brinca no mato. Sair no meio do mato. E polícia ladrão. Na época também o bom de tudo é que era muita gente sabe, tipo vinte menino, você olhava pra todo lado tinha gente brincando.”[19]

Quando começam as transferências de sujeitos das áreas de risco ou de outros pontos da cidade, os estigmas da pobreza não ficam para trás, mas acompanham a vida dessas pessoas em suas trajetórias. O beco da Antena que antes era considerado um local precário, de diversos problemas já não se torna tão comentado. O bairro Alto da Colina já, desde o seu inicio, começa a concentrar os olhares da população patense. Para compreender melhor esses olhares foi necessário buscar outras falas, ouvir outros moradores dos bairros vizinhos.

Desde o surgimento do bairro Alto da Colina os sujeitos trazem em si as marcas da pobreza, sempre as mesmas referências “o povo lá do de baixo”, como se referiu a D. Lucelena e depois Luis Carlos, o “povo lá do fundão”, e tantos outros. Como se fosse aquilo que se tem de pior, que está lá embaixo, no nada, diante do descaso, que não “compartilham” com a cidade os favos do progresso, mas, como se fossem os empecilhos, algo que precisa ser combatido, e então, o desdém, o desvio de olhares, de verbas, de minguados recursos. Daí a falta de cursos oferecidos no Caic, sem outras instituições a lhes servir, apenas descasos.

Na entrevista realizada com o morador do Nova Floresta o Sr. Mozart Marquês Gontijo, representante comercial que se mudou para o bairro no final da década de 80, é possível perceber que ele delineia bem essa visão de preconceito em relação aos moradores do bairro Colina.

“Olha essas pessoas são muito inferiores em cultura, cê… entendeu, são pessoas que eram…. de nível , muito, muitos vieram lá de baixo do rio. Tem pessoal que moro, a maioria foram, foi mais… Hoje melhorou, agora, mais….A maioria foi vendeno o direito, desfazeno, ai vieram outras pessoas ai foi melhorano, melhorano”[20]

As manchas não se apagam. Ao contrário, vão surgindo novas, acrescentando novos olhares, ficaram as marcas da beira do rio, do fundão, qualquer violência cometida no bairro leva as pessoas a puxarem um passado de inundações. Esses olhares não se apagam. Novas manchas vão surgindo, novos preconceitos, novos dilemas.

O passado, as trajetórias de inundações refletem no presente. Ser morador do bairro Alto da Colina é puxar um passado de dificuldades, de alagamentos, de sobrevivências. Mas, as dificuldades do passado vão se misturando, mesclando com problemas do presente. Agora os problemas são a falta de emprego, da violência, de novos dilemas, na busca de novas expectativas que vão surgindo dia após dia.

Os problemas enfrentados por esses moradores são muitos, a maioria veio de trajetórias conflituosas, com sonhos  ainda não conquistados como a Sra. Eva, de querer que, pelo menos a filha mais nova termine os estudos já que os mais velhos não prosseguiram.

A trajetória da D. Eva vai ser diferente dos demais moradores. Ela vai mudar para o Alto da Colina depois de alguns anos após os primeiros moradores construírem suas casas em regime de mutirão. Proveniente do meio rural, município próximo a Patos de Minas, a D. Eva sempre quis ter se mudado para Patos de Minas na busca de trabalho, de uma vida mais digna. Trabalhava no campo sem salário, apenas recebia alimento e a casa para se abrigar, mas, o medo de vir para cidade e os filhos passarem fome foi o motivo da demora da mudança. A cidade apresentava para a D. Eva muito mais que tráfego, comércio, hospitais, significava o  lugar onde conseguiria realizar os seus anseios, com o seu trabalho ela achava que conseguiria obter êxito na vida urbana.

Pensando nestas possibilidades, a D. Eva mudou-se na década de 80, foi exercendo o trabalho que já praticava no meio rural que conseguiu sobreviver na barriga urbana, mudando sempre de um bairro para outro, foi se espremendo, esticando. Quando saíram as inscrições na prefeitura para a população carente de Patos de Minas obter um lote localizado no bairro Alto da Colina, a D. Eva fez sua inscrição.  De início, não conseguiu. Mas, depois nas dificuldades do dia-a-dia ficou sem moradia, insistiu muito na prefeitura até ganhar um lote, onde o dono anterior havia desistido, só assim conseguiu a sua casa própria e com a ajuda dos amigos construiu a casa através de mutirão.

“É tudo de lá mesmo. Não eu ia lá era no tempo da mãe, muito nada, lá de vez em quando. Não arrependi assim porque que quando eu casei, quando num tinha menino era nova né eu num vi já de uma vez. Ajudava uai, ajudava na roça, ajudava ela lavava ropa e num recebia não minha filha. Num deu nada, nem uma casa. Trabalhei dez ano. E ela falo né que eu num podia muda pra cá não porque eu tinha minino eu ia passa fome. Ela não sê vai vê. Pensei, ah. Num arrependo não(…)

Morei ah,… eu casei com 17 ano, eu morei lá mais de dez ano, casei e morei lá uns dez ano depois que eu mudei pra ca. Não Sá, era na roça  só tinha o João a Rosa e a Simone, já tinha . Eu morei lá no Sebastião Amorim, uai lembro ichá, no Jardim Recanto, morei na Vila, depois da vila eu passei pra cá A  vila Padre Alaor.(…)

Ah, na luta mesmo, ia lá na prefeitura pedia, pedia e ês num arrumava nada, ai eu mesmo fui arrumano. O lote foi pruque eu fiz a inscrição né. Foi, foi ganhado. Fiz, depois saiu, depois ês me chamaram, depois eu cheguei lá ês tinha dado pra  outra mulher e eu fiquei sem. Ai que ês resolveram a me dar também. Essa casa a qui já tava na base já sabe(…)

Não quando eu mudei pra cá o bairro já tinha muita gente, já tinha casa mais eu num consiguia não, sabe, eu custei a consegui casa aqui, depois paro de faze. A minha foi a derradera a sair. Esse povo que mora aqui tem mais ano do que eu.(…)

Não Sá, a minha foi que eu tava bem dize já mesmo na rua, sabe. Ai o joazinho feiz multirão e feiz a casa. Não, era pititinho só uma sala um quarto e um banheiro e cozinha(…)”[21]

A cidade de alguma forma atrai, encanta, ilude pessoas como a D. Eva, esses sujeitos têm expectativas. Ao buscarem novos lugares, novos palcos, terão que se desdobrarem na luta por sobrevivência, num mundo de letrados, seja em meio a inundações, desempregos, desqualificações, cantos sem ritmos, sem alimento ou assistência. Assim, esses indivíduos lutam. Uma luta desumana atrás de moradia, de roupas para lavarem, trafegam pela cidade, conhecem-na mais que os homens letrados. A D. Eva desafiou o medo da fome, dos filhos passarem necessidades, da cidade não lhe abrigar. Depois a luta por conquistar a casa própria, sempre tentando, persistindo, indo na prefeitura, pedindo, mesmo diante das dificuldades não desistiu, continuou. Essas pessoas frequentam bares, hospitais, filas, inscrições, sorteios de cestas básicas, uma cultura se prolifera, ramifica, absorvem novos hábitos, criam novos valores, vozes ecoam pelos semáforos, nos classificados, nas igrejas evangélicas, entre matos, lotes que habitam entulhos, humanos sobrevivem.

A D. Eva percorreu todos os poros dessa cidade fazendo faxina, lavando roupas de suas freguesas, lutando por uma casa própria, a vida foi dura, pesada. Ao perguntar como conseguiu a casa própria, a resposta simples e rápida “na luta mesmo”. Restam para esses indivíduos somente lutas? Lutar. Lutar sempre. Ter como recompensa somente a casa própria que nem sempre todos conseguem, apenas uma minoria. Ficam as frustrações dos filhos perdidos, sem vagas nos cursos do Promam (Programa Municipal de Apoio ao Menor). Sem empregos para todo mundo, restam os “bicos”. E nesses percursos tantos outros sujeitos vivendo realidades idênticas a da D. Eva.

Já para a vida da D. Antonieta, ter mudado para Patos de Minas de início foi um erro, pois ela arrependeu muito, disse que até chorou. Com oito filhos para cuidar, no início não foi fácil. Hoje luta para obter a escritura de sua casa. Ganhou o lote no final da década de 80, conseguiu o material da prefeitura e construiu sua casa. Aqui o “ganhar” o lote é obter o financiamento da prefeitura. Pagando pequenas parcelas por mês. Muitos moradores do bairro Colina tiveram suas casas dessa forma, obtendo o lote da prefeitura através de inscrições, havia a seleção dos inscritos e assim parcelava-se o valor do lote. Muito dos entrevistados sempre citavam um amigo ou vizinho que venderam o direito ou perderam suas casas por não terem conseguido continuar pagando as prestações.

D. Antonieta vive com uma filha Brenda de 14 anos e uma neta que ela cuida desde pequena, Ana Claudia, com 15 anos. Os outros filhos se encontram espalhados. Trabalhou de empregada doméstica, hoje trabalha como enfermeira particular, cuida de um senhor idoso Dessa forma consegue manter sua filha e neta. Mora no Alto da Colina, numa casa simples como são as casas de todos os moradores desse local, tem um rosto alegre apesar das rugas que o tempo imprimiu em seu semblante.

Esses sujeitos vão enfrentar trajetórias difíceis, vivendo realidades duras, de concreto, desviando da fome, lutando nesses descaminhos da vida até conseguirem o que para eles, seria ao menos o direito a casa própria.

“Morei em Brasília dezoito anos, primero eu fui pra Goiás depois Porangatu, depois Brasilia, morei dezoito ano lá,  aqui já vai faze dezessete. Ai eu casei ai cabo, aqui eu incerei(…)

Não, eu fui a primeira a morar aqui. Eu vi primeiro antes mesmo de rebocá, então eu vim primeiro. Foi da prefeitura que eu ganhei, nóis pagamo deis ano. Eu num consegui que falta mais ou menos 1000 reais pra pegar a escritura da casa agora. Eu falei pra ês eu paguei dez ano ainda vô te que paga pra pegar esses papel, mais num vô mexe com isso é nunca. Esses deis ano que eu paguei as prestação dessa casa, que foi deis ano né, depois que nóis pagamo deis ano agora pra pega a escritura a gente tem que paga ainda.

Então primero so pra pega os papéis, mexer com o papel eu tenho que leva lá 83 reais, ai pra mim assina eu vô te qui da 380. Ai depois pra mim entrega os papel prontim eu num sei nem quanto eu vô pagar(…)

Eu tive vontade, eu arrependi muito, até chorar eu chorei, porque eu vim pra qui meu Deus. O que eu vô fazê aqui com esse tanto de menino agora (risos). Mas, até quim fim Deus ajudo que cresceu(…)

Teve que paga, teve. Nóis pegamo o lote, ês da os lote e da os material é … pra gente construir. Eu mesmo que furei as valeta eu mais uma menina minha que ta morano em Brasília. Esses dia eu até tava falano nisso quando eu pega essas escritura acho que vô pega e coloca no nome dela, porque ela me ajudo a faze a casa, ela me ajudo a faze tudo mesmo. Porque como diz a Zilda tem a casa dela as filha minha tudo casada  tem as casa dela(…)[22]

Ao pegarem as escrituras, talvez muitos de seus moradores deixarão o bairro.Podem ter conquistado a tão sonhada casa própria, mas, não significa que alcançaram o lugar esperado no corpo desta cidade. Alguns podem permanecer morando no bairro, outros podem procurar novos lugares ou talvez outras cidades como demonstrou a D. Lucelena. As expectativas não cessam, novos anseios emergem na vida dessas pessoas, pois vivem relações dinâmicas. Nada se encontra dado ou acabado nos percursos da vida desses sujeitos.

Mas, no passado a vida foi uma trajetória de lágrimas, cimentos, valetas, filhos, muros imensos levantados no seu dia-a-dia. As lágrimas que rolaram ao ter que conviver com uma cidade que não te queria, na casa os tijolos sobrepostos com seu trabalho na ajuda dos filhos, dos amigos. E no presente a luta para adquirir a escritura de sua casa. Esses sujeitos vivem caminhos difíceis, dilemas difíceis, nesses espaços urbanos vão concretizando suas marcas, seus rastros em meio a dores, medos, choros de crianças, desafetos contínuos  entre muros, vidas duras, sufocadas no desrespeito das autoridades.

Alguns moradores do Alto da Colina ainda hoje lutam pela moradia, mas, agora é pela escritura da casa. Vários dos moradores financiaram suas casas em prestações para serem quitadas de dez a quinze anos. Alguns agora têm que pagar pela escritura. Esse é o caso de D. Antonieta que acha revoltante ter pagado tanto tempo e ainda deve uma quantia que ela considera alta para ter aquilo que, de direito, já lhe pertence.

“… eu paguei dez ano e ainda vô ter que pagar pra pega esses papel”

No mesmo caso também se encontra a D. Lucelna:

“Tinha, tinha água, luz, mas, nós só pagava as prestação da casa na época, né. Nóis pagava prestação pequenininha, que até hoje paga. Num foi bem de graça não, porque até hoje a gente paga. Igual pra eu  e a Regina pegar a escritura daqui, que essa casa não é nossa, né, é a casa do lado de lá na Jatobá. Pra gente conseguir a escritura eu mais a Regina, pra nos pega a escritura da casa de lá nóis tem que paga quinhentos reais. É quita os resto da prestação que quando a minha mãe tava viva ela pago, depois que ela morreu de 94 pra cá ai , ela morreu em 94, fica em 600 reais, aí ela falo não eu vou da 100 pra vocês, ai  ficava por 500,  depois ele ligo na prefeitura e ele falo não eu dô mais 100, mais 100 pra elas, aí agora pra nos sobro 400 reais. E ele, nos tem que paga agora, ai a casa é nossa se não ela não é nossa.

Depois  diz ele, ai sim a casa é nossa, depois disso pago é que ele faz uma procuração e passa a casa pra nós, que agora ela ta no nome da minha mãe, mas tem que colocar no nosso nome que minha mãe faleceu, e aí nois tem que pagar.”[23]

Sujeitos como a D. Lucelana e  D.Antonieta ter a escritura de suas casas representa um valor simbólico muito grande. Significa a conquista do seu espaço nessa cidade que as desafiam a cada dia, são as suas marcas. O que consideram um pedacinho conquistado através de suas lutas e aquilo que poderiam ao menos deixar para seus filhos

Nesta mesma trajetória de dificuldades de luta, encontra-se a D. Elza Basílio. Sua vida teve muitos percalços, vários caminhos, do trabalho ainda criança, na falta da mãe e do pai. Tendo sido criada pelos avós, na adolescência já começa o vício, alcoólatra, hoje se encontra afastada da bebida. Morou nos bairros vizinhos ao Alto da Colina e também neste. Hoje mora no bairro vizinho ao Alto da Colina, o Jardim Esperança. Atualmente trabalha em serviços gerais no Colégio Padre Almir, localizado no bairro Colina. Terminou a 8ª serie do ensino fundamental no ano de 2002.

“Nasci em Belo Horizonte. Ah, morei lá quatro ano, morava ia e voltava. Não minha mãe me abandono muito anos eu tinha quatro anos. Que eu saiba não, aqui em Patos ela não ta. Não, conheço meus irmãos tudo pó lado de meus pais eu conheço, mais ela tem mais duas filhas eu  não conheço.

( Eu queria que a Sra. contasse a sua história até chegar aqui. Que a sua vida não começa aqui no bairro, sua vida começa antes. O que você já trabalhou, sua vida na escola, se já começou a trabalhar desde pequena ou não, se apenas morou em um lugar ou outros e quais.)

Olha, eu comecei a minha vida mesmo que eu lembro foi em Belo Horizonte pra cá pra Patos eu vim com quatro anos, ai eu morava com meus avós lá no bairro do Rosário, no Senhora das Graças vivi até lá, até uns 22 anos. É, com meus avós, assim, eu tinha uns dez ano de doméstica e fora isso eu com quase seis ano eu vindia verdura nas rua. Um dia vendia nas ruas isso até os dez ano.

Mas, isso eu trabalhava mais tinha infância, minha horas vagas era brincar, sabe. Eu fui muito… a minha infância foi muito boa, assim, era muito difícil, rígida, mas ela ensino tudo de bom, tudo de bom. Se nos éramos hoje num é culpa dela não, sabe, ela ensino a gente a ser honesta, trabalhadora… aprender a fazer as coisas.”[24]

A D. Elza enfrentou na vida o abandono dos pais, o trabalho já na infância, os martírios da bebida, a tentativa de conciliar o estudo e o trabalho. Foram fracassos e vitórias, cada dia novas lutas. Percorreu vários locais antes de conseguir seu espaço nessa cidade. Trabalhou na infância vendendo verduras, nas ruas, depois de doméstica, de serviços gerais nos colégios públicos, um ano trabalhou na indústria Cica, depois conseguiu voltar a trabalhar no colégio do bairro Alto da Colina. A luta pela casa própria foi uma trajetória árdua até conseguir realizar seu sonho, nesse período ainda vivia nos vícios da bebida, morando num cômodo localizado no bairro Alto da Colina, com os filhos pequenos. Foram tropeços e vitórias numa vida de trajetos tensos.

Nas entrevistas a D. Elza sempre me falava com grande desenvoltura sobre a época do alcoolismo, quando se internou numa clinica para se recuperar, como era o dia-a-dia no tratamento de sua doença. Porém sempre que eu tentava saber da época que seu pai lhe buscou de volta para Belo Horizonte, havia um certo corte, acabava voltando a falar da vida em Patos de Minas. (Infelizmente nem sempre ouvimos o bom senso e respeitamos os entrevistados, algo lamentável). Por  insistência, a D. Elza contou que, quando voltou para Belo Horizonte estava grávida de seu primeiro filho. O seu pai acolheu depois que seus avós a rejeitaram, mas para ela foi a época mais difícil devido ao pouco acolhimento de sua madrasta, acabou tendo que trabalhar de doméstica, sem dinheiro para comprar roupas, sem autoestima ou dignidade. Nesse caminhar vai morar em Brasília.

“Ah, lá do bairro, né eu fui trabalha lá no bairro caiçaras de doméstica. Lá eu ia da escola, da escola eu voltava pro serviço de novo, depois que ia pra casa. Depois eu adoeci… deixa eu vê, depois meu pai veio e me levo pra BH(…)

Depois eu comecei aqui eu trabalhava eu sei que a fase de criança eu fui muito criança, eu trabalhava mais eu era criança, eu trabalhava mais eu era criança demais. Eu vendia os trem pros outros eu falava quem quer compra um saco de couve, cebolinha e chero verde, eu num sabia que chero verde era  a mesma coisa que cebolinha e salsinha. Então, foi uma infância sofrida, a falta da minha mãe também eu falava assim eu chamava minha tia Elda que hora que a minha mãe vem, amanhã. O amanhã eu to esperando até hoje, ai com o tempo eu me acostumei.”[25]

Foram vários trajetos percorridos durante a vida da D.Elza. Tantos caminhos trabalhados e o peso da ausência da mãe. E como consolo a esperança que o amanhã trouxesse a mãe distante.Logo depois na adolescência, começa um novo trajeto. O  alcoolismo e a luta para sair do vicio.

A cidade trava lutas constantes com esses sujeitos. O medo do amanhã, do acordar sem emprego, que a filha passe pelas mesmas dificuldades, as mesmas lutas, tudo isso faz com que a Sra. Elza caminhe, continue, volte a estudar, a pensar neste amanhã. No passado o sono devido ao excesso de trabalho fez com que abandonasse os estudos, a dureza da avó não deixando que parasse de trabalhar, e neste caminho a falta da mãe, “… o amanhã eu to esperando até hoje”. A vida para esses sujeitos tem sido uma espera, sempre o amanhã que venha  trazer melhores momentos, caminhos mais fáceis, menos dolorosos.

“É a fase de criança para adolescente eu fui muito, mais depois da adolescência pra cá até hoje…

(E você começou a beber você tinha quantos anos?)

Ah, eu tinha uns quinze anos, comecei bem…fiquei bebendo até os vinte e nove ano, eu parei eu parei com vinte e nove. Eu fiquei catorze  ano mais isso ai o que eu num podia tipo assim parece que eu abafava tudo era na bebida ai eu ficava mais triste.  Hoje, hoje eu sô alegre, mas, há  uns seis anos atrás eu era…. eu podia te casado, mas eu falava sempre que num queria casar. Eu falava que eu num queria casar pro meu marido num me bater. Parece que alguma coisa fico na  minha cabeça. Eu pensava assim que todos os homens batia nas mulheres, sabe. Mas isso ai num foi meu defeito maior não, o meu defeito maior foi a falta de aceitação.

Eu falo hoje, eu digo que o meu defeito maior foi a minha fraqueza, sabe, e eu culpava todo mundo. Todo mundo era culpado por eu beber. Mas, o dia que eu descobri que sô responsável por minha felicidade. Ah, eu to infeliz porque o arroz acabo ah, não, vamo da um jeito de trabalha e comprar o arroz, trabalhar, caçar um meio. Depois que eu descobri que não tem ninguém responsável, não existe ninguém responsável pela minha felicidade. E a felicidade é interior num ta no externo(…)

Eu digo assim, quando num tinha uma televisão, geladeira, num tinha nada aqui dentro de casa eu era mais feliz ainda, sabe, porque eu ouvia rádio eu cantava mais que hoje.”[26]

Foram tantas as dificuldades na vida da D. Elza, hoje ela os considera superados. Era o refúgio na bebida, o medo de continuar o sofrimento no casamento, a falta do arroz, dos móveis necessários. A luta cotidianamente, sem tréguas nesses espaços urbanos que escondem, dificultam, porém, emergem sujeitos que se vêem margeados nos desconsolos, na falta de emprego, de moradia tendo como filhos batalhas sem minutos de descanso, sem ombros a lhes confortar, sem comida ou respeito. Esses sujeitos caminham todos os dias, percorrem pelas avenidas, procuram imprimir suas marcas e definir os seu espaço nessa luta urbana.

“Depois que eu comecei a trabalhar eu já tava de maior ai eu estudava, né. Trabaiava o dia inteiro e estudava a noite ai um dia eu cansei de estuda e trabaia, sabe. Tinha veiz que eu saia do serviço cinco e meia pra chega na escola Normal, que eu estudava na escola Normal ai a aula lá na época começava cinco pra seis.

Ai menina eu comecei a baquia, ai lá na escola normal não podia toma duas bomba e eu já tinha tomado duas bomba. Ai eu trabalhava de doméstica comecei a paga um colégio particular era o Kennedy, onde era o Leonardo da Vinci hoje, sabe ai eu tava cansada dimais da conta ai eu perguntei o meu avô se eu podia parar de estudar e parar de trabaiá que eu queria um tempo e ele falo que quem num trabaia num come. (…)

Tinha veiz que eu começava, … eu entrava pra dentro da sala ai os dois primeiro horário eu agüentava ia beleza mais depois eu baxava e dormia o tempo todo, ai parei. Ai fico, isso foi em 83 fiquei e voltei o ano passado fiquei vinte ano parada. Agora isso ai eu acho assim que tudo tem a sua época, tem muita gente que não sabe lutar eu converso muito com minha menina eu falo oh, se você não lutar pra progredir na vida tem muita gente ao invés de progredir tem é regressão e depois você apanha

Ai eu falo quem não quer lutar eu posso ser melhor do que o outro mas se não luta.”[27]

Devido ao excesso de trabalho, D. Elza não conseguiu continuar os estudos. Foram vários os dilemas enfrentados por ela com sobressaltos, falhas, comprometimentos, desfalecimentos nesse trajeto da vida urbana.

As marcas são visíveis, a preocupação com a filha para que essa não cesse sua luta, que continue, progrida, caminhe.

“Eu comecei a trabalha lá no bairro caiçaras, nessa virada, nesses dois anos eu arrumei minha menina mais velha, mas no inicio tava me dano muito problema, problema assim eu fico em pé o dia inteiro e eu inchava demais, sabe. Eu inchava muito e fui pra casa da minha avó pra ela deixa eu mora lá. Antes eu morava na casa da minha patroa.

Trabalhava e morava lá, sabe, ai eu pedi minha avó  pra dexá eu fica lá. Ai foi aonde ela não dexo eu morar sabe. E eu então eu vô pra Belo Horizonte, né, isso eu tava com vinte e três ano.

Ai eu fiquei na casa de meu pai até ganha a menina, mas, quando eu ganhei a menina, mas, lá eu servi como empregada doméstica para deixar eu morar lá. Aqui quando a menina nasceu ela mando eu segui meu caminho. Depois meu tio me chamo ligo pra lá falando que meu outro tio que mora em Brasília tava precisando de gente pra trabaia na imobiliária com ele, ai eu fui era olhar os filhos dele, era três crianças e lá eu penei, eu num tinha ropa eu num tinha calçado eu num tinha nada só menino pra cuida. Ai um dia eu  entreguei e falei não eu não, eu vô cuida  da minha vida, vou voltar pra Patos a minha avó não queria mais, eu vô arrumar um serviço a minha menina na creche e moro nesse serviço até ela pegar certa idade e na creche eu pego só pra dormi. Ai eu vim praminha tinha no Nova Floresta,  morei lá dois ano depois eu vim pro Morada do Sol ai a minha tia quando tava fazeno um ano ela me tiro de lá ai eu fiquei sem casa, sem lugar pra bota as minha coisa e minha filha tava com dois ano.(…)

Eu morei do colina pra cá eu lembro todinho quando eu mudei pra lá (Morada do Sol) ês tava fazeno aquelas casa. Ai eu morei também no colina, depois do Morada do Sol, depois eu voltei pra minha tia no Nova Floresta, depois eu fui morar de aluguel, né .

(Morou aonde de aluguel?)

Lá mesmo no Nova Floresta, morei lá um ano,ai es venderam  casa, lá foi em 93, depois de lá eu voltei pro meu vô depois ês não me quis mais e foi onde eu fiquei sem lugar pra fica, sabe, eu ficava andano eu amanheci na pracinha porque num tinha lugar pra fica, sabe, eu fiquei sem lugar pra fica, sabe, eu ficava andano eu amanheci na pracinha porque num tinha lugar pra eu ir, sabe. Depois eu fui pro colina fiquei seis meses isso foi em 94, depois saiu as inscrições eu tinha feito, ai eu comecei a ir, eu um tava aguentano aonde eu morava,(Colina) o pedacinho onde eu morava era de terra, igual aqui nesse terrero de casa, era cheiro de gotera, goterava tudo dentro de casa a cama na terra, o lençol… tudo cheio de gotera, fedia, fedia cocô lá dentro que tinha uma casa lá, o esgoto passava por dentro. Ai morei lá seis méis que num tinha outro lugar pra morar.

Quando eu trabalhava no Padre Almir (colégio localizado no bairro Colina), que eu comecei a ir no Jarbas Cambraia, todo dia eu ia lá, ai a Marlene Caixeta que era diretora no Padre Almir, que eu comecei lá em 93, ai eu comecei a ir no Jarbas Cambraia, todo dia eu ia lá, ai a Marlene Caixeta que era diretora no Padre Almir a gente ia e  descia com ela e a secretaria falava que ele não tava lá e eu aguardava.

Ai um dia eu botei ele dentro do carro, eu falei não, vamo lá pro ce vê onde eu moro, ce vê, ai eu falei não vamo lá em cima pra você vê onde eu moro, eu pedi ele me da o lote que eu não tenho onde morar, e ele é mais eu não tenho condição de consegui não num sei o que . E eu se você me der o lote eu tenho como  construir, é amanhã ocê vem aqui. Quando foi no último dia que eu fui lá eu fiz ele pegar o carro e falei vamo pega a sua secretária e vamo lá vê onde eu moro. E ele foi, a hora que eles entraram eles viram o lençol branquinho, o alumínio arreadinho e eles foram olhando os trem, e o mal chero da caxa aquele mal chero, eu falei aqui que eu moro, ta veno, é aqui que eu dô conta conta de pagar. Aqui eu dô conta mas até quando, ele falo, não você pode arruma um outro lugar que amanhã vai sair um lote e vai sair pra você.”[28]

Nem sempre esses sujeitos são consolados nas durezas da vida. No caso da D. Elza sua tia mandou “seguir caminho”. Resta andar, mesmo sem destino, sem apoio, continuar .Esses sujeitos enfrentam vários trajetos quase sempre amargos. De idas e vindas, sem garantias, sem cidadania, sem autoestima. Apenas afazeres no meio urbano, o medo do desemprego, de um teto que lhes cubram o sol, de alimentos que lhes suprimam a vida. Misérias, dores.

A lembranças ainda estão muito vivas, amargas, o cheiro de esgoto, as goteiras, a miséria. O presente fica a luta. Indignações resignadas em esperança. Olhar para trás e rever as pedras. Mesmo vivendo sobre goteiras, misérias a D. Elza continuou andando se agarrando em brechas, não aceitou a praça como lar, a cama estendida no chão, ela mostrou que conseguiu superar.

Foi tempos de insistência até D. Elza conseguir um lugar, uma casa, um espaço nessa cidade. Tentou continuar a vida em Belo Horizonte, em Brasília, no “buxo” da mendicância, das humilhações, desse esfacelamento humano. Trilhou lutas, conseguindo deixar suas marcas no que ela considera hoje uma vitória, sua casa localizada no Jardim Esperança, no trabalho digno, atualmente longe da bebida. Esses sujeitos vão reconstruindo suas vidas apesar de terem começado sua luta desde a gestação, porém, ainda continuam no dia-a-dia, no trajeto para suas casas, no medo do desemprego, na afronta dos vizinhos, do lixo fétido no lote baldio, no preço da passagem do coletivo, no salário minguado indivíduos esperneiam, sobrevivem, se arrastam pelas veias urbanas.

Nos descaminhos conseguem vitórias entre dilemas, dores, desafetos, sobrevivem. A D. Elza antes de conseguir construir sua casa teve que buscar vários abrigos, em casa de tias, dormindo em praças. Pagando aluguel em uma casa onde estava cheia de goteiras e com o cheiro do esgoto presente, sobreviveu, lutou, caminhou. Esses sujeitos tem trajetórias desumanas, onde as autoridades poderiam amenizar o que já deveria ser garantido que é o mínimo de cidadania, dificultam, tampam se os olhos, dão  as costas para a miséria e esses sujeitos se veem dispersos tendo nos passos a luta contínua.

A D. Elza teve que enfrentar o álcool, a falta de uma residência, o desemprego, a desqualificação  ao mercado de trabalho e a busca da recuperação longe do vício. Foram dificuldades imensas travadas no dia-a-dia, tentando sair do vício, buscando um trabalho e tendo que cuidar de dois filhos, mas, hoje se considera vitoriosa.

Nessas trajetórias de dificuldades, a vida da D. Divina também foi cheia de lutas. Veio para Patos de Minas, ainda jovem para estudar, proveniente da zona rural. Morou em vários lugares da cidade até alcançar a casa própria. Um dos locais que D. Divina morou foi no Beco da Antena, palco também das inundações, localizado entre o bairro Nossa Senhora da Aparecida e Vila Operária. Ainda hoje é uma das áreas mais carente da cidade. Residiu por pouco tempo no beco devido aos problemas existentes e depois de percorrer vários lugares é que a D. Divina vai conseguir um espaço nessa cidade.

“Morei no Abner Afonso, no Nossa Senhora da Abadia, na rua da mata, lá na avenida Brasil (bairro Brasil), morei lá na Antena, na época que eu morei ali… já tinha ganhado o Jonathan, nessa casa só me servia sair de lá, fiquei poco  tempo lá.

Ah, aquele bairro tinha muita briga, eu morei lá com medo… mas, antigamente era pior, mas, na época que eu fiquei lá já tinha melhorado bastante. Mas, agora diz que volto tudo. Morei ao lado daquela igreja lá.”[29]

A Vila Operária e o  Beco da Antena eram  considerados uns dos locais mais problemáticos da cidade, todos os preconceitos em relação a pobreza e seus males eram focalizados nos seus moradores. A partir do momento que as inundações se tornaram insustentáveis para a vida desses sujeitos, então, começam as transferências. Mas, o novo local de moradia não apaga os estigmas que circulam a vida desses sujeitos. Muitas entrevistas que foram realizadas com moradores vizinhos do bairro Colina mostraram claramente essas marcas  na vida desses sujeitos. Os entrevistados se referiam como o pessoal do “fundão”,  da “beira do rio”, da Vila Operária, em referência aos moradores do Colina,. Homogeneízam-se indivíduos que são heterogêneos e que têm trajetórias diferentes, apesar de alguns terem semelhanças. E nesta trajetória, para a D. Divina ter morado no beco da Antena foi algo insustentável, nessa “… casa só me servia sair de lá, fiquei poco tempo lá,…”. Foram muitos os problemas, as brigas que aconteciam no bairro, o medo de viver com o perigo sempre ao lado. Depois nas dificuldades de viver na cidade volta para a casa da mãe permanecendo por sete meses. Nesse trajeto ela volta para a cidade, novas lutas, expectativas, sonhos.

“Eu fiquei em Major Porto sete meses na casa da minha mãe. Depois eu vim pra cá e mudei ai pra Nossa Senhora da Abadia, da casa da Nossa Senhora  da Abadia fui pro Abner Afonso, do Abner Afonso eu vim pra cá.”[30]

A vida da D. Divina vai ser um trajeto de idas e vindas. Apesar de não morar no bairro Alto da Colina, ela também presencia os problemas de seus vizinhos, nas amizades dos filhos, nas amigas de conversa do portão de sua casa. Esses sujeitos não vivem isolados, eles circulam, trafegam pelas ruas, pelos salões, botequins, pelas igrejas, nas associações de bairro.

“Eu achei difícil que aqui num tinha asfalto, era só terra e enxurrada,  era muita trabalhera, achei triste o lugar. Mas, agora graças a Deus, melhoro bastante”.[31]

O local era triste, não respondia às expectativas de D. Divina, muito pelo contrário, mas, o sonho da casa própria era maior que a falta de asfalto ou energia. A insistência em permanecer num local difícil de se viver, significava ter o seu espaço nessa cidade, algo tão almejado durante sua vida.

A D. Divina já saiu pequena da casa de seus pais com o sonho de prolongar os estudos.

“Eu vim pra faze o segundo grau, o magistério, é..

 (Você sentiu muita saudade de seus pais, de sua casa?)

Senti. Eu fiquei na casa de uma parente de minha mãe, morei lá na casa dela, sai de lá pra casar, fiquei la sete anos. Não, só cuidava da casa dela, a olhar os menino, cuidava da casa, fazia tudo. Ai logo eu casei, né.

(…) Achei ruim que eu larguei meus pais, né, eu nunca tinha separado deles, mas eu gostei. Gostava do lugar que eu morava fiz tudo. Eu pensava que ia formar e ia por lá, né,  da uma aula, é… quando eu tinha a oitava série eu dei aula lá na Capelinha do Chumbo de primeira a quarta série, ai eu num trabalhei mais, ai num adianto, né.”[32]

O sonho de D. Divina era muito mais que a casa própria, era o seu espaço no mercado de trabalho, nessa cidade. Hoje, toma conta da casa, cuida dos estudos dos filhos, os sonhos foram ficando para trás como a própria trajetória. O sonho maior, que era o trabalho e a continuações dos estudos, foram transferidos para os filhos. Mas, a medida que narrava a sua vida, sua trajetória. Também faz ao mesmo tempo uma retrospectiva de sua vida. Como se fosse um saldo do vivido, do permitido. D. Divina lembrou que gostou de vindo para a cidade mesmo tendo separado de seus pais. Achava que ia se formar, fez planos, apesar de não tê-los  concretizado, mas outros foram realizados. Novas expectativas vão surgindo, mesclando nesses dilemas, entre prestações, brigas no bairro, desafetos do marido, nos braços as marcas da violência, da queimadura como lembrança da briga com o esposo. E na memória a recordação de quando foi professora mesmo que por pouco tempo.

A cidade suplanta expectativas para esses sujeitos, mas, também cria novos projetos, novos desejos, como também desencanta, se torna amarga e de fardo pesado.

Assim, sujeitos vão vivendo sobre novos dilemas, sonhos, preconceitos, nas ruas, culturas começam a ser compartilhadas, transformadas.

Entre britas, matos, semáforos, instituições filantrópicas, pau-de-arara, marmitas, humanos trafegam, lutam pelo seu espaço, reivindicam seus muros. Memórias amalgamadas de dores, desafetos, brigas, álcool, desemprego, são construídos no universo urbano.

Capítulo II

Desafios e lutas no pertencimento a cidade: marcas, rastros impressos nos espaços urbanos.

Os sujeitos que começaram a mudar para o bairro Alto da Colina tiveram muitas dificuldades de se adaptarem. De início, eram apenas algumas ruas com poucos moradores, sem asfalto, coletivo, distantes do centro da cidade. Começa na vida desses sujeitos, uma nova etapa, uma nova luta. A construção de pertencimento a cidade e os diversos problemas enfrentados no dia-a-dia.

No capítulo anterior trabalhei a trajetória desses indivíduos, a busca de suprimir expectativas nesse dilema urbano. Porém, os dilemas vão sendo mesclados junto a realizações e frustrações.

A busca de um espaço na cidade é muito mais que o sonho da casa própria. É ter escolas para os filhos  estudarem, asfalto para pisar, um transporte publico, veias saudáveis que se possam trafegar por essa cidade que lhes afronta sempre.

A trajetória desses indivíduos foi um caminho árduo, cheio de lutas, frustrações. Entre cimentos, tijolos, a luta pelo seu espaço, por um lar digno pelo direito ao emprego, lazer, conhecer vizinhos, caminhar nesse universo. Foram várias formas de pressão para conseguirem a casa própria. A D. Lucelena “obrigou” o responsável na doação de terrenos lhe dar o seu pedaço nesse meio urbano. A D. Eva “na luta mesmo” insistindo, persistindo e, nesses dilemas, tantos outros sujeitos. Agora, depois de construído os seus alicerces na vida urbana começam novas lutas, novas buscas de pertencimento, desafios.

“Tinha que pega o Novo Horizonte. Tinha que pega o Novo Horizonte, era muito difícil porque aqui era muito barro, né, muito, ai  a chuva veio e acabo, ês aterramo ela todinha assim, então demoro dimais a passa o asfalto. Aí veio a chuva e lavo tudo feiz aquela buraquera e a gente saia tudo cheia de barro, ai tinha que procura a casa de um vizinho lá no Novo Horizonte, ês até tratava a gente de pé vermei de tanta sugera, Nossa mais foi um trabalho gente do céu.”[33]

Esses sujeitos buscam melhores condições de trabalho, melhorias na moradia, um representante de bairro, postos de saúde, outros empregos, diversões no final de semana. Enfim, imprimir suas marcas entre ruelas, festas, trabalhos alternativos, em confrarias, bate papo entre vizinhos, nessas vivências, buscar seus espaços nesses trajetos urbanos.

“É, não, foi muito difici, quando ês começo a faze essas casinha ai a gente penso. Gente será que quando aumentar esses bairros ai vai melhorar. Será que vai vim umas pessoas assim, assim que num dá problema, porque aqui nesse colina deu problema dimais, cê num podia dexa uma vasia no terrero, antes de ter muro né, hoje de vez enquando tem isso ce deixa  ropa no arame ês pega e leva, aqui acontece muita coisa assim, sabe. Ai eu pensei quando fizesse  o Jardim Esperança, quando saísse as casas do Jardim Esperança, eu pensei agora vai melhora. Ai chega o povão da avenida Brasil, daques  meio de lá. Ah, ai foi só piora, ai quase que os policial tinha que morar no bairro. Era pobrema…

Ah, o único que num da muito problema, problema assim é o Morada do Sol que é até mais queto. Eu acho tamém que tem mais menos criança que aqui nesse Colina e Jardim Esperança,  vô te fala é gente dimais.” [34]

Os pequenos furtos eram comuns no bairro Alto da Colina, desde vasilhas até roupas penduradas no varal. D. Antonieta salienta que seu bairro  “deu problema dimais”. Estamos falando de uma cidade sem grandes indústrias, oferecendo poucos empregos. Isso reflete na vida das pessoas, quaisquer deslizes dos moradores do Alto da Colina bastam para “puxarem” um passado de inundações, as manchas da pobreza não desaparecem de um dia para outro.

Depois, a quantidade de crianças existente no bairro. Foi períodos de muitas carências para esses moradores, “jogados” para longe do centro, sem transporte público, no meio do mato, do nada. Mesmo assim persistiram, lutaram, construíram seu espaço, até chegar o asfalto, a escola para os seus filhos, as associações de bairro, dia-a-dia, ergueram tijolos nesse meio urbano.

No caso de D.Antonieta teve que buscar ajuda em casa de amigos no bairro vizinho para poder lavar os pés, devido à quantidade de barro em épocas de chuva. Mas, nem por isso desistiu de sua casa, de seu bairro, dessa cidade que lhe confrontava a cada dia, porém, buscou soluções, caminhou, trafegou entre barros, displicência das autoridades, assim como vários outros sujeitos que não abandonaram suas residências. Pelo contrário, persistiram, lutaram.

Ainda hoje, muitos moradores do bairro Alto da Colina, Morada do Sol, Jardim Esperança se dirigem ao bairro Novo Horizonte para poderem pegar o coletivo desse bairro que faz um itinerário maior. A luta não cessa, mas, vão surgindo novos problemas, seja o transporte público, a falta de emprego para os jovens, a droga que começa a rodar a meninada desde pequenos. Novos problemas, novas lutas vão emergindo nessa face urbana e confrontando a vida desse sujeitos.

Para a D. Antonieta, o passado foi difícil, conflituoso, porém, o presente também tem sido problemático. Foi necessário construir um muro na frente de sua casa devido aos furtos. Mesmo sem ter condições financeiras, D. Antonieta se “espremeu” de todos os lados e ergueu seu muro. Depois veio a esperança de que houvesse um relacionamento mais estável no convívio entre os moradores com a vinda de novos sujeitos. Lembrando que o mesmo passado que levaram essas pessoas a construírem suas casas no bairro Alto da Colina, em sua maioria, pessoas que vieram dos bairros próximos ao rio Paranaíba, essa dinâmica vai continuar com o aparecimento de novos personagens nesse palco urbano. Agora, porém vão ocupar novos lugares, novos espaços nesse meio urbano.

“Ai chego o povão da avenida Brasil, daques meio de lá, aí foi  so piorar…” . Novamente o preconceito e como ele vai sendo construído, reconstruído, redefinido. Ao referir “povão da avenida”, é buscar um passado de problemas, de inundações que ficaram gravadas na memória desses sujeitos. Essa avenida ao qual se referiu D. Antonieta fica localizada no bairro Brasil, próximo a Vila Operária, ao Rio Paranaíba, onde concentra um número elevado de famílias carentes localizadas nessa região e que se localiza exatamente ao lado oposto aos bairros que aqui nos referimos.

Os preconceitos não cessam, mas, se mesclam junto a novos indivíduos. Não são apenas problemas como a falta de transporte que esses sujeitos vivenciam, são dilemas múltiplos.

A luta pelo espaço urbano tem diversas faces, os problemas são amplos e vão se formando nessa dinâmica da vida urbana. Os conflitos não são apenas o medo do desemprego, violência, mas, preconceitos que vão se formando em torno de indivíduos que levam vidas difíceis.

“Todo mundo, todo mundo, se falar colina, todo mundo já, vamô supor, saio vô numa festa, tem uma menina gata pra caramba, você chega naquela menina. Ai alguém vai e te fala que ela é do colina.Aí, a gente fica pensando, e será que rola. Fica criando uma desigualdade que não existe né, que não existe ninguém melhor do que ninguém”[35]

Para o jovem Luis Carlos o preconceito em relação aos moradores do bairro Colina é muito acirrado, além de criar uma desigualdade que não existe. Não são apenas problemas de irem a uma festa que esses sujeitos vivenciam, mas também, quando vão procurar um emprego, abrir um crediário em uma loja e ter de dizer o local em que residem é mostrar mais uma dificuldade na vida desses moradores.

No ano de 2003, tive a oportunidade de conversar com uma amiga que trabalha em uma imobiliária em Patos de Minas, porém, não gravei a conversa. A amiga relatou as pessoas que procuravam a imobiliária para comprar ou alugar uma casa ao saberem que ficava próximo ao bairro Colina, logo desistiam do negócio. Então, esses são fatos que acontecem na vida desses moradores e não são apenas preconceitos que estes vivenciam, apesar deste estar muito vivo e forte no dia-a-dia. Os conflitos que emergem na vida dessas pessoas são muito amplos.

Esses sujeitos têm que enfrentar as marcas da pobreza, a dificuldade de educarem os filhos, o medo constante do desemprego, na dificuldade de deslocarem nessa cidade, devido às tarifas com seus preços sempre altos, pois, a empresa Pássaro Branco não enfrenta concorrente. Restam os sonhos, as lutas, as esperanças  no dia-a-dia, nesse caminhar.

Na entrevista realizada com o professor Antônio José Maria, morador do bairro Nova Floresta, ao falar sobre o transporte público de seu bairro, ficou muito transparente o preconceito que sente ao ter que pegar o ônibus do bairro Colina.

“Não o ônibus aqui é cheio, não tem um ônibus especifico para o bairro e desce lá embaixo, a gente pega o ônibus do colina, eu não vejo o Nova Floresta no ônibus, não existe. Você vai lá no centro e tem que pegar o colina, infelizmente você pega o colina. Você não vê o Nova Floresta, existe é o intermediário que te deixa no bairro. Na verdade existe é uma carona que te traz no Nova Floresta, mas o destino dele é o colina. Ou você pega o colina ou o Morada do Sol pra  descer no seu bairro, ou você tem que vir a pé, porque não tem um ônibus exclusivo para o seu bairro. Igual o eucarístico existe um micro-ônibus para o bairro, aqui não.”[36]

Em Patos de Minas os ônibus públicos levam o nome dos bairros à sua frente, alguns bairros não têm os seu transporte especifico como é o caso do Nova Floresta.  Pelo fato do bairro Alto da Colina se localizar depois do Nova Floresta, então, o ônibus do Colina passa pelo bairro Nova Floresta.

A recusa do Sr. Antônio é muito mais do que reivindicar um ônibus próprio para seu bairro, mas, não querer ser identificado como morador do Alto da Colina.

O professor Antônio gostaria de ter outros vizinhos que não os moradores do Alto da Colina. Mas, indiretamente, tem que conviver com a presença desses sujeitos. Acha lamentável ter que dividir o mesmo transporte público “infelizmente você pega o Colina”. Ou seja, infelizmente você tem que vir ao lado de trabalhadores com suas roupas sujas depois de um dia inteiro de trabalho, os olhares cansados, com seus filhos pequenos. Essa realidade incomoda, é dar de cara com outros rostos que de certa forma nos agride devido às nossas condições pouco melhores que nos encontramos. É a nossa displicência pedindo mendicância, são os analfabetos que poderíamos ter ajudado a alfabetizar. É o resultado de nossa pouca participação na política, nos nossos descasos, desconhecimentos. Levamos vidas corridas, não temos tempo para o outro e esquecemos, mas de vez em quando nos encontramos com o próximo, poder ser num semáforo, nos assaltando, compartilhando o mesmo transporte público ou alguém que bate  à porta pedindo esmolas.

As manchas na vida desses sujeitos não param. Os moradores do bairro Alto da Colina levam as marcas das inundações da década de 80, os dedos da violência sempre presente. Esses acontecimentos foram sendo gravados na memória da população patense. Nas ocorrências policiais veiculadas na rádio local e as referências aos moradores do Alto da Colina. Entre concretos, matos, dilemas vão sendo forjados nessa dinâmica da vida urbana.

Outras pessoas vão ter visões boas em relação aos moradores do Alto da Colina, como a D.Maria da Glória Meira Ferreira, moradora do Nova Floresta. Assim como tantos outros indivíduos, a D. Maria da Glória também teve que pisar em barro, sofreu com a falta de transporte. Morou também no final da av. Brasil, veio do município de Poças, zona rural próxima a Patos de Minas. Para D. Maria da Glória o bairro Alto da Colina não aparenta ter tantos problemas como a população patense diz ter. Quando foi perguntado a ela sobre o seu contato com algum morador, ela citou as visitas feitas ao seu irmão que reside no Morada do Sol, próximo ao bairro Colina.

“Não, não. O povo tinha uma estória que não podia fica de passano lá ( bairro Colina) conforme a hora porque… eu tamém, eu falo gente, as veis eu vô lá porque ês joga pedra na gente, corria atrás da gente, eu nuca vi. Agora a violência ta tudo enquanto é lugar pra trás num tinha essa… essa coisa…o povo que era mais unido um com o oto, agora parece que perdeu o remorso com as coisa, agora por qualquer coisa ês tão matando, né, robano. De, de certo tempo pra cá assim, num tinha essa ladruage essa matação e agora ta teno dimais. Igual ocê num ta nem podeno deixa a casa sozinho.

Hoje o povo ta matano tudo por qualquer coisa, ês tão matano. O mais ruim é isso, né,  mais.. Os que vem agora se já ta dificil agora imagina mais pra frente, sabe, as veiz que não. Tomara que não né, quem sabe.”[37]

Preconceitos vão sendo criados, alguns não gostam de morar próximo ao bairro Colina, outros pegar o coletivo com esses moradores. Já outros, como a D. Madalena, moradora do bairro Morada do Sol, acham o seu bairro vizinho bom, sem tantos problemas.

A violência não se encontra mais localizada em um determinado ponto, mas em todos os poros dessa cidade. Não é possível mais apontar para o Beco da Antena, para o bairro Alto da Colina, como causadores de todos os males, os locais da violência, dos jovens “baderneiros”. A cidade vai se transformando, os sujeitos não vivem relações estáticas, mas dinâmicas. Esse universo não pára, dizeres se mesclam, novas relações de trabalho vão emergindo, novos relacionamentos, novos dilemas. Uma cultura se prolifera, absorvem novos valores, mantém alguns, incorporam novos hábitos. Mesclam novas formas de se viver no cotidiano aonde vão sendo emaranhados novos relacionamentos, hábitos.

“O problema do colina é muito menino, né. E aquele bairro ali num é ruim não, tem muitos anos que eu moro ali, passo ali direto de noite e nunca vi nada de diferente ali, é só o nome que ês boto que é ruim que fica ruim, né…

O pessoal do colina, Vila Operária, Alvorada, todo mundo tem impressão. Vem dá aula no Caic, você morre, eu prefiro o Padre Almir ( colégio localizado no bairro Alto da Colina).

Num gosto que ninguém fala mal daquele colégio ali.”[38]

A D. Madalena não gosta que falem mal do colégio Padre Almir, pois, seus filhos estudaram neste colégio e, no seu dizer, valeu a pena. As manchas não são tão intensas para todo mundo, alguns acham que é apenas exagero nessa imagem de violência, mazelas. D. Madalena nunca viu nada de diferente no Alto da Colina, certamente outras pessoas viram algo de “diferente”. Esse diferente seria essa imagem da pobreza, esse estigma, essas marcas, que não largam esses sujeitos, os acompanham, caminham por entre suas vidas, são campos opostos entre o da mendicância  e o da fartura. A dualidade do mundo letrado com olhares de sujeitos que procuram seu ônibus olhando as cores, são iletrados que essa cidade rejeita. Conduz para os seus poros mais distantes.

As pessoas têm visões diferenciadas em relação aos problemas vivenciados pelos moradores do Alto da Colina. Já, para os seus próprios moradores, são vários os problemas existentes. Problemas estes que se misturam com suas próprias vidas.

A D. Lucelena tem enfrentado várias dificuldades como a sua doença, o relacionamento difícil com seus vizinhos, a casa pequena, apertada e a violência cotidiana, tudo faz com que tenha vontade de mudar para outro local, outra cidade.

    “ No bairro aqui acho que ta ótimo, o único problema é a  segurança. Aqui, a coisa, assim, a verdadeira coisa que existe aqui, nóis é dentro de uma verdadeira favela. Porque aqui, as pessoas que cê acha assim, nossa, que pessoa boa legal, aquela pessoa hora que você vai saber melhor sobre ela,entendeu, é um dos maiores traficantes do bairro.”[39]

O relacionamento tem sido uma das grandes dificuldades na vida da D. Lucelena. Pode ter o seu canto, suas paredes, seu espaço nessa cidade, mas ainda não alcançou o sossego, a paz, vizinhos com menos problemas. O dia-a-dia tem sido conflituoso, problemático.

Para a D. Lucelena o bairro está ótimo, quer dizer, tem infra-estrutura. Porém, o convívio com os moradores tem sido difícil. Esses conflitos os problemas de tráfico, drogas, brigas, para D. Lucelena isso é que significa morar em uma favela. Estar dentro de uma favela é ter de conviver com o medo, com a falta de policiamento.

“Aqui, nóis veve nisso, entendeu. Só porque como nois já acostumo no bairro, nóis já conhece o bairro pra nois não existe perigo. Pra ocê vê, igual, dia de sábado e domingo, como tem muita gente no bairro muita moça, rapaiz, aqui, ês num pode vê uma pessoa diferente entrano, entendeu. Ês num pode vê uma pessoa diferente no bairro, ês que agredir, que mexe, se ocê não baixa a cabeça e não continuar seu caminho, se ocê parar e ignorar aquilo, é uma coisa que você apanha. Igual pro ce vê, um campeonato que tinha aqui na nossa quadra, pessoas de outro bairro, com esse bairro daqui, pro ce vê, a troco de nada mato um rapaiz. Pro cê vê, agora aqui nessa esquina, quinze dias aqui de novo, outro, outro rapaiz morto, gente do bairro. Pro cê vê, é uma coisa muito violenta, cê vê, num tem uma semana direito, uma coisa, Cê vê, desses quinze dias que eu to te contano, ês pararam de briga entre eu e minha irmã, mas aqui eu tipo assim se eu sai aqui todo mundo me conhece, então, ninguém me estranha. Sê te vê eu mais ocê ninguém estranha. Mas. Pro cê vê, ês garro de briga entre eu e minha irmã, ora que chego na frente, o cara pego da faca, duas faca no otro, o otro  caiu e fico morto, pronto.

Sê vê se eles não me conhece, o rapaz pego no meu ombro, afasto me viro, eu falei me solta, arredei deles, chego na esquina o outro tira da faca e mata. Então pro cê vê, tem meu sobrinho aqui, do lado de cima, é um que tava na praça no dia do campeonato lá, no final do campeonato, não morreu mas fico, com duas facas do rosto, duas nas costas.

Eu acho que o nosso bairro agora, maior calmo agora, deu no sábado, sexta de noite, sê num suporta….

Aqui pro ce vê, até época de eleição, de coisa, nem de comício aqui no bairro ês gosta de faze.Não tem uma coisa que não no bairro, que no outro dia cê não fala assim, oh, teve uma morte dentro do bairro. Sempre tem, cê vê nóis mesmo que é do bairro num freqüenta, cê vê, oh, minha irmã saindo daqui, oh, nesse corredor, o vizinho daí debaixo deu um tiro aqui, fazendo graça aqui pra assustar  briga daí da rua.

Deu o tiro que arrebento o muro aqui, oh, ela laino deu tiro aqui,  pro cê vê, eu cheguei, cheguei na janela tem hora que não tem nem como falar, a pessoa ta transtornada, tudo pela droga.”[40]

A falta de segurança, de policiamento, de empregos, vagas nos cursos oferecidos aos jovens no Caic, negligência das autoridades e a ausência de projetos sociais tudo isso dificulta ainda mais a vida desses sujeitos.

Além das dificuldades da vida, a negligência e o descaso das autoridades fazem com que o dia-a-dia desses indivíduos se torne mais tumultuado, “… o outro caiu e fico morto, pronto.” A vida urbana compreende muito mais que “balas”, sapatos gastos, tragos de bebidas, filas, prostituições, comícios, leilões, mas sonhos, lutas, mãos cravando marcas em meio a semáforos, faixas, avenidas dispersas. E diante da morte apenas o cair e pronto, sem justiça, sem vidas dignas resta apenas o lamento urbano.

De todos os  entrevistados, a que mais lamentou dos problemas de seu bairro foi a D. Lucelena, nos momentos de falar das dificuldades, das violências, nos descaminhos da vida, sua voz alterava. Sempre apontando para os vizinhos, os locais que ela achava mais problemático.  Outros entrevistados não comentaram a fundo, mas, era visível nos seus silêncios as dificuldades com os vizinhos, com a violência cotidiana. D. Eva começou a falar um pouco, porém, parou, (dessa vez não insisti, aos poucos vamos aprendendo a respeitar de verdade nossos entrevistados).

Esses sujeitos carregam problemas muitos maiores que nossas pesquisas possam abranger ou compreender. A morte tem sido algo natural, a violência já se encontra banalizada e a dor tem sido constante e corriqueira na vida desses moradores.

A cada recomeço do dia trazem novas lutas, batalhas. D. Lucelena tem que se levantar cedo para arrumar a marmita do marido. E ao longo do dia ajuda sua irmã Regina a olhar os seus filhos.

Esses sujeitos circulam pela cidade, buscam seu espaço que é muito maior que um salário no final do mês, ou uma casa própria, é ter dignidade, sobreviver com respeito, caminhar sem medo do amanhã, do desemprego na falta de médicos nos postos de saúde. Buscam a cada momento seu pedaço nessa cidade e  para poderem olhar para o lado e verem a sua face no rosto dos filhos que crescem em meio a expectativas, sonhos, projetos.

“Aqui é tudo em droga, igual essa aqui, igual aqui mesmo no nosso lote, é o meu sobrinho. Cê sobe mais em cima aqui o cara dos pior, o cara que mato o cara, então, uma coisa que ocê veve no meio daquilo, entendeu, não tem como ocê se defender. Eu dependo daqui pra mim morar como eu sair daqui se eu não tenho outro lugar, então, é uma coisa que ocê tem que saber, ocê deita, ora que ce levanta cê só ta sabeno que vai deita, hora que vai deita, entendeu.”[41]

No ano de 2004, continuei minhas aulas no colégio Padre Almir (localizado no bairro Colina). É difícil trabalhar nesse colégio, com os filhos de pais que vieram de inundações, dos descasos das autoridades, dos campos que não os abrigam mais. Porém, é difícil  “largar” essa realidade, dar as costas para esses alunos. Não me sentiria tão necessária se estivesse trabalhando apenas com os filhos da outra margem dessa cidade. Trabalho hoje nesses dois mundos, o da desigualdade e o da fartura. Porém, o primeiro tem sido problemático, o sentimento às vezes é de incapacidade.

No ano de 2004, foi  mais fácil trabalhar com esses alunos  na hora do recreio fico conversando, ouvindo, aos poucos vamos conhecendo ainda mais essa realidade. Dois alunos meus abandonaram a escola devido às dívidas com as drogas, estavam devendo e não conseguiam pagar e, por causa das ameaças, tiveram que desistir. Outro está internado numa clínica de recuperação. Recentemente uma aluna tentou suicídio. Já outra, a Luciene, diz que sua mãe tem que esconder as compras de supermercado na casa da tia, devido ao irmão que vende qualquer coisa que vê pela frente para comprar bebidas, drogas. E assim tantos outros alunos, tantos casos que presenciei.

A realidade é muito mais árdua e amarga do que nossas pesquisas possam abranger. A cidade abriga corpos deformes, com campos tensos. As praças do centro já não são tão floridas ou coloridas para mim.

Porém, novas expectativas vão sendo criadas na vida desses sujeitos e novos dilemas. No dia-a-dia vão sendo carimbados com a tinta do estigma da pobreza, são preconceitos, lutas, vitórias, desilusões e novas ilusões. Uma cultura vai se proliferando, absorvendo novos valores e sendo “surrados” por novos dilemas.

“O único problema daqui do bairro é a segurança mais nada, nada, nada. Porque, assim, o caso de saúde, pro cê vê tem posto tem creche, né. Cê vê primeiro quando num tinha aquele mini-hospital era um inferno, o menino morria nos seus braços, mais ês num atendia porque ali no Regional só tumultuado. Agora pro ce vê cê já pode ir pro Regional, pro São Lucas que o São Lucas faz parte do SUS, é ambulância vem o corpo de bombeiro, agora polícia não, se fô um caso, igual, houve um caso de briga, igual uma coisa, cê chama, hora que já mato, que todo mundo já correu aí é que ês aparece. As veiz é até o pessoal do bairro é que da socorro, entendeu.”[42]

Apesar de todos os males, porém, o problema da segurança tem sido o maior vilão, a falta de policiamento no bairro. Perto do colégio Padre Almir fica o posto policial, porém quase sempre fechado. Esses moradores se vêem abandonados, largados nos cantos dessa cidade. No dia-a-dia vão aprendendo a conviver com o medo, as brigas dos vizinhos, a meninada solta correndo por suas ruas, sem amparos, apenas a certeza do amanhã.

A falta de segurança, de policiamento no bairro aflige a vida da D. Lucelena, mas, os problemas têm levado a união dos moradores na tentativa de solucionar os dilemas que vão sendo forjados nesse cotidiano urbano. Em uma pergunta feita sobre o papel desempenhado da associação de bairro, foi possível perceber a união dos moradores para solucionarem os problemas que vão surgindo no dia-a-dia. Os moradores não ficam de braços cruzados esperando a associação resolver. Na falta de ajuda de alguma instituição ocorre à união entre os moradores e a tentativa de solucionar os problemas.

“Depois que ês começo a arruma, aí veio o tatu, né, Regina. Aí teve dois, também presidente aqui do bairro, o seu Vicente Eustáquio, porque o tatu é assim, é o presidente do bairro, mas cê só sabe  que ele é o presidente do bairro quando todo mundo comenta, num vem na casa da gente, uma coisa assim, igual tem varias coisas assim, que faz os presidente de bairro faz, né, e  aqui a gente num fica sabeno. Não, nada, ele é um tipo de pessoa assim, analfabeto tal, né num sabe assim nada. Quase num mexe com nada. Geralmente assim, sempre tem uma pessoa do lado dele ajudano, mas, assim não, a gente num sabe de nada, geralmente ele vem, muito difícil mesmo, so na  rua mesmo, cumprimenta, bão, bão. Assim, a gente voto nele por uma coisa, ele era do bairro, e  sê mais simples, muito humilde, mas, nunca tem uma reunião por exemplo, comenta as coisa. É uma coisa assim a gente num vê a participação dele, igual o prefeito José Humberto, num ta liberando o povo pra varrer a rua, aí nóis fica todo mundo loco, gente cada um vamo junta um poco numa parte, e cada cuida das suas coisas. E isso a gente faiz, mais, num tem participação de associação de bairro, nada.”[43]

“O bairro mais, tipo assim unido que tem aqui é o colina, ali, cê anda lá, eu tenho amigo de mais lá, eu vô lá, você anda lá, cë vê o povo conhece todo mundo. Aqui, não, igual eu to te falando, antigamente não. Hoje  ta mais bem de vida, a maioria aposento né, tal, fica mais bem de vida. Mas, antigamente era gente que trabalhava, e não gostava de querer ser o que não era, sabe. É cada um por si, sabe. Ninguém importa com ninguém.”[44]

Para o jovem Luis Carlos, o seu bairro foi abrigando novos personagens, outros foram ficando com melhores condições financeiras, muitos foram se aposentando. E então o bairro foi perdendo a sua característica de abrigar pessoas simples, humildes, trabalhadores tendo praticamente o mesmo patamar de padrão financeiro para uma diferenciação maior de renda entre seus moradores. Todas essas mudanças, a falta de união dos moradores, porém, ele vê essa união nos moradores do bairro Colina, onde ainda predomina uma igualdade maior nas condições de vida.

Até mesmo a D. Lucelena que (parece)  apenas ver mazelas em seu bairro mostrou uma certa cobrança nas reuniões. Apesar das desilusões, restaram esperanças, querem reuniões para que seu bairro melhore. Isso é ter esperança, acreditar por pior que esteja, há uma solução. E se as ruas não estão sendo varridas com a união dos moradores esse problema pode ser solucionado. Os homens não são apenas de mazelas, dores e amarguras.

Agora, para D. Antonieta, o convívio com os seus vizinhos é bom, porém, não gosta de pedir nada emprestado e ter que ficar devendo alguma coisa. (Certamente no passado ela teve de recorrer a algum vizinho e acabou ficando devendo algo, e no presente tenta não criar esse tipo de vinculo).

“Não eu num gosto de procurar vizinho não, arruma nada imprestado cum vizim não pruquê, é muito complicado, né, cê ranja hoje quando depois quando fô amanhã cê acaba e vai lá de novo, então não da certo não.

Meu vizinho assim pra mim, eu gosto sô pruma amizade, cê precisa de mim eu to pronta pra sirvir mais, eu num gosto muito de ocupa não. Veio uma coisa que veio dos meus pais e ês sempre falava.”[45]

Algumas pessoas têm relacionamento agradável com seus vizinhos, outros não. Como é o caso da D. Lucelena.

“É, aqui, só se fô em caso de doença (risos) é, eu mas, a Regina nóis é muito sistemático, nóis num é de misturar com os outro não. Igual, aqui do lado tem duas moças também. A vizinha do lado de cima, esse tempo tudo que moro aqui eu só vejo ela chegando e entrando. A da frente também, a gente num da muita confiança, porque ela a religião é completamente diferente, e ela só fala sobre religião…

É ela é evangélica. E eu sô assim, fui católica, claro, mas agora eu aprendi  viver ali, então eles me perguntam, eu falo, não, eu sô da religião espírita, então, eu falo, claro, participei de tudo que falasse que participasse a gente participo, mas agora eu sô espírita, aprendi a ser assim, porque, o Otaviano me pego no colo, sê vê eu vô faze vinte seis ano.”[46]

Além da correria que esse sistema capitalista tem imposto na vida desses sujeitos outros fatores têm contribuído para que a D. Lucelena tenha um convívio difícil com seus vizinhos. Alguns devido à religião o que acaba criando barreiras. Ao lado dos botequins podemos encontrar casas evangélicas em um número significativo. É possível encontrar até duas casas num mesmo quarteirão. No bairro Jardim Esperança encontram-se dezessete casas evangélicas. O que parece é que “Deus” tem “acompanhado” o dilema de sujeitos na suas vidas, em seu bairro. São misérias, cultos, lotes baldios, gritos da meninada, bêbados nas esquinas dos desafetos, senhoras a balbuciar por suas ruas, jovens fumando.

Nem todos os moradores vão ter convivências agradáveis nesse universo urbano, mas para a D. Lucelena isso parece ser mais difícil ainda.

O convívio com os vizinhos tem sido difícil, a religião diferente das vizinhas atrapalha o relacionamento. D. Lucelena sempre foi católica, mas, agora se converteu ao espiritismo. Também essa falta de tempo vai comprometendo o convívio entre as pessoas, vizinhos vão se tornando distantes, desconhecidos. Essas são algumas mudanças que acompanham a vida dessas pessoas. Mas, novas formas de relacionamento também podem emergir.

 A D. Lucelena, nos finais de semana, participa do coral da Casa da Sopa no Centro Espírita André Luiz, além de receber ajuda dessa entidade em mantimentos para sua casa. Esses sujeitos procuram novas formas de relacionamento, de convivência junto a outros moradores e, neste cotidiano novas experiências começam a ser compartilhadas. Discussões sobre problemas no bairro começam a ser questionados, dificuldades no convívio com outros vizinhos, problemas dos filhos no colégio, enfim, a vida vai prosseguindo, insistindo nesse meio urbano.

As inundações são outras, o rio se transforma na fome, no medo do desemprego, na violência. No enfrentamento da dor, da desilusão, na insistência da vida urbana. Multiplicam-se indivíduos, transformam a vida em favos amargos, em corpos prostituídos, em filhos viciados, mãos traficadas. Semáforos invisíveis, vidas dispersam.

Nas ruas, garis limpam as poeiras, autoridades apagam sonhos. Nos passos, o passado de lama, as referências dos pés vermelhos. Manchas são construídas, forjadas em personagens “paridos” pelos descasos nas ruas frias que a cidade cria.

A cidade abriga rastos, unhas, gritos, (carnes sangrando ausências), sonhos, dores. Homens caminham no asfalto, poeiras, esgoto a céu aberto, o universo urbano é comandado, criado, restituído, tencionado por suas veias ligando seres por todos os espaços. A cidade é o corpo higiênico trabalhado e reestruturado tendo suas partes com anomalias graves. Sendo essas partes de anomalia, os braços que trabalham levando os fardos mais pesados. Limpam todos os poros e permanecem distantes das sombras, das veias saudáveis. Permanecendo nos espaços de “cocho”, vazio nas veias doentias no “ronco” da fome lhes beirando o dia.

Nas esquinas, nos botequins, nas casas de prostituição, nas escolas, associações de bairro, nos mais variados espaços, as vidas vão sendo constituídas. O pertencimento a cidade é feito de lutas, de lágrimas, decepções, sonhos, novelas dramáticas. Entre ausências, filas, chinelos, carrinho de mão, uma cultura vai se constituindo, amalgamando.

A vida urbana é muito mais que casas hospitais, lojas, são sonhos, projetos, tijolos sobrepostos sobre lutas, insistências, boatos, bares com seus viciados .Os homens trafegam, empurram carroças, constroem prédios, ruas, espaços de lazer nesse universo.

O palco urbano vai sendo constituído de desafios, de rostos desfigurados, risos cariados, falhos, mãos calejadas, trêmulas, músculos concretizados pelas faixas urbanas. Latas de lixos são reviradas, o ônibus de boias-frias se encontra sempre cheio, nas madrugadas, caricaturas desfilam na cidade.

Muros são erguidos, flores germinam pelas praças e a cidade vai seguindo seu fluxo. Entre lotes baldios, lixos fétidos, carcaças de animais em estado de putrefação no solo urbano, caminham vidas, passam longas horas buscando trabalho, catando pedaços de sobrevivência pelos lixos, recolhendo papelões, insistindo em sobreviver, pertencer a esse palco urbano.

A D. Lucelena foi imprimindo suas marcas, lutou contra a inundação, com a fome, buscou seu espaço. No presente, a batalha por uma casa melhor, uma vizinhança menos desumana. Sonham em ter filhos, porém, devido ao tamanho de sua casa não possibilita mais uma vida. Sua casa tem apenas dois cômodos e não tem banheiro. Tem apenas um quarto e uma cozinha, o banheiro teve que construir na casa de sua irmã que reside no fundo em uma meia água. Os transtornos são imensos, novas expectativas começam a emergir, como a busca de um bairro melhor, uma casa maior, uma vida mais digna, sem tantos problemas.

“Pra ocê vê, quando nóis mudo pra cá ninguém, minhas irmã num tinha menino, nóis era tudo assim, só nós, minha mãe e mais dois irmão. Ai veio os menino da Regina e depois o da Carla e nóis já foi separano, né. Eu sempre já fui mais custosa. Nunca gostei assim, de morar com família. Aí eu já separei da minha mãe e fui morar ali em cima, e comecei trabalhando, aí casei, to aqui até hoje. Cê vê, to morando em dois cômodo, cê vê a Regina mora aqui nessa meia água, aqui dentro desse lote nos somos quatro famílias, só menino são dezoito…

É , e lá onde é minha casa da frente, minha irmã na do fundo, mas também tem outro menino dela, só ai foi separano, pra você vê…., a tendência aqui é tá sempre crescendo, sempre crescendo, crescendo. A gente ta na fila de espera dessas casas que vai financiar agora, então, o bairro sempre crescendo(…)

Cê vê, a noite aqui é a maior dificuldade, eu pra mim faze um banheiro aqui, eu tive que faze na casa da Regina. Então, eu pro cê vê, eu tive que fura outra rede de esgoto, otro padrão , outro registro separadinho, cê vê, a noite, se eu dê  vontade de ir no banheiro a noite num tem nem como. Eu tenho que passa dentro da casa da Regina. Eu, parece que é até uma coisa que eu a noite eu num levanto, depois que eu deita é só de manhã, então, pra eu ir pro banheiro.

Cê vê, tomar banho, da oito, oito e meia eu tomo banho, então  só esse banho também, e eu num só muito de freqüenta a casa da Regina que o marido dela também é muito sistemático. Aí fica assim, como é que eu vô arruma um menino morano em dois cômodo.[47]

A D. Lucelena ao mesmo tempo em que narra os problemas que tem enfrentado no cotidiano, também dá alguns indícios de como o bairro está crescendo. É comum  encontrar mais de uma casa em um mesmo lote. As dificuldades que vão passando esses sujeitos levam a tomar soluções nem sempre confortáveis. Morar quatro famílias em um mesmo lote é algo desumano. Porém, outras pessoas se encontram nas mesmas dificuldades. Isso reflete também no convívio entre os moradores. As dores urbanas são projetadas no próximo, entre palavrões, brigas, desentendimentos.

Também a falta de espaços próprios para crianças e jovens poderem brincar tumultua ainda mais a vida desses moradores. O  bairro Alto da Colina não tem praças, apenas uma quadra de futebol que está abandonada, restam para a meninada a rua. E nessa falta de espaços próprios, começam os tumultos para os moradores.

D. Antonieta, na entrevista, enfatizou muito o dia que teve que trocar algumas telhas de sua casa devido ao fato da “meninada” do bairro  ter atirado pedras na sua residência.

“Aqui é som muito alto na rua, joga pedra nas casa, quebra as teia da casa. Outro dia mesmo eu tive que subi ali em cima, eu e a Ana Claudia. Teve que troca quinze teias, que ês  joga pedra e quebra as teia…

Aqui hem deus do início que a gente mudo pra cá ês faiz isso, joga pedra nas casa da gente. Ta precisando faze uma praça, pros menino de 12, 13 ano, porque isso aqui é muito difícil é por causa das crianças que num tem o que faze e começa a brigar e  faze as coisa que num pode në. Cê tivesse alguma coisa coisa aqui pa ocupa essas crianças seria bem melhor.”[48]

Para D. Eva, o problema é o som alto no final de semana e os jovens viciados, além do trafico que considera muito.

“Nossa é até doente, som alto no final de semana. Não, aquela colega da Sirley ali é ponto, direto. É o fuma,é … de… a única coisa de mais ruim aqui é isso, a única coisa de mais difícil é essa, é dimais de todo tipo, num acaba.(…)

Não, né, quando  precisa ês até vêm ês fala que ês num olha(policiamento),, mas eu acho que olha Sá (jovens viciados)é que é problema demais sabe. Como diz ês num dá conta, e num da mesmo não, um tiquim que sai na rua a gente vê.”[49]

A quantidade de jovens usuários de drogas no bairro é expressiva. Também é comum  caminhar pelo bairro e ver uma concentração de jovens fumando de dia, nas esquinas, perto do posto policial que está sempre fechado.Os moradores já “acostumaram”, porém, fica a preocupação com os filhos quando os pais saírem para trabalhar. Esses acontecimentos acabam gerando um mal estar ainda maior em relação ao preconceito por parte de moradores de outros bairros.

Faltam projetos sociais destinados aos adolescentes, o único lugar que oferecem cursos gratuitos  é no  Promam (Programa Municipal de Apoio ao Menor). Porém, fica muito distante e as vagas são poucas. Restam para esses sujeitos o  nada, as ruas, as brigas, a malandragem, já nas brincadeiras de crianças o pular muros, o ofício começa nos primeiros anos.

E nesse universo as marcas começam a tomar vidas próprias, a rondar a vida desses sujeitos. Homogeneízam-se indivíduos que são heterogêneos, múltiplos, diversos, com seus sonhos próprios. Moradores são carimbados, marcados pelo preconceito, pelas dificuldades, tensões são vivenciadas, compartilhadas.

Para alguns moradores o que falta no bairro também são as ruas de lazer tão comuns nos outros locais. A rua de lazer acontece quando a associação de bairro ou outra liderança fecha determinada rua e coloca um carro de som. As pessoas dançam, encontram amigos, compram cachorro quente, bebida, pipocas, é um divertimento alternativo para os moradores. Porém, no bairro Colina isso não tem acontecido. O que os entrevistados alegaram é devido a violência, o medo de surgir alguma briga, daí a resistência nesse evento.

“Não aqui é muito difícil (rua de lazer), esse bairro aqui quase  num tem nada. Esse bairro aqui ta muito parado…

Pra te fala, a associação  de bairro ela num feiz nada, nada, nada pra te fala a verdade.

Pro cê vê tinha agora que, num sábado, num domingo ês falo que ia te baile ali naquele barracão ali, né. Ês falo não depois tem que paga, tem que te uma licença na prefeitura é muito difícil, não sei mais o que, tudo pra ele é difícil, então por isso que ele num faiz nada.

Eu tava falano se tivesse jeito de troca prum melhor, pra oferecer alguma era bão…

Não, num faiz nada cê precisa de vê, ele vai na prefeitura a gente fala as coisa cum ele, não seu Vicente ta precisano disso, disso, ele falo, não eu fui lá mais, ele falo, não eu fui lá mais num resolvi nada mais eu vô volta lá de novo…

É muita coisa que tem que faze a gente fala com ele, e ele fala que faiz mais quando é no final das conta ele num faiz nada. Outro dia eu tava falando ês  tem que muda esse presidente de bairro, que ês as veiz quem sabe, as veiz faiz nada, nada, nada. O que seu Vicente feiz aqui, pra te fala a verdade é  nada mesmo, num tem uma pracinha, num tem uma rua de lazer, tem veiz que passa até dois, teis ano sem tê nada aqui, né…

Não, aqui pra te fala a verdade, aqui nesse colina num tem é nada, nada, nada. Nada prus menino diverti, num tem nada, nada. Num tem praça, num tem nada. Não aquilo lá já acabo (quadra e vestiário do bairro), ta tudo quebrado. Mais cê sabe pruquê, isso  é falta de cuidado, se o presidente, aqui no bairro não  é só ele né, tem mais, se preocupasse mais ele cuidaria, né. Se quebro ele, não vamo lá consertar isso, estrago, não, estrago agora se quisé faiz outro e pronto.”[50]

Esses sujeitos não querem apenas um trabalho, escolas, para seus filhos, vagas nas creches, mas, também querem se divertir irem em bailes no seu bairro. Querem também cursos para os jovens, praças no seu bairro. Reclamam principalmente dos cursos que antes eram oferecidos no Caic (Centro de Atendimento Integral a Criança), as aulas de pinturas, bordado, datilografia, dança e agora não oferecem mais, além dos cursos do Promam.

Porém, mais do que cursos reivindicam um bairro melhor, mais alegre, com ruas de lazer, para se divertirem sem ter que ir para outros locais. Esses sujeitos querem praças, um presidente ativo, uma vida melhor.

“Ês inventaram um negócio das crianças faze, de faze bola, bordado, agora acabo isso tamém, num tem nada naquele caic de curso assim.

Não aqui ta precisando de muita coisa pras crianças participar, mais ou menos nessa idade ai de treze, catorze ano.”[51]

Antes também os moradores próximos ao Caic podiam utilizar as quadras, agora não podem mais freqüentar. Lembrando que o Caic fica situado entre os bairros Morada do Sol, Colina e Jardim Esperança.

“Eles num dexa, só usa o Caic quem estuda lá, o meu menino se quiser jogar bola lá agora, eles num dexa por que ele não estuda lá mais…

Num tem praça, num tem nada prus menino brincar, tem que cê na rua.”[52]

“(…)no Caic acabo tudo, computação, acabo tudo.”[53]

“Os meus menino tinha curso, depois que mudo de prefeito tiro tudo, num tem coisa boa igual tinha, sabe, esses trem mio.”[54]

“…ta precisano é de uma coisa pra fazer, né, trabalhar. Trabalhar e num ficar  em rua.”[55]

Todos as entrevistas citam a mesma coisa quando pergunto o que está faltando para os jovens do bairro. A resposta sempre é  mesma, cursos. Muito dos adolescentes desses bairros freqüentam o Promam (Programa de Municipal de apoio ao Menor), que fica situado no bairro Brasil. Além de não ter essa instituição num lugar mais próximo os jovens têm que caminhar até o bairro vizinho, o Novo Horizonte, para usar o ônibus deste bairro que é o único dessas proximidades que passa perto do Promam. Nesta instituição são oferecidos cursos de jardinagem, computação, marcenaria, dança, agente jovem, recebem assistência odontológica e uma ajuda de 60 reais. Todos os entrevistados  mostraram a necessidade de ter uma instituição desta no bairro.

A falta de projetos sociais para os jovens carentes tem causado problemas para diversos moradores. Devido ao número elevado de crianças e jovens na rua fazendo algazarra, jogando pedras no telhado de algumas residências como a casa da D. Antonieta. E também no surgimento de turmas de jovens que acabam causando tumultos em bailes. Isso tem disseminado ainda mais o preconceito em relação aos moradores do Alto da Colina.

“Ah, não o colina é mais, o colina sempre foi que aqui no colina, sempre já veio uma tendência assim, oh, no primeiro veio turma do Curui, depois veio turma da batatinha, sabe, agora já vem outras coisa, depois veio a turma do meu irmão que eu tenho, hoje, ele é foragido da polícia muito perigoso também, e eles falavam a turma do Paulo Preto, que esse é meu irmão. Aí, foi cada veiz mais ino, e até hoje não acaba, sabe.”[56]

“Eu num gosto de farra, de nada, meu lugar é aqui, toda hora que quiser me encontrar eu tô aqui em casa, principalmente na parte da tarde, mas o bairro ele é muito… Pra quem não convive nele, num tem custume nele… É normal, de segunda a segunda, direto aqui, num tem um dia que você liga o rádio que no outro dia não tem uma ocorrência policial aqui no bairro nosso aqui.”[57]

A D. Lucelena sugere que desde o início o seu bairro sempre teve uma tendência a dar problemas. Já que o processo de “transferência” foi conflituoso, o presente também se torna. As marcas não se apagam. Ao contrário, novas cicatrizes começam a emergir na vida desses sujeitos, agora com os filhos dos “sobreviventes” das inundações da luta urbana, das misérias. Os preconceitos são ampliados e disseminados pelos asfaltos, “… você liga o radio que no outro dia não tem uma ocorrência policial aqui no bairro nosso aqui”.

A violência, os preconceitos, todos os problemas urbanos tomam várias dimensões a partir do presente que as pessoas vivem.

Para a D. Maria da Glória, a violência está em todos os lugares, seria como se os sujeitos tivessem perdido “… o remorso com as coisa, agora por qualquer coisa ês tão matando”.

A sua vida também foi conflituosa, cheia de dores, de lutas urbanas. Já a D. Divina o “… o colina antigamente…, agora melhoro muito, mas ainda acontece muita coisa”. A vida vai prosseguindo, evoluindo, caminhando nesta atmosfera urbana e desumana.

Para a D. Violeta Calazans, a vida foi mudando, tomando contornos diferentes.

“E também naquela época a gente tinha mais segurança, né, mais confiança, igual agora, a gente sai, mais sai mais preocupado com a casa.. Sê vê, igual agora grade pra tudo quantuá. É hoje não tem aquele prazo mais pra ficar na porta conversando. E a gente fica era aquela turma sabe.”[58]

O medo não é mais localizado, a vida não é mais de casas com varandas, conversas demoradas com os vizinhos. Mas de muros, empresas de segurança particular, noticiários pessimistas, o presente faz com que as pessoas relembrem o passado com um certo saudosismo.

Madalena também acha que os problemas estão em todos os lugares, não vê seus vizinhos (moradores do bairro Alto da Colina) como algo problemático, “… nunca vi nada de diferente ali…”. Também compartilha desta mesma visão, a D Abadia.

“Não acho que isso de um modo geral, né, hoje em dia é essa discussão em família,  essas briga tudo de um modo geral e tudo, num tem como. Você liga um rádio, é notícia de todo jeito, então, num é so no bairro onde a gente mora.”[59]

Apesar dos moradores vizinhos ao Alto da Colina acharem que os problemas estão disseminados e que o seu bairro vizinho não apresenta tantos problemas. E que as tensões urbanas estão em todos os poros, porém, aqueles que vivem na pele as manchas dos preconceitos, as suas visões são muito mais amplas.

O jovem Luis Carlos definiu bem essas marcas, ao referir-se as pessoas que sofrem esse cotidiano urbano. Carregam esse corpo urbano, transpiram por suas ruas, aglomeram em pequenos barracos e, antes mesmo de florescerem, são esmagados no trânsito dessas tensões.

“Ta mais ou menos igual uma mata, você olha a mata, mas tipo assim, mas você nunca olha na berada as ervas daninhas que ta no chão. Antes delas florescerem você pisa.”[60]

O jovem Luís Carlos está reivindicando um espaço, a oportunidade de poder crescer, evoluir. De poder construir seu espaço sem tantas lutas, tantos sapatos a esmagarem suas vidas. Querem poder ter oportunidades, direitos, cidadania, comida, empregos para todos.

A margens da cidade não são olhadas apenas, mas, pisadas, esmagadas antes mesmo de alcançarem seus espaços. Os rastros são apagados, outros, porém, conseguem se concretizar.

Nesse universo urbano, veias são desmembradas, pisadas.

“Nóis faz um auê lá em cima, toda época de lua cheia, nóis faz um lual lá. Eu fico lá em cima olhando, lá de cima você vê a cidade igual um fungo, sabe, ai você vai pensando, bicho, o trem ta parecendo fungo ta comendo tudo, só cresceno, cada vez ficando pior, igual um fungo mesmo. Onde você olha assim tudo escuro, ai de cima você vê os quadrado da cidade, certo, sabe, vai se alastrando roendo.[61]

Novos sujeitos vão comparecer para esse palco, novos rostos, mãos, pés de aço desmembrando asfalto, trafegando pelas ilusões, criando expectativas conferidos nos espaços urbanos. Os muros se alastram, corrompem, desenvolvem tentáculos pelos mais variados espaços, catam seus dilemas, imprimem suas marcas. E assim o universo urbano vai se constituindo, reunindo, revelando novos sujeitos.

CAPÍTULO III

Ilusões e desilusões nos caminhos urbanos

Como foi apontado no  capítulo anterior analisei as dificuldades dos moradores do bairro Alto da Colina na formação do bairro, a luta por melhorias, a falta de lazer e os problemas diversos enfrentados  no dia-a-dia. Buscou-se as várias formas de relações sociais desses moradores, as dificuldades diversas, entre violência, drogas, preconceitos, desempregos e os vários espaços de luta, de se firmarem nesse espaço. As formas de sociabilidade, lazer, religiosidade, de se estabelecer nessa cidade, nesse bairro, nesse meio urbano.

Neste capítulo, lanço mão novamente das vivências desses moradores nos seus caminhos urbanos tendo agora como “fardo” o peso das amarguras, das desilusões e de novas “ilusões”  que foram sendo criadas nos seus trajetos, nas suas expectativas.

Trabalhei os anseios desses moradores e as tensões experimentadas diante de novos emblemas, novas expectativas. As amarguras diante do desemprego, dos filhos abandonando os estudos, restando como esperança o amanhã menos nublado. Da volta dos filhos aos estudos, de “reparos” na casa. Alguns dos  entrevistados mostram muito a necessidade dos filhos fazerem cursos para enfrentar o mercado de trabalho, também mostram as frustrações diante das novas mudanças, das correrias urbanas levando as pessoas a se comunicarem cada vez menos. Outros já gostariam  de mudar para uma outra cidade, os sonhos, as expectativas são imensas.

Analisou-se também a preocupação desses moradores de estarem sempre “olhando” seus filhos para a questão da droga que está sempre presente, além do sonho de concretizarem os estudos. Percebi esses anseios quando no final de cada entrevista sempre perguntava aos meus entrevistados qual o sonho que não tinham realizado e que gostariam de tê-lo feito.

“ Eu não consigo estudar mais, porque eu tenho tanto compromisso, que eu acho que num da mais. Hoje meu sonho é que meus filhos terminem o básico, que eu possa ajudar né. É, é terminem o segundo grau, ter uma profissão, um espaço, né, acho que é o sonho de toda mãe, não é só o meu é de toda mãe.

Principalmente desses bairros aqui que tem mais necessidade, né. Aqueles que um dia consigam um trabalho, um emprego. O básico pra gente viver, sabe, esse é o meu sonho, sonho mais nada. Uma mansão, uma casa aí, pode ser de primeira, eu não, posso continuar com as mesmas coisas mesmo, não precisa ta de mudando nada, sabe. E é isso…” [62]

A D. Maria Carmem nasceu em Patos de Minas, depois mudou com quatro anos de idade para a zona rural devido ao trabalho dos pais. Voltou para a cidade com seis anos  morando no bairro Vila Operária por cinco anos e depois nove anos no Nossa Sra. da Aparecida. Depois ela foi morar no bairro  Alto da Colina, já então casada, e como tantos outros, ganhou o lote e o material para construir. Conheci a D. Carmem ao visitar a Casa da Sopa Orlando de Barros, pertencente ao Centro Espírita André Luiz. D. Carmem é responsável pela coordenação da fabricação de enxovais para gestantes, além de ajudar na distribuição da sopa e evangelização infantil.

Sua casa é simples, cheia de plantas, mãe de cinco filhos, atualmente apenas dois moram com ela. A maior preocupação de D. Carmem é com relação aos estudos dos seus filhos, que “terminem ao menos o segundo grau”. Transferiu seus filhos para um colégio do centro, diferente dos outros moradores, onde a maioria dos filhos estuda no colégio do bairro.

Para D.Carmem o importante é que seus filhos terminem o segundo grau, pois, isso significa ter um espaço e transporta esse sonho como se fosse o de toda mãe. Esse espaço seria o de um emprego, uma profissão, uma vida digna sem sofrimento. Em 2004, novamente encontrei D. Carmem, perguntei pelos seus filhos, e a resposta foi “pesarosa” os dois haviam sido reprovados um deles já é o segundo ano consecutivo e ambos se encontram desempregados. Os sonhos são amargos, pesados e consolados com pequenas ilusões.

Nem todos irão conseguir o que para D. Carmem seria o básico, terminar o segundo grau.

“O que as pessoas reclamam, pede muito né, pra melhorar é, em relação  aos jovens, né. Tinha que ter uma maneira dessa situação se contornar, sabe de melhorar, nesse sentido…

Por exemplo os meus filhos eu dô uma dura, até dez,  dez e meia eu quero que esteja em casa, né. Eles brincam com o vídeo game, tem o colega do lado que brincam. Agora  ficô aqui na rua do bairro eu tenho medo, né…, a droga ta ai, né. Então a gente tem medo.”

Briga, assim as vezes eu fico sabendo de alguma coisa, mas num tem issso. Mas, eu num vejo, né. Eu saio pra trabalha de manhã, né. Então, os meus meninos num tem grandes problemas com eles. O mais novo gosta muito de jogar futebol.” [63]

Para D. Carmem os seus filhos não podem chegar muito tarde em casa ou ficar na rua. O que tem a rua? Qual o problema com os seus outros vizinhos? Ao mesmo tempo em que D. Carmem diz não acontecer brigas no bairro, mas às vezes fica sabendo. Não vê isso acontecer, mas o medo está sempre presente, “a droga ta aí, né”, e o sonho dos filhos prosseguirem os estudos também. Expectativas, anseios e desilusões caminham juntas nos trajetos urbanos. Sonhos.Expectativas. Anseios. Desejos. Porém, fica a defesa do seu bairro, aquilo que é seu, o local, a marca, quando ela diz que não vê brigas, não tem isso, mas, logo depois, a contradição. Lutas. Permanências.

Ao mesmo tempo em que retrata seus anseios e expectativas, fica também a indagação “tinha que ter uma maneira dessa situação se contornar”, sobram sonhos, talvez alguma possibilidade das coisas mudarem. Certamente foi essa preocupação que levou a D. Carmem a transferir seus filhos para a escola do centro, mesmo diante da distância, das dificuldades, esperanças.

A luta não cessa, a vida pode se “contornar”, criar novas formas, gritar em outros cantos, outros projetos que pudessem ser visualizados.

“ Sô te minha casa mais nada, cê eu tivesse minha casa acho que tava tudo perfeito, se eu conseguisse pra mim, minha casa. Essa aqui é do meu marido. Uma só pra mim, porque como se diz. Igual a última coisa que eu queria na minha vida era casar, eu acho que a dificuldade foi tanta, o trabalho foi tanto que eu num pense, entendeu, tava como se diz de cabeça quente, na hora eu num pensei, então, nossa novinha demais.Eu casei com quinze anos

Eu do certo, eu num brigo, que eu sô muito calada, e ele nossa ele é sistemático até na tampa. Demais sitemático, e eu num gosto, o único vício é o cigarro nóis dois tem, fora isso mais nada,  ele não bebe. Só vejo ele também a noite, ele é assim do serviço pra casa da casa pro serviço.”[64]

As expectativas, os projetos da D. Lucelena se misturam com a sua necessidade presente que é uma casa mais digna e ao mesmo tempo ela faz uma análise de sua vida, as decisões precipitadas. Talvez, se não tivesse casado, os caminhos seriam outros, mas ao mesmo tempo, também fica procurando um consolo, algo que a conforte com sua decisão passada, pois, era “novinha demais”, “nossa novinha demais”. Partes de seus sonhos foram “enterrados”, “nossa novinha”, “a dificuldade foi tanta, o trabalho foi tantona hora eu num pensei”. Os fardos foram tantos, a pobreza, os irmãos  para cuidar na ausência da mãe, a falta de escolhas, de alternativas, de outra vida, sem outros caminhos, “atropelos” nos trajetos urbanos. Vidas atropeladas. “Nossa novinha demais”, seriam esses os atropelos da vida, da infância, sem juventude, o trabalho, o casamento como alternativa de vida, sem escolhas. O presente apenas o sonho de uma casa maior.

Desilusões da vida, do casamento, do passado sem escolhas, da falta de oportunidades, a osteoporose corroendo os seus sonhos, afastada do trabalho, longe da esperança. Nos asfaltos, fardos, cansaços, sonhos corroídos, expectativas diluídas. Encontrei a D. Lucelena no final de 2004 estava grávida, a barriga já estava grande, e o corpo ainda pequeno, frágil, pernas finas, braços finos, o rosto magro. Agora mais uma vida, outros sonhos, novas expectativas. Quando ingressei para o mestrado, necessitava criar contato com pessoas do bairro, foi quando comecei a visitar a Casa da Sopa Orlando de Barros. Ainda hoje visito de vez em quando, ajudo a distribuir a sopa, cestas básicas, revejo alguns ex-alunos, ex-entrevistados como a D. Abadia que começou a frequentar a casa depois que eu a entrevistei. Na entrevista que foi longa conversamos sobre os problemas do seu bairro, dos bairros vizinhos, da falta de vagas nas creches e da Casa da Sopa Orlando de Barros, e através de mim ela ficou sabendo da distribuição de cestas. Agora todo o  sábado ela busca sua cesta e assim, de vez em quando, eu revejo alguns entrevistados como a D. Abadia, Lucelena, Carmem e tantos outros. A vida vai prosseguindo, tomando novas formas, buscando novos projetos, realizando alguns sonhos, perdendo esperanças, olhando novos horizontes, criando novos vínculos, desafiando a pobreza, amargando derrotas, homens vão tecendo vivências nos caminhos urbanos.

“Ah, Patos num oferece muitas expectativa, cê vê, hoje é muito difícil, igual aqui os adolescentes quase  tudo fuma, cê vê é uma coisa que tem, mãe que vai numa reunião de escolinha e ta contano que o filho as veiz aprendeu a fumar droga dentro da escola, entendeu. Então acho que é a falta de emprego. Patos de Minas num oferece muito, igual pro cê vê, os menino do Caic é a coisa mais boa, tem lá dentro, de lá os meninos já sai tudo empregado, igual os meninos aqui de casa, o aqui o menino tem oito anos, ele faiz um mundo de coisa lá no caic, então ele só vem aqui em casa as cinco horas da tarde…

 O William ta no polivalente, o William já só chega aqui em casa as seis horas da tarde. Ai, num tem tempo, ele sai as sete horas da manhã e só chega a tardezinha. Então, os meninos do Caic, sai tudo empregado. Lá oferece, o uniforme, o projeto, né, Regina. Sê, vê, menino de lá, igual aqui no Padre Almir, dentista do Padre Almir, vai lá pro Paulo Borges ou então pro Caic. Não lá no Caic, o menino ta lá, sentiu uma dorzinha é na hora, passo mal é na hora. Então ta sempre oferecendo alguma coisa, e segurança lá na porta do Caic, lá na porta do Caic você nunca tem uma reclamação que menino saiu machucado, que acontece uma briga, que a escola tem segurança. Então acho que hoje Patos de Minas num ta oferecendo muita coisa pros adolescentes não.”[65]

Patos de Minas é uma cidade que não “oferece muita expectativa”, ou seja, sonhos, projetos, poucas ilusões, a D. Lucelena acha isso mais visível para a vida dos jovens. Para ela eram os que mais precisavam de projetos, de poderem sonhar, tecerem expectativas, visualizar novos horizontes, novos destinos, oportunidades. Restam as drogas para os adolescentes em lugar de projetos sociais, pois, como disse a D. Lucelena “Patos de Minas num oferece muito”. O que fica são as lutas, na falta de expectativas, coragem, dores, desilusões. A D. Lucelena tem como solução para os problemas sociais, o Caic e refere-se aos projetos lá existentes, onde os jovens conseguem aprender alguma atividade e assim ingressar no mercado, seriam para ela novas expectativas. Além de serem assistidos no surgimento de algum problema ela chama a atenção a todo o momento para a questão mesmo da cidadania, ser cidadão, poder ter direitos, igualdade de oportunidades, só que coloca de forma como se fosse à cidade que não oferecesse. A cidade seria seus representantes que estão cada vez mais distantes dessa realidade, dessas questões, desses dilemas.

Depois eu perguntei a D. Lucelena o que ela achava do projeto de judô do colégio Padre Almir(localizado no Colina).Hoje o projeto de judô inclui 80 participantes entre crianças e jovens que estudam no colégio. Este projeto é uma parceria da escola com a empresa Agroceres. A escola seleciona os alunos mais “problemáticos” para participarem das aulas desde que eles queiram. Os alunos, então ganham o uniforme e as aulas totalmente gratuitas. E  o professor de judô acompanha o rendimento e a disciplina do aluno, caso não seja satisfatório pode então excluir o aluno. Eu vejo com bons olhos o projeto, tive a oportunidade de dar aulas para alunos que faziam parte do projeto, a preocupação desses alunos era grande de não se verem desligado do projeto, das viagens que aconteciam quando tinha campeonatos em outras cidades. E o rendimento acabava sendo mais significativo em relação aos outros alunos.

“Não, cada um  e a sua opinião, eu acho que incentivano eles a fica mais violento, mais violento porque minha própria cunhada aqui, do lado de cima, tiro os dela por conta de ta usano, porque pro cê vê quebro o braço do outro usando o que ele aprendeu lá na escola. Pra uns né, que tem uns mais calmo. Mas tem uns sempre mais violento, acho que… Acho que incentivo eles a ficar mais violento porque cê tem que vê menino sai da escola e fazeno coisa do outro mundo.”[66]

O fato da D. Lucelena não concordar com o projeto é muito maior que a questão da violência que ela atribui ao projeto, que seria mais um gerador de violência. É que ela gostaria que tivessem mais oficinas como as do Caic. Essas oficinas ensinam atividades que poderiam facilitar o ingresso ao mercado de trabalho, como as aulas de computação, bordado, pintura que acontecem hoje no Caic. É a necessidade de terem que aprender alguma atividade, é uma nova oportunidade,  seria a busca de expectativas, sonhos e não desilusões, violência, desempregos, mas oportunidades, espaços em meio a tantos conflitos.

Em meio a desilusões esses sujeitos vão criando novas ilusões, necessidades. A D. Lucelena deixou muito claro à vontade de ir pra fora, outra cidade, ter novas oportunidades.

“Meu marido ele é adestrador de cavalo, trabalha lá no parque, não igual ele, já chamo ele, igual lá em São Paulo é assim, igual ele é muito bom de serviço, já acostumo a monta na época da festa, essas coisa. Eles falam pra ele vamo lá pra São Paulo, lá é melhor tal, né.. Ele trabalha pelo clube do cavalo, não tem nada a ver com o sindicato, ele trabalha de domingo a domingo, não tem uma folga.”[67]

Expectativas são essas chamas que alimentam a vida desses sujeitos. No final da entrevista a D. Lucelena me acompanhou até a porta de sua casa e ainda continuamos a conversar.Ela disse que o marido tinha que levantar as quatro da manhã, e na época de frio ele ia trabalhar com um cobertor nas costas, pois, não tinha blusa de frio. Também, ela tinha que levantar cedo para preparar o café e a marmita do marido. Tudo isso faz com que ela tenha sonhos, projetos. Esses sujeitos vivem vidas difíceis, duras. Num país onde os direitos têm sido transformados em ajuda restam apenas sonho. Nos dizeres de Vera Telles onde para os pobres “ … é reservado o espaço da assistência social, cujo objetivo não é elevar condições de vida mas minorar a desgraça e ajudar a sobreviver na miséria. Esse é o lugar no qual a pobreza vira “carência”, a justiça se transforma em caridade, mas pela prova do que dela está excluído.” [68]

Tudo isso tem levado esses sujeitos a criarem novos projetos, alguns idealizarem uma outra cidade para morar, como se fosse à solução para os problemas existentes.

    “Ah, não agora é aqui mesmo, agora a casa é minha  né. Eu agora num to em condição, que agora se eu vender  essa  casa e se desse pra mim comprá otra tudo bem que num é que eu gosto mais a gente já acostumo. Mais se eu pudesse eu mudava pra aqui é muito difícil. Pro ce vê pra eu consulta em dezembro e foi agora que ês me chamo, ota veiz eu fiz uma como é que fala, endoscopia. Pois, é, demoro um ano pra mim fazê, ai pra mim entrega o resultado demoro seis méis se fô uma coisa grave.Uai, que vê tem uma vizinha minha pru baxo dessa ota casa aqui, ela tinha problema serissimo no celebro, um tumor no celebro, marco pra marca uma consulta pra ela pra manda ela pra fora com essa cirurgia, o dia em que feiz seis méis aqui em casa que mandasse ela pra faze cirurgia, mais eu falei tanta coisa como seis méis, quando precisa faze uma cirurgia é rápido. Agora oceis espera a pessoa morrer pra depois chama pra faze a cirurgia. Foi até que ela morreu sá, uma muié nova ela tinha uns vinte e poco anos, foi no Regional, foi ali no São Lucas, ela tinha ido em quase todos os hospital aqui, no hospital Nossa Senhora de Fátima também ela fiz radiografia no celebro, mais precisava de ir rápido. Ês deu encaminhamento sô que tinha que esperar a vaga, ai quando era pra ela ir ês num chamo não, mais depois de seis meses que ela tinha morrido é que ês chamo ela.

Mas, aqui acontece isso sim, sempre acontece. E é assim desse jeito que acontece, aqui ser humano vô te contar sofre muito mesmo.

A gente temo o dinheiro vai lá paga ês faiz na hora, agora se fô pagar ês faiz na hora, agora se fô pelo SUS é desse jeito é complicado que ai pelo SUS cê  tem que espera até um ano, até dois ano. Que eu fiz esse exame de vista e já tem mais de um ano que eu marquei essa cirurgia, esse exame, sabe e eu ia ter que faze uma cirurgia  então, vai ficando, essas coisa assim.”[69]

Para D. Antonieta, o ser humano principalmente onde ela mora, tem sofrido muito, não tem sido atendido, como deveria, a espera de uma vaga para consultar é muito demorado, falta agilidade, dignidade, compromisso com a saúde, com a vida das pessoas, dos cidadãos. Falta respeito. Sobram carências. Faltam empregos. Restam filas. Dores. Apertos. Perdas. Já, para D. Eva “é muita gente”, os governantes não dão conta devido ao excesso de pessoas com dificuldades.

“Não, né quando precisa ês até vêm ês fala que ês num olha (policiamento), mas eu acho que olha sá (jovens viciados). É que é problema dimais, sabe.Como diz ês num dá conta, e num dá mesmo não, um tiqui que a gente sai na rua a gente vê.

Tem horário tem toda hora, (transporte público) só que é cheio dimais, mais é que é muita gente né…

Antigamente eu ia (casa da sopa Orlando de Barros) ajudava lá e é até um instistimento né, mas eu acho que aquês muié a maioria podia trabaia né. Num é  só vive só de lá não. Nossa é gente dimais, nossa teve um dia que eu passei…, nossa aquilo enche de gente, de muié, se vê aquês muié gordona mesmo.” [70]

Os problemas para a D. Eva se dariam devido ao excesso de pessoas, ao mesmo tempo em que narra os problemas, ela faz uma análise das causas, o número de pessoas ociosas que deveriam estar procurando um trabalho e ficam dependendo da ajuda de outras pessoas. Outros problemas seriam a quantidade de jovens viciados, “gente dimais”, isso bastaria para as autoridades não “ conseguirem”  solucionar esses dilemas, assim, como o excesso de usuários do transporte público.

A única frustração da D. Eva é devido ao abandono dos estudos por parte de seus filhos, os dois menores ela espera que terminem. Quando perguntei se valeu a pena ter deixado à zona rural e vindo para a cidade, ela foi muito enérgica ao responder que valeu,  ou seja,valeu ter conseguido trabalho, construído a sua casa, os filhos casados, a esperança dos filhos mais novos terminarem os estudos, os projetos para reformar a moradia. Tudo isso valeu a pena. Os trajetos urbanos não são apenas amarguras e desilusões.

“É tudo de lá mesmo. Não eu ia lá era no tempo da mãe, muito nada lá de vez em quando. Não arrependi assim porque que quando eu casei, quando num tinha menino era nova né eu num vi já de uma vez. Ajudava uai, ajudava na roça, ajudava ela lavava ropa e num recebia não minha filha. Num deu nada, nem uma casa. Trabalhei dez ano. E ela falo né que eu num podia muda pra cá não porque eu tinha minino eu ia passa fome. Ela não sê vai vê. Pensei, ah. Num arrependo não”[71]

Agora, para a D. Elza, as amarguras foram muitas, as desilusões imensas, mas a vontade de vencer foi muito maior. No passado o abandono da mãe, o trabalho ainda criança, a vontade de ter prosseguido os estudos,  a luta por vencer o alcoolismo, construir a casa própria, educar os filhos, foram muitos trajetos. E ao responder as  perguntas ela sempre dava um exemplo de vitória de alguma conquista do passado. Desde a fuga da casa do pai quando pequena conseguindo achar sozinha a casa da avó, depois outra fuga sempre associada à obstinação, a insistência, a garra, “eu era do queixo duríssimo”, sempre respondia, sempre desafiava. Esse desafio era muito maior do que responder, brigar com a madrasta, com o pai, mas desafiar a vida, a miséria, o desemprego, o álcool, o nada.

“Ah, lá do bairro, né eu fui trabalha lá no bairro caiçaras de doméstica. Lá eu ia da escola, da escola eu voltava pro serviço de novo, depois que ia pra casa. Depois eu adoeci… deixa eu vê, depois meu pai veio e me levo pra BH…

Ah, a melhor fase da minha vida, hoje eu conto e falei que vô conta pros meninos bisneto. Meu pai me pego e levo pra Patrocínio eu e minha irmã mais velha. Eu tava com onze ano e ela tinha doze na época. É a gente foi passear a minha irmã tava morano lá a mais velha do que eu. E eu nunca tinha morado com meu pai, né, quando eu era criança, né. E a minha irmã, a mulher dele era uma bisca, sabe. Ela só sabia bater e quem apanhava mais era eu, sabe, eu não calava, eu tinha o queixo duríssimo.

Eu tava com nove anos, eu fui pra lá numa sexta-feira pra passear e meu pai me prendeu lá. Era pra volta no domingo ai ele falo que eu num ia volta mais. A minha irmã mais velha já tava lá e minha madrasta comprano ela cum ropa e mais ropa tudo bonito, o dia que a gente…

Ai nois, eu falei vamo embora e ela não, eu num vô não e eu não, vamo embora Sá. Eu vô ocê num vai não. Ai ela pra eu num vim sozinha nóis veio de Patrocínio  andano até o Patão a pé.

Fugindo e menina do céu, meu pai, era sabe e eu fui lá passear e ele me tranco. E eu num gostava nem de Patrocínio nem da mulher dele e eu fui lá e ele me segurando e mesmo assim eu trouxe a minha irmã, sabe. E antes disso quando a gente morava em BH, a minha irmã avó ia lá a gente morava em boa vista e meu pai começo a bate na minha irmã e foi bateno, bateno e eu peguei e fugi e fui para do outro lado da cidade, sozinha. Sabe, atravessei o viaduto, sabe, não, até a minha avó menina do céu…

Eu lembro até a roupa que eu tava, eu tava com o vestido que eu usei no casamento de minha mãe, assim que ela casa e feiz um vestido pra mim e pra minha irmã mais velha do mesmo jeitinho, branco e de corpinho e parece uma gotinha d’água tudo branco…

Ela morava numa favela, num conjunto antigo, sabe. Lá em BH e quando… eu fui com medo do meu pai ta bateno nela e me bater também, sabe. Depois no outro dia ele já tinha andado BH inteira, aonde ele conhecia os lugar que a gente  conhecia ele foi atrás de mim foi me encontra lá na dirdinha. Ou, mais eu lembro que  ele abraçava assim e falava que tinha medo de ter acontecido alguma coisa. Pro cê vê que inteligência, né, eu sai de um lugar pro outro. Ai  com o tempo a gente veio e estabilizo aqui.” [72]

A D. Elza nunca aceitou o conformismo, a madrasta indesejável, o descaso das colegas de trabalho, a dureza da vida. A cada dia sempre confrontava os desafios da vida com sucesso e com vitórias. Tanta obstinação é algo que faz questão de contar futuramente para os netos, bisnetos, porque significa sua determinação diante dos desafios. Sua vida sempre foi de luta de “queixo duríssimo”, nunca curvou ou desistiu, mas tinha determinação, vontade, garra.

As desilusões foram combatidas, as amarguras, lembranças. O presente, a D. Elza quer apenas prosseguir os estudos, já terminou a oitava série, agora falta terminar o segundo grau.

Para a D. Abadia, as desilusões em relação ao salário são grandes. Na época da entrevista o salário mínimo estava no valor de duzentos e quarenta reais, ela trabalhava quatro horas por dia e recebia cem reais.Para ela deveria ser pelo menos a metade do salário mínimo, chegou até a conversar com o prefeito. Diante da vergonha do baixo salário, é obrigada a complementar a renda da família, trabalha de manhã na prefeitura e a tarde como empregada doméstica e “carrega”, como sonho, ter algum dia dinheiro para pagar uma faculdade pros seus filhos. Uma das suas filhas foi minha aluna, a Paula. Era a melhor aluna da sala, sempre estava ensinando os colegas a fazerem os exercícios. Era com pesar que eu sempre  olhava  tanto talento  que dificilmente essa nossa sociedade vai deixar florescer, não sei se ela gostaria de ingressar numa faculdade, ou qual seria seus sonhos, projetos, mas penso que sim. E no fundo ficamos torcendo para que isso aconteça.

A D. Abadia foi uma entrevista muito rica para mim, encontrei uma pessoa que exercia a profissão de gari e de doméstica, mãe de filhos adoráveis, me recepcionou maravilhosamente bem em sua casa simples. As paredes ainda no reboco, sem pinturas e poucos bancos para sentar, roupas penduradas no varal no meio da cozinha. Ela se mostrou  muito a vontade para falar diante do gravador. Os outros entrevistados, de início, mostravam-se receosos. D. Abadia não. Disse que até se eu quisesse utilizar a gravação para pesquisa em sala de aula, não teria o menor problema. Eu esperava encontrar alguém rude, de linguagem empobrecida e de pouca receptividade. Talvez, todos nós, quando saímos de nossas casas um pouco mais confortáveis esperamos encontrar o outro, o trabalhador, o gari, o pedreiro, o carroceiro e tantos outros apenas com farrapos, por vezes somos surpreendidos nas nossas mesmices burguesas. Tantos talentos submersos, tantas vidas apagadas nas durezas das desigualdades. A maior pobreza se torna a nossa de não enxergarmos esse outro ser que quando esbarramos pelas esquinas da vida, já vem o receio de sermos assaltados. São esses olhares que temos criado a cada – dia.

“Aí, é assim, igual por exemplo, tem na época do café, né. Na colheita do café na época da colheita tem muita gente do bairro, o ônibus passa aqui acho que é único da  manhã, é varia a época do ano quando tem época do café é muita gente que vai e tem as que trabalha de empregada doméstica…

É mais ou menos as veiz faiz bico, fica desempregado é tudo quase ao mesmo tempo, dependendo da sorte, vamo supô que a gente eu por exemplo consigo serviço, a Lúcia colega minha consegue, é  quando a gente trabalha de doméstica, as veiz a gente ta gostano do serviço, mais o patrão tem que por causa de é … ah, a  firma ta quebrando enfim, a dificuldade em casa, então, o trabalho de doméstica é mais difícil, fica mais sem serviço

Então tem colega minha que trabalhava por mês agora tão trabalhando treis veiz na semana e tem umas que vai só uma veiz na semana pra da faxina e ganha ai a metade do preço..

Igual eu trabalho no Aurélio Caixeta (bairro) então, assim pessoa rica , né então a gente sempre vê eles falando, né, negócio do desempregado, hoje num ta fácil não…

Hoje a gente vê a própria dona de casa com a mangueira lavando, ai a gente fala ai cadê a fulana, não ta despedida qu eu to se quandição de paga. E as veiz assim uma senhora as veiz ta até viúva mais uns dois rapaiz igual é o caso de uma que teve, então paga outra pessoa pra ajuda. Então eu tenho conhecimento que as pessoa mais rica mesmo que tem condição melhor num ta dano.

É, eu vô ficano por aqui mesmo,eu falo pro meu marido se ele comprar uma fazenda eu vô embora pra fazenda ai as menina, ah não,mãe…

Eu acho assim mesmo, Deus me da minha saúde pra cuida dos meus filhos e um dia mantê uma faculdade,eu tenho uma renda baxa meu marido também, então. A gente num da conta de faze muita coisa por eles, mas no mais como se diz o outro eu num tenho muito o que sonha mais não. Quando eu sonha era quando eu era menina que eu tinha de estudar, né.”[73]

A realização dos filhos estudando também se torna uma concretização de seus próprios sonhos que não foram possíveis, o presente para a D. Abadia, além de estar melhorando a casa se preocupa com os estudos dos filhos já que o salário pouco promete, e talvez a volta para a zona rural. Sonho que também é o de seu pai. Quando ela me falou de sua trajetória fiquei, curiosa para saber de seus pais também. D. Abadia saiu da zona rural criança ainda para trabalhar em casa de família, como fez questão de salientar. Depois sua mãe adoeceu, e seu pai, então, vendeu a fazenda. Perguntei se foi difícil à adaptação de seu pai.

“Eu vim pra cá pequinininha, meus pais ficaram nas Pindaíbas, eu vim a trabalho eu acho que eu tinha uns nove, nem nove eu ia completa ainda. Aí passo algum tempo meus pais vieram pra cidade vendeu, a minha mãe adoeceu ai eles venderam a fazenda lá ai es vieram pra cidade e ai ês ficaram morano aqui…

Eu já vim empregada, de primeiro era assim, a gente vinha direto com ah, … era até a patroa que buscava a empregada na casa do pai,  que era uma responsabilidade e tanto, era assim eles costumavam a falar que era pra gente conviver assim com uma criança tomar conta, mas, isso trabalha, mais. E os filhos eram muitos bons, eles obedeciam mais, né. O patrão era a mesma coisa, que pai, a convivência era muito boa, era tudo diferente, sabe. E se falasse não é não pronto.

Não, meu pai foi fácil sempre foi uma pessoa calma tranqüila, ele sempre trabalhava em lavora, sem estudo. Como se diz aprendeu assim no lombo, é, assim um tempo atrás tinha o Mobral, né. Ai ele entro mal sabe escrever o nome, mas num tem estudo não, era lavoura mesmo.Depois ele conseguiu lá na Agroceres e fico lá muito  tempo…

Assim, até hoje ele trabalha pra ele carrocero, né, e ele fala que tem vontade de mudar pra roça, mas, tem que ter uma companheira, né. A companheira anterior que ele tava morano com ela eu num sei que ele arrumo, num sei que ele vai fazer da vida não.”[74]

A D. Abadia olha tudo a sua volta com tanta positividade, sem pesar, parece que tudo valeu a pena, tudo está bom, mesmo a volta ao campo. Valeu a pena, os filhos prosseguem os estudos, a casa própria, mesmo faltando tantos acabamentos, o emprego de salário minguado. Mas, significa que valeu a pena, tem um trabalho, uma casa, seus sonhos, sua vida valeu. Tem valido a pena. Mesmo sem saber como vai ser de agora em diante  se conseguirá pagar uma faculdade para seus filhos, restam ainda sonhos, projetos.

Ao mesmo tempo também D. Abadia analisa as dificuldades de seus vizinhos, as necessidades que poderiam ser suprimidas se não houvesse ausências de projetos sociais.

“É vê televisão, é o final de semana pra ês, é muito num tem nada aqui no bairro. Rua de lazer, quando é ano político ai ês faiz, mais, assim se num fô é muito raro…

É aqui eu converso muito com os menino porque os menino aqui no bairro, que o Promam é muito perto do rio é lá em baixo, aí é muito difícil, é ta certo que as veiz que a gente num tem que da opinião, as veiz e tudo, é bom se tivesse feito um promam aqui. Hoje os menino de lá ganha 35 reais, né na medida que ês vão atendeno ês vão ganhando pra ês, então, assim, e ficava mais próximo, pegava esse vairro aqui, né, e  e evitava coletivo e evitava menino atravessando de um lado e do outro da  cidade, né, que é muito longe, chega da escola correno, quando é meio dia e quinze tem que pega o coletivo do Novo Horizonte. Então, o certo mesmo seria, o mesmo entre o morador, né, assim, o mesmo o presidente do bairro, das pessoas assim que pretende fazer um promam, uma coisa que tirasse os menino da rua, sabe, pra ês te uma atividade. Lá te tem mais vaga é de manhã e a maioria estuda de manhã.

Então pro bairro, pros adolescentes de 10 a 16 ano a idade critica, né é que falta projeto, um tanto de coisa mais… ajudaria um pouco, né.”[75]

A fala da D. Abadia se acompanha com tantos outros entrevistados que vêem o mesmo problema. Mas, falta vontade política, enquanto isso ficam os jovens transitando de um lado a outro da cidade. E essa preocupação de uma atividade para os jovens, além de eles terem um ofício, também minimizaria as brigas no bairro, seriam menos jovens ociosos. O que representaria uma qualidade de vida melhor.

Enquanto isso, resta as conversas sem resultado com o  Prefeito que, para aumentar o salário dos garis, vai pensar num projeto, mas ao ligarem a televisão suas indignações apenas vão aumentando.

“Eu acho que só Deus mesmo pra ajuda os grandão mesmo a conscientizar, eu tava assistino horário político e apareceu aquele tanto de deputado, né. E eu santa misericórdia só Deus mesmo pra da conta recebe mais de 30 mil capaz no ordenado deles, então. Esse povo lá ta com nosso dinheiro, ai num sobra nada cá pra baixo  mesmo não. É por isso mesmo que o povo ta brigano na política mesmo, né, cada ano que passa…

Já trabalhei de empregada doméstica, de babá de passadera, lavadera, de diarista. Não na prefeitura nois trabalha de seis as deis da manhã e nois ganha 100 reais eu trabalho ali no Nova Floresta treis veis por semana, é … é ruim mesmo so de te uma carga horária na cabeça, ai a gente realmente. Asssim, outro dia eu tava reclamano com o cara que trabalha lá, né, ele não, seis faiz as conta pra voceis vê parece que quem ganha trabalha oito horas por dia, ganha um salário mínimo, né,  parece ai ceis calcula o trabalho de voceis é de seis as deiz, então, pela base tem que sê isso mesmo, ai, mesmo assim eu mais uma vizinha fomos na prefeitura e falamo pro Zé Humberto (Prefeito). Pra ês da um aumento pra nóis, mais, eu falei, mas pelo menos ce pensa numa idéia C~e estuda uma coisa assim, né. E ele, não vô monta um projeto e vejo o que eu arrumo, né. Ai ele vai vê como ajudar nóis.

Ai lá no Nova Floresta eu trabalho treis veis por semana ai eu vô depois do almoço, segunda, quinta depois do almoço e no sábado eu vô de manhã.”[76]

“As pessoas que sabe mais não  procura ensinar nada pra ninguém, é essa a minha indignação. Quanto pior que a pessoa  estiver, melhor ela vai ta, que não vai pisar no calo dela. Então, ninguém procura ajudar ninguém, sabe, tipo cadeia, reformar o ser humano, ensinar a ele uma profissão, qualquer coisa que ele pode fazer é bom pra tirar ele daquele mundo, daquelas drogas, vô te falar droga, se você não tiver uma coisa que te interessa mesmo, sabe, um motivo forte mesmo, pra você largar dela, não larga não, nunca larga…

Aqui você já vai crescendo com a cabeça sabendo que você num vai ser nada. Você cresce com a sua autoestima em baixo mesmo. Mais tem muita gente que não ta nem aí não. Tipo no colina mesmo tem gente que trabalha o mês inteiro pra ir numa loja e comprar roupa cara pra ir ai num baile, e chega no fim do mês o dinheiro dela acabo, fica devendo.”[77]

Tantos jovens como adultos têm as indignações, os descasos, o banal, a normalidade dos indivíduos diante da opulência e da miséria e os que “sabe não procura ensinar nada pra ninguém” . Somente descasos.

“O problema que eu vejo é a tal da pedra que chego aqui em Patos, tem poco tempo, já vejo neguinho aí que era gente boa, já ta roubano, vendendo tudo que tem.

José Geraldo ele é nordestino, tem um disco que chama  terceiro mundo, a capa do disco dele é um monte de prédio e um curral no meio da cidade e um cara tirando leite em cima do prédio, tem uma música dele que fala assim, isso aqui anda tão sujo, bem mais sujo que um grande curral, com tanta boca ta faltando cocho, ta faltando sal. 

Meu pai, o que ele mais fala é em fazenda, agora ele arrendo, só que agora ele não ta dando conta de mais nada já ta velho. Mas, a vontade dele era isso, vende a casa e comprar uma terra, minha mãe já brigo demais com ele por causa disso.”[78]

Tá faltando cocho, tá faltando oportunidades, espaços nos caminhos urbanos, ta faltando, tá faltando comida, tem muito gado, tem muita gente e num tem nada. Não tem empregos, não tem cursos para os jovens se profissionalizarem. Agora para a D, Lucelena talvez se trocasse de prefeito as coisas iriam melhorar.

“Agora pra acaba de melhorar o prefeito tem que sair, que esse prefeito nossa, esse prefeito infelizmente, ele não fez na, nada,nada. Cê vê  ali ele ta entregano casa ali o lote inteirinho, um lote igual esse aqui em dois lote, ele ta construindo, ele ta fazendo favela ali em cima, ce vê, a Chiquinha freqüenta muito a casa da sopa tamém, ce vê ela tem nove filho, dois cômodo e um banheiro, não compensa. A Vilma que morava aqui, ela morava só num cômodo com seis filhos, ele jogo ela lá também. Eu acho que pra Patos ficar melhor tem que sair esse prefeito

São vinte e oito que ê entrego pronta, agora tem essas que ês ta entregano meio lote, que ês partiu, fazeno elas de cumprido, eu já vi cinco dessas.Ele ofereceu pra mim maia minha irmã, falô pega meio lote, eu falei , eu já moro em meio lote, num tem como, eu quero um lugar pra pó minhas coisas, igual todo mundo falo, porque que ocê num tem um filho, eu falei num tem quandição.”[79]

Se as autoridades perguntassem às pessoas sobre suas necessidades, certamente não surgiriam tantos. Isso é afrontar a dignidade humana. Jogar corpos amontoados em espaços reduzidos. Como disse a D. Lucelena, ao invés dos governantes melhorarem a qualidade de vida das pessoas, eles próprios vão criando os descaminhos urbanos, a favela. Para a D. Lucelena, favela seriam pessoas viverem tumultuadas sem espaço, sem cômodos para poderem construir, redefinir de acordo com suas necessidades, padronizar as necessidades de cada um.

 As mudanças são perceptíveis, vão acontecendo no dia-a-dia, nas necessidades cada um. Os valores também vão sendo reelaborados, novas formas de convivência. Para a D. Violeta o medo de receber um vendedor em sua casa  são coisas que não aconteciam no passado.

“Olha, eu já dei aula em São Pedro da Ponte Firme, é, você fazia baile, fazia aquelas festas, é, nossa é diferente demais, todo mundo, e era assim aquele coleguismo, sabe. Então, todo mundo dançava quadrilha, todo mundo tinha, é, é… uma vida assim, é, bem mesmo, sem nada. Agora hoje tudo que você  é… com medo, né…

Não, até um vendedor, né, que vai venderuma coisa você tem medo de comprar, uai. A segurança eu num sei, as veiz, eu falo, assim as veiz é a mudança demais um fato assim, quando tem um pouquinho de respeito, das pessoas a vida era boa, agora num tem nada disso, num tem respeito, num tem respeito, num tem nada. Sê vê um policial passano ai, é a mesma coisa de num ta passano nada. As pessoas mais velha … tanta coisa que ta acontendo, né.”[80]

Essas pequenas desilusões também vão ocorrendo na vida desses sujeitos, não são apenas as amarguras das derrotas, dos projetos não alcançados. Mas também, de alguns, a perda de valores, a correria no dia-a-dia que vão fazendo perder o contato com os amigos.

“Não, eu tenho saudade, era mais unido e tinha muito vizinho aqui, assim, tinha muita amizade, o pessoal conversava muito, a gente encontrava muito. Agora foi ficando muito assim, o pessoal todo mundo correno pra trabalhar, né Sê vê, igual aqui, o pessoal sai cedo chega de noite, né.”[81]

A D. Violeta sente um certo saudosismo em relação ao passado. O presente foi ficando calmo, monótono, com tantas mudanças  acabaram por incorporar novos valores . De professora primária na zona rural, hoje aposentada com os filhos já casados, os amigos todos na correria do dia-a-dia, faz com que ela sinta saudades do passado.

Já para o jovem professor Antônio José Maria, sua vida até os dias de hoje tem sido muito dinâmica, sempre mudando de uma cidade para outra, em busca de estudos, trabalhos. Tudo isso faz com que  ele se sinta frustrado em relação a cidade de Patos de Minas. Ele gosta de onde mora, mas, não vê muitas perspectivas de trabalho, de melhorar de vida.

“Eu saí da minha localidade pra estudar, lá não tinha o segundo grau. Eu sai com o objetivo de estudar, fui pra Lagamar. Eu formei em 87, lá. Depois de lá eu fui pra mineira, em Vazante. Eu fiquei na mineira um ano e meio.

Lá me deu vontade de estudar de novo, eu tinha feito contabilidade, então resolvi a fazer o cientifico, ai eu vi que era mais um diploma que eu ia arruma de segundo grau, então, de lá eu fui pra Uberlândia. Em Uberlândia eu trabalhei de barman . Trabalhei ao lado das Lojas Americanas, morava em republica. Depois, eu trabalhei uns quatro meses de barman, depois eu larguei, depois eu arrumei um serviço de Office-boy. Eu tava primeiro morando num pensionato , depois que eu fui para uma  republica, eu e mais seis colegas, cada um de uma cidade diferente….

Só pra trabalho mesmo, eu prestei vestibular de educação física, na UFU, não consegui. Aí, eu não consegui, eu voltei pra São Brás, de São Brás lá tem uma festa que chama Festa do Arroz. Então, nessa festa eu encontrei com um primo meu de Brasília, e ele mando eu vir. Ai fui pra Brasília, teve um concurso público federal, né, do corrreio e eu fiz a prova e passei de primeira. Tava com uns 22, 23 anos. Antes eu trabalhei com materiais descartáveis , eu trabalhei com materiais descartáveis nove, dez, meses.

Brasília eu morei seis anos e meio. Não, prestei vestibular pra geografia, passei, em formosa Goiás, mas não quis fazer faculdade. Por causa das despesas, da distância. Ficava caro pra mim….

Ai, por causa da distância, da correria, do transporte, o cansaço não deixa eu encarar. Lá dentro do correio mesmo eu fiquei quatro anos. Tentei transferir aqui pra Patos, mas vim pra cá tentei vestibular pra História, passei no vestibular, fui aprovado, mas eu num consegui a transferência. Como a faculdade aqui é particular, aqui… eu  num vi embora, porque, como é que eu ia chegar aqui sem trabalho, então não tinha condição. Ai fui embora. Isso demoro dois anos, o primeiro ano eu não consegui, cancelei a minha faculdade aqui. E no ano seguinte, eu prestei novamente, no inicio do ano, ai eu vim de novo e passei. E quando foi no dia 12 de dezembro, minha transferência saiu, no dia 16 eu já tava dentro de Patos…

Não, é uma cidade boa pra se morar…é mas, não existe uma cidade boa… é, uma cidade fértil igual Patos, a todo vapor, que não existe igual Patos é, surgindo novos bairros, mas, não existe uma cidade boa se não tiver campo de trabalho pra população. Então, não adianta só morar na cidade, né, te uma qualidade de vida. A qualidade de vida também envolve, né…num adianta ter clima bom, sem violência, sem a correria das grandes cidades, Uberlândia, Brasília, né… e das violência, e ainda não é violenta em proporção ao tamanho que a cidade ta crescendo, da população, ainda não é considerada uma cidade violenta, uma cidade boa .

Mas, o que falta em relação às cidades grandes como Uberlândia é questão de industria pra solucionar o problema … é , pra melhorar a qualidade de vida da população, né. A cidade cresce e acaba que no problema da violência futuramente, senão tem industria.”[82]

O passado do professor Antônio foi muito corrido, intenso, sempre em busca de estudos, trabalhos. Mas, ele ainda não achou seu lugar. Pretende se mudar de Patos de Minas. Disse que tinha vontade de ir pra Palmas (Tocantins) dar aulas, acha que lá teria maiores oportunidades. Com um passado de tantas mudanças, tudo isso  tem levado o professor a  querer procurar uma outra cidade. Apesar do discurso de “cidade fértil”, frase sempre muito usada pelas empresas da agroindústria nas propagandas ao longo do ano e que se tornam mais intensas na época da festa da cidade, mas, mesmo isso de nada adianta. Faltam empregos, indústria, não adianta a cidade ser considera pouco violenta, de clima bom, gente hospitaleira, faltam condições para se viver, faltam trabalhos, oportunidades.

Ao mesmo tempo em que ele denuncia essa falta de oportunidades, também mostra que é possível contornar. Pois, saiu de uma cidadezinha do interior, foi para Brasília e passou no concurso para trabalhar no correio e de primeira, ou seja, venceu, conseguiu.

Sua vida sempre foi de muitas mudanças, algumas vezes não conseguiu no momento que queria, mas depois continuou tentando, não queria só mais um diploma de 2º grau, queria ter curso superior, um trabalho, uma cidade que lhe oferecesse oportunidades. E agora Patos de Minas já não está mais oferecendo tudo aquilo que Antônio gostaria para sua vida. Assim, como a D. Lucelena gostaria que seu marido tentasse melhorar a vida em São Paulo. Esses sujeitos elaboram novas ilusões, projetos, outros caminhos possíveis ou não diante das desilusões, dos fracassos.  

As dificuldades no dia-a-dia fazem esses sujeitos repensarem suas trajetórias. Analisam, tiram conclusões positivas, pessimistas, trabalham em novos projetos, visualizam novos  caminhos. A cidade toma proporções imensas. Os desejos não acabam, e assim sujeitos, vão reelaborando suas vidas, fazendo novas amizades, dinamizando a vida, a cidade, amalgamando valores. Buscando soluções, cruzando com as frustrações, trazendo novas vidas, novos caminhos.

Bom, são vários os sonhos eu num tenho um só, são vários. Eu tenho um sonho, por exemplo de chegar a diretoria de uma escola. Eu tenho um sonho de terminar de pagar a minha casa, de quitar, minha mesmo própria, que ainda não é propriamente minha, propriamente dita não é minha, e ter um carro…

Ah, eu tenho do meu tempo de escola, é.. sonho, sonho meu era trabalhar em algum projeto social sem política no meio… tipo uma ong independente, sem envolver prefeito, vereador, com o apoio da comunidade, e também pra não me tornar um  político.

Por exemplo eu tinha vontade de ter por exemplo um  poliesportivo, um ginásio, pra criança, eu tinha vontade, mas, sem envolver político, por que quando envolve essas coisas geralmente em época de campanha acabam usando o nome. Não, é em São Brás que em São Brás eu conheço, é um lugar menor e é um lugar que eu tinha vontade de crescer, né.”[83]

Quando chegar a ser diretor de uma escola talvez, novas expectativas irão surgir, novas necessidades como de um carro, conseguir quitar a casa própria. Assim os sujeitos vão caminhando, diante de ilusões, projetos, expectativas.

A D. Eva está sem trabalho atualmente, mesmo assim não arrepende hora nenhuma de ter vindo para a cidade, ter tentado, ter lutado. O seu único arrependimento foi o de não ter vindo antes, ter ficado tanto tempo sem receber  nem sequer um salário trabalhando na zona rural. Atualmente está tentando arrumar um trabalho, colocou anúncio num dos classificados que circulam semanalmente pela cidade. Ela sente orgulho de ter saído da zona rural e arriscado a vida na cidade. Foi se aperfeiçoando, fazendo cursos.

“Não, nessa época era sá, diara, se eu quisesse trabaia duas veiz por semana eu trabiava que tinha serviço direto agora ta mais dificil, e eu tive que parar, né porque ela adoeceu, né, eu tive que parar eu dexava com a Viviane, mais depois a Viviane tava trabaiano tamém.

Não faxina, só, só, eu não troco faxina  por sirviço nenhum, que a gente ranja né, de doméstica. Não Sá, eu num tenho um pingo de arrependimento, não, como diz era mais difícil porque ocê num tinha um médico, era muito doente os menino tamém era e aqui não, aqui é difici mas, eu cheguei aqui né, eu num conhecia ninguém depois eu fui arrumano, sabe. Depois teve aquês curso do sine, eu peguei fiz tudo, sabe. Porque o que deu preu passa eu passei , sabe. Ês me puseram mais foi na faxina, pruquê tinha mais  pricisão era nas faxina do que lavadera do que passadera, né. Eu lavava mais e dava faxina. Assim, os curso que eu fiz valeu poco, porque ês me pôs foi nos sirviço mais pesado,né.

Mais, eu também dizanimava, tinha dia que ês xingava a gente das quês coisa mais triste, mais nóis num sabia de nada mesmo (fala rindo, um riso de vergonha e tristeza)

Uai, hum sonho que eu gostaria é de ta arrumano um forro sabe. Troca as teia já apodrecida, sabe. É a teia tem que troca que tem dia que eu vo barré sabe, pra fora ai aquês  pó no meio da gente é até uma praga, né com calma a gente rruma”[84]

D. Eva chegou a me mostrar dois sacos de cimento que já havia comprado para reformar a sua casa, porém agora diante do desemprego  o sonho vai ter que ser adiado. A sua vida toda foi uma luta, vitoriosa, sobram  ainda sonho, expectativas. Desejos que seus filhos mais novos prossigam os estudos. Expectativas  de conseguir um trabalho, sonhos de uma casa melhor. E assim a vida caminha junto com os sonhos, projetos, dilemas. Tropeços.  Recomeço. Ilusões.

A D. Antonieta gostaria de estar melhorando sua casa além de poder pagar cursos  para sua filha e sua neta. Gostaria de poder comprar um computador para elas, sabe  que vai ser muito difícil de conseguir, fica então o sentimento de frustração e esperança.

“Mas que eu vô pedi, que eu gostaria de realiza é…, eu tenho certeza que eu não vô consegui não. O que eu tinha o meu sonho o que eu mais precisava que eu tinha vontade meu sonho era esse era, terminar de arrumar minha casa e arruma u serviço e compra um jeito de as menina estuda em casa, igual ês ganha curso eu num pude paga, isso é muito triste.”[85]

A D. Elza  progrediu, tem conseguido ficar longe da bebida devido ao alcoolismo, tem a sua casa própria. Hoje ela consegue olhar no espelho e se admirar. Certamente o passado de dificuldades, do alcoolismo, tudo isso lhe afastou da frente de um espelho, dos olhares dos “outros”, lhe conduzindo  a caminhos árduos.

O passado foi áspero, amargo, o presente tem sido mais calmo, porém, ainda tem que fechar os olhos alguns instantes para continuar vivendo. Mas valeu a pena, tem valido a pena para a D. Elza.

“Você ganha a liberdade, sabe, que liberdade eu pensava assim eu faço o que eu quiser eu não tenho ninguém pra me mandar eu pensava que era assim, é o meu pai e minha mãe que me manda, sabe. Eu não tenho que andar debaixo do pé de ninguém. E realmente eu não tenho não mesmo.

Mas, hoje eu já descobri que a maior liberdade que eu  tenho é aquela que eu faço o que eu não quero. Eu não faço o que eu não quero sabe. Nossa … tudo eu posso fazer, posso. Droga eu posso beber, eu posso sair por aí, mas não me convém gente, quem vai chegar em mim e falar é você num faz isso não, né. Faço, a vida num é da gente, mas lhe convém fazer, né. A liberdade maior é essa que você pode fazer tudo, mas, não deve, sabe. Eu descobri que a nossa felicidade não está no externo, ta no interno. Tem dia que eu to uma pilha, sabe. Nossa não pode nem olhar quando eu num gosto de uma coisa, sabe, eu tenho que fecha o olho, pra eu não ver ai eu vô vivendo, sabe. Eu não faço o que eu não quero. Eu não tenho inveja do progresso dos outros. Igual hoje eu tava falando com a Daisy, se sabe o que é bom que eu acho aqui em casa o quintal até cheio de terra aqui dentro é limpo, isso ai pra mim é progresso. Quando eu vô sair eu tomo um banho eu mesma me admiro, sabe, mas isso tudo porque aqui dentro ta bem gente…”[86]

A esperança conduz sujeitos pelos trajetos urbanos. Sonhos. Ilusões. Os caminhos vão  tecendo vidas, novas vozes emergem pelos asfaltos. Infiltram todos os poros da cidade, de seu comércio, de suas avenidas dispersas. Escolas vão se formando junto a praças, lotes baldios, pontos de ônibus. Nos muros vão se estendendo as roupas para o sol secar, nas calçadas crianças, nos bares desafetos, nos cultos evangélicos, encontros.

No fim do dia, vida, na manhã o recomeço, no passar das horas, sonhos, esperança. Expectativas misturadas em sonhos, a cidade e seus homens, nos cantos, abandonos, desânimos, amarguras, crianças brincando de pegar, outras brigando, junto a fome, esperança, trajetos árduos. Nos asfaltos desfilam permanências, vivências, analfabetismo, descasos alheios, consultas médicas, vagas para o mercado de trabalho, lutas permanentes.A cidade vai se formando na luta de sujeitos, nos cantos diversos, nas desqualificações, nas ruas, tropeços, recomeço.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No início deste trabalho, me senti perdida como os “meus” próprios entrevistados. Necessitava criar canais para contatos, para desenvolver minha pesquisa, buscar sujeitos, entrevistá-los. Aos poucos acabei me sociabilizando numa atmosfera desconhecida.

Ainda me via confusa entre bairros, sujeitos, moradores, preconceitos. A cada entrevista, sentia um enriquecimento maior de minhas perguntas, das colocações de meus entrevistados. Tinha vontade de entrevistar a cidade inteira. Mas, ainda tinha dificuldade de perceber os conflitos e dilemas que viviam os moradores do Alto da Colina.

Foi então, que comecei a entrevistar os moradores vizinhos do Alto da Colina. Posso citar um exemplo que me ajudou a compreender melhor os sujeitos e me libertar das barreiras dos bairros do qual eu havia criado. Após  entrevistar D. Eva (moradora do Colina), logo em um quarteirão  abaixo entrevistei a D. Divina  no bairro Jardim Aquarius. No início fiquei perdida entre bairros, como se eu não pudesse ultrapassar um quarteirão, pois no próximo  já começava outro bairro. Necessitava então, compreender os sujeitos como construtores de seu bairro, e não o contrário do qual eu havia criado. Um bairro não “cria” moradores, sujeitos, e sim, a luta por cidadania, dignidade, é que vão delineando novos personagens nesse universo urbano. Essa foi uma das barreiras que tive de demolir. E aos poucos descobri que podia entrevistar os pais de meus alunos ( trabalhei no colégio do bairro), assim a pesquisa foi se enriquecendo, tomando formas, tendo rostos, carnes humanas, poros, suor, trabalhos coletivos, tomando vidas.

 A maior contribuição que essa pesquisa me proporcionou foi o alargamento dos  “meus olhares”. Ainda encontro meus entrevistados pelas esquinas da cidade, na rua varrendo, nas filas das casas lotéricas. Aos poucos, fico sabendo de alguma conquista. Já outro os dilemas vivenciados. A exemplo de D. Carmem, sempre que a encontro são novas dificuldades enfrentadas devido aos seus dois filhos, um já está respondendo processo depois de uma passagem pela polícia. A vida continua, os meus entrevistados não congelaram em suas expectativas, em seus sonhos.

D. Abadia, sempre que a encontro, me transmite o mesmo sorriso de que continua tudo bem. A filha de D. Antonieta, a Brenda se tornou evangélica. E assim sujeitos, continuam, persistem.

No dia a dia, novas indagações vão surgindo nessa dinâmica da vida. Também circulo por essa cidade. Ainda me faço perguntas a certos questionamentos que não consegui aprofundar nessa pesquisa, mas, para isso seria necessário um estudo a parte, como exemplo a ligação ainda tão forte entre campo e cidade. Esse diálogo que acontece  entre campo e cidade  em Patos de Minas é muito forte.

No mercado Municipal, a qualquer hora do dia, podemos ver senhores com seus chapéus, cigarro de palha, nos bairros afastados do centro, os caminhões transportando os bóias-frias.

Não me propus analisar essa dicotomia entre campo e cidade, pois seria uma outra pesquisa, mas, são fatos que aparecem em minhas entrevistas. Não posso simplesmente apagá-los. Patos de Minas é uma cidade que tem suas peculiaridades, sem grandes indústrias, o  trabalho do homem do campo ajuda muito a dinamizar o comércio local.

O que também atrai esse homem do campo que é essa ilusão, expectativa de viver no meio urbano, também os leva de volta, como boias-frias.

Nesses trajetos, ilusões e desilusões vão surgindo, margeando a vida desses sujeitos.

Algo que também não tive como pesquisar, mas, que, certamente enriqueceria muito este trabalho, são as  “inundações” atuais, lembrando as que ocorriam no Vila Operária. Atualmente, foi construído um bairro perto da área industrial em Patos de Minas que se chama Jardim Paulistano, fica muito próximo ao Rio Paranaíba. Têm acontecido, algumas vezes, de pessoas construírem suas  casas muito próximas as margens do rio e, quando acontece uma chuva um pouco mais forte, logo ficam desabrigadas.

Esses fatos são os canais que esses sujeitos foram criando para terem acesso a cidadania, ao direito de terem ao menos uma casa própria. Hoje não acontece mais a inundação no bairro Vila Operária. Esses sujeitos foram encontrando novas formas de  viver no meio urbano, pressionando as autoridades de outro jeito. Era um bairro que eu não conhecia, mas, devido a essa pesquisa fiquei curiosa por conhecer, seria a história se repetindo “como farsa”. Seriam apenas esses canais de diálogo possíveis.

Essa foi a maior contribuição desta pesquisa, perceber o outro, sua luta, sua história, sua busca por dignidade, por trabalho, cidadania. E não vê-lo como um vadio, um qualquer, que prefere a mendicância a um trabalho.

Essas foram as formas que esses sujeitos encontraram por “gritarem”,  “esbravejarem”, dizendo que sempre estiveram ali, estão lutando e que não precisam de alguém para  pesquisar suas trajetórias e lhes dizerem que eles fazem    história, ajudam a construir essa cidade e são eles os que carregam os fardos mais pesados, amargos. As cidades são sonhos, sujeitos vivendo vidas exploradas, trafegando suas ruas ingratas, buscando dignidade, respeito. Construindo sonhos, ilusões.

FONTES

  1. Entrevistas
  • Antonieta de Lima Julião – 2003 – Bairro Alto da Colina – idade 50 anos – profissão enfermeira.
  • Antônio José Maria – 2003 – Bairro Nova Floresta –idade 34 anos- profissão professor
  • Divina Helena Dias de Azevedo – 2003 – Bairro Jardim Aquarius – profissão do lar
  • Elza Basílio Leal – 2003 – Bairro Jardim Esperança – idade – 38 anos – profissão serviço gerais.
  • Gislene Aparecida Borges da Silva – 2003- Bairro Alto da Colina – idade 34 anos – profissão doméstica .
  • Eva Maria de Morais – 2003 – Bairro Alto da Colina – idade 43 anos- profissão serviços gerais
  • Lucelena dos Santos Oliveira- 2003- Bairro Alto da Colina – idade 25 anos – profissão doméstica.
  • Luis Carlos de  Barcelos-2003- Bairro Nova Floresta-idade 20anos- profissão artesão.
  • Madalena Pinheiro de Souza – 2003 – Bairro Morada do Sol – idade 43 anos- profissão do lar
  • Maria da Gloria Meira Ferreira – 2003 – Bairro Nova Floresta – idade 50 – profissão costureira.
  • Maria Abadia Moreira Andrade – 2003 – idade 35 anos – profissão gari e doméstica.
  • Mozart Leal – 2003 – Bairro Nova Floresta – idade 52 anos –                                        profissão representante comercial
  • Regina Célia dos Santos Oliveira – 2003 – Bairro Alto da Colina – idade 26 anos – profissão do lar.
  • Violeta Maria Calazans – 2003 – Bairro Nova Floresta – idade 64 anos – profissão professora (aposentada)
  • Entrevistas não gravadas
  • Marta  – 2003 – Bairro Novo Horizonte – profissão costureira.
    • Pámela – 2003 – Bairro Novo Horizonte – secretária
  • Censos urbanos do IBGE, 1996.
  • Jornais – período ( 1980-1990 )
    • Folha Diocesana
    • Folha Patense
  • Revistas
    • Debulha
  • Mapas

BIBLIOGRAFIA

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CÁTIA DE CASTRO DIAS

TENSÕES URBANAS – TRAJETÓRIAS E VIVÊNCIAS DE MORADORES DO BAIRRO ALTO DA COLINA NA LUTA PELO ESPAÇO URBANO (PATOS DE MINAS 1980-2004)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA2005


[1] KOURY, Yara Aun. “Narrativas Orais na Investigação da História Social” In: Revista Projeto de História. São Paulo, n.22, jun.2001

[2] Ïdem

[3] PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre ética e história Oral. Projeto de História. N 15. São Paulo, Educ, abr., 1997.

[4] KHOURY, Yara Aun. Narrativas Orais na Investigação da História Social. Revista Projeto de História, São Paulo, n 22, jun.2001.

[5] THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria ou um Planetário de Erros: uma critica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

[6] WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

[7] PORTELLI, Alessandro. “Forma e Significado da História Oral: A pesquisa como um experimento de igualdade”. In Revista Projeto História, São Paulo, n 14, fev. 1997.

[8] MARTINS, Márica Fernandes de Souza. “Da poeira do cerrado ao asfalto da cidade”, sonhos lutas e desafios no deslocamento para o espaço urbano 1980 a 2000. Patos de Minas:Unipam, 2003 (monografia)

[9] Entrevista realizada dia 21/07/03. D.Lucelena dos Santos Oliveira, moradora do bairro Alto da Colina. Naturalidade Patos de Minas, idade 25 anos, escolarização 4 série primária. Profissão doméstica.

[10] Folha Diocesana. Patos de Minas. 1984. Ano XXVlll. P.2

[11] Folha Diocesana. Patos de Minas. 16 de agosto de 1984. n°1225. p.8.

[12] Folha Diocesana. Patos de Minas. 23 de agosto de 1984 .p.1

[13] Folha Diocesana. Patos de Minas. 27 de setembro de 1984. p.1

[14] Entrevista realizada dia 21/07/03 D. Lucelena dos Santos Oliveira. Naturalidade, Patos de Minas, idade 25 anos. Escolarização 4 serie primária, moradora do bairro Alto da Colina.Profissão doméstica

[15] Idem

[16] Idem

[17] idem

[18] idem

[19] Entrevista realizada 10/06/03, Luis Carlos de    Barcelos, morador do bairro Nova Floresta, idade 20 anos, profissão artesão, escolarização 6 serie do ensino fundamental

[20] Entrevista realizada 09/03. Sr Mozart Marquês Gontijo, morador do Nova Floresta, natural: São Gonçalo, escolarização 2 grau ensino médio, profissão: representante comercial, idade 52 anos.

[21] Entrevista realizada dia 15/09/03. D. Eva Maria de Morais. Natural : Areado, Município de Patos de Minas, escolarização 4 serie.Profissão lavadeira, idade 43 anos. Moradora do bairro Alto da Colina.

[22] Entrevista realizada com D. Antonieta de Lima Julião, dia 23/09/03.

[23] Lucelena dos Santos Oliveira21/07/03.

[24] Entrevista realizada dia 01/11/03, com a D Elza Basília Leal, moradora do bairro Jardim Esperança, idade 38 anos, profissão: serviços gerais. Natural: Belo Horizonte. Escolarização 8 serie do ensino fundamental.

[25] Idem

[26] Idem

[27] Elza Basílio 01/11/03

[28] Idem

[29] Entrevista realizada dia11/03 D. Divina Helena Dias de Azevedo, idade 46 anos, escolarização 2 grau completo, magistério. Natural de Major Porto, Distrito de Patos de Minas. Profissão do lar, moradora do Bairro Jardim Aquarius.

[30] Idem

[31] Divina Helena Dias de Azevedo 11/03

[32] Idem

[33] Entrevista realizada 23/09/03. D. Antonieta de Lima Julião.

[34] Idem

[35] Entrevista realizada 10/06/03. Luis Carlos de Barcelos.

[36]  Entrevista realizada dia 27/07/03, professor Antônio José Maria, morador do bairro Nova Floresta, reside pouco mais de um ano e meio no bairro. Idade 34 anos. Natural de São Brás de Minas. Município de Lagamar.Morou em várias cidades, como Vazante, Brasília, Uberlândia, exercendo trabalhos diversos. Hoje trabalha como professor de História em Patos de Minas, se sente realizado na profissão.

[37] Entrevista realizada dia 22/09/03. D. Maria da Glória Meira Ferreira, moradora do Bairro Nova Floresta, idade 50 anos, profissão, costureira.

[38] Entrevista realizada dia 09/08/03. D. Madalena Pinheiro de Souza, moradora do bairro Morada do Sol. Profissão do lar. Idade 43 anos. Natural de Bertioga, município de Presidente Olegário.

[39] Entrevista realizada dia21/07/03. D. Lucelena dos Santos Oliveira.

[40] Idem

[41] Idem

[42] Idem

[43] Idem

[44] Entrevista realizada dia 10/06/03. Luis Carlos de Barcelos.

[45] Entrevista realizada dia 23/09/03. D. Antonieta de Lima Julião.

[46] Entrevista realizada dia 21/07/03. D. Lucelena dos Santos Oliveira.

[47] Idem

[48] Entrevista realizada dia 23/09/03. Antonieta de Lima Julião.

[49] Entrevista dia 15/09/03. Eva Maria de Morais

[50] Entrevista realizada dia 23/09/03. Antonieta de Lima Julião.

[51] Idem

[52] Entrevista realizada dia 09/08/03. Madalena Pinheiro de Souza.

[53] Idem

[54] 15/09/03. Eva Maria de Morais.

[55] Divina Dias de Azevedo.

[56] Entrevista realizada dia 21/07/03.D. Lucelena dos Santos Oliveira

[57] Idem

[58] Entrevista realizada dia23/06/06. Violeta Maria Calazans, moradora do bairro Nova Floresta. Idade 64 anos, profissão professora primária. Natural: Lagamar

[59] Entrevista realizada dia10/03. D Maria Abadia Moreira Andrade. Moradora do bairro Jardim Esperança, idade 35 anos, natural do Distrito de Chumbo, Município de Patos de Minas, escolarização 4 serie primaria. Trabalha de gari pela prefeitura de Patos de Minas e três vezes por semana como empregada doméstica.

[60] Entrevista realizada dia 10/06/03. Luis Carlos de Barcelos

[61] Idem

[62] Entrevista realizada dia 22/01/03 com a D. Maria Carmem Pereira de Paula . profissão doméstica, moradora do Bairro Alto da Colina.idade 39anos. Natural de Patos de Minas.

[63] Idem

[64] Entrevista realizada dia 27/07/03. D. Lucelena dos Santos Oliveira

[65] Idem

[66] Idem

[67] Idem

[68] TELLES, Vera da Silva. Pobreza e cidadania: Figurações da questão social no Brasil Moderno. In: Direitos Sociais. Afinal do que se trata? Ed. UFMG. 1999.

[69] Entrevista realizada dia 23/09/03. D. Antonieta de Lima Julião.

[70] Entrevista realizada dia 15/09/03. D. Eva Maria de Morais.

[71] Idem

[72] Entrevista realizada dia01/11/03.D Elza Basilia Leal.

[73] Entrevista realizada dia 10/03. D. Abadia Moreira Andrade

[74] Idem

[75] Idem

[76] Idem

[77] Entrevista realizada dia 10/06/03. Luis Carlos de Barcelos.

[78] Idem

[79] Entrevista realizada dia 27/07/03. D. Lucelena dos Santos Oliveira.

[80] Entrevista realizada dia 23/06/03. D. Violeta Maria Calazans.

[81] Idem

[82] Entrevista realizada dia 27/07/03. Antonio José Maria.

[83] Idem

[84] Entrevista realizada 15/09/03. D. Eva Maria de Morais

[85] Entrevista realizada dia 23/09/03. D. Antonieta de Lima Julião.

[86] Entrevista realizada dia 01/11/03. D.Elza Basília Leal

Grãos de Chumbo

Cátia de Castro Dias, Claudia Alves Soares. 4 edição 2022.

Grãos de Chumbo

Composto de simplicidade e grandiosidade

“Grãos de Chumbo”, narra histórias de homens que germinam sementes delicadas nesse interior de Minas Gerais . Tentamos aflorar as belezas contidas em Chumbo. Belezas de sementes humanas que alvorecem no trabalho árduo e com o canto do galo rompendo o dia, que se manifesta em mais um dia de cantoria e luta.

Sumário

Introdução ………………………………………………………   06

2-O Começo da Colonização ……………………………………  10

2.1.O Tratado de Tordesilhas …………………………………..  10

2.2-As Capitanias Hereditárias …………………………………  11

2.3- Minas Gerais e a criação de um governo próprio …  12

3-Dos Bandeirantes aos dias atuais ………………………….  14

4-A criação da Vila do Chumbo ……………………………….   18

4.1- A construção da estrada e o seu comércio …………   22

5- Casos populares de Chumbo ………………………………    24

Jesus Descendo do Céu …………………………………………    26

O Rádio ………………………………………………………………    27

O Diabo de Bicicleta ……………………………………………..    28

A Butina ………………………………………………………………    29

O Carção ………………………………………………………………   31

Meu Primeiro Arreio …………………………………………….    32

A Escova de Dente ……………………………………………….     34

Grande Novidade …………………………………………………    34

Amor de Mãe ………………………………………………………    35

A Montaria ………………………………………………………….    36

Grandes Festas ……………………………………………………    37

A Jardineira ……………………………………………………….     39

A Festa de Reis ……………………………………………………    41

Baile da Chita …………………………………………………….     44

“Chico do Luciano”, em Moita Aranha Gato ……………    49

Maldita Carona ………………………………………………….     49

“Bitu” o Carro da Gasolina ………………………………….      50

O que era do rico era do rico, o do pobre, pobre mesmo ……..51

A Serpente Voadora …………………………………………….     51

O Casamento ………………………………………………………     52

A linguiça ……………………………………………………………     52

“Verbo da Boa Morte” ………………………………………….     55

Palavras Finais ………………………………………………….     58

Referências Bibliográficas …………………………………..     60

N° de Registro: 237.051  Livro :419 Folha:211 Fundação Biblioteca Nacional – Ministério da Cultura Rio de Janeiro/RJ 20 de Maio de 2002. Título: GRÃOS DE CHUMBO     Personalidades: CATIA DE CASTRO DIAS – Autor(a), CLAUDIA ALVES SOARES – Autor(a) Registro:237051, em 14/08/2001    História e Antropologia Social

Autorizamos a reprodução total ou parcial, deste trabalho por qualquer meio convencional, ou eletrônico para fins de estudo e pesquisa, desde que seja citada a fonte.

1. História  2. Antropologia Social   3.Sociologia   4.Literatura

1. História  2. Antropologia Social   3.Sociologia   4.Literatura

5. Poesia  6. Livros Eletrônicos

Texto Revisado: Aldo Fernandes Caixeta

Copygright:Dias&Soares, 2022.

Contato: primaveradeoliveira@gmail.com

A todos os moradores de Chumbo,

Os grãos de suas sementes

Que germinam a nossa história,

Tão carente de seus frutos,

De sua luta brava e contínua.

Introdução


Chumbo, uma comunidade adormecida no interior desse imenso país, onde os brasileiros ainda são uma espécie de caboclo matuto com uma certa dose do gosto urbano.

O que leva o presente estudo desse homem e sua interação nessa agitação da vida moderna? Para termos um conhecimento maior das transformações ocorridas em Chumbo devemos retomar ao que parece absurdo, mas no próprio sistema de capitanias hereditárias. Esse sistema dividiu a colônia em lotes de terras, que eram doadas aos donatários, cuja exigência a estes era o compromisso de realizar investimentos no intuito de povoar as terras.

Antes mesmo de sua povoação, Chumbo já fazia parte de um universo político, de intrigas, conspirações. Não que o presente estudo seja fruto de um universo imaginativo, mas sua existência só acontecerá dentro desse universo. Uma doação, um presente personagem disposto a tal empreendimento. Até alguns anos atrás as suas terras pertenciam a Igreja. Sua criação foi devido à doação de terras a “Santa Ana”, para a construção da Igreja no intuito de abrigá-la.

O que nos impulsiona a escrever sobre chumbo – o que afinal justifica um trabalho a respeito de uma pequena cidadezinha no interior de Minas Gerais?

Chumbo é afinal uma pequena cidade a ser olhada, admirada. É através dessas cidades que poderemos entender melhor a atual conjuntura pelo qual todos nós passamos. Vemos surgir desses lugares alguns políticos, ou seja, das suas entranhas florescem homens públicos, e estes, ao que parecem são os únicos a “lembrar” da existência desses lugarejos e a visitá-los de quatro em quatro anos.

Mas de onde vem essa importância política? Qual o grau de elucidação política dessa população? Afinal o que é Chumbo?

O que vemos é uma sociedade ambígua, que tenta se preservar e ao mesmo tempo incorporar valores externos. O capitalismo ainda predomina de forma sutil, sem seus produtos efêmeros, sem outdoors, sem esse consumismo louco dos tempos modernos. Vemos varandas compridas na frente de suas casas, calçadas por serem construídas, muros feitos de madeira, que mais nos lembram a porteira da entrada de uma fazenda.

Chumbo cerca a Paróquia “Nossa Senhora das Dores”, que ocupa todo o quarteirão, e no lugar mais elevado, como se estivesse dizendo: aqui você está mais perto de Deus.

Até mesmo o ar é histórico, quente, afetuoso, parado e ao mesmo tempo suave. Andando por suas ruas, que não são muitas, podemos admirar esse passado, a história permanece viva, intacta, com suas casas antigas, algumas em ruínas, outras apenas na memória de seus moradores. Seu maior patrimônio é a sua gente simples, amigável, hospitaleira, na conversa sem tempo determinado de dois amigos vai ser formando uma roda, quando se vê já é noite.

Entrando no interior de cada casa nos deparamos já na sala de visitas com uma quantidade expressiva de fotografias de toda a família. As fotos ficam misturadas a uma variedade de santos, junto com alguns objetos simples compondo a harmonia do ambiente. No corredor encontramos o saudoso filtro, desses de barro com um copo de alumínio de alça grossa a matar a sede daquele que distante faz uma visita.

Andando pela cozinha encontramos panelas penduradas em pregos, geralmente temos a presença da indispensável e velha fornalha (fogão de barro ou os mais modernos construídos de tijolos e cimentos). Em algumas casas a fornalha permanece do lado de fora com uma pequena varanda a lhe proteger, e perto geralmente encontramos o tradicional balaio (cesta de palha, cipó), cheio de sabugos para complementar a escassa madeira.

Ao olharmos à primeira vista, o que notamos é a sua permanência no meio rural. Em certas partes não podemos definir se foi o meio urbano que começou a invadir a zona rural, ou se foi o contrário.

Toda a complexidade e ao mesmo tempo a simplicidade encontrada é de um encantamento inigualável. Em cada pó de suas ruínas encontramos história, uma memória a nos lembrar um passado não muito distante. Podemos em cada casa traçar sem grande trabalho os antepassados de cada família e sua construção nesse universo chamado história.

Chumbo cresce sem pressa, é quase imperceptível o aumento do número de seus habitantes, o comércio, porém, apresenta um certo encolhimento, mais parece estar adormecido nesse mundo de agitações, de individualismo e correrias, onde o ser humano cada vez menos se reconhece.

O trabalho que segue é uma análise, ou melhor dizendo um regate desse indivíduo matuto nas suas origens, e sua interação nesse universo de agitações, correrias, de oscilações, até mesmo de valores dito “verdadeiros” e “único”, que Chumbo impulsiona o presente estudo.

1. O Começo da Colonização

O Tratado de Tordesilhas

Devido as inúmeras batalhas diplomáticas em 1494, é assinado o Tratado de Tordesilhas, com a aprovação do Papa, em que dividiu o mundo entre si. O mundo conhecido ou que viesse a ser descoberto. De acordo com o Tratado, as terras encontradas a leste seriam de Portugal, e as encontradas a oeste da Espanha.

No começo de nossa colonização que se deu à costa (litoral), implantou-se a cultura da cana-de-açúcar.  Com o passar do tempo essa colonização não se restringiu apenas até as linhas fronteiriças do Tratado de Tordesilhas. Devido a avanços extraordinários, guerras e tratados, o território brasileiro cresceu além das expectativas.

1.1. As Capitanias Hereditárias

O sistema de Capitanias Hereditárias dividiu a colônia em lotes de terras que eram doadas aos donatários. Exigiam-se deles o compromisso de realizar investimentos no intuito de povoar as terras.

Vimos o Brasil nascer de um imenso latifúndio, cujo primórdio se deu pela doação das capitanias hereditárias aos donatários, que se dispunham, por sua vez, doar sesmarias a outros colonizadores, com a única condição que estes fossem cristãos.

Além das sesmarias, outra forma de doação que predominou em nosso território foi as datas. As datas ou aforamentos eram doações menores que as sesmarias e estavam incumbidos de pagarem o foro, além do dízimo em espécie à Ordem de Cristo, que foram um dos financiadores da vinda dos portugueses para o Brasil.

De acordo com as doações, deveria conter uma faixa de terra entre uma sesmaria e outra com a finalidade de evitar dissidências entre os seus limites.

  1. 2.Minas Gerais e a criação de um governo próprio

O nosso atual território mineiro antes mesmo da descoberta do tão afamado ouro estava subjugado como também São Paulo, ao governo do Rio de Janeiro. Depois foi criada a Capitania de São Paulo e Minas.

“A Carta Régia de 21 de fevereiro de 1720, separou o distrito das Minas, da já gloriosa capitania de São Paulo e, pelo alvará de 2 de dezembro, D. João V criava as Minas Gerais”.

Eis o texto da certidão do batismo da Grei Mineira.

“Eu El-Rei, faço saber aos que este meu Alvará vierem que tendo consideração ao que representou o meu Conselho Ultramarino e as representações que também me fizera o Marquês de Angeja, do meu Conselho de Estado sendo Vice-Rei e Capitão General e mar de terra do Estado do Brasil e Dom Braz Baltazar da Silveira no tempo que foi Governador das Capitanias de São Paulo e Minas e o conde de Assumar Dom Pedro de Almeida, que ao presente tem aquêle governo e as informações que se tomaram de várias pessoas que todas uniformemente concordaram em ser muito conveniente ao seu serviço e bom governo das ditas capitanias de São Paulo e Minas e a sua melhor defensa que as de S. Paulo se separem das que pertencem a Minas e a sua melhor defensa que as de S. Paulo se separem das que pertencem a Minas, ficando dividido todo aquêle distrito que até agora estava na jurisdição prerrogativas e sôldo de oito mil cruzados cada ano, pagos em moeda e não em oitavas de ouro, assim como tem o Governador das Minas, e lhe determino por limites no Sertão pela parte que confina com o Govêrno das Minas, os mesmo confins que tem a Comarca de Ouvidora de São Paulo com a Comarca da Ouvidoria do Rio de Janeiro das Mortes e pela Marinha que lhe pertença o porto de Santos e os mais daquela costa que lhe ficam ao Sul, agregando-se as vilas de Parati de Otuban e da Ilha de São Sebastião que desanexo do Governo do Rio de Janeiro e o porto de Santos ficará aberto e com liberdade de irem dele em direitura deste reino os navios, pagando nele os mesmos direitos que se pagam no Rio de Janeiro e com a obrigação de quando voltarem para este Reino virem incorporados na frota do mesmo Rio de Janeiro; e nesta conformidade mando a meu Vice-Rei e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil e os governadores das capitanias dele tenham assim entendidos e cada um pela parte que toca cumpra e faça cumprir e guardar este meu Alvará inteiramente como nele se contém sem dúvida alguma, o qual valerá como Carta, e não passará pela Chancelaria sem embargo da Ordenação do Livro 2 títulos 39 e 40 em contrário se registrará nos livros das Secretarias das Câmaras de cada um dos ditos governos para que da ereção do Governo de São Paulo suas sentenças e  anexas declaradas, o qual se passou por duas vias.

João Tavares o fêz em Lisboa ocidental a dois de dezembro de mil setecentes e vinte. – REY”.[1]

Determinada a criação de governo próprio para a Capitania de São Paulo, separado então da de Minas, foi nomeado para governar Minas Gerais, D. Lourenço de Almeida, que tomou posse em 18 de agosto de 1721, em Ouro Preto.

Ao que tudo indica nosso primeiro governador não foi nenhum exemplo de justiça e bondade. Em seu governo ocorreram algumas arbitrariedades não muito bem-vistas pela população.

2.Dos Bandeirantes aos dias atuais

Nascido já no meio de disputas de poder entre famílias detentoras de quantidades expressivas de terras, Chumbo ainda mantém vivo esse domínio político, que figura em cada canto, no bate papo descompromissado, nos “botecos”, em suas mesas de sinuca.

Localizado no Município de Patos de Minas no Estado de Minas Gerais, seu povoamento ocorreu devido à passagem de bandeirantes pela região.

Os paulistas com suas destrezas pelo mato, seu espírito aventureiro, quase guerreiro, saíam pelo sertão afora fundando arraiais ao fazerem suas expedições.

A exploração das Minas se deu através dessas expedições paulistas e consequentemente o surgimento dos arraiais e posteriormente das cidades. Porém, não foram apenas os paulistas que saíram em busca do ouro ou mesmo se foram eles os verdadeiros descobridores. João Camilo de Oliveira Tôrres nos dá uma ideia desse fato.

“Mas o território hoje mineiro não confinava unicamente com Piratininga e seus terríveis predadores de índios – pelo Norte espalhava-se nos sertões de S. Francisco, onde desde os primeiros tempos, poderosos senhores de terras estabeleciam seus currais de gado. E ao longo do litoral, em terras hoje baianas e capixabas, surgiam núcleos de povoamento que bem podiam ser o ponto de partida para as descobertas das minas. Daí as duas séries de tentativas de descobertas das minas. As do norte infrutíferas, e as de São Paulo, com êxito”.[2]

É neste universo que mais tarde surgirá o Distrito de Chumbo: a disputa do tão afamado ouro sua busca incessante; até mesmo o nome do distrito foi devido à quantidade de Chumbo encontrada na região.

Em se tratando dos verdadeiros descobridores das Minas, Diogo de Vasconcelos também nos dá uma boa visão desses pioneiros.

“Não foram bandeirantes na genuína extensão da palavra os descobridores; porque não subiram armados de privilégios, investidos de autoridade, tão pouco animados pelos favores e subsídios do governo. Pelo contrário subiram às caladas, à custa da própria fazenda, aos poucos, e disfarçados em traficantes de gentios, coisa então que passava sem dar na vista. É bem de lembrar que os exploradores das esmeraldas, quando se meteram sertão adentro não o fizeram às tontas, porque tiveram notícias e provas de existirem numa região indigitada pelos naturais. Os taubatenos também, é de crer não enveredassem às cegas, buscando o ouro hipotético debaixo do solo, ou nos ribeiros de florestas e serranias sem fim. É o que vamos ver.

Conta Antonil o seguinte:

“Há poucos anos que se começaram a descobrir as Minas Gerais dos Cataguases, governando o Rio de Janeiro Artur de Sá e Menezes; e o primeiro descobridor dizem, foi um multo que já havia estado nas minas de Paranaguá e Curitiba. Este indo ao sertão com alguns paulistas a buscar índios, e chegando ao serro do Tripuí desceu abaixo para tomar água e roçando-a pela margem do rio viu que nela depois ficaram uns granitos da cor do aço, sem saber o que eram, e nem os companheiros souberam conhecer e estimar o que tinha achado tão facilmente; e só cuidaram que ali haveria um metal não bem formado e por isso não conhecido… resolveram mandar alguns granitos ao governador Artur de Sá, e fazendo o exame se achou ser ouro finíssimo”. [3]

O território mineiro estava submetido ao governo de São Paulo; mais tarde haverá uma separação, quando será criado então um governo próprio para Minas Gerais. Chumbo já não é mais parte de um universo imaginativo começa a tomar formas, a esboçar em linhas grotescas o que é hoje. Passados alguns anos vão ser doadas terras para a construção de uma Igreja no intuito de abrigar a “Santa Ana”, mãe de “Nossa Senhora” (imagem da santa já estava no arraial). Daí a preocupação de construir uma igreja para abrigá-la). Construída a igreja, Chumbo vai se formando lentamente, começava então a surgir alguns ilustres habitantes, como o Capitão Francisco José da Mota, o Major Augusto Porto, até nos dias atuais sua importância permanece viva na memória de sua população, no nome do colégio, nas ruas.

De acordo com algumas entrevistas, o que se pode notar é a importância da família até mesmos nas novidades tecnológicas, desconhecidas para a população. Exemplo deste fato, foi o surgimento do primeiro carro e o impacto causado na população. A senhora Lorinda Valentin nos dá uma visão desse impacto.

“A primeira vez que veio esse carro de gasolina minha filha, o povo vestia a roupinha melhor que tinha pra ver, muito até molhavam a roupa de tanto medo e saía correndo e escondendo, medo demais da conta, igual bicho. Tinha um velho que não queria ver isso mais nunca”.[4]

De acordo com a Senhora Lorinda, muitos acordavam bem cedo para ver o automóvel, mas quando começa a funcionar o veículo, muitos se assustavam e corriam para o mato. Muitas mulheres eram rigorosamente proibidas pelos seus maridos de saírem de suas casas para assistirem o deslocamento do veículo pelas ruas de Chumbo.

O impacto causado na população devido à vinda deste automóvel nos mostra a falta de conhecimento em que muitos estavam submetidos. Alguns tinham vontade de apenas por a mão no carro, que denominavam com o nome de “Bitu”.

3.A Criação da Vila do Chumbo

Em 1822 é extinto o sistema de sesmaria e começa a vigorar o sistema do domínio público e particular. A partir de então, começa a estabelecer a lei de compra e venda, e não mais o sistema de posse. Essa medida será efetivada com a criação da Lei de Terras em 1850.

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A Lei de Terras tinha como objetivo dificultar o acesso a pequena propriedade. Chumbo vai surgir nesse contexto, criada pela Lei n° 654, de 17 de junho de 1854, distrito pertencente à Morada Nova. Elevou-se a categoria de freguesia pela lei n° 2.329 de 12 de junho de 1876..

“Eleva à categoria de freguesia o districto do Areado do município de S. Francisco das Chagas.

O Barão da Villa da Barra, Grande Dignitário da Imperial Ordem da Rosa, Commendador da de Christo e Presidente da Província de Minas Geraes: Faço a saber a todos os seus habitantes que a Assembléa Legislativa Provincial decretou e eu sancionei da Lei seguinte.

Art. Único. Fica elevado á categoria de freguesia, com as mesmas divisas, o districto do Areado de S. Francisco das Chagas; revogadas as disposições em contrário.

Mando, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumprão e fação cumprir tão inteiramente como nela se contém. O Secretario desta Província a faça imprimir publicar e correr. Dada no Palácio da Presidência da Província de Minas Geraes, aos doze dias do mez de Julho do ano do Nascimento de Nosso senhor Jesus Christo de mil oitocentos e setenta e seis, quinquagésimo quinto da Independência e do Império.

( L. S. )

Barão da Villla da Barra.

Para V. Exc. Ver

Manoel do Nascimento e Castro a fez.

Sellada e publicada nesta Secretaria aos 12 de Julho de 1876.

Jose da Costa Carvalho”.

Depois, pela Lei 2.656, de 4 de novembro de 1878, incorpora Areado ao Município de Patos de Minas.

“Eleva à categoria de freguesia o districto da Lagoa Formosa; incorpora ao termo de Santo Antonio de Patos a freguesia do Areado, e desmembra do termo de Paracatu e incorpora ao de Santo de Patos o districto de Santa Rita

O Cônego Joaquim José de sant’Anna, Commendador da Ordem de Christo e Vice-Presidente da Província de Minas Gerais: Faço saber a todos os seus habitantes que a Assemblea Legislativa Provincial decretou, e eu saccionei a Lei seguinte:

Art. 1° . Fica elevada á categoria de freguesia o districto da lagoa Formosa, desmembrando da freguesia da vila de Patos.

Art.  2° . Fica incorporada ao termo de Santo Antonio de Patos, desmembrada do do Carmo do Paranahyba, a freguesia do Areado.

Art.  3° . O districto de Santa Rita fica desmembrado do termo de Paracatu e incorporado as de Santo Antonio de Patos.

Art.  4° . Revogam-se as disposições em contrário.

Mando, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nella se contêm. O Secretario desta Província a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio da Presidência da Província de Minas Geraes, aos quatro dias do mez de Novembro do Anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e oitenta, quinquagésimo anno da Independência e do Império.

Joaquim José de sant’Anna

Para V. Exc. Ver

Ezequiel Augusto Nunes Bandeira a fez.

Sellada e publicada nesta secretaria aos 13 de Novembro de 1880.

Camillo Augusto Maria de Brito”.

Em 7 de setembro de 1923, pela Lei n°. 843, Areado passa a denominar-se Chumbo.

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3.1.A construção da estrada e o seu comércio

Chumbo nos reserva uma certa peculiaridade, durante a Segunda Guerra Mundial o governo estava empenhado em solucionar o escoamento da produção mineral e agrícola; só a partir daí que foram construídas as estradas da região. Ao que tudo indica, a estrada que liga o distrito do Chumbo a outras cidades foi construída pelo Exército Brasileiro sem o uso de grandes máquinas, somente pelos braços dos soldados e pela simples “cavuca” (mexendo a terra). De acordo com alguns estudos, descobriu-se que os transportes dos produtos extraídos na região eram dirigidos até a cidade de Pirapora e de lá transportavam via a vapor até o porto de Vitória com destino a Europa. Alguns produtos também eram enviados para a região da Serra do Salitre; daí eram transportados até uma estação de trem de ferro que tinha também como destino a Europa.

Na época da Segunda Guerra Mundial, o Distrito de Chumbo contava com um comércio local promissor, existia na época uma pequena fábrica de leite pasteurizado, farmácias, uma loja especializada em tecidos, uma em estofados, ferreiro e uma fábrica de botinas. Naquela época Chumbo tinha uma população de aproximadamente 4.860 mil habitantes. Hoje, devido à falta de incentivos e o crescente êxodo rural sua população não passa de mil habitantes. Nos dias atuais o seu comércio é praticamente inexistente, fazendo com que sua população se dirija às cidades mais próximas para adquirir os produtos do seu cotidiano.

4.  Causos populares de Chumbo

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Jesus descendo do céu

Nóis levanto di manhã cedo todo mundo numa rilia, satisfeito, aí saiu pra quentá soli, aí todo mundo no terrero, condefé o avião aponto devagarinho, assim, e aquela fumaça, sabe!? E quando ele aponto eu ôei aquela fumaça lá, a Cota, minha irmã mais véia so ôio pra lá e falô assim:

-Aí meu Jesuis Cristo, a lá a imagem di Jesuis Cristo subino, a imagizinha di Jesuis Cristo subino pu céu, ( e aponta para o céu como se estivesse vendo um avião, risos…) nóis tá nu fim do mundo memo, vai acavá memo, Fica todo mundo caladinho, todo mundo caladinho, alá Jesuis subino, alá a luizinha de Jesuis Cristo, óia, alá qui cumprimento qui tá a cruizinha dele.

Aí o avião lá vai subino… alá a cruizinha dele óia, meu Deus do céu São Jerônimo, Nossa Sinhora da Abadia, será onde o pai mais a mãe tá? Nóis vai morrer, só nóis aqui. Qui pecado gente! Nossa ! Aí nóis era uns doze né, ajueiô tudo pra rezá e isparramano o terço sinal na cara e rezano. Condefé o avião deu aquele urrado, né! E o Adelo meu irmão falô:

– É Cota, mais a Sinhora é boba dimais, aquilo é o tal du avião, Ela pego e falô assim:

– Fica aí se não eu ti bato, se não eu ti bato, qui negócio é esse di avião, eu nunca ouvi fala nesse trem di avião, com uma risca daquele tamanho. Aí o avião passo né, aí minha mãe chegô nóis foi conta o caso pra ela, e ela. Não meus fio aquilo deve sê um tale di avião, aí nós ficô acreditano. Isso deve tê uns 45 ano mais o meno.

O Rádio

Quando pareceu o primeiro rádio, a pia dele era tipo di uma lata dessas di nove litro, aí minha mãe… mas é muito ano memo 45 a 50 ano. Só existia esse rádio com esse Gerardo Costa, aí a mãe pega pururuca e falava vamô lá no Gerardo Costa ouvi o rádio. Mas o rádio mia fia, o rádio mais ruim que existe hoje era mió qui o mió qui tinha, era ruim.

Aí nois era tudo piqueno, era enquanto nascia o outro vinha mais um, nóis era oito irmão, chegava lá aí os minino pidia uma merenda, brincano uns cum oto, e aí meu pai fazia assim, psiu, psiu, fica caladinho (leva a mão na boca, curva o corpo), escuta o povo falano lá em São Paulo, e aí uma chiera danada no rádio, e ele escuta, tá falano lá em São Paulo memo, eu num intindia nada.

Eles naquele interesse, deve qui escutava alguma coisa, mais era divertido, se vê, ocupava a pessoa saí, di a pé, debaixo di chuva, chuvia antigamente, chuvia num era igual hoje qui dá essas chuvinha, chuvia qui pegava e inundava, a gente saía discalço, com a calça arregaçada sem butina, di noite, eu fui calçá butina tava cuns 14 ano.

O Diabo de Bicicleta

Quando eu e minha mãe, ia andano e vimo um home andano di bicicleta, e minha mãe falô:

-Lá, tá vinu o diabo andano im duas pinera.

E nois saiu correno e caiu dento dum buraco e foi um caso sério.

Mais dispois qui o home passo nóis pensô que foi uma visão.

A Butina

A primeira véiz que eu calcei butina, meu pai falô assim:

-Ô Mané tira medida du seu pé, pá nóis compra um pá di butina pro cê. Falei, tá! Foi com uma paia de mio, com aqués paia di mio roxo, pruquê Cuma num tinha medida eu midi cá paia e deu uma paiona. Dispois meu pai inrolô aquela paia e mandô lá pu Tutu. Tutu era um véi lá em Lagoa Formosa. Mais as butinas num era essas butina de hoje com esses coro ruim não. As butina era cuns coro bão, uns coro firme.

Essas butinas demoro uns dois meís pra chega. Aí quando minhas butina chegô, eu carcei, mais qui nem sabia qui tinha pé certim pá carsá, carseu de quarquer manera. Nu qui eu carsei. Mais aí quando eu cheguei perto do tio Genero e falei:

– Tio Genoro ficô bão?

– Fico muito bão, mais pareci qui és tá cada quali cum biquim pum lado, cumé cocê vai andá quessas butinas? Pruquê eu acho qui és vai pegá nus barranco, né!?

-Meu fio, acho mió ocê virá és di pé.

Aí eu carsei mudano és de pé e drumí quês nus pé. No oto dia cedo eu falei:

Ô mãe, eu vô lá no meu amigo mostra essas butina pra ele, passiá lá, carsado di butina pá todo mundo vê.

Mais aí tinha qui caminhá uma distância duns 5 Km e eu fui todo filiz, caminhano. Mais meus pé num sabia andá carsado, pruquê tinha muito bicho nus pé, e as unha era até aleijada de tanto bicho nus pé qui eu tinha.

Aí eu lá vô dus mais bunitão, quando chegô nu meio du caminho, eu já tinha pisuado os pé tudo, já tava cum mundu di borbóia di água, eu tira as butina, mais pensava, não,  eu tenho qui chega carsado.

E naquele cuidado todo pra num sujá as butina, né! Aí eu tô apontano lá nu morro, meu amigo gritô:

-Ô Neca, para aí, para aí, ocê tá de butina nova? Num tá?

Aí eu falei:

–  Ô trivido eu lá vô cum todo intusiasmo mostra minhas butina, e ocê corta do o meu intusiasmo.

Aí eu cheguei pisano igual um cavalo di tamanco, e meu amigo falô se tinha calo. E eu disse qui já, e tirei pra ele vê, mais já tava tudo virmiinho, rebentado.

Então eu brinquei lá muncadinho, discarso memo e dispois treiei és e tivi que leva na cacunda. Cheguei em casa, meu pai falô:

– Mas ocê tem qui carsá essas butina, num podi tê butina pá carrega na cacunda não.

Mas aí a gente tinha qui carsá, mais quando dava uma chuva qui a gente moiava as butina, és era uns coro muito bão e tudo di sola, num tinha burracha não, era tudo di sola. Quando aquela butina moiava ela levantava o bico e fica cu bico apontano pá riba, assim, sabe? Aí a gente infiava os pé, os dedo lá, mais nada di carsá. Depois meu pai pego e falô:

-Ôcê num sabe carsá essa butina não? É só pegá a espiga di mio, moiá a butina e xuxá a espiga di mio moiada dento dela. Aí a gente fazia isso e ela vortava normale, a gente carsava enquanto ela tava moiada e ficava aquela beleza.

O Carção

Di primeiro a gente não carçava butina, era quando era grandão memo. Andava no meio dus ispim, formiga, era descarço memo. A minha mãe ela tinha qui fiá, limpá arróis, café, fazê farinha, e a ropa qui a gente vistia era feita na mão, tudo de argudão. Aí meu pai pego e falô assim:

-Ah, océis já tá grande, tem qui usá omeno um carção, o dia qui eu fô na cidade vô comprar omeno um carção.

Aí meu pai veio na cidade e compró dois carção um pra mim e um pro Gerardo. A mãe falô:-Já qui océis só tem esses memo vai trabaiá com esses memo. E nóis já tava grande, foi trabaiá na roça e chegô lá, um mundão di chuva, e eu falei, bobagem, nóis tira as nossa ropa e esconde dibaxo di um cavaco di pau pra num moiá, e aí nóis vai trabaiá só di carção, e a hora qui nóis trabaiá e a chuva estiá nois tira o caração e vesti a ropa.

E nóis falano, mais num tem um trem mió que esse tal di carção qui ês arrumô não. Aí a chuva tá choveno e nóis só di carção, e conversano.

 -Ah, mais num tem um trem mió qui esse carção. Mais qui beleza, oi aqui trem bão. Esse carção num tem base não, e a inxada só capinano.

Ahora qui a chuva passo, nóis tiro o carção e vistiu a ropa qui tava inchutinha, e falamo mais num tem base o tanto qui tem um trem mió qui carção não.

Aí nóis chegô lá em casa e falô:

-Ô Cota, num tem um trem mió qui carção não. Ô nóis inchutim, nóis tiro as ropa, pois dibaxo do casca do pau, ahora qui a chuva passo nóis tiro os carção moiado e vestiu as ropa inchutinha. Trabaiamo dibaxo di chuva e tamo essa beleza!

Meu primeiro arreio

Lembro quando meu pai falô:

-Óia mininus, vô compra uns arreio pros céis, vô lá no Tutu e compro arreio, um procê Neca e oto pro cê Gerardo.

Aí tinha uma festa. Nóis morava na Serra vermeia e quiria assisti a festa na cabicera do Areado, aí o pai arrumô um cavalo pá cada um di nóis. E nós cus arreizinho novo, naquela inzibidage mais triste du mundo, todo tanto cocê pensa qui tinha um sujeito inzibido, nóis tava mais.

Os arreio era muito bão, nóis tinha qui apertá és e mantê sempre apertado no cavalo. Aí nóis foi lá pá Cabicera do Areado, chegô lá, assistimo a festa, todo feliz e aí foi nóis e a famía do Mané Nunes qui era nóis todo mundo muito unido, era aaquela tira di cavalo, mais aí quando foi no pé da Serra, meu pai pego e falô assim:

-É hora di apertá os cavalo, ocê da conta di apertá Neca?

Eu falei:

Do demais, e apiei lá né, mais as força era poca, e aí num dei conta não.

Todo mundo monto di novo nus cavalo e eu também montei nu meu, só qui quando eu montei o meu arreio virô, meu cavalo pisô curtinho e eu caí lá pu chã afora. E esse cavalo e ele pulano cu arreio na barriga, e loro dizapregano e tá aquele rolo. Mais aí ês cercano di todo lado e pego o cavalo. Aí meu pai falô:

– Machucô Neca? Eu falei:

Não, machuquei não. Mais quase qui murri foi di remorso pruque meu arreio nuvim, cus loro nuvim, tudo quebrano.

Ainda bem qui arrancô só os loro, né!

A Escova de Dente

A escova di dente só usei quando já era mulecão, cuns vinte ano, pruque antes a gente escovava era cus dedo, xuxava um dedo, xuxava um dedo dentro da boca cum limão  e era dos dente dos mió, usava carvão di trempe nus dente pá crariá e era dus mió.

Grande Novidade

Um dia meu pai pego e falô:

-Meus fio, eu tenho qui compra uma ropa procêis, uma rupinha mió.

E aí foi na cidade e comprô  uma amesclã era o pano mais ruim que existia pá pobri visti. Ele era assim, dum lado era verdi, du oto era branco. E a minha mãe nessa época já fazia isso era numa maquinazinha di mão na maió trabaieira, e meu pai falô:

-É agora nóis vai numa festa lá no Areado.

Arrumamo eu mais o Gerardo qui era os mais véio, vistimo a camisinha, montamo nos cavalo e fomo. Chegano na festa, aquele tantão di gente lá, e eu pensei, ah, cara mais granfo qui tem aqui é eu. E aí eu fiquei do lado dumm cara, dum mitidão, e ele pego e falô:

-Uaí o qui ocê tá fazeno aqui du meu lado? E eu falei:

– Uaí eu só quero sabe quále dóceis qui tem uma camisa iguali a minha, qui dum lado é verdi e do oto é branco.

-Ah, mais num tem, pruque eu só o mais granfino dessa festa.

Amor de mãe

Nóis cumia farofa di cove cum farinha di mio, aí ficava naqueli sono, já era di noite, sabe. Foi muita das véiz qui nóis deitava naquês banco di iscorosado di argudão, mais nem banco tinha muito não, era só pau memo. E nóis deitava ali, pá discansá e drumia, puxava a paia e a minha mãe todo dia acordava a gente, todo dia acordano e aí ela falava:

-Óia eu vô deixa océis drumí aí, modi ora qui océis acordá di noite, saí assustado, trombano nos trem, modi oceis aprendi a durmi na cama.

Aí a mãe dexô nóis drumí ali, mais ahora qui nóis acordo di noite a gente perdi as artura, pruque a lamparina quase num lumeia, aí a gente quase num vê e saía trombano nas parede e gritano, aí aí, aí … até que cindia uma lamparina qui as véiz nem fosqui tinha, era uma peleja, mas era gostoso.

A Montaria

Um dia fui pra casa da minha colega di iscola a Mariquinha, ela falô:

-Ô Neca, vamô lá pra casa, modi nóis montá nus bizerro.

Chegô lá ela tinha fechado uns vinte bizerro no currali. E ela falô:

-Qual é o bizerro que ocê qué montá?

Tinha uma curralerinha lá, eu falei, pode sê aquela lá, aquela curralerinha. Aí tava lá, ela e o Minuca, irmão dela, ele laço a bizerra, pego ela  e eu montei imrriba, era doida, sabe, e ela pulava, pulava, e eu caí qui nem uma abobra e machuquei o braço.

Mais aí era trato, quando um caísse o oto monta na mesma bizerra. Cumo eu caí e machuquei o braço, se eu falassi qui machuquei ês num vai queré muntá na bizerra. E aí eu cu braço dueno, laçano a  bizerra di novo só Cuma mão. E arrumamo a Mariquinha irriba e ela caiu tamém. Aí laçamo a bizerra traveiz e o Minuca monto, foi bateno incima e a bizerra bateno ele no chão. E aí ele virô e falô:

-Agora é o Neca di novo!

Eu pensei di jeito nenhum, qui vô montá nessa bizerra, e fui abrino a portera do currale e saí correno e ês foi mi laçano pá pegá, mi cercano, e eu correno, um verdadeiro iscambal.

Grandes Festas

Nóis ia di carro di boi pu Areado nas festa e ficava lá nas barraca, buscava água no rio, no barde, na lata.

Banho di primero, quando a gente ia toma banho era só quando a viria dagente tivesse da grussura de vira dum carneiro, só tomava banho de oito em oito dia, mais omeno. Quando lavava é porque estava disbarrancano memo.

Quando nóis matava um frango, lá na barraca, cumo tudo era muito difícil, cá mêma água qui dispena nóis abria, cunzinhava e lavava as panelas, as panela ficava pregada na fornaia.

Nessa festa lá no Areado, eu lembro direitinho, na hora qui nóis tava saino, era a última procissão, meu pai falô:

-Vamo pegá mais cedo os boi, qui nós tem qui ir embora.

Aí nóis pego os cavalo e lá vai guiano os boi, aí hora qui chegô perto da procissão, nóis parô o carro di boi e ficô, assim parado, meu pai dum lado mais ditrabanda e eu do oto di lá.

E a puliça fia, quando ocê via, ocê quase virava o vento e aí chegô um sordado, ele tava lá na festa do Areado, tomano revórve do povo, e tinha muito revórve lá na festa, aí chegô o sordado perto de mim e falô:

-Ah, vocês já  vão embora? Eu falei:

– Lá vai imbora sim, o pai tá quereno qui nóis chega mais cedo em casa.

-E o sinhô num vai imbora hoje não?

– Não, eu vô fica aqui porque eu sou polícia, eu tenho que tomar os revolver do povo que tá aqui.

– Ingraçado, ocê num toma revórve do pai pruquê ocê num qué.

Mais porquê?

-Pruquê o do meu pai tá aqui, nessa gibera di cá, na capanga do arreio.

-Está aí?

-Uai, o sinhô oia aqui pô sinho vê, ( aí o sordado oiô, oiô  e falô).

-O seu pai tem um revólver bom, né!?

– Irra, o revórve do meu pai atira bem longe, taca fogo é uma arromba!

-Então é bom mesmo?

Aí meu pai tava lá, e eu todo satisfeito mostrano o revorve pô sordado.

O sordado saiu caminhano, pra lá prô oto lado, pruquê viu a cara do meu pai, coitado, tão trabaiadô cum tanto minino honesto, e eu tã bobo.

.

A Jardineira

A primeira véiz qui eu vim na cidade di Patos di Minas di jardineira, foi cu meu pai, eu já era rapaiz grande. Eu injuava muito, pruquê nunca tinha andado embarcado, aí eu oiava na ginela assim ( curva o corpo na cadeira como se estivesse dentro da jardineira, risos …) e as árvore passava perto di mim, tudo correno, aí eu falei:

– Pai eu tô tonto, eu tô tontinho, o qui eu vô fazê?

-Não meu fio, vô  ali busca um trem, mode ocê num tuntiá, nem lança.

-Mais aí, quando meu pai falô assim, eu pensei qui era um chá, uma coisa, um trem, mode a gente bebê, né! Mais dentro da jardineira tinha um saquinho di papele qui ês dava, pruque quando a pessoa injuava, ocê vumita ali dentro.

Aí meu pai já vêi direto cu saquinho, e mim deu, e falô:

-Ô aí tá o saquinho.

Mais me deu e num falô pra que o saquinho sirvia, se era pra mim vumita nele ou se era uma simpatia. Era um trem muito bunitinho, branquinho, e eu pensei, cumé qui eu faço quesse saquinho, e aí pra mim num injuá, né! Sabe o que eu fiz? Abri essse saquinho e passava o nariz dentro dele e cherava bem forte (fecha as mãos e respira dentro dela, como se estivesse com um saquinho na mão, risos…) e foi assim até chegar na cidade.

Quando chegamo na cidade meu pai falô:

-Uhai minino, o qui ocê tá fazeno quese saquinho na mão até agora?

– Pai, mais o senhô num sabe o quanto esse saquinho mim serviu, se num fosse ele eu tinha vumitado tudo, mais toda hora qui eu tava cum vontade di vumitá eu mitia o nariz dentro dele e cherava, cherava muito. Mais oh saquinho bão.

A Festa de Reis

Tinha uma festa di reis na casa do Ilía Pinto, aí meu pai, foi chamado pra essa festa, e o meu pai ia cê o cuzinheiro, e aí quando o pai da gente é cuzinheiro, sempre a gente sai mais bem tratado.

A festa era farturenta, mato num sei quantos frango, quantas galinha, vaca, boi. E aí deu lá a hora do armoço, o meu pai falô:

Ô Neca pode ir naquele tacho e arrumá primeiro. 

E aí eu fui lá arrumá o cumê, mais só tinha coxa de frango, e eu arrumei cum capricho, arrumei muito, e cumí bastante.

Mais quando a gente é piqueno parece qui tudo é festa, né e num mastiguei aquilo muto bem não, o prazo foi mei poco, aí eu tirava aqués peiona di frango e dava só uns pique poco de dente e mandava aqués coro de frango, e cumí bastante memo.

Aí ês num contô qui tinha um doce pá gente cumê dispois não, e aí quando eu tava cá barriga até lumiano di cheia, ês pego e falô:

– Oh gente, ês arrumô um docim aqui, vem pra cá pro cêis cumê um docim de leite, mamão, batata-doce, cidra e taia, vem cumê o doce.

E aí o que qui aconteceu? Eu pensei, meu pai do céu, e agora? Disgrama é qui e cumí dimais, e agora onde eu vô pô esse doce, mais agora eu sô obrigado a cumê, e passei a mão nesse prato, e fui pra lá e o primeiro doce qui eu arrumei foi o tale doce de batata-doce: cumeno doce, nessas artura eu já tava sentado no chão, e a barriga num tava aguentano. Mais tarde muncadinho meu pai falô:

-Oh, têm que ir os dois imbora na frente, modi apartá os bizerro, eu num pudia nem mexê, vai ocê Neca e a Cota na frente, modi ocêis apartá os bizerro. Aí tudo bem, o pai mandava tinha que ir.

A Cota pego e arrumô dois cavalinho lá, e nóis monto nesses cavalo. Eu num pudia nem mexê cá barriga, quando desceu mais embaixo tinha um ribeirão, e eu pensei Nossa Sinhora, me deu uma sicura tão grande, qui eu pensei qui eu ia morre, sabe!? E í eu falei:

– Ô Cota, ocê para aí qui eu vô bebê uma aguinha aqui…

Aí eu bachei lá no corgo, e tinha vontade daquela água descesse toda na minha boca, naquela sicura, e aí depois desse corgo num tinha água não, era uns 4 Km, só tinha um fazendeiro cu nome de Mosiro, mais perto. Aí quando chegô num artim perto duma portera, eu falei:

– Cota do céu, eu tô cum muita sede dimais, eu vou morre, até chega lá em casa, eu tô morrendo  di sede, cumé  qui eu vô fazê?

– Para di reclamá, vai sê burricido!

Pruquê ela tava tranquila, né, e eu naquela ansiedade, eu falei:

Num tem cume não, eu vô vortá naquele ribeirão, modi eu bebê água…

– Não, vamo até lá na casa do Mosiro qui ocê bebê água lá.

Aí, eu nesse cavalinho e gritano. Cota toca esse cavalo, qui eu vô morre de sede, toca qui eu vô morre de sede. E aí nóis tocano os cavalinho pelejano e passava a mão numa vara e bateno nesse cavalo. E eu naquela sicura mais triste, e chegô lá no tale Mosiro, e eu falei:

– Oh Cota, vamo pará modi eu bebê água. Mais cume eu era muito acanhado e pensava assim, se desse um copo di água a gente num pudia pidí mais, já tava bão. Era um maió respeito, aí chegô a muié caquela água, era um mei copo só, eu bebi aquela água, mais parecia qui eu nem tinha moiado dentro de mim, e cum muita  vergonha, num pidia mais não, e fomo imbora. E aí eu falei pá Cota:

– Vamo imbora qui eu võ morre di sede!

Mais a hora qui eu cheguei lá him casa a sede acabô, cabo tudo, e o istame cumeçô imbruiá, e eu cáquele istomaguizinho quente, disturcido, e aí eu deixei a Cota quesses bizerro lá e fui deitá. Aí ela chegô e falô:

– Uai Neca, ocê tá passano male?

– To cá barriga muito bão não.

Aí fiquei ali quitinho, di repente vem subino aquele trem assim, e eu vomitei, mais vomitei, lá em riba da cama, no chão , mais vomitei bão memo, feiz aquele monte lá na bêra da cama, assim. Eu  tava prostado e durmi. Daí quando mais tarde, meu pai chegô, aí a Cota pego, e falô:

– Oh, pai, o Neca tá deitado passano male, ele vumito muito, vai lá no quarto pô sinho vê.

Aí meu pai passo a mão na lamparina e saiu lumiano, e falô:

-Ô Neca ocê miorô?

-Agora tó dus mió. Ah, acho qui eu cumí um trem qui dizandô a minha barriga.

– Deixa eu vê, o que feiz mali pró cê.

E ta lá lumiano o vumitado, assim, e aqués pelona de frango, grandona. Aí meu pai pego e falô:

-Credo meu fio! Nossa Sinhora! Há valensa qui é aqui em casa, si fosse nota casa ocê ia me mata de vergonha.

-Meu fio, mais ocê cumeu as pele de frango sem mastiga, oía só, tem até coxa intera aqui!

Baile da Chita

Lembro-me muito bem dos bailes que encantavam a todos, mas de um em especial que só acontecia de vez em quando, era o da Chita.

Baile da Chita acontecia em um enorme salão dentro da casa de Epaminondas Porto, casado com Alice Porto, que tinha duas filhas, Sinhá e Kide, ambas estudavam fora de Chumbo.

A casa de Epaminondas ficava bem na praça de Chumbo, detrás da Igreja, era a melhor e maior residência que havia na época.

Sinhá e a Kide estudavam fora e quando elas vinham passar as férias em Chumbo, então Alice Porto dava aqueles bailes, que era uma coisa maravilhosa. Não via uma briga uma pessoa bêbada, que era uma coisa maravilhosa. Não via uma brigada, uma pessoa bêbada, o baile acontecia até a hora que ela queria

C – A música era ao vivo?

D – A música era tocada pelo genro de Alice Porto. Ele tocava saxofone e não tinha violão ou sanfona. O som era apenas do saxofone?

D – Sim, o baile durava no máximo até as 10:30, quando ela falava acabou, acabou. O salão era muito grande e cheio de cadeiras em volta, no meio ficava livre. A casa também não funcionava apenas com seus bailes, que eram muito esporádicos, do outro lado do salão havia uma loja de tecido, armarinhos, e ainda tinha uma loja de ferragem.

C – Apesar do Areado ser pequeno, na época tinha todos os produtos necessários ao dia a dia?

D – Tinha de tudo. O carro que eu lembro era do meu bisavô Major Augusto, e era chamado de “Ramona”. E todo dia, eu era muito curiosa, mas não perguntava, todo dia ele saía pra cidade, era o único carro que havia, ele tinha que bater a manivela, e eu pensava, pra quê. Ele também tinha telefone.

C  – A casa era só pra dançar?

D – A casa era dela, ela morava lá

C – Havia na época baile de debutantes?

D – Não lembro, não lembro não.

C – Também naquela época as mulheres casavam muito novas, antes de completarem os 15 anos, não é?

D – É, casavam novas.

C – No baile como os rapazes chamavam as moças para dançar?

D – Falava assim, “faça o favor de dançar comigo”. Caso a moça não quisesse o moço saia pra lá.

C – E o namoro com era nessa época?

D – Nós por exemplo, a nossa diversão era sentar a tarde na porta da casa com os pais, né. E iam chegando os amigos, as moças, o nosso brinquedo, nossa diversão era “a minha direita está vaga”.

C – E o que era isso?

D – É, eu quero aqui fulano de tal, aí o moço vinha e se sentava perto, mas só se sentava ali e pronto. Passávamos anel e fazíamos rodas e íamos cantar, e os nossos pais ficavam conversando o assunto deles.

O vestido só via no dia do baile, era feito também um lenço da cor do vestido. No dia do baile a moça colocava o lenço dentro de uma sacolinha, e uma pessoa ficava encarregada de passar o saquinho para que os moços pudessem tirar o lenço. O lenço que eles saíssem, significava que iam dançar com a moça que tivesse a roupa da mesma cor. Depois que achassem a dama dona, dona do lenço, então eles colocavam o lenço no ombro delas e iam dançar.

C – Vinham muitos alunos da zona rural para estudarem?

D – Tive. Vinham a cavalo do arraial dos Firmes. Eu fico pensando hoje a facilidade que o povo tem pra estudar e de tudo, e muitos não querem, em nosso tempo vinha de longe.

C –  A escola funcionava o ano inteiro, ou na época da colheita ela fechava, muitos ajudavam os pais, como era?

D – Eu acho que não, os pais que tinham interesse dos pais, esses prosseguiam. Muitos vinham debaixo de chuva, sol, a pé, a cavalo. Era difícil.

C – Como era as missas na Igreja naquela época?

D – Cantavam no coro da Igreja com a professora de música, mas não entendíamos nada, a oração que eu sabia era o “Creio em Deus Pai”, “Salve Rainha” … que nós já sabíamos.

C – Como era as procissões?

D – Faziam doces, e vinham nas latas de querosene antigamente era assim. E traziam doces, biscoitos. Durava a semana inteirinha, aqui. Armavam barracas, enfeitavam de bandeirolas, de bananeiras. A procissão do encontro com “Nossa Senhora das Dores”, e o corpo de Jesus Cristo, era muita alegria, tinham os fogos de lágrimas em louvor aos santos, banda de músicas que vinham de Patos de Minas, tinha a Verônica que enrola a toalha do Senhor. As casas que iam passar a Verônica, eles punham uma tira na janela.

C – Os velórios como eram. Eles bebiam, cantavam, ou não havia essa tradição aqui?

D – Contavam casos, eram gargalhadas daqui gargalhadas dali. Era esquisito, diferente, até em Patos de Minas eu já vi. Eles bebiam tinha muita fartura. A vida era assim, simples. No final saímos como um riso e a vida vai seguindo seu percurso.

“Chico do Luciano”, em “a moita arranha gato”

Um dia tava ino andano, meu pai distraído, um veinho di oitenta ano, lá ia passano numa estradinha, assim né, e veio uma vaca pegadera e cambô atrais dele né, ela correu atrais dele e ele cum medo da vaca, xuxou na moita di ispinho “arranha gato”, mais ele mixia pra ir embora, mas dentro ficava da moita “arranha gato”, mais quando ele olhava di lado a vaca. E aquele ispinho aicado.

Aí o rapaiz oiô, ê, não vô dexa meu próprio pai dentro da moita “arranha gato”, eu qui tenho coração bão, fui lá e taquei fogo dentro da moita e meu pai saiu correno.

Maldita Carona

Um dia daquês de invernuzinho qui chove dois, três, quatro dia imendado, um home na bera da istrada pediu carona um caminhão, o caminhão parô e o home falô:

Eu ti dô carona, mas ocê num repara não, pruquê tem um caxão aí em cima, aí ele falô:

– Não, tá bão!

E pulo pra cima do caminhão. Intão ele oiô, oiô, e falô:

-Cumo eu tô moiano, vô entra dento desse caixão, e entrou memo.

O caminhoneiro seguino a viagem topo mais na frente oto caronero, e o home do caminhão falô:

– Há pode entrá, mais já tem oto aí dento, aí ele entrô e oiô e não viu ninguém só o caxão, e quando chegô lá na frente o caronero falô:

– Já vô apiá, ode pará o caminhão? Aí o oto qui tava dentro do caxão levanto a tampa dele e falô:

– Oh, a chuva já istiô?

E o oto caronero casco fora correno, e falô:

-Há esse caboco tá é vivo!

“Bitu” O carro de gasolina

A primeira veiz veio esse carro di gasolina aqui minha fia, o povo visitia a rupinha miô qui tinha pá vê, muitos até mijava na ropa di tanto medo, saía assim correndo e escondendo, medo dimais da conta, igual bicho. Tinha um veió qui falô assim, “ah, mais vi um bitu, mais eu num quero vê ele mais nunca.

O que era do rico era do rico, o do pobre era pobre mesmo

No tempo qui nóis era piqueno, tinha um home qui fazia precata di coro cru, coro di vaca, sabe? Intão nóis quando tinha, guardava pra assisti uma missa, uma festa, quando a gente via fala  numa festa qui vontade di omeno cumê uma pelota, e pelota nesse tempo era um chique.

Pra tê as precata a gente buscava lenha até, minha nossa Sinhora da Guia, pra pagá, pra fazê aquele trem mais feio do mundo. Naquele tempo quando a gente tinha dois vestido, tinha muita coisa. Era uma pobreza danada, o que era do rico era do rico, o do pobre era pobre mesmo.

A serpente voadora

Diz a minha mãe, ela mais a cumade Gerarda, veio aqui pra rua, e o povo contô  qui ia passa uma cobra muito grande no ar e diz qui era uma serpente qui ia ingulí o povo, e a minha mãe tava ino daqui pra lá e a hora qui ela viu passa aquele “ajato”, ela mais a cumade Gerarda ajueiô no chão e rezo a Deus, dá o céu a todo mundo , a deus dá a sarvação, a elas num morre tão longe dos fio.

O casamento

– Casei qui nem uma cachorra, quando foi pra mim  casar eu ganhei trêis tunda di cabresto, uma cedo, uma mei dia, uma di tarde, e a coitadinha da Bartola apanho que nem uma cachorra, pruquê nóis num quiria casar. Eu morava numa taperinha di capim, mais numa taperinha di capim qui ocê precisa vê, qui taperinha de capim qui era lá di trabanda do morro.

Casei num tinha nem quinze ano interado, casei qui nem uma cachorra. Pra oiá o moço assim, a gente dava um jeito di furá um buracão, mais a gente num via o moço di cara di jeito nenhum.

A linguiça

Diz qui cumo caso do Oto, tinha um caboco qui morava ali perto daquela casa lá, diz qui si ele comprasse uma linguiça, coisa boa, cherosa um trem bão, lá na casa era só ele e a mãe dele, e a mãe dele num pudia cumê não, ela inchia a boca d’agua, assim com vontade di pegá um pedacinho, mas num pudia, se pegasse depois qui ele chegasse e ele via qui tava fartano, ele pegava ela di coro.

E um dia ele pego e comprô uma linguiça, uma linguiça muito boa, dessas gostosa, cherosa né, e dispinduro lá e falô:

– Oh, mãe a Sinhora não mexe nessa linguiça lá não.

E a mãe dele oiava a linguiça lá, dispindurada no varale, e cum vontade de cumê um pedacinho daquela linguia, a boca dela inchia d’agua e ela guspia no chão di vontade de omeno prova um pedacinho. Aí ela falô:

-Háaa, meu fio falô qui num é pá mim cumê, mais eu vô, aí foi lá e tiro um pedacinho da linguiça e cumeu.

Aí num foi nada não minha fia, quando foi di tarde, esse caboquinho . Não! Um cabocão! Aí ele chegô e oiô lá assim, a linguiça e deu farta dum pedacinho qui a mãe dele tinha cumido, e ele falô:

– É mãe, a Sinhora cumeu minha linguiça, né!?

– Não meu fio. É pruquê eu tava encheno a boca d’agua, meu santo, qui eu tava com fome.

É mãe distraçada, agora vô baté na Sinhora!

Aí ele pego a mãe dele e monto nela, casardo di ispora, dessas ispora sete bico qui é cunhicida hoje, e ele isporô ela, isporô ela daqui pra li, bateno, ispora nela do tipo dum animale, qui animale, cavalo, égua, ocê ispora, né!? Aí ela pego e falô:

Meu fio, num faiz isso não, pelo amô di deus.

Aí ele tá isporano ela, mata qui num mata, e ela pegô e rancô a mama né, e falô:

– Não meu fio! Pelo amô de Deus, pelo leite qui ocê mamo aqui nessa precatinha aqui, num faiz isso cá sua mãe não. E ele falô:

– Guarda essa maminha aí mãe, pruque sinão eu corto isso, e ela temô quele. E ele pego um facão e cortô a maminha da mãe dele. E ela choro muito e espraguejou ele amardisuano.

Então é purisso qui hoje ele tá no cimintéro, onde tá aquela árvore di painera, diz qui muita genta vai lá, e não pode mexê onde ele é sipurtado. Diz qui si mexê lá onde ele é sipurtado a terra treme, iscuta gimido, purisso qui lá é uma parte reservada do cimintero, qui ninguém é interrado lá perto.

(Ainda hoje podemos constatar que a paineira está na parte esquerda do cemitério, intacta, e continua sendo uma parte muito reservada naquele local).

.

“Verbo da Boa Sorte”

Concentra bem em Nossa Sinhora, qui no final dessa reza Nossa Sinhora abaixa pra dá o sangue e o leite ocêis.

Sábado da Lúiz Pilatos cubriu Jesuis, a terra tremeu Jesuis num tremeu, ocê tamém não há di tremê com febre, maleita, inveja, nem prisão di ventre. Como Jesuis Cristo poderoso e di Deus glorioso cravado na cruiz assim sempre esteve ao lado di Deus, ocê tamém não treme com trabaio nenhum, Jesuis qui ti dá um serviço bão, Deus só há di dá boa sorte pro cê e se Deus quis  e Jesuis cravado na cruiz só há di dá boa sorte pro cê e boa alegria, e quando fô pro cê casá Deus vai guiar um rapaiz bão qui ti dá muito prazê e muita boa sorte, muito gosto, muita alegria.

Santa Ilía tinha três fia, uma lavava ota cuzinhava, ota custurava. Com que Santa Ilídia lava o trabaio do cê. Com água da fonte, raminho do monte e as trêis pessoa da Santíssima Trindade, ela lava as farsidade, ela lava amigo farso, amiga farsa, maloiado, feitiço, malifício, inveja braba, amigo farso, todos os males qui vié pro cêis. Qui leva tudo pro mar onde não vê o galo cantá, num vê o fio do home chorá.

Santa ilídia com suas trêis fia, uma lavava, ota cuzinhava, e a ota tecia. A qui cái no fogo do trabaio ela vem e lava aquele trabaio di todo o fogo, aquela qui custurava discustura tudo quanté male qui os oto fizé com cêís, dismancha tudo.

Qui o manto di “Nossa Sinhora das Dores” e “São Milguel” menino Jesuis, “Nossa Sinhora da Aparicida” ti dê boa sorte.

Pai nosso qui tidê boa alma, Deus criô di corpo e alma, qui o demônio não ti incarna nem dia dia nem di noite, qui na morti não morrerás no inferno não si alimentarás e mantenha seu corpo fechado. Salvei a vida dos  cêis di todo o mal oiado e de todo o feitiço e di todo malifício.

Qui a famía dos cêis ti dê muita boa sorte, muito prazer, muita alegria qui minino Jesuis vai ajuda ocêis, qui vai protege a vida dos cêis. Eu ti curo di ispinhela caída, di vento virado, di mal oiado, di feitiço, di malificio, di amiga farsa e di amigo farso.

São Gerardo e São Vicente di Paula e Nossa Sinhora das Dores qui ti cobre com o manto dela e qui ninguém tenha força di toma seu serviço.

Seu anjo di guarda, seu castelo forte, seja seu amparo na sua vida e na sua morte, para sempre, amém, Jesuis.

Agora ocêis pede seu anjo di guarda, qui o anjo di guarda qui ocêis antecedeis venceis o seu medo qui seja atendido, qui o anjo ti garda no seu castelo forte.

Além da benzedura a Senhora ainda sugere a moça benzida, plante alguns dias antes do casamento um pé de rosa e um de cravo.

Segundo a Senhora a rosa seria a esposa e o cravo o futuro marido. Algum tempo depois viria um beija-flor que pousaria no cravo e na rosa, depois disso o beija flor voaria até a esposa e jogaria polens de boa sorte para o casal. E quando o marido ou esposa morresse o cravou ou a rosa, morreria.

Palavras Finais

O Brasil ainda é um país

De medo, de receios, de jeitos,

Onde o silêncio esconde o homem.

Esse medo invisível e por vezes até visíveis,

Nos olhos alheios, nos fantasmas passados,

Neste calabouço chamado memória.

É assim que Chumbo esconde,

Mas as vezes deixa transparecer

O obscuro dos bastidores do poder,

Da política, das intrigas, das rixas,

Até mesmo entre vizinhos ou amigos,

Da oposição que quando perde uma eleição

Acaba virando perseguição, exílio.

E o homem não consegue ultrapassar

uma simples porteira, ao contrário cria-se outras,

e assim vai se limitando nesse andado calado,

nesse olhado sagrado, fato de fardos,

de fatos, de laços, de mordaças a calar

as suas reminiscências, sua essência

que o cria e o ilumina na sua vida.

Cátia de Castro

Chumbo guarda um tesouro fabuloso que é este homem ainda puro, nato, com seu cheiro de terra fresca e certa, e suas histórias fantásticas. As miraculosidades desse sistema capitalista em que vivemos nos deixou cegos e extasiados demais para enxergarmos as belezas desse ser, e o qual nosso mero conceito de civilização o põe em exposição grotesca a exclusão e ao preconceito.  Não levamos em consideração nosso passado mais remoto e nem nosso presente mesmo que distante.

Referências Bibliográficas

BARBOSA, Waldemar de Almeida. História de Minas. Editora Comunicação. Belo Horizonte. 1979

FONSECA, Geraldo. Domínio de Pecuários e Enxadachins: História de Patos de Minas. Belo Horizonte. 1974.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 27.ed. São Paulo: Companhia Editora. Publifolha, 200.

TORRES, João Camilo de Oliveira. História de Minas. 3 ed. Belo Horizonte, Itatiaia; Brasília, INL, 1974.

PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 11 ed. São Paulo. Editora Brasiliense. 1971.


[1] TORRES, João Camilo de Oliveira. História de Minas. 3 ed. Belo Horizonte, MG. Editora Lemi. 1980. Vol 1. (p.173-174)

[2] Idem p. 120

[3] VASCONCELOS, Diogo de. História Antiga das Minas Gerais. 3ed. Belo Horizonte, Itatiaia; Brasília, INL, 1974. (p. 142-143)

[4] Entrevista concedida VALENTIN, Lorinda. Entrevista I [07.2001] Entrevistadora: Claudia Alves Soares, Chumbo 2001. Arquivo mp3 (45min)

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Descaminhos de um precipício vazio (texto)

DESCAMINHOS DE UM PRECIPÍCIO VAZIO

(Primavera De Oliveira)

O vento soprava intensamente no final de setembro entre as labaredas das desgraças e os sorrisos dos inocentes. Eram verbos demais para se contar. Atribuições infinitas. Misérias contidas em enlatados coloridos e adocicados. Pisar em degraus, alucinações momentâneas, depredar a alma. Conter o riso e escancarar as mágoas. Caminhar novamente para o fim do ano. Para o início das compras e suas alegrias parceladas.

As reuniões fraternas. Papai Noel. Deus é generoso nas bocas adulteradas. Carregar sonhos, promover diversões, depois mais uma xícara de café, solúvel, sem gosto, amargo e frio. Descaminho. Retomar o início do final contido. Desejar morrer. Acabar. Finalizar. Depois de um brinde, fotografias. Escritas diluídas de imensos vazios. Apenas um sublime caminho vazio. Um precipício grotesco e solitário. Gritos amordaçados. A tortura em cabedais nas bancas promocionais.

Primavera de Oliveira — Send in a voice message: https://anchor.fm/catia-castro8/message

Transcrição

***

O precipício moderno contido em estojos de maquiagens, cursos rápidos, rostos moldados e revirados em prateleiras de supermercado. A velha ao lado analisa o tempo em esferas congratuladas de emoções inválidas. A histeria dos jovens. O riso cambaleante de distorções repreendidas. Novelas.  Recomeços. Suicídios juvenis. Banalização da vida. Sacos vazios preenchidos nas melhores lojas. Promoções no final do mês.

A música doce após um comprimido homeopático. Depois um cigarro e um pedaço de recomeço de sentimentos autênticos. Os pulsos cortados. O jornal embrulhado. O enlatado congelado. Visões modernas. Sapatos coloridos e deprimidos. Emoções gastas. O prazer rápido. A ilusão momentânea e infinita. As crianças brincam ao lado das construções. Tijolos autoritários. A cor opaca. O corpo marcado pelos arranhões revestidos de amor. Os precipícios são muitos. A morte é pequena. E linda, bela, transparente e eterna com sua inocência.

Nem sempre compreendemos os descaminhos e suas bifurcações, entre canções reviramos a alma carregada, rasgada e suja, parecendo mendigos em noites solitárias. Somos matérias ruídas, desejamos o desejo e seus brinquedos. E no trajeto labaredas de incertezas e inocências contidas. As misérias em nossos passos são imensas e brutais.

Em nossos olhares matamos todos os dias uma centelha de vida, um sorriso alegre, estamos vazios e malevolentes. Apedrejar o amigo, arrancar até a última flor e seu suspiro de dor. Torturas urbanas. A humanidade em armas nucleares. Em balas perdidas. Tiroteios dispersos. Facadas impróprias. Vidas destruídas em grupos cristãos. A oração antes da sabatina. Isso mesmo, recapitular todas as formas de destruir, arregimentar o mal, as vísceras expostas e todas as lágrimas encobertas.

Os abismos modernos em lotações de supermercados. Em prateleiras coloridas. Novelas demoníacas demais para serem consumidas. O transe caótico do mal. As emoções incontáveis e indesejadas. Sonhar doces pesadelos. A alma humana encardida e fétida nos umbrais das banalidades. Ser fútil. Consumir alucinações intransigentes. As transgressões da matéria. O roubo do olhar afetuoso.

O amor sobrevive no meio da loucura disfarçada de orações e bons pensamentos. A roda ativada que consomem almas. Tortura semanalmente em posturas impecáveis. A moral limpa e suburbana. A razão aprisionada no labirinto dos instintos. A sexualidade presa ou exposta. As preocupações com as intimidades alheias.

Seres humanos em decomposição assumem postos administrativos, bons cristãos. A fé em Deus é inabalável e o cachimbo de crack tem mais gratidão do que a senhora casta e ordinária. Mantras. Jogos. A puta fede ao lado do manicômio. O esgoto tem mais leveza que criança em berçários. Ordinariamente cantamos hinos cristãos. Bebemos o cálice da discórdia. Das lindas ofensas profanadas em oratórios. E no cair da noite dormimos em nossa eterna inocência.

O feriado suaviza nosso corpo em pedaços. A dormência do desatino. Da insensibilidade do olhar. Assistimos miragens de vidas vividas em gestações. Parir ofensas. Partos demorados. Desejar sentir o precipício abaixo de nossos pés e finalmente sorrir. Abrir o peito em facadas afiadas e libertar toda a escuridão.

Manter o mesmo distanciamento dos encontros solitários. Estar só em uma multidão calorosa, estridente. Morrer todos os dias ao longo da rotina enfadonha. Dos brinquedos repassados pelas mãos calorosas e fraternas. Ser despedaçado, triturado e no final sorrir. Amar a vida, os outros e o outro, e nunca se olhar no espelho. A amorosidade dos amigos. Lindos e gentis amigos em suas felicidades compradas e compartilhadas em cores alegres e festivas. O ser humano servido em pratos esmaltados, barulhentos e cinzentos.

O abraço foi ficando frio, distante. Não encontramos mais um braço ao outro apenas um leve encontrar de tecidos amarrotados. Sem perdão prosseguimos. Somos pedaços caminhando falsamente. Discursos ofegantes e belos. Palavras vibrantes. Gestos genuínos. A conversa carinhosa e devastadora. O veneno preso atrás da garganta. Os vômitos pelos corredores. Náuseas. Imensa náusea.

No horizonte longínquo a epiderme exposta. Somente dizeres afetuosos, a amizade fraterna e visceral. Brincamos com os prazeres mais nefastos, a dor mais latente e desumana. O desprezo sincero e comovido. O abraço vazio e contaminado.

Nas amizades de quinta-feira um chopp comemorativo e eletrizado, as palavras alvoraçadas. A amizade celebrada e divulgada. Caminhos sinceros e inocentes. Verbos comovidos de paixão. A doçura do apego. A presença amorosa e delicada. E depois apenas os olhares em desapego. As facas piscando em silencio e passos mastigados.

A conversa descompromissada, os risos partilhados, as emoções descobertas. Em lados opostos os traidores, as sementes estéreis, as alucinações delirantes dos corações marginais. As mentes insólitas. Conspirações, torturas desconexas. Perseguições enlouquecidos nas vozes delicadas. As orações afetuosas. Os monstros sempre dominam as manchetes e seus ciclos de reuniões.

As comemorações hospitaleiras no final do ano. As amizades balbuciadas em arcadas dentárias de mortos vazios em penteados dourados. Belezas de molduras. Entranhas consumidas pelos vermes. O hálito dos cadáveres em unhas de porcelanas. Imensas belezas. Confraternizações em mesas decoradas. A alegria em gorjetas.

Soberania da nação. O novo discurso da ONU. O carro que exibi o som romântico. Esplêndido viver. E mais sublime ainda morrer pelas artérias entupidas de ácidos etílicos. Odisseias modernas. O anti-herói cultuado nas telas, lindo. Um espetáculo de glória e louvor. Amém! As banalidades das moralidades vestidas pelo avesso. Ainda bem. Todo cristão é falso, ordinário e mesquinho. Tenham fé ou não. A hóstia consumida pelos irmãos em orgias orquestrada na difamação dos outros.

Soberba. Belezas entediadas em falsas promessas. Sou mais os corredores dos drogados. Das almas sufocadas que se suavizam num cachimbo ou num cálice ordinário. Depois um doce, um drink, uma batida de limão, o sexo até oprimir toda a alma.

As chuvas voltaram e novamente seu encontro. Suavizar a alma gasta, pesada. As sirenes nas ruas. As luzes nos condomínios. O vizinho ouvindo o sermão do pastor. A euforia dos ingratos. Os braços tatuados marcados que nem gados. Rebanhos em redenção. Poder pecar até manchar a alma. Brindar todos os desacordos. Sofrer até sentir a dor. Morrer. Enlouquecer Deus. Recitar seus evangelhos. Urinar no asfalto. Ajoelhar sobre o altar e rezar o mais alto possível dos salmos.

Odeio Deus. Amo a tristeza. A guerra. O caos absoluto. A paz enlouquece. E A gratidão corrompe. A alegria tortura, rasga a pele, sangra os pensamentos. Aterroriza as lembranças. Sentir! Viver em desapego. E novamente as chuvas depois de tantos tormentos. O corpo em febre. O sol enlouquecendo. A tristeza amando todos as congratulações. Viver num espasmo de um dia. Olhar para o precipício e ver a si mesmo. Morrer num dia de outono.  E como todas as folhas, cair, desabar.  Desprender. Aceitar o chão e olhar para o céu.

As cicatrizes são infinitas. O livrinho de mensagens recitadas com tanto amor. As presas envenenadas e o chocalho orquestrado com maestria. Linda menina cristã. Deus sente gratidão. O trabalho autêntico da imoralidade divina. O perdão em hóstias. Os irmãos doentes e em depressão. A silhueta da abominação. Santidades democráticas.

As palavras desenhadas. A eficiência desprovida de conhecimentos. As perseguições mesquinhas e traiçoeiras. Adulterando todas as verdades. Despir a razão. Esfaquear, golpear, rasgar a alma. Os juízes modernos são eficientes. Deficientes. Doentes mentais. Maquinas assassinas. Instituições soberbas. Noticiários felizes. Violências consentidas. Tráficos de bebês. Estufas humanas. Anti-heróis. A cidade incendiada. A beleza grotesca. Tantas poesias na loucura.

 Adolescente manuseando bisturis em seus corpos reluzentes. Marcas grotescas, belezas inconcebíveis. A pele exalando a barbárie. A tortura em lâminas afiadas. Pulos de prédios em construção. Corpos em calçadas. Belezas singulares. Bichinhos humanos. Humanidades em extinção. Corpos diluídos. Nas calçadas os cestos cheios de sacos de lixo orgânico.

A obesidade transparente. Várias camadas doces. O vício em calorias. Vidas ordinárias, fragmentadas. O encontro sempre disperso, rápido, instantâneo.

O ser humano em capsulas solúveis. Beijar todos os corpos e matar a alma afogada dentro de um copo servido sem companhia. A atmosfera grotesca.

Matar, matar, todos os vícios. Cheirar a solidão. Viciar nas distâncias longínquas de poucos quarteirões. As carnes congeladas nas prateleiras de supermercados. Salgadinhos. Pipocas. Telas deslumbrando a vida. Homens em ação. Deus em perdão. Migalhas de afetos. O sorriso mais doce encantou minha alma.

Pobre menino que vive de pequenos furtos. Chinelos nos pés, peito descoberto. Sorriso encantador. No bucho, nada. Na alma tudo. Entre as incertezas viver cada minuto a espera de um milagre.

Falsos santos, pastores em heresia. A Bíblia enclausurada no martírio dos esquecidos. Congratulações. Adoro essa palavra. A loucura dos encontros perdidos e solitários.

Novamente embalagens, felicitações, orgasmos padronizados. Encontros previamente marcados. A roupa despida e a alma encoberta. A luxúria em línguas afiadas.

O céu ainda continua nublado. Descaminhos sobre os caminhos. Agendar uma viagem, tanto tédio. Querer apenas um cobertor para a alma castigada nos delírios de seus pensamentos. Mentir. Sobreviver! Viver de alguma forma entre o céu e as sombras do descaso. Cobrir-se de penúria, misérias de afetos. A pobreza em se viver e amar. Apenas pausas prolongadas, abandonadas pelo tempo distante e corrosivo.

Nas calçadas, ondulações para os pedestres. A rua para os velhos. Os prédios para os esquecidos. O licor azedo sobre a prateleira empoeirada. O espelho manchado e os pensamentos corrompidos. Não se importar mais. Não sentir mais. Não querer mais. Apenas continuar. Os cabelos em cores brancas e o rosto em desespero.

Simplificar a vida. Matar a vida. Sabotagens de nós mesmos em potes de sorvete com caldas de chocolate.

Transitar por ruas descobertas. Dormir no sofá da sala olhando para a esperança. Balbuciar seu enredo grotesco. Vigorar todas as rugas decadentes. Cantar manifestações transeuntes. No final do dia garantir uma vaga no leito do hospital com suas marionetes, vedetes prostituídas de heroína injetáveis. Uma bebida quente para comemorar a vida e suas meretrizes.

O céu ainda continua nublado com suas nuvens carregadas. O cinza moldurando o céu enraivecido. Nos cinemas o novo filme do Coringa. A sociedade exposta, enraivecida e vazia. Sempre foram tempos de violência. Mas essa é histórica, pois carrega na face a brutalidade da solidão humana.

***

Tantos caminhos incertos pelas labaredas do inferno. E no final apenas um contentamento que suaviza a alma. Estamos infinitamente cegos, presos na nossa indiferença desumana. Matamos vários deuses. E depois sucumbimos em nossos precipícios. Isolamos os sentimentos, sorrimos, vestimos roupas alegres. Por instantes adormecemos em nossos pesadelos e sonhamos majestosamente com a felicidade parcelada. Belo. A arte é bela.

***

*Uniformes*

O nariz em coriza. O corpo transbordando. As ligações reunidas. O não. O desprezo. A rejeição. A patética vida sobrecarregada. Nem mesmo mudaram as estações a esperança embrulhada num fraco barato.  De novo as viroses. O chá. As pílulas saboreadas em capsulas coloridas. Papel alumínio. Plásticos. A glote. Novamente o gosto amargo. O buraco infinito no estômago embrulhado, náuseas modernas. O corpo coberto na esquina. Alguns pedaços de vidros espalhados.

Vômitos esporádicos. Sudorese. Estresse em pílulas solúveis.  E a náusea infringindo seus instantes.

No final do corredor a velhinha subiu a escada lentamente. E a luz opaca iluminava seu vulto oco e disperso. O olhar cristalino. Despencar. Depois da subida fadigada, pular no precipício, até desmembrar todos os ossos. E com o dia lindo, o sol alcançando a pele com seu mormaço no final da tarde. Morrer!

O grito da vida desprendendo sobre o piso e seus altares falsos e sombrios. A respiração final sobre as escadas do altar ficou cobertas de vazio e inexistência de um ser bruto em decomposição.

*Papéis Coloridos*

O telefone preso na garganta em acúmulo de horas desprendidas de sentido. Resistentes aos atritos dos sentimentos. Superficialidades. Inesgotáveis mensagens positivas e motivacional. E de novo o vômito. A náusea do dia. Dos amigos inocentes e belos. Provocações no trânsito. Sobre os lençóis cobertos de sexo e anfetaminas. A cocaína sobre a mesa. No interior dos corpos enlaçados. A bebida tão doce e suave. A canção sempre manifestando sua dor. E nas paredes os papeis coloridos refletindo sobre seus corpos. A nudez obscena e sem graça. Apenas peças de roupas jogadas. O gozo adorado e surpreendido. Vibrante. Mas, apenas um instante. E depois as misérias compartilhadas. Vivificadas. Petrificadas e carregadas em pastas executivas.

Cenas patéticas de calçadas etiquetadas. A avalanche dos moradores de rua. A viatura reluzente transitando sobre seus indigentes. O semáforo espetáculo. Os carros parados e indefesos diante da vida exposta sobre o sol do meio dia. As pernas de pau que insiste nas apresentações mais bizarras. E os motoristas indiferentes para o show, presos sobre os vidros automáticos, vivendo vidas tecnológicas. Saquinhos de saquê consumidos e descartados.

Ausências

O corpo grita a presença no recinto socializado. A garrafa de café próxima aos melhores amigos. A indiferença sobre os outros. E a contabilidade impecável depois do sexo na noite anterior.

Comparecer. Não lembrar.

Esquecer. Não revelar.

Migalhas. Indecisões e indiferenças.

Crimes abomináveis. E despercebidos.

O cachorro que foi socorrido enquanto o seu dono em histeria e ataque de cólera foi posto em uma coleira e recolhidos ao abrigo.

Animais que reivindicam os direitos dos animais. Animais humanos abandonados nas ruas e recolhidos depois de transmitir a raiva contagiosa e mortal. Vírus da ausência. Doença do descaso. A insensatez humana em telas.

*Apocalipse em novelas*

A rotina infalível depois de incontáveis dias. O show preso na garganta e depois esquecido pela multidão. A miséria distribuída em cartões. O corpo sendo destituído e depois consumido. Os pesadelos sempre interpretados pelos noticiários. E no final do trabalho os corpos distribuídos sobre a mesa e saciados pelos olhares ofegantes. Viver! A beleza distribuída, compartilhada. Os amores selecionados e degustados. Saber ser poesia, música no fim do dia, tapetes reluzentes para os sapatos brilhantes.

A dívida socializada. O beco sujo, distante da metrópole. O cesto de lixo invadido pelos humanos contingenciados. A massa humana destituída de todos os seus anseios. Parágrafos para a vida. Ruídos para a morte. Maquiagem para os cadáveres. Três girassóis plantados no jardim e um gnomo sorrindo alegremente após gotas de chuvas serem distribuídas.

A grama molhada. A alma seca. O sorriso cada vez mais branco. As pílulas sobre as prateleiras. Os homens em bancos, mortos em catacumbas. Depois levantam com seus rostos postos sobre o chão. O céu nunca admirado. O vento nunca sentido. O cheiro fresco nunca percebido. Morrer todos os dias em migalhas patéticas. Vidas desprezíveis.

Nas manhãs cada vez mais embrulhos reluzentes. Nos bairros afastados os humanos denunciam suas feridas. Latem para seus vizinhos. O toque de recolher. A bebida ingerida. O crack denuncia o que sobrou de uma vida. O prazer insaciável. A natalidade interrompida. Os anos iniciais interrompidos. Depósitos de seres humanos. Caixas cheias de crianças. Sentadas com olhares esquecidos. O sorriso do pouco possuído. Um corredor imenso vazio. Depois o pessoal da limpeza organizando as mesas dispersas e reviradas. O lixo no chão. O lixo atravessando o portão. Os familiares tomando suas sacolas, depois de um dia sobrecarregado. Apenas segurando suas sacolas, sem abraços ou beijos fraternos. O cachorro acompanha a família desconhecida.

Nas ruas a sirene denunciando a violência. E nos bancos escolares o sorriso, corroídos pelo crack. O corpo esquelético. A incapacidade de compreender. Adolescentes compartilhando suas bebidas. Dejetos de seres humanos. A miséria enraivecida. O corpo intragável, improprio para o consumo. Jornadas desumanas. E sobre as calçadas os cachorros abandonados se reúnem nos seus grupos humanos.

O homem preso no seu horário. Em seus encontros ineficientes.

*Instantes*

Era final de tarde o corredor com seus barulhos de sapatos. A luz opaca no final, os assentos envelhecidos. Sobre as mãos o apoio revelando o tempo. Os executivos com suas pastas. A secretária obesa disforme, desfila por entre as cadeiras, mesas empilhados no vazio deserto humano.

*Momentos*

A música entorpece a alma fatigada. Um momento sublime de leveza. A criança parece deslizar sobre o concreto. Nesse universo obscuro os momentos tocam nosso rosto e acariciam a nossa ausência. Pisamos sobre o asfalto com passos de devoção. Não olhamos os rostos, nem as flores, apenas cativamos os deuses. Sufocamos o vazio com uma taça corrosiva de anfetaminas. Morremos. Todos os dias! Recusamos a viver. Como é difícil lutar para viver. Reconhecer o vazio aberto no concreto que pisamos incessantemente.

Mentimos!

Sorrimos!

Amamos os momentos, pequenos instantes que suavizam décadas de tortura. Compramos um bichinho. Patético. Recusamos outras vidas. Negamos compartilhar sentimentos.

Contabilizar!

Devoluções de amores emprestados. Vidas em prateleiras! Poeiras.

SER, sozinho. A beleza presa numa mente insana. Depois a violência. Os corpos atirados. Os objetos jogados. Os passos cambaleantes.

Ilusões! Muros descontruídos. Favelas abandonadas. Crianças soltas em calçadas ásperas. Viver é doloroso. O medo escraviza. Rouba os sonhos. Trancam a alma.

*Pergaminho*

O passado arrasta os nossos sonhos. A palidez do abandono. Viver apenas com você e todos os seus demônios. As lembranças. O desprezo. A mais completa solidão alimentando por todos os dias a alma torturada. A loucura dos pensamentos consumindo o corpo e todas as suas entranhas.

Ousar rezar. Ousar odiar. Ousar não sentir. No final “amor fati”. Tudo vale a pena. Somente viver, mesmo que seja uma pequena gota pingando por um instante num imenso oceano. Vale a pene por esse milésimo de sentimento que destrói todos os dias perdidos. A humanidade no final sempre vale a pena. Por um misero segundo de sentimento. Um toque. Apenas um suave capricho de um instante.

*Morrer*

As cadeiras de madeira agrupadas em filas desproporcionais. Todos os dias no mesmo horário ele sentava em seu devido lugar. Demorou a amar. Depois continuou a existir. Os instantes foram se apagando. O olhar sempre foi baixo, desconexo. A vida meticulosamente miserável. A garota tinha cabelos castanhos e o nome adoçava o paladar. Mel. Os encontros duraram um semestre. A vida foi vivida por um mísero semestre. Depois uma vala absorvendo sua insignificância, seus tormentos, sua dor. Morrer depressa demais, até o último suspiro. E tragar a última dor. Sobreviver na cova.

Enfim, conseguir acabar com todos os sonhos que nunca iriam ser vividos. No braço desenhado no passado, o relógio de bolso junto com a carpa. Os últimos desenhos não foram todos traçados. Apenas o esboço da cova. O crânio e a faca sublinhada. A finitude golpeada com o martelo e triturada pelos amigos. O coração cravado com a lâmina recém afiada. A juventude assassinada pela ignorância. A ausência de livros e humanismo. A dor do sangue espalhado pelo concreto. O corpo esquartejado, e todos os sonhos roubados.

*Jardins*

A pele suaviza o ser bruto. O toque abranda a violência. O amor mata qualquer assassino. A solidão e o abandono transformam flores e depois um jardim inteiro é tomado pelos espinhos. E o abandono floresce e se alastra até ninguém mais conseguir entrar.

A desordem leva todos para a guerra. Vivemos período de autodestruição. Estamos em agonia, sobrevivendo de pequenos suprimentos de afeto. E no final continuamos. Alguns arrastam tantos objetos. Cargas humanas. Outros desprezam cada sabor. A arrogância. O véu da soberba. No final apenas a vontade de reiniciar e apagar nossos fracassos. Tantos pecados acumulados. Os erros grotescos. Correr. Começar a correr. Na impossibilidade de mudarmos nossas trajetórias, vamos ficando com tantos pecados acumulados, pagos em parcelas promocionais.

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BORBOLETAS DE NOVEMBRO

ATRAVÉS DA JANELA Selene de Maio Selene de Maio, escritora da primavera, de romances intensos e nebulosos. Fragmentada em ilusões amorosas.  Instantes audaciosos e inesquecíveis. Um prazer contido  em cada página. Um coração roubado e fervilhado do mais puro  êxtase momentâneo. (Primavera De Oliveira) Um amor num espaço de tempo. A infinidade de se amar. […]

Um amor num espaço de tempo. A infinidade de se amar. Buscar o inalcançável e depois sucumbir ao prazer, desmembrando cada parte do corpo em um êxtase profundo.

O livro “Através da Janela”, narra todos os alicerces demolidos

de uma nova paixão. Sejam bem-vindos a cada página desfigurada

desse amor

doentio e sombrio.

(Selene De Maio)

Viver como luzes incandescentes na mais completa escuridão.

(Primavera De Oliveira)

 A noite nunca foi solitária. O céu sempre acompanhou você nos mais tórridos dos destinos. (Selene De Maio)

COMO CONTINUAR?

Um espaço na eternidade. Nesse vazio gritante sussurro seu nome. Vejo seus precipícios. E como são belos. Poder te tocar, apreciar, sentir seu gosto, sua boca decadente e infame.

Tragédias humanas. Deterioramos entre escolhas solitárias. Te amo. E como eu amo. Perdidamente? Não! Não mesmo. Amo seus olhos e toda a sua insensatez. E ainda continuo a amar seu corpo. Seu gosto. Suas ruínas. Todo esse seu desprezo.

Ontem olhei para a sua janela. Penumbras? Talvez uma taça em ruídos dilacerados pelo chão. Ainda sinto seu gosto. Sua boca sufocando meus gritos. Sua língua amaciando minha pele, percorrendo meus poros, minha glote.

Descruzo minhas pernas e trepo ordinariamente. Como é bom sorrir. Enlouquecer. E depois adormecer o meu corpo em seu peito retalhado.

Hoje despeço de nossos encontros. Busco um pouco de lucidez. Visto meu manto de solidão. O calor é doce, suave, desliza sobre minha pele. Deito-me sobre a cama e masturbo com meus olhos sobre você. Gozo maravilhosamente sobre sua face maldita.

Apenas nesse instante, desprezo. Escárnio. Retribuir feridas. Esfaqueamos nossas verdades e depois voltamos para nossa casa sombria e cada vez mais solitária.

O rosto no espelho nunca mais foi o mesmo. O sorriso tem profundidades inalcançáveis.

Conseguimos cantar em silêncio. Chorar no desprezo. Nem mais fingimos, apenas somos o que nos tornamos. Monstros fraternos. Desertos. Montanhas de areias. Olhamos para esse mar maravilhoso do deserto. Pisamos em princípios, sentamo-nos e sorrimos.

Olhamos para esse abismo e sentimos toda a paz adormecer nossas mentes. E o corpo finalmente aceita a morte. E levemente sorrimos. E o meu amor cada dia mais me trouxe um pouco de você. Beijos no infinito.

Como não poderia amá-lo? Todo o ar que eu respiro é você. A cada deslizar dessa caneta eu me perco em leves sorrisos. Meus olhos me trazem você.

Selene de Maio

22/07/2021

I Parte

Meus olhos sempre contiveram você.

(Selene de Maio)

Alucinações passadas

Ontem sonhei que demônios saiam de meu corpo. Eram alucinações malditas. Sem tempo nem espaço. A atmosfera era negra. Impossível olhar o horizonte. Apenas espaço sem paredes. Uma bolha nebulosa.

E minhas tentativas inúteis de não contaminar. Vagões eram separados. Apenas os famintos eram segregados. Em outros espaços os melhores eram selecionados. O caminho era sem volta. Uma escravidão em ruínas.

Vivíamos no terceiro andar isolados, esquecidos do mundo. E a noite contaminava todo o espaço. Tudo sombrio. Nevoeiros de maldição.

Acordei nessa manhã de inverno com esses sonhos entre meus pesadelos repetidos. As dimensões sufocam nossas vidas. E em qual delas podemos viver uma fantasia?

Nada mais me assusta, aos poucos vamos bebendo a noite. E nem mesmo percebemos a ausência da luz. Apenas um horizonte de escuridão, medo e abandono. Sem tristeza, me desespero num altar de mim mesma. Apenas aceitamos.

Continuar?

Acordo com o olhar vazio. Uma leve penumbra no dia. Lembranças de tormentos. A memória apenas fleches de instantes nostálgicos.

Por vezes monstruosos demais para que sejam lembrados na sua íntegra. Desprezo. Ah, esse verme que corrompe nossa alma.

Na época não existia sentido. Mas, hoje compreendo aquele instante que meu olhar congelou por segundos. Existia algo que me fazia sorrir. Uma nuvem de esperança que passeava pelo meu céu de fevereiro. Era um corredor vazio, algo que não poderia ser compreendido nessa dimensão.

O sentimento de pertencimento, talvez houvesse gritos me chamando, guiando, não sei bem explicar.

Existia algo oculto e indecifrável. Meu coração congelou e minha mente tentava compreender.

Apenas nesse momento consigo entender, somente nesse presente as lacunas desse labirinto foram decifradas.

Sei que você estava por entre aquelas paredes. Agora meu passado reflete nessas páginas desse presente infame. E novamente você recusa compreender. Morreu mergulhado em sua exatidão. Suicidamos em quartos separados, nesses rascunhos inacabados.

Quinta-feira negra.

O sorriso melancólico que transborda em cinismo, rebeldia e falência de uma vida. O vazio abrangendo todo o ambiente. Paredes negras.

O chão em abismo. O céu em metáforas. A dor extrema da escolha maldita. Sem vida, sangue, plasma, olfato e olhar. Talvez todas as cifras corrompessem suas artérias. O café ordinário, o cheiro esquecido. O amor nunca vivido.

A procura. O peito em ruína. A aceitação cristã. O peso da família. O sobrenome aplaudido. Esqueceu de ser ele mesmo.  Preso em passados de ruínas decadentes de esquinas.

O amor ficou do outro lado da rua, abandonado em sua liberdade. A sina de ser você mesma e transformada em precipícios de jardins. O abismo de uma cama confortável e bela. As gargalhadas voltaram para meu rosto e cada vez mais estridentes.

É difícil ser nós mesmos diante de tantas faces embrutecidas. O concreto da vizinhança sufoca os gritos.

As paredes se tornam bolhas sem cantos. Sem janelas. Sem portas. Apenas o espaço girando, contraindo e dilatando as veias de meus pensamentos. Tudo girando e contraindo o peito. Naufragando os olhos. Sem abraços. Apenas o manto da solidão confrontando e aquecendo a alma.

Os caminhos foram separados tortuosamente. O aprendizado era o oposto de todos os verbos adjacentes. Sombras caminhavam junto com alguns traços de luz.

Você me veio calmamente em semblantes de solidão. Magicamente perdido em sua insensatez. A loucura vestida de razão. Tudo clama misericórdia em sua face.

Amei perdidamente seu semblante de pecados. Pasmem! Nunca alguém refletiu tanto a minha própria face. Os sentimentos foram contraditórios. 

Primeiro desejei, amei. Depois odiei cada olhar que remetia sua lembrança. Refletimos nossos fracassos em rostos amaldiçoados.

Esses míseros “rascunhos inacabados”. Sim, você. Não escrevi todo o alcance de meus sentimentos. Na primeira parte apenas descrevi as primeiras ondas do amanhecer. O sol nem mesmo tinha emergido em sua força.

Apenas a lâmina do vento frio e gélido batendo sobre minha face. O precipício nem mesmo tinha sido construído. Simplesmente uma areia deserta, sem conchas ou estrelas do mar. Um deserto infalível de um oceano infinito.

Olhei calmamente seu discurso inicial de arrependimentos e ausências. Um confronto revestido de resignação.

Era novamente fevereiro. Odeio esse mês. Sempre uma surpresa desagradável. Um amor em conta gotas. Um alvoroço juvenil.

Talvez esse despertar de esperança a cada recomeço. Sempre me surpreendo com essa capacidade do ser humano de amar. Recomeçar novamente em um novo formato.

Novas desilusões sombrias, esperançosas, ruidosas. Odeio ter esperança. Deixar despontar um sorriso. Aos poucos vamos nos acostumando com o eterno retorno do amor, e logo depois seu fim no espaço de uma curva.

Tudo termina em ruínas. Depois de um tempo os pedaços dessa insensatez se tornam cenário para o início de um novo amor, porém sem grandes atribuições.

Começou no final de um abismo

Um dia antes foi a temperatura mais baixa dos últimos anos. A geada atingiu os campos do interior, relatos de animais que não suportaram a baixa temperatura e morreram em manadas.

Nos campos o barulho de cacos de vidros, pois quando seus moradores pisavam sobre a relva molhada e petrificada pelo frio intenso que cobriu os dias, e então os estalos em passos. E foi justamente nessa estação mais fria do ano que meu coração aqueceu minha alma.

Sua boca tinha cheiro de pêssego. A maciez do veludo. Os olhos semicerrados. E o seu gosto extremamente adocicado. Foi em uma manhã de inverno com o barulho ensurdecedor do motor do carro ligado e com a conversa febril no telefone, a discussão, o desentendimento. Fiquei olhando. Admirando.

E por um breve momento você desligou, e todos os ruídos desapareceram. Somente nós dois naquele espaço. Eu sei que você continuou me olhado ir embora com as chaves recém roubadas. Ah, que manhã ensurdecedora. Acordou meu pobre coração. O lençol revirado, meu cabelo solto e desiludido. A água quente aguardando o café. Foi num pobre sábado. Parece que ficou num passado tão distante.

E depois novamente nos encontramos. O telefonema da noite anterior. A roupa despida devagarinho. O beijo molhado, quente, vibrante. Uma boca suave, intensa. Uma eternidade dentro de um minuto.

Um oceano dentro de uma única gota. Minha mente começou a girar. O corpo ainda estava quente quando ele foi embora. Os lençóis sempre amassados. Pensei em desistir. Eternizar esse instante de calor em meio ao inverno mais frio dos últimos anos.

Fecho os olhos e escuto o barulho da relva sendo esmagada no caminhar de seus moradores. Parece estilhaços de vidro sendo recolhidos depois de uma intensa luta. O branco dominando a paisagem. O gelo formado em camadas finas sobre a água cristalina.

Mas enquanto vou descrevendo o tempo, vou olhando seu rosto refletido sobre minhas lembranças. A boca, o olhar profundo. Tento respirar inutilmente o seu corpo. Não consigo. Apenas abraço o inalcançável. O amor eterno no início da noite. Nem mesmo esperamos a madrugada.

A despedida sem garantias ou promessas. Apenas o barulho do portão gritando a vida em seu rangido solitário.

Através da Janela

Era final de tarde e o sol ainda continuava vigorando depois da janela. O calor era insuportável, talvez Maomé tivesse alucinações desprezíveis nas temperaturas incandescentes do deserto.

Ainda lembro do frio e minhas pantufas pelos corredores do velho hospital. O câncer que acompanhou minha vida por tantos ciclos.

As lembranças acompanhadas de uma xícara de chá. Ah, sim, todos os dias em intermináveis recomeços. Reconheci sua voz assim que virei o olhar sobre o pedestal de um final de relacionamento.

As migalhas não alimentavam mais a alma desvalida, torturada. Ainda continuo acompanhando sua saga de jardineiro. As flores crescem a cada dia nos canteiros trilhados por suas memoráveis mãos. Tantos afetos desprezados.

Somente nesse ano em que as sombras me alcançaram notei sua doce presença nesses percursos de seringas e morfinas. Abracei tantos carrascos, tanta solidão que me cegaram. Agora reconheço meu abismo acima de minha cabeça. Existia um céu e tanta luz.

JUBARTE

Ah, o som. A insensatez. O saber desprovido de razão. Bom, acredito que tenha sido o calor. Era primavera, o sol queimava, florestas sendo devastadas pelo fogo. E na tarde de domingo o mormaço me lembrando, consumindo minhas memórias.

Tentei mil vezes correr do meu destino, mas você estava lá, tão sério, intenso. Busquei minhas lembranças. Ah, agora percebo, você nunca se aproximou.

Minha presença atormentava. Você fugiu para longe do meu encontro. Corremos do destino e ele apenas nos aproximou ainda mais.

Começo a sorrir. Talvez, o tempo. Ele mesmo, sempre presente, lembrando. E a fita do destino ficou flutuando no céu escaldante.

Labaredas de calor consumiam a vegetação castigada pela seca. E você tão intenso consumia minha seiva, meus orgasmos espalhados pela cama que dormimos sobre a noite incandescente.

E na manhã coberta de sol de primavera, as últimas flores desabaram sobre o concreto escaldante, o céu sem nuvens, límpido e obstinado acompanhou nossos últimos momentos, bem no final da primavera.

Últimas palavras

Sempre sobram espaços para as últimas palavras, aquelas que nunca foram ditas, pronunciadas. O último minuto, as últimas lágrimas caídas, meu Deus, e como elas caem lentamente.

O percurso do rosto até o chão. A cabeça levemente abaixada e as lágrimas pingando igual gotas de chuvas. Os últimos minutos.

E quando a esperança der seu último suspiro sufocada em sua loucura, na busca de se viver, sempre sobrará espaço para as últimas palavras não ditas.

O último cigarro tragado. A taça não bebida. Sempre no último minuto um sopro sufocado do fim de um único suspiro. A esperança depois de longos períodos de agonia, agora silencia no fim dessa primavera maldita. Ah, como é bom dizer adeus.

O intocável tocável destino

Brumas, penduricalhos e nos outros muros, seu rosto sem espelho. Metáforas da angústia.

A escravidão moderna nos noticiários. A primeira boneca depois de uma eternidade. O rosto sem rugas, expressões. Prosopopeias da atualidade.

Compramos embalagens reluzentes para presentes transparentes. Na camiseta decorada, desenhos de unicórnios.

Gargalhadas proféticas. Lembro ainda como se fosse hoje, subi as escadas suavemente acompanhada do seu olhar. O destino com lâminas afiadas mutilou nossa presença.

Depois de tanto tempo a distância trouxe uma brisa de sua presença. Na verdade, foi apenas um sentimento. Uma emoção que foi preenchendo cada sopro de minhas manhãs.

Vejo você mais velho, um pouco mais cansado. Os braços mais fortes. O olhar mais sombrio e o sorriso mais triste. Um desalento sem explicações. Ainda procuro nosso martírio. Os deuses devem estar mesmo loucos com nossa desobediência. Todos os ventos me trazem sua lembrança.

Nossa linha estava o tempo todo próxima, embaralhando nossa angústia, apertando nosso pescoço, cortando nossa carne, agora que o tempo desenrolou todas as pontas, ficaram as cicatrizes expostas. E o coração em pedaços insistindo em bater nossa melodia mais profunda.

Meu querido são brumas que não voltam mais. Pesadelos revestidos de sonhos. Solidão alimentada por anjos. Uma morte lenta e angustiante caminhando lado a lado em nossos malditos passos. E em todo o meu corpo eu vejo você.

Sinto sua presença em todos os dias miseráveis de minha vida. Agora que o laço não corta mais meu pescoço, posso sentir toda a minha solidão e perceber sua presença insistente.

II PARTE

Pesadelos de um passado sombrio e triste, velado na mais pura solidão.

Talvez! Talvez. Quem sabe eu o amasse de verdade. Nenhum de nós dois iremos descobrir. Foi melhor assim. Sem decepções. Nem lençóis amarrotados ou corações despedaçados. Verdades! Apenas nossos corações sabem sobre elas. Malditas verdades. A consciência inerte como neblinas de calor sobre o asfalto.

Somente um céu sem nuvens e o brilho do sol consumindo nossas consciências. Seu beijo nunca mais será lembrado. E sobre o meu rosto nenhuma lágrima será mais desenhada.

As cadeiras vazias do refeitório. No final do corredor a última luz apagada. Ainda consigo escutar a sombra dando seus últimos passos.

Apagar a mente com um leve sorriso sobre os lábios ainda úmidos do seu último beijo de adeus.

(Primavera De Oliveira)

Mármores de pétalas

O frio que cobria meu pescoço era de náilon, fino, cortante e indecifrável. As lembranças em cápsulas paradisíacas. O corredor. Algo me remetia para aquelas portas. A atmosfera suspensa sobre o peso geométrico. Mármore. Deuses gregos em bancos universitários.

Os desenhos sempre em rascunhos de rostos invisíveis. Nossas miseráveis vidas foram sendo redesenhadas, rabiscadas, dilaceradas por nossas escolhas. Talvez, devido a esse coração impossibilitado de sentir.

Os espaços vagos foram sendo ampliados cada vez mais. O peso desse fio invisível e tirano foi estrangulando dia a dia nossa esperança. Começamos a envelhecer e nem mesmo decoramos nosso jardim.

No final do mês iremos comemorar o início da primavera. O céu florescerá em pétalas rubras depois de uma leve chuva de gotas afiadas. Finalmente seremos enterrados sobre nossos jardins floridos.

Quarta-feira

No meio dessa semana interminável, arruíno minha vida docemente. O amor em cápsulas revestidas de solidão. Abandono em afagos eternos de insensatez. Miseráveis vidas. Penduricalhos balançando contra o vento em perfeita harmonia.

A porta voltou com seu ruído majestoso. Uma canção hilariante ressoando nesse vazio imenso. Ontem olhei novamente através de sua janela opaca e sombria.

Apenas um sentimento leve de um passado tão distante, faminto em se viver. Morremos todo entardecer no mais vazio dos tormentos.

As lembranças sussurram nosso instante. Lembranças infinitas de um segundo não vivido. Nos perdemos em labirintos miseráveis de livros empoeirados. Estantes que afrontam nossas vidas.

Os corredores abrigam lembranças. Elas cantam majestosamente. Entre colunas, jardins. Sobre os estilhaços, morfina. Nos sorrisos indefinidos, palavrões contidos do mais puro desprezo. Mergulhamos em nossas loucuras profundas. A escolha sempre foi nossa.

Tártaro

E se eu te dissesse que ainda guardo todos os seus desejos. Um pouco gasto, nem mais tão profundo, apenas raso e insignificante. Aliás, aos poucos percebemos que nada mais importa, vamos ficando ou nos tornando indiferentes. É preciso muita luz para suplantar todo o ambiente sombrio de nossa alma.

Somos sombras de nós mesmos. Os instantes vão se tornando insignificantes. Tudo vai perdendo o sentido, apenas mais um dia, outro recomeço. Novamente outros passos. Outro sorriso indiferente. Novos rostos velhos e distorcidos.

A janela não é mais a mesma. Nem mesmo percebemos se está fechada ou aberta. Tudo vai se torno indiferente. Nem mesmo importamos se existe uma parede ou outras lágrimas. Somente o abismo parece sorrir de verdade em gargalhadas estridentes.

O coração fininho e anêmico. A música precisa ser autêntica. O som deve ser forte, o volume no último patamar das desgraças. Começo a sorrir.  Ultimamente não paro de sorrir. A morte deve ter uma programação com altos índices de audiência. Novamente começo a sorrir.

No final do precipício o tártaro lindo e bárbaro como novelas ao acaso. Toda a lucidez no fundo do poço em labaredas perfeitas. Ah, como a loucura se tornou a própria sensatez desses nossos dias de infindáveis ruínas.

Busco em minha memória toda a volúpia de nossos encontros de um passado obstinado em lamentações infames de presentes miseráveis.

Seu sorriso nunca foi intenso. Apenas um leve desenho num rosto arruinado. Tão preso em seu passado. Morto por lembranças, pelas escolhas erradas. Foram tantos os caminhos contornados de incertezas que agora pouco importa.

Erramos em tudo. Sem pecados. Nunca merecemos o nosso próprio perdão. A culpa será nossa única companhia depois de todo esse tempo esquecido.

Panfletos

Era abril quando o coração ainda suportava a esperança em panfletos de esquinas. As escritas contidas em papéis coloridos. Foi numa manhã singela de domingo que atendi seu pedido.

Nos encontramos falidos, mas ainda existia um pequeno brilho de esperança doentia em nossos olhos devastados. Nunca mais encontramos nossos versos. Os cadernos foram todos descartados. Matamos toda a poesia no final de domingo.

Todas as palavras que não foram escritas, nem desenhas ou sentidas. Apenas sufocadas, estrangulas em nosso pensamento. Assassinamos nossa alma, enterramos nossos novelos.

Não tivemos nenhuma missa, nem um canto, nenhum acorde. O túmulo não era mais frio que nossos corpos. Morremos naquela tarde de domingo. Seu corpo não sangrou, minha pele não dissolveu, minha mente finalmente conseguiu alcançar toda a paz perturbadora de uma vida. Finalmente morremos.

Os meses passaram tão rápidos. Começamos tudo novamente. Rastejando. Lambendo as tetas do amor ou da rejeição adúltera e fragmentada de escárnio. Crescemos em desprezo e solidão. E novamente nos encontramos. Esses recomeços de amores indefinidos. Meu coração sempre esteve preso a suas lembranças. Seus tormentos sempre alcançaram minha alma.

Nossos desencontros sempre nos trouxeram todas as misérias dessa única e inexplicável vida. Sem tesouras, sem facas, sem anotações.

Novamente esse maldito desencontro. Os mesmos erros. Insistimos em fugir, corrompemos a esperança. Tragamos bebidas de solidão, adultério encobertos de cocaína e whisky. Beijamos a atmosfera de nossas desgraças.

III Parte

Cortinas em janelas indiscretas. Semblantes de pessoas estranhas em sutilezas densas. Sonhar com o paraíso em chamas depois de consolidadas todas as desgraças em labaredas amaldiçoadas. Sua lembrança suaviza meus pesadelos ruidosos.

(Primavera De Oliveira)

O amor em parcelas gratuitas

Dessa vez sem janelas paradisíacas. O fio puxando levemente a cortina e encobrindo tudo. Desenhos em papéis coloridos. Assumimos nosso desespero em embrulhos de presentes memoráveis de nossas confraternizações demoníacas.

 Buscar a morte em paladares adulterados. Em demônios execráveis. Borboletas em novembro.

Meus santos nunca foram confiáveis. Estabeleço tantos cordéis. Todos os bemóis e sustenidos me foram apagados.

Tudo sempre foi mantido em escárnio. Parcelado em tarifas autoritárias, manchadas de abandono.

Sonhei essa noite que você dizia adeus. Senti tanta paz. Chorei em calmarias olhando a correnteza suave deslizar pelas pedras infinitas. Novamente esse início interminável.

Pincéis diluídos em álcool

Os desenhos em rabiscos, envolvendo linhas, páginas manchadas, cabeçalhos vazios, sem assinaturas ou ponto final.

Palavras, traços ao acaso no início da linha. Parágrafos, acentos, sem frases terminadas. Apenas o começo. Novamente o início. De novo o recomeço. O fim sempre o mesmo. Vazio.

Todos os pincéis molhados de puro álcool. A vida pronta a inflamar. Meus demônios são intensos e letrados na mais pura devassidão. Ontem sonhei com sua boca adulterada e pálida do mês de agosto.

Você me veio como uma sombra fresca e sorridente. Morri muitas vezes em seus braços e depois novamente no mais puro desprezo.

Apunhalamos nossos destinos. Através da janela aprisionamos nossos sonhos e esfaqueamos nosso amor delicado. Abandonamos nossos pesadelos em intermináveis noites sobre o luar solitário. Terminamos enlouquecidos em nossas escolhas.

Nossos caminhos nunca mais serão os mesmos. Até que enfim, morremos. 

Selene de Maio.

Apontamentos

Era para ser “Borboletas de Novembro”, mas as janelas…

Elas precedem nossos tormentos.

Vivemos escondendo por entre frestas, janelas trancadas e esquecidas.

E por vezes envolvemos em cortinas. Escondemos do mundo, e no final apenas de nós mesmos em cortinas.

Nunca pensei em subtrair ou me envolver em mantos de solidão, apenas cortinas sobre parapeitos.

Como se quisesse cobrir a alma. Esconder do sol. Dessa vida infame e esquisita que nos consomem como mercadorias em prateleiras de supermercados.

Somos os produtos poucos ostentados dessa iguaria vendidas em mercados imundos e povoados dos mais exigentes fregueses.

Meu rosto vislumbra sua face perdida e autoritária.

O meu amor ficou esquecido no fundo da prateleira empoeirada.

Sem preço, promoções ou carrinhos de compras, apenas suplantado por produtos reluzentes.

No final pouco importa se estamos vivendo ou lendo um livro de folhas desiguais.

Apesar do final, sempre recomeçamos em nossas tragédias pessoais. Talvez seria melhor “Borboletas de Novembro”, pouco importa. No final as janelas continuam fechadas e encobertas de mentiras e desprezos.

Meu amor nunca foi de agosto. Apenas recomeços…

No final que bom que nós dois morremos em nossas escolhas.

Finalmente um pouco de paz antes de todo o recomeço amaldiçoado de nossas escolhas indesejáveis. Somos cruéis com nossa face. Seres doentios e esquecidos.

Tramamos contra o destino. Mas, no final continuamos nós mesmos.

Somos matérias gastas. Seres ordinários. Mesquinhos. Fingindo sentir o outro, além de nós mesmos. Misérias…

Tantas pobrezas em se viver! Sentir! Desejar!

Vivemos uma vida inteiras em frações de segundos. Depois ficamos arrastando pela vida esperando sentir esse milésimo de segundo novamente.

Uma vida inteira desperdiçada, esperando.

Meu amor foi muito maior que eu mesma.

Sobre a janela descansa meus fracassos encobertos de cortinas.

E sobre as suas janelas, imensas escadarias que levam para o mesmo precipício que um dia você tentou se ausentar.

O destino e suas armadilhas.

Na esquina o mesmo abismo que no passado enterraram nossos corpos.

 Agora somente janelas fechadas.

BORBOLETAS DE NOVEMBRO: Através da Janela — edin763

RASCUNHOS INACABADOS

RASCUNHOS INACABADOS

Uma carta para o amor

    Hoje acordei de manhã e comecei a escrever cartas. Prometo cortar cada pedaço da sua insignificante existência. Desmembra-lo como se cada pedaço fosse uma verdade. Como se a cada respiração eu sentisse sua alma. Prometo mata-lo infinitamente. Sublimemente. Até você pedir perdão.

Colocarei cuidadosamente as palavras em linha retas, cada uma seguida de um corte profundo e solitário. Uma miserável dor, cortando artérias e pulsos. Até que eu consiga fazer você sentir a vida. Irei sugar cada gota de sangue em suas entranhas malditas. Sufoca-lo até você se perder na mais profunda agonia. E morrer. E novamente morrer. E depois… Viver!

Apenas um sopro. E depois abraçar todos os pesadelos contidos em nossa alma. Até que nossos gritos despertem nossos olhos. E envolvam nosso coração empobrecido. Tenho tantas maldições. Somos migalhas. Pedaços picados de desafetos. Paixões vulneráveis. Amores ridículos, toscos. Perdemos nossas esperanças em um banheiro imundo de uma   lanchonete, no meio da rodovia deserta e solitária.

Somos carnes estilhaçadas, buscamos o saber. Esse conhecimento maldito. O amor apenas uma taça jogada sobre a mesa, depois de consumido. Não preciso fechar os olhos para ver você. Está aqui pertinho. Crescendo como uma erva daninha sobre minhas entranhas. E eu aceito. Dou gargalhadas. O ar vai comprimindo meu peito. Meus olhos buscam o abismo. Busco a morte em uma singela canção. Eu sei. Eu sei.

Apenas sinto meu corpo despencando no abismo. Pular, gritar e depois lembrar. Aquecer todos os meus pesadelos. Poder tocar as pontas de meus dedos sobre seu rosto. Sufocar todas as minhas lágrimas em seu peito. Não quero amar. Apenas um instante que eu possa respirar. Vejo você tão perto. Tão intenso. Tão belo. Nebulosas canções.

Sim! As manhãs são nostálgicas e as noites perturbadoras. Elas desvelam nossa alma corrompida. Eros, demônios, sangram sobre colheitas devastadas de insetos. Poder colher os últimos grãos.  Apenas um pouco. E então, preencher a vida. Poder finalmente sorrir e esquecer. E depois pular de todos os abismos. Morrer com um leve sorriso junto com seu corpo em meu peito.

Posso cantar uma canção para você? Ela é suave, sorridente, manhosa. Acredito em nossos fantasmas construídos com tanto prazer. Somos calmaria tempestuosas. Sorrimos para nosso barco não naufragar. Sorrimos demais. Cantamos para nossos demônios pessoais. Amo cada um deles. Todos eles. Acredito em cada um. Amo todos.

Bom, irei começar escrevendo cartas para você, usarei todos os meus sentidos. Todos os meus demônios. Em cada linha irei morrer. Vou abrir o meu peito calmamente e sangrar devagarinho.

Todos os dias uma pequena morte. Até que você compreenda que a dor não é só sua. A dor é nossa, somos carne pisoteada, sangrando pela vida. E ainda assim insistimos em caminhar, sangrar.

Eu sinto todos os seus arrependimentos. Suas decisões erradas. Seus caminhos tortuosos que te levaram a essa insanidade. Seus devaneios intensos, seus sonhos abortados e depois jogados em uma lata de lixo. A vida totalmente interrompida. Cravada de espinhos, pedras pontiagudas, sol intenso sobre o seu corpo pulsante.

Somos matérias gastas, rotulados de solidão. Lâminas barulhentas cantando canções vorazes. Tragamos a vida em um segundo. Sentimos tanto. O peito sangra. E como é bom sentir a angústia ensurdecedora; ouvir o lamento da noite. A luz mostrando sombras. Depois o apagar da vida.

Primavera De Oliveira

Sempre imaginei que meu amor seria doce e envolve. Porém, sempre foi amargo e insano. Hoje vivo cada minuto de sua insanidade. Dedico esse livro aos amantes e todos os seus devaneios. O amor sempre é doce em almas inquietas e delicadas. A mais sublime de toda a perfeição do vazio inexistente. (Primavera De Oliveira)

Capítulo I

A espera enlouquece. O abismo se transforma em moradia. O amor pago, depois cuspido, pisoteado e estuprado. A imensidão que abraça a alma perdida

e diluída em uma vida de ruínas. Sejam bem-vindos ao meu paraíso devastado de amores gastos. 

(Primavera De Oliveira)

*Instantes*

Novamente as emoções voltaram, seu rosto me assombra. Envolve todo o meu ser. Você me faz companhia. Olho para o precipício e vejo seu rosto, sinto minhas mãos sozinhas. O pássaro no céu estava voando ao lado de outro, enquanto a chuva fininha insistia em demorar a cair. Depois ele voltou voando sozinho, solitário. Livre e abraçando todo o céu.

Vejo você enclausurado na loucura de suas grades invisíveis. A poeira consumindo seu ser. Olho, respiro, sinto toda a sua angústia em se viver. Morrer. E amanhã continuar a morrer, devagarinho. Até mesmo as lágrimas são singelas e delicadas. Tenho tanta tristeza em mim, tantos relicários escondidos e indefinidos.

Somos misérias corrompidas em filosofia, desenhadas em novelos sem fios. Costuramos a loucura, beijamos o tempo. E abraçamos todo o desespero de uma tarde solitária. Precisamos das grades para olhar o infinito.

O abismo caminha dentro nós, cantando e sorrimos drasticamente. Nesse momento começo a sorrir. Ah, como é bom sorrir na miséria indecifrável. Não compramos nenhum abajur, tudo está escuro, sombrio e triste. As lágrimas não deixam meu rosto. A solidão se tornou meu casaco mais fraterno.

Hoje a chuva cai de mansinho. O céu está nublado, apenas duas aves dominam o céu, voaram por um bom tempo em companhia. Depois apenas uma atravessou as nuvens. A outra despencou sublimemente, numa leveza que corrompeu minha alma. Sinto tanta tristeza. Tantos sentimentos. Tantos vazios amordaçando meus gritos.

Sim, o sol tem brilhado tanto na televisão. Mas vejo tudo turvo, brilhos prateados sobre o céu. Parecem pingos de estrelas em faíscas. Não me importo se você já percebeu tão rapidamente.  Eu sei que você já sabe e sente. Mas, não me importo. Nada que não nos tire do chão vale a pena. Confesso que meus olhos estão em prantos.

Não para de crescer aqui dentro. Você me percebeu desviando o olhar por um segundo. Eu sei. Eu percebi. Eu vi.

*Moderação*

Era necessário esquartejar o corpo. Precisava olhar a sua alma. Arranhar a carne. Torturar. Fazer você lembrar. Atormentar você. Buscar nas profundezas todos os seus demônios e ouvi-los. Ah, que voz sublime, pausada, cheia de ponderações.

Esquece Aristóteles e todas as ponderações filosóficas. A alma pede vícios. É preciso buscar os excessos. Todos eles. Desenterrar todos os demônios. Todos os sonhos. Compreender que não estamos sozinhos. Somos carnes, animais desfigurados. Amo o que você me faz sentir. Febre!

Masturbo com seus olhos sobre meu corpo. Fecho os olhos e percebo seu rosto. Sua face emblemática. Seu sorriso despercebido. Os olhos atentos. O universo em perigo. E finalmente consigo gozar com todos os meus sentidos. Toda a minha pele, epiderme, glote e gosto pecaminoso do escárnio vivido. Dou risadas. Fecho os olhos e adormeço.

Amanhã continuo a ser solidão.  Não importo. Minha pele estremece. Meus olhos estão em febre. O gosto. A lembrança. Busco cada pedacinho de seu corpo. Fecho os olhos e vejo você. Absurdamente desumano.

Uma leve ponta de sorriso espantou meu semblante desprezível. Como é bom amar cada pedacinho de suas entranhas. Seu peito exposto. Os olhos negros em forma de contos.

*Solidão*

Triste. Estamos ficando tristes. Desesperados. A insanidade começou a envelhecer. Hoje mais calma e sorridente. O sol de Camus. O calor agredindo. Corrompendo a existência. Olhar o mar e se perder. Sentir. Compreender o vazio.

Perceber os detalhes. E depois entristecer a alma. Construir todos os arrependimentos em fileiras de madeira. Dar vida ao vazio em formatos inacabados. Constelações de grade. Insistir em perceber. Continuar procurando. Saber que existe um vazio insuportável. Acordar e continuar cavando. Depois os desmoronamentos sufocando nossa respiração. Não conseguir respirar.

 Não conseguir.

 O corpo sendo comprimido, empurrado para o fundo. O céu vai ficando distante. As paredes aumentando, engolindo, cortando.

Meu Deus, temos que gritar! Por favor, grite! Não estou ouvindo. Grita! Grita bem baixinho. Por favor, fale o meu nome. Eu preciso ouvir. Eu preciso olhar e te ver. Não consigo comer. Não consigo levantar. Estou presa nesse abismo. Você me jogou com tamanha força, nessa cova profunda e sombria.

Vou levantar o rosto e olhar o sol. Talvez seja esse o “estrangeiro” que desperta. Eu sinto aquele sol descrito. Compreendo cada gota de suor. Cada luminosidade descrita de um sol límpido e intenso. Sinto todo o mormaço adormecendo e embriagando o