Cátia de Castro Dias, Claudia Alves Soares. 4 edição 2022.
Grãos de Chumbo
Composto de simplicidade e grandiosidade
“Grãos de Chumbo”, narra histórias de homens que germinam sementes delicadas nesse interior de Minas Gerais . Tentamos aflorar as belezas contidas em Chumbo. Belezas de sementes humanas que alvorecem no trabalho árduo e com o canto do galo rompendo o dia, que se manifesta em mais um dia de cantoria e luta.

Sumário
Introdução ……………………………………………………… 06
2-O Começo da Colonização …………………………………… 10
2.1.O Tratado de Tordesilhas ………………………………….. 10
2.2-As Capitanias Hereditárias ………………………………… 11
2.3- Minas Gerais e a criação de um governo próprio … 12
3-Dos Bandeirantes aos dias atuais …………………………. 14
4-A criação da Vila do Chumbo ………………………………. 18
4.1- A construção da estrada e o seu comércio ………… 22
5- Casos populares de Chumbo ……………………………… 24
Jesus Descendo do Céu ………………………………………… 26
O Rádio ……………………………………………………………… 27
O Diabo de Bicicleta …………………………………………….. 28
A Butina ……………………………………………………………… 29
O Carção ……………………………………………………………… 31
Meu Primeiro Arreio ……………………………………………. 32
A Escova de Dente ………………………………………………. 34
Grande Novidade ………………………………………………… 34
Amor de Mãe ……………………………………………………… 35
A Montaria …………………………………………………………. 36
Grandes Festas …………………………………………………… 37
A Jardineira ………………………………………………………. 39
A Festa de Reis …………………………………………………… 41
Baile da Chita ……………………………………………………. 44
“Chico do Luciano”, em Moita Aranha Gato …………… 49
Maldita Carona …………………………………………………. 49
“Bitu” o Carro da Gasolina …………………………………. 50
O que era do rico era do rico, o do pobre, pobre mesmo ……..51
A Serpente Voadora ……………………………………………. 51
O Casamento ……………………………………………………… 52
A linguiça …………………………………………………………… 52
“Verbo da Boa Morte” …………………………………………. 55
Palavras Finais …………………………………………………. 58
Referências Bibliográficas ………………………………….. 60
N° de Registro: 237.051 Livro :419 Folha:211 Fundação Biblioteca Nacional – Ministério da Cultura Rio de Janeiro/RJ 20 de Maio de 2002. Título: GRÃOS DE CHUMBO Personalidades: CATIA DE CASTRO DIAS – Autor(a), CLAUDIA ALVES SOARES – Autor(a) Registro:237051, em 14/08/2001 História e Antropologia Social
Autorizamos a reprodução total ou parcial, deste trabalho por qualquer meio convencional, ou eletrônico para fins de estudo e pesquisa, desde que seja citada a fonte.
1. História 2. Antropologia Social 3.Sociologia 4.Literatura
1. História 2. Antropologia Social 3.Sociologia 4.Literatura
5. Poesia 6. Livros Eletrônicos
Texto Revisado: Aldo Fernandes Caixeta
Copygright:Dias&Soares, 2022.
Contato: primaveradeoliveira@gmail.com
A todos os moradores de Chumbo,
Os grãos de suas sementes
Que germinam a nossa história,
Tão carente de seus frutos,
De sua luta brava e contínua.
Introdução
Chumbo, uma comunidade adormecida no interior desse imenso país, onde os brasileiros ainda são uma espécie de caboclo matuto com uma certa dose do gosto urbano.
O que leva o presente estudo desse homem e sua interação nessa agitação da vida moderna? Para termos um conhecimento maior das transformações ocorridas em Chumbo devemos retomar ao que parece absurdo, mas no próprio sistema de capitanias hereditárias. Esse sistema dividiu a colônia em lotes de terras, que eram doadas aos donatários, cuja exigência a estes era o compromisso de realizar investimentos no intuito de povoar as terras.
Antes mesmo de sua povoação, Chumbo já fazia parte de um universo político, de intrigas, conspirações. Não que o presente estudo seja fruto de um universo imaginativo, mas sua existência só acontecerá dentro desse universo. Uma doação, um presente personagem disposto a tal empreendimento. Até alguns anos atrás as suas terras pertenciam a Igreja. Sua criação foi devido à doação de terras a “Santa Ana”, para a construção da Igreja no intuito de abrigá-la.
O que nos impulsiona a escrever sobre chumbo – o que afinal justifica um trabalho a respeito de uma pequena cidadezinha no interior de Minas Gerais?
Chumbo é afinal uma pequena cidade a ser olhada, admirada. É através dessas cidades que poderemos entender melhor a atual conjuntura pelo qual todos nós passamos. Vemos surgir desses lugares alguns políticos, ou seja, das suas entranhas florescem homens públicos, e estes, ao que parecem são os únicos a “lembrar” da existência desses lugarejos e a visitá-los de quatro em quatro anos.
Mas de onde vem essa importância política? Qual o grau de elucidação política dessa população? Afinal o que é Chumbo?
O que vemos é uma sociedade ambígua, que tenta se preservar e ao mesmo tempo incorporar valores externos. O capitalismo ainda predomina de forma sutil, sem seus produtos efêmeros, sem outdoors, sem esse consumismo louco dos tempos modernos. Vemos varandas compridas na frente de suas casas, calçadas por serem construídas, muros feitos de madeira, que mais nos lembram a porteira da entrada de uma fazenda.
Chumbo cerca a Paróquia “Nossa Senhora das Dores”, que ocupa todo o quarteirão, e no lugar mais elevado, como se estivesse dizendo: aqui você está mais perto de Deus.
Até mesmo o ar é histórico, quente, afetuoso, parado e ao mesmo tempo suave. Andando por suas ruas, que não são muitas, podemos admirar esse passado, a história permanece viva, intacta, com suas casas antigas, algumas em ruínas, outras apenas na memória de seus moradores. Seu maior patrimônio é a sua gente simples, amigável, hospitaleira, na conversa sem tempo determinado de dois amigos vai ser formando uma roda, quando se vê já é noite.
Entrando no interior de cada casa nos deparamos já na sala de visitas com uma quantidade expressiva de fotografias de toda a família. As fotos ficam misturadas a uma variedade de santos, junto com alguns objetos simples compondo a harmonia do ambiente. No corredor encontramos o saudoso filtro, desses de barro com um copo de alumínio de alça grossa a matar a sede daquele que distante faz uma visita.
Andando pela cozinha encontramos panelas penduradas em pregos, geralmente temos a presença da indispensável e velha fornalha (fogão de barro ou os mais modernos construídos de tijolos e cimentos). Em algumas casas a fornalha permanece do lado de fora com uma pequena varanda a lhe proteger, e perto geralmente encontramos o tradicional balaio (cesta de palha, cipó), cheio de sabugos para complementar a escassa madeira.
Ao olharmos à primeira vista, o que notamos é a sua permanência no meio rural. Em certas partes não podemos definir se foi o meio urbano que começou a invadir a zona rural, ou se foi o contrário.
Toda a complexidade e ao mesmo tempo a simplicidade encontrada é de um encantamento inigualável. Em cada pó de suas ruínas encontramos história, uma memória a nos lembrar um passado não muito distante. Podemos em cada casa traçar sem grande trabalho os antepassados de cada família e sua construção nesse universo chamado história.
Chumbo cresce sem pressa, é quase imperceptível o aumento do número de seus habitantes, o comércio, porém, apresenta um certo encolhimento, mais parece estar adormecido nesse mundo de agitações, de individualismo e correrias, onde o ser humano cada vez menos se reconhece.
O trabalho que segue é uma análise, ou melhor dizendo um regate desse indivíduo matuto nas suas origens, e sua interação nesse universo de agitações, correrias, de oscilações, até mesmo de valores dito “verdadeiros” e “único”, que Chumbo impulsiona o presente estudo.
1. O Começo da Colonização
O Tratado de Tordesilhas
Devido as inúmeras batalhas diplomáticas em 1494, é assinado o Tratado de Tordesilhas, com a aprovação do Papa, em que dividiu o mundo entre si. O mundo conhecido ou que viesse a ser descoberto. De acordo com o Tratado, as terras encontradas a leste seriam de Portugal, e as encontradas a oeste da Espanha.
No começo de nossa colonização que se deu à costa (litoral), implantou-se a cultura da cana-de-açúcar. Com o passar do tempo essa colonização não se restringiu apenas até as linhas fronteiriças do Tratado de Tordesilhas. Devido a avanços extraordinários, guerras e tratados, o território brasileiro cresceu além das expectativas.
1.1. As Capitanias Hereditárias
O sistema de Capitanias Hereditárias dividiu a colônia em lotes de terras que eram doadas aos donatários. Exigiam-se deles o compromisso de realizar investimentos no intuito de povoar as terras.
Vimos o Brasil nascer de um imenso latifúndio, cujo primórdio se deu pela doação das capitanias hereditárias aos donatários, que se dispunham, por sua vez, doar sesmarias a outros colonizadores, com a única condição que estes fossem cristãos.
Além das sesmarias, outra forma de doação que predominou em nosso território foi as datas. As datas ou aforamentos eram doações menores que as sesmarias e estavam incumbidos de pagarem o foro, além do dízimo em espécie à Ordem de Cristo, que foram um dos financiadores da vinda dos portugueses para o Brasil.
De acordo com as doações, deveria conter uma faixa de terra entre uma sesmaria e outra com a finalidade de evitar dissidências entre os seus limites.
- 2.Minas Gerais e a criação de um governo próprio
O nosso atual território mineiro antes mesmo da descoberta do tão afamado ouro estava subjugado como também São Paulo, ao governo do Rio de Janeiro. Depois foi criada a Capitania de São Paulo e Minas.
“A Carta Régia de 21 de fevereiro de 1720, separou o distrito das Minas, da já gloriosa capitania de São Paulo e, pelo alvará de 2 de dezembro, D. João V criava as Minas Gerais”.
Eis o texto da certidão do batismo da Grei Mineira.
“Eu El-Rei, faço saber aos que este meu Alvará vierem que tendo consideração ao que representou o meu Conselho Ultramarino e as representações que também me fizera o Marquês de Angeja, do meu Conselho de Estado sendo Vice-Rei e Capitão General e mar de terra do Estado do Brasil e Dom Braz Baltazar da Silveira no tempo que foi Governador das Capitanias de São Paulo e Minas e o conde de Assumar Dom Pedro de Almeida, que ao presente tem aquêle governo e as informações que se tomaram de várias pessoas que todas uniformemente concordaram em ser muito conveniente ao seu serviço e bom governo das ditas capitanias de São Paulo e Minas e a sua melhor defensa que as de S. Paulo se separem das que pertencem a Minas e a sua melhor defensa que as de S. Paulo se separem das que pertencem a Minas, ficando dividido todo aquêle distrito que até agora estava na jurisdição prerrogativas e sôldo de oito mil cruzados cada ano, pagos em moeda e não em oitavas de ouro, assim como tem o Governador das Minas, e lhe determino por limites no Sertão pela parte que confina com o Govêrno das Minas, os mesmo confins que tem a Comarca de Ouvidora de São Paulo com a Comarca da Ouvidoria do Rio de Janeiro das Mortes e pela Marinha que lhe pertença o porto de Santos e os mais daquela costa que lhe ficam ao Sul, agregando-se as vilas de Parati de Otuban e da Ilha de São Sebastião que desanexo do Governo do Rio de Janeiro e o porto de Santos ficará aberto e com liberdade de irem dele em direitura deste reino os navios, pagando nele os mesmos direitos que se pagam no Rio de Janeiro e com a obrigação de quando voltarem para este Reino virem incorporados na frota do mesmo Rio de Janeiro; e nesta conformidade mando a meu Vice-Rei e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil e os governadores das capitanias dele tenham assim entendidos e cada um pela parte que toca cumpra e faça cumprir e guardar este meu Alvará inteiramente como nele se contém sem dúvida alguma, o qual valerá como Carta, e não passará pela Chancelaria sem embargo da Ordenação do Livro 2 títulos 39 e 40 em contrário se registrará nos livros das Secretarias das Câmaras de cada um dos ditos governos para que da ereção do Governo de São Paulo suas sentenças e anexas declaradas, o qual se passou por duas vias.
João Tavares o fêz em Lisboa ocidental a dois de dezembro de mil setecentes e vinte. – REY”.[1]
Determinada a criação de governo próprio para a Capitania de São Paulo, separado então da de Minas, foi nomeado para governar Minas Gerais, D. Lourenço de Almeida, que tomou posse em 18 de agosto de 1721, em Ouro Preto.
Ao que tudo indica nosso primeiro governador não foi nenhum exemplo de justiça e bondade. Em seu governo ocorreram algumas arbitrariedades não muito bem-vistas pela população.
2.Dos Bandeirantes aos dias atuais
Nascido já no meio de disputas de poder entre famílias detentoras de quantidades expressivas de terras, Chumbo ainda mantém vivo esse domínio político, que figura em cada canto, no bate papo descompromissado, nos “botecos”, em suas mesas de sinuca.
Localizado no Município de Patos de Minas no Estado de Minas Gerais, seu povoamento ocorreu devido à passagem de bandeirantes pela região.
Os paulistas com suas destrezas pelo mato, seu espírito aventureiro, quase guerreiro, saíam pelo sertão afora fundando arraiais ao fazerem suas expedições.
A exploração das Minas se deu através dessas expedições paulistas e consequentemente o surgimento dos arraiais e posteriormente das cidades. Porém, não foram apenas os paulistas que saíram em busca do ouro ou mesmo se foram eles os verdadeiros descobridores. João Camilo de Oliveira Tôrres nos dá uma ideia desse fato.
“Mas o território hoje mineiro não confinava unicamente com Piratininga e seus terríveis predadores de índios – pelo Norte espalhava-se nos sertões de S. Francisco, onde desde os primeiros tempos, poderosos senhores de terras estabeleciam seus currais de gado. E ao longo do litoral, em terras hoje baianas e capixabas, surgiam núcleos de povoamento que bem podiam ser o ponto de partida para as descobertas das minas. Daí as duas séries de tentativas de descobertas das minas. As do norte infrutíferas, e as de São Paulo, com êxito”.[2]
É neste universo que mais tarde surgirá o Distrito de Chumbo: a disputa do tão afamado ouro sua busca incessante; até mesmo o nome do distrito foi devido à quantidade de Chumbo encontrada na região.
Em se tratando dos verdadeiros descobridores das Minas, Diogo de Vasconcelos também nos dá uma boa visão desses pioneiros.
“Não foram bandeirantes na genuína extensão da palavra os descobridores; porque não subiram armados de privilégios, investidos de autoridade, tão pouco animados pelos favores e subsídios do governo. Pelo contrário subiram às caladas, à custa da própria fazenda, aos poucos, e disfarçados em traficantes de gentios, coisa então que passava sem dar na vista. É bem de lembrar que os exploradores das esmeraldas, quando se meteram sertão adentro não o fizeram às tontas, porque tiveram notícias e provas de existirem numa região indigitada pelos naturais. Os taubatenos também, é de crer não enveredassem às cegas, buscando o ouro hipotético debaixo do solo, ou nos ribeiros de florestas e serranias sem fim. É o que vamos ver.
Conta Antonil o seguinte:
“Há poucos anos que se começaram a descobrir as Minas Gerais dos Cataguases, governando o Rio de Janeiro Artur de Sá e Menezes; e o primeiro descobridor dizem, foi um multo que já havia estado nas minas de Paranaguá e Curitiba. Este indo ao sertão com alguns paulistas a buscar índios, e chegando ao serro do Tripuí desceu abaixo para tomar água e roçando-a pela margem do rio viu que nela depois ficaram uns granitos da cor do aço, sem saber o que eram, e nem os companheiros souberam conhecer e estimar o que tinha achado tão facilmente; e só cuidaram que ali haveria um metal não bem formado e por isso não conhecido… resolveram mandar alguns granitos ao governador Artur de Sá, e fazendo o exame se achou ser ouro finíssimo”. [3]
O território mineiro estava submetido ao governo de São Paulo; mais tarde haverá uma separação, quando será criado então um governo próprio para Minas Gerais. Chumbo já não é mais parte de um universo imaginativo começa a tomar formas, a esboçar em linhas grotescas o que é hoje. Passados alguns anos vão ser doadas terras para a construção de uma Igreja no intuito de abrigar a “Santa Ana”, mãe de “Nossa Senhora” (imagem da santa já estava no arraial). Daí a preocupação de construir uma igreja para abrigá-la). Construída a igreja, Chumbo vai se formando lentamente, começava então a surgir alguns ilustres habitantes, como o Capitão Francisco José da Mota, o Major Augusto Porto, até nos dias atuais sua importância permanece viva na memória de sua população, no nome do colégio, nas ruas.
De acordo com algumas entrevistas, o que se pode notar é a importância da família até mesmos nas novidades tecnológicas, desconhecidas para a população. Exemplo deste fato, foi o surgimento do primeiro carro e o impacto causado na população. A senhora Lorinda Valentin nos dá uma visão desse impacto.
“A primeira vez que veio esse carro de gasolina minha filha, o povo vestia a roupinha melhor que tinha pra ver, muito até molhavam a roupa de tanto medo e saía correndo e escondendo, medo demais da conta, igual bicho. Tinha um velho que não queria ver isso mais nunca”.[4]
De acordo com a Senhora Lorinda, muitos acordavam bem cedo para ver o automóvel, mas quando começa a funcionar o veículo, muitos se assustavam e corriam para o mato. Muitas mulheres eram rigorosamente proibidas pelos seus maridos de saírem de suas casas para assistirem o deslocamento do veículo pelas ruas de Chumbo.
O impacto causado na população devido à vinda deste automóvel nos mostra a falta de conhecimento em que muitos estavam submetidos. Alguns tinham vontade de apenas por a mão no carro, que denominavam com o nome de “Bitu”.
3.A Criação da Vila do Chumbo
Em 1822 é extinto o sistema de sesmaria e começa a vigorar o sistema do domínio público e particular. A partir de então, começa a estabelecer a lei de compra e venda, e não mais o sistema de posse. Essa medida será efetivada com a criação da Lei de Terras em 1850.
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A Lei de Terras tinha como objetivo dificultar o acesso a pequena propriedade. Chumbo vai surgir nesse contexto, criada pela Lei n° 654, de 17 de junho de 1854, distrito pertencente à Morada Nova. Elevou-se a categoria de freguesia pela lei n° 2.329 de 12 de junho de 1876..
“Eleva à categoria de freguesia o districto do Areado do município de S. Francisco das Chagas.
O Barão da Villa da Barra, Grande Dignitário da Imperial Ordem da Rosa, Commendador da de Christo e Presidente da Província de Minas Geraes: Faço a saber a todos os seus habitantes que a Assembléa Legislativa Provincial decretou e eu sancionei da Lei seguinte.
Art. Único. Fica elevado á categoria de freguesia, com as mesmas divisas, o districto do Areado de S. Francisco das Chagas; revogadas as disposições em contrário.
Mando, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumprão e fação cumprir tão inteiramente como nela se contém. O Secretario desta Província a faça imprimir publicar e correr. Dada no Palácio da Presidência da Província de Minas Geraes, aos doze dias do mez de Julho do ano do Nascimento de Nosso senhor Jesus Christo de mil oitocentos e setenta e seis, quinquagésimo quinto da Independência e do Império.
( L. S. )
Barão da Villla da Barra.
Para V. Exc. Ver
Manoel do Nascimento e Castro a fez.
Sellada e publicada nesta Secretaria aos 12 de Julho de 1876.
Jose da Costa Carvalho”.
Depois, pela Lei 2.656, de 4 de novembro de 1878, incorpora Areado ao Município de Patos de Minas.
“Eleva à categoria de freguesia o districto da Lagoa Formosa; incorpora ao termo de Santo Antonio de Patos a freguesia do Areado, e desmembra do termo de Paracatu e incorpora ao de Santo de Patos o districto de Santa Rita
O Cônego Joaquim José de sant’Anna, Commendador da Ordem de Christo e Vice-Presidente da Província de Minas Gerais: Faço saber a todos os seus habitantes que a Assemblea Legislativa Provincial decretou, e eu saccionei a Lei seguinte:
Art. 1° . Fica elevada á categoria de freguesia o districto da lagoa Formosa, desmembrando da freguesia da vila de Patos.
Art. 2° . Fica incorporada ao termo de Santo Antonio de Patos, desmembrada do do Carmo do Paranahyba, a freguesia do Areado.
Art. 3° . O districto de Santa Rita fica desmembrado do termo de Paracatu e incorporado as de Santo Antonio de Patos.
Art. 4° . Revogam-se as disposições em contrário.
Mando, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nella se contêm. O Secretario desta Província a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio da Presidência da Província de Minas Geraes, aos quatro dias do mez de Novembro do Anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e oitenta, quinquagésimo anno da Independência e do Império.
Joaquim José de sant’Anna
Para V. Exc. Ver
Ezequiel Augusto Nunes Bandeira a fez.
Sellada e publicada nesta secretaria aos 13 de Novembro de 1880.
Camillo Augusto Maria de Brito”.
Em 7 de setembro de 1923, pela Lei n°. 843, Areado passa a denominar-se Chumbo.
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3.1.A construção da estrada e o seu comércio
Chumbo nos reserva uma certa peculiaridade, durante a Segunda Guerra Mundial o governo estava empenhado em solucionar o escoamento da produção mineral e agrícola; só a partir daí que foram construídas as estradas da região. Ao que tudo indica, a estrada que liga o distrito do Chumbo a outras cidades foi construída pelo Exército Brasileiro sem o uso de grandes máquinas, somente pelos braços dos soldados e pela simples “cavuca” (mexendo a terra). De acordo com alguns estudos, descobriu-se que os transportes dos produtos extraídos na região eram dirigidos até a cidade de Pirapora e de lá transportavam via a vapor até o porto de Vitória com destino a Europa. Alguns produtos também eram enviados para a região da Serra do Salitre; daí eram transportados até uma estação de trem de ferro que tinha também como destino a Europa.
Na época da Segunda Guerra Mundial, o Distrito de Chumbo contava com um comércio local promissor, existia na época uma pequena fábrica de leite pasteurizado, farmácias, uma loja especializada em tecidos, uma em estofados, ferreiro e uma fábrica de botinas. Naquela época Chumbo tinha uma população de aproximadamente 4.860 mil habitantes. Hoje, devido à falta de incentivos e o crescente êxodo rural sua população não passa de mil habitantes. Nos dias atuais o seu comércio é praticamente inexistente, fazendo com que sua população se dirija às cidades mais próximas para adquirir os produtos do seu cotidiano.
4. Causos populares de Chumbo
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Jesus descendo do céu
Nóis levanto di manhã cedo todo mundo numa rilia, satisfeito, aí saiu pra quentá soli, aí todo mundo no terrero, condefé o avião aponto devagarinho, assim, e aquela fumaça, sabe!? E quando ele aponto eu ôei aquela fumaça lá, a Cota, minha irmã mais véia so ôio pra lá e falô assim:
-Aí meu Jesuis Cristo, a lá a imagem di Jesuis Cristo subino, a imagizinha di Jesuis Cristo subino pu céu, ( e aponta para o céu como se estivesse vendo um avião, risos…) nóis tá nu fim do mundo memo, vai acavá memo, Fica todo mundo caladinho, todo mundo caladinho, alá Jesuis subino, alá a luizinha de Jesuis Cristo, óia, alá qui cumprimento qui tá a cruizinha dele.
Aí o avião lá vai subino… alá a cruizinha dele óia, meu Deus do céu São Jerônimo, Nossa Sinhora da Abadia, será onde o pai mais a mãe tá? Nóis vai morrer, só nóis aqui. Qui pecado gente! Nossa ! Aí nóis era uns doze né, ajueiô tudo pra rezá e isparramano o terço sinal na cara e rezano. Condefé o avião deu aquele urrado, né! E o Adelo meu irmão falô:
– É Cota, mais a Sinhora é boba dimais, aquilo é o tal du avião, Ela pego e falô assim:
– Fica aí se não eu ti bato, se não eu ti bato, qui negócio é esse di avião, eu nunca ouvi fala nesse trem di avião, com uma risca daquele tamanho. Aí o avião passo né, aí minha mãe chegô nóis foi conta o caso pra ela, e ela. Não meus fio aquilo deve sê um tale di avião, aí nós ficô acreditano. Isso deve tê uns 45 ano mais o meno.
O Rádio
Quando pareceu o primeiro rádio, a pia dele era tipo di uma lata dessas di nove litro, aí minha mãe… mas é muito ano memo 45 a 50 ano. Só existia esse rádio com esse Gerardo Costa, aí a mãe pega pururuca e falava vamô lá no Gerardo Costa ouvi o rádio. Mas o rádio mia fia, o rádio mais ruim que existe hoje era mió qui o mió qui tinha, era ruim.
Aí nois era tudo piqueno, era enquanto nascia o outro vinha mais um, nóis era oito irmão, chegava lá aí os minino pidia uma merenda, brincano uns cum oto, e aí meu pai fazia assim, psiu, psiu, fica caladinho (leva a mão na boca, curva o corpo), escuta o povo falano lá em São Paulo, e aí uma chiera danada no rádio, e ele escuta, tá falano lá em São Paulo memo, eu num intindia nada.
Eles naquele interesse, deve qui escutava alguma coisa, mais era divertido, se vê, ocupava a pessoa saí, di a pé, debaixo di chuva, chuvia antigamente, chuvia num era igual hoje qui dá essas chuvinha, chuvia qui pegava e inundava, a gente saía discalço, com a calça arregaçada sem butina, di noite, eu fui calçá butina tava cuns 14 ano.
O Diabo de Bicicleta
Quando eu e minha mãe, ia andano e vimo um home andano di bicicleta, e minha mãe falô:
-Lá, tá vinu o diabo andano im duas pinera.
E nois saiu correno e caiu dento dum buraco e foi um caso sério.
Mais dispois qui o home passo nóis pensô que foi uma visão.
A Butina
A primeira véiz que eu calcei butina, meu pai falô assim:
-Ô Mané tira medida du seu pé, pá nóis compra um pá di butina pro cê. Falei, tá! Foi com uma paia de mio, com aqués paia di mio roxo, pruquê Cuma num tinha medida eu midi cá paia e deu uma paiona. Dispois meu pai inrolô aquela paia e mandô lá pu Tutu. Tutu era um véi lá em Lagoa Formosa. Mais as butinas num era essas butina de hoje com esses coro ruim não. As butina era cuns coro bão, uns coro firme.
Essas butinas demoro uns dois meís pra chega. Aí quando minhas butina chegô, eu carcei, mais qui nem sabia qui tinha pé certim pá carsá, carseu de quarquer manera. Nu qui eu carsei. Mais aí quando eu cheguei perto do tio Genero e falei:
– Tio Genoro ficô bão?
– Fico muito bão, mais pareci qui és tá cada quali cum biquim pum lado, cumé cocê vai andá quessas butinas? Pruquê eu acho qui és vai pegá nus barranco, né!?
-Meu fio, acho mió ocê virá és di pé.
Aí eu carsei mudano és de pé e drumí quês nus pé. No oto dia cedo eu falei:
Ô mãe, eu vô lá no meu amigo mostra essas butina pra ele, passiá lá, carsado di butina pá todo mundo vê.
Mais aí tinha qui caminhá uma distância duns 5 Km e eu fui todo filiz, caminhano. Mais meus pé num sabia andá carsado, pruquê tinha muito bicho nus pé, e as unha era até aleijada de tanto bicho nus pé qui eu tinha.
Aí eu lá vô dus mais bunitão, quando chegô nu meio du caminho, eu já tinha pisuado os pé tudo, já tava cum mundu di borbóia di água, eu tira as butina, mais pensava, não, eu tenho qui chega carsado.
E naquele cuidado todo pra num sujá as butina, né! Aí eu tô apontano lá nu morro, meu amigo gritô:
-Ô Neca, para aí, para aí, ocê tá de butina nova? Num tá?
Aí eu falei:
– Ô trivido eu lá vô cum todo intusiasmo mostra minhas butina, e ocê corta do o meu intusiasmo.
Aí eu cheguei pisano igual um cavalo di tamanco, e meu amigo falô se tinha calo. E eu disse qui já, e tirei pra ele vê, mais já tava tudo virmiinho, rebentado.
Então eu brinquei lá muncadinho, discarso memo e dispois treiei és e tivi que leva na cacunda. Cheguei em casa, meu pai falô:
– Mas ocê tem qui carsá essas butina, num podi tê butina pá carrega na cacunda não.
Mas aí a gente tinha qui carsá, mais quando dava uma chuva qui a gente moiava as butina, és era uns coro muito bão e tudo di sola, num tinha burracha não, era tudo di sola. Quando aquela butina moiava ela levantava o bico e fica cu bico apontano pá riba, assim, sabe? Aí a gente infiava os pé, os dedo lá, mais nada di carsá. Depois meu pai pego e falô:
-Ôcê num sabe carsá essa butina não? É só pegá a espiga di mio, moiá a butina e xuxá a espiga di mio moiada dento dela. Aí a gente fazia isso e ela vortava normale, a gente carsava enquanto ela tava moiada e ficava aquela beleza.
O Carção
Di primeiro a gente não carçava butina, era quando era grandão memo. Andava no meio dus ispim, formiga, era descarço memo. A minha mãe ela tinha qui fiá, limpá arróis, café, fazê farinha, e a ropa qui a gente vistia era feita na mão, tudo de argudão. Aí meu pai pego e falô assim:
-Ah, océis já tá grande, tem qui usá omeno um carção, o dia qui eu fô na cidade vô comprar omeno um carção.
Aí meu pai veio na cidade e compró dois carção um pra mim e um pro Gerardo. A mãe falô:-Já qui océis só tem esses memo vai trabaiá com esses memo. E nóis já tava grande, foi trabaiá na roça e chegô lá, um mundão di chuva, e eu falei, bobagem, nóis tira as nossa ropa e esconde dibaxo di um cavaco di pau pra num moiá, e aí nóis vai trabaiá só di carção, e a hora qui nóis trabaiá e a chuva estiá nois tira o caração e vesti a ropa.
E nóis falano, mais num tem um trem mió que esse tal di carção qui ês arrumô não. Aí a chuva tá choveno e nóis só di carção, e conversano.
-Ah, mais num tem um trem mió qui esse carção. Mais qui beleza, oi aqui trem bão. Esse carção num tem base não, e a inxada só capinano.
Ahora qui a chuva passo, nóis tiro o carção e vistiu a ropa qui tava inchutinha, e falamo mais num tem base o tanto qui tem um trem mió qui carção não.
Aí nóis chegô lá em casa e falô:
-Ô Cota, num tem um trem mió qui carção não. Ô nóis inchutim, nóis tiro as ropa, pois dibaxo do casca do pau, ahora qui a chuva passo nóis tiro os carção moiado e vestiu as ropa inchutinha. Trabaiamo dibaxo di chuva e tamo essa beleza!
Meu primeiro arreio
Lembro quando meu pai falô:
-Óia mininus, vô compra uns arreio pros céis, vô lá no Tutu e compro arreio, um procê Neca e oto pro cê Gerardo.
Aí tinha uma festa. Nóis morava na Serra vermeia e quiria assisti a festa na cabicera do Areado, aí o pai arrumô um cavalo pá cada um di nóis. E nós cus arreizinho novo, naquela inzibidage mais triste du mundo, todo tanto cocê pensa qui tinha um sujeito inzibido, nóis tava mais.
Os arreio era muito bão, nóis tinha qui apertá és e mantê sempre apertado no cavalo. Aí nóis foi lá pá Cabicera do Areado, chegô lá, assistimo a festa, todo feliz e aí foi nóis e a famía do Mané Nunes qui era nóis todo mundo muito unido, era aaquela tira di cavalo, mais aí quando foi no pé da Serra, meu pai pego e falô assim:
-É hora di apertá os cavalo, ocê da conta di apertá Neca?
Eu falei:
Do demais, e apiei lá né, mais as força era poca, e aí num dei conta não.
Todo mundo monto di novo nus cavalo e eu também montei nu meu, só qui quando eu montei o meu arreio virô, meu cavalo pisô curtinho e eu caí lá pu chã afora. E esse cavalo e ele pulano cu arreio na barriga, e loro dizapregano e tá aquele rolo. Mais aí ês cercano di todo lado e pego o cavalo. Aí meu pai falô:
– Machucô Neca? Eu falei:
Não, machuquei não. Mais quase qui murri foi di remorso pruque meu arreio nuvim, cus loro nuvim, tudo quebrano.
Ainda bem qui arrancô só os loro, né!
A Escova de Dente
A escova di dente só usei quando já era mulecão, cuns vinte ano, pruque antes a gente escovava era cus dedo, xuxava um dedo, xuxava um dedo dentro da boca cum limão e era dos dente dos mió, usava carvão di trempe nus dente pá crariá e era dus mió.
Grande Novidade
Um dia meu pai pego e falô:
-Meus fio, eu tenho qui compra uma ropa procêis, uma rupinha mió.
E aí foi na cidade e comprô uma amesclã era o pano mais ruim que existia pá pobri visti. Ele era assim, dum lado era verdi, du oto era branco. E a minha mãe nessa época já fazia isso era numa maquinazinha di mão na maió trabaieira, e meu pai falô:
-É agora nóis vai numa festa lá no Areado.
Arrumamo eu mais o Gerardo qui era os mais véio, vistimo a camisinha, montamo nos cavalo e fomo. Chegano na festa, aquele tantão di gente lá, e eu pensei, ah, cara mais granfo qui tem aqui é eu. E aí eu fiquei do lado dumm cara, dum mitidão, e ele pego e falô:
-Uaí o qui ocê tá fazeno aqui du meu lado? E eu falei:
– Uaí eu só quero sabe quále dóceis qui tem uma camisa iguali a minha, qui dum lado é verdi e do oto é branco.
-Ah, mais num tem, pruque eu só o mais granfino dessa festa.
Amor de mãe
Nóis cumia farofa di cove cum farinha di mio, aí ficava naqueli sono, já era di noite, sabe. Foi muita das véiz qui nóis deitava naquês banco di iscorosado di argudão, mais nem banco tinha muito não, era só pau memo. E nóis deitava ali, pá discansá e drumia, puxava a paia e a minha mãe todo dia acordava a gente, todo dia acordano e aí ela falava:
-Óia eu vô deixa océis drumí aí, modi ora qui océis acordá di noite, saí assustado, trombano nos trem, modi oceis aprendi a durmi na cama.
Aí a mãe dexô nóis drumí ali, mais ahora qui nóis acordo di noite a gente perdi as artura, pruque a lamparina quase num lumeia, aí a gente quase num vê e saía trombano nas parede e gritano, aí aí, aí … até que cindia uma lamparina qui as véiz nem fosqui tinha, era uma peleja, mas era gostoso.
A Montaria
Um dia fui pra casa da minha colega di iscola a Mariquinha, ela falô:
-Ô Neca, vamô lá pra casa, modi nóis montá nus bizerro.
Chegô lá ela tinha fechado uns vinte bizerro no currali. E ela falô:
-Qual é o bizerro que ocê qué montá?
Tinha uma curralerinha lá, eu falei, pode sê aquela lá, aquela curralerinha. Aí tava lá, ela e o Minuca, irmão dela, ele laço a bizerra, pego ela e eu montei imrriba, era doida, sabe, e ela pulava, pulava, e eu caí qui nem uma abobra e machuquei o braço.
Mais aí era trato, quando um caísse o oto monta na mesma bizerra. Cumo eu caí e machuquei o braço, se eu falassi qui machuquei ês num vai queré muntá na bizerra. E aí eu cu braço dueno, laçano a bizerra di novo só Cuma mão. E arrumamo a Mariquinha irriba e ela caiu tamém. Aí laçamo a bizerra traveiz e o Minuca monto, foi bateno incima e a bizerra bateno ele no chão. E aí ele virô e falô:
-Agora é o Neca di novo!
Eu pensei di jeito nenhum, qui vô montá nessa bizerra, e fui abrino a portera do currale e saí correno e ês foi mi laçano pá pegá, mi cercano, e eu correno, um verdadeiro iscambal.
Grandes Festas
Nóis ia di carro di boi pu Areado nas festa e ficava lá nas barraca, buscava água no rio, no barde, na lata.
Banho di primero, quando a gente ia toma banho era só quando a viria dagente tivesse da grussura de vira dum carneiro, só tomava banho de oito em oito dia, mais omeno. Quando lavava é porque estava disbarrancano memo.
Quando nóis matava um frango, lá na barraca, cumo tudo era muito difícil, cá mêma água qui dispena nóis abria, cunzinhava e lavava as panelas, as panela ficava pregada na fornaia.
Nessa festa lá no Areado, eu lembro direitinho, na hora qui nóis tava saino, era a última procissão, meu pai falô:
-Vamo pegá mais cedo os boi, qui nós tem qui ir embora.
Aí nóis pego os cavalo e lá vai guiano os boi, aí hora qui chegô perto da procissão, nóis parô o carro di boi e ficô, assim parado, meu pai dum lado mais ditrabanda e eu do oto di lá.
E a puliça fia, quando ocê via, ocê quase virava o vento e aí chegô um sordado, ele tava lá na festa do Areado, tomano revórve do povo, e tinha muito revórve lá na festa, aí chegô o sordado perto de mim e falô:
-Ah, vocês já vão embora? Eu falei:
– Lá vai imbora sim, o pai tá quereno qui nóis chega mais cedo em casa.
-E o sinhô num vai imbora hoje não?
– Não, eu vô fica aqui porque eu sou polícia, eu tenho que tomar os revolver do povo que tá aqui.
– Ingraçado, ocê num toma revórve do pai pruquê ocê num qué.
Mais porquê?
-Pruquê o do meu pai tá aqui, nessa gibera di cá, na capanga do arreio.
-Está aí?
-Uai, o sinhô oia aqui pô sinho vê, ( aí o sordado oiô, oiô e falô).
-O seu pai tem um revólver bom, né!?
– Irra, o revórve do meu pai atira bem longe, taca fogo é uma arromba!
-Então é bom mesmo?
Aí meu pai tava lá, e eu todo satisfeito mostrano o revorve pô sordado.
O sordado saiu caminhano, pra lá prô oto lado, pruquê viu a cara do meu pai, coitado, tão trabaiadô cum tanto minino honesto, e eu tã bobo.
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A Jardineira
A primeira véiz qui eu vim na cidade di Patos di Minas di jardineira, foi cu meu pai, eu já era rapaiz grande. Eu injuava muito, pruquê nunca tinha andado embarcado, aí eu oiava na ginela assim ( curva o corpo na cadeira como se estivesse dentro da jardineira, risos …) e as árvore passava perto di mim, tudo correno, aí eu falei:
– Pai eu tô tonto, eu tô tontinho, o qui eu vô fazê?
-Não meu fio, vô ali busca um trem, mode ocê num tuntiá, nem lança.
-Mais aí, quando meu pai falô assim, eu pensei qui era um chá, uma coisa, um trem, mode a gente bebê, né! Mais dentro da jardineira tinha um saquinho di papele qui ês dava, pruque quando a pessoa injuava, ocê vumita ali dentro.
Aí meu pai já vêi direto cu saquinho, e mim deu, e falô:
-Ô aí tá o saquinho.
Mais me deu e num falô pra que o saquinho sirvia, se era pra mim vumita nele ou se era uma simpatia. Era um trem muito bunitinho, branquinho, e eu pensei, cumé qui eu faço quesse saquinho, e aí pra mim num injuá, né! Sabe o que eu fiz? Abri essse saquinho e passava o nariz dentro dele e cherava bem forte (fecha as mãos e respira dentro dela, como se estivesse com um saquinho na mão, risos…) e foi assim até chegar na cidade.
Quando chegamo na cidade meu pai falô:
-Uhai minino, o qui ocê tá fazeno quese saquinho na mão até agora?
– Pai, mais o senhô num sabe o quanto esse saquinho mim serviu, se num fosse ele eu tinha vumitado tudo, mais toda hora qui eu tava cum vontade di vumitá eu mitia o nariz dentro dele e cherava, cherava muito. Mais oh saquinho bão.
A Festa de Reis
Tinha uma festa di reis na casa do Ilía Pinto, aí meu pai, foi chamado pra essa festa, e o meu pai ia cê o cuzinheiro, e aí quando o pai da gente é cuzinheiro, sempre a gente sai mais bem tratado.
A festa era farturenta, mato num sei quantos frango, quantas galinha, vaca, boi. E aí deu lá a hora do armoço, o meu pai falô:
Ô Neca pode ir naquele tacho e arrumá primeiro.
E aí eu fui lá arrumá o cumê, mais só tinha coxa de frango, e eu arrumei cum capricho, arrumei muito, e cumí bastante.
Mais quando a gente é piqueno parece qui tudo é festa, né e num mastiguei aquilo muto bem não, o prazo foi mei poco, aí eu tirava aqués peiona di frango e dava só uns pique poco de dente e mandava aqués coro de frango, e cumí bastante memo.
Aí ês num contô qui tinha um doce pá gente cumê dispois não, e aí quando eu tava cá barriga até lumiano di cheia, ês pego e falô:
– Oh gente, ês arrumô um docim aqui, vem pra cá pro cêis cumê um docim de leite, mamão, batata-doce, cidra e taia, vem cumê o doce.
E aí o que qui aconteceu? Eu pensei, meu pai do céu, e agora? Disgrama é qui e cumí dimais, e agora onde eu vô pô esse doce, mais agora eu sô obrigado a cumê, e passei a mão nesse prato, e fui pra lá e o primeiro doce qui eu arrumei foi o tale doce de batata-doce: cumeno doce, nessas artura eu já tava sentado no chão, e a barriga num tava aguentano. Mais tarde muncadinho meu pai falô:
-Oh, têm que ir os dois imbora na frente, modi apartá os bizerro, eu num pudia nem mexê, vai ocê Neca e a Cota na frente, modi ocêis apartá os bizerro. Aí tudo bem, o pai mandava tinha que ir.
A Cota pego e arrumô dois cavalinho lá, e nóis monto nesses cavalo. Eu num pudia nem mexê cá barriga, quando desceu mais embaixo tinha um ribeirão, e eu pensei Nossa Sinhora, me deu uma sicura tão grande, qui eu pensei qui eu ia morre, sabe!? E í eu falei:
– Ô Cota, ocê para aí qui eu vô bebê uma aguinha aqui…
Aí eu bachei lá no corgo, e tinha vontade daquela água descesse toda na minha boca, naquela sicura, e aí depois desse corgo num tinha água não, era uns 4 Km, só tinha um fazendeiro cu nome de Mosiro, mais perto. Aí quando chegô num artim perto duma portera, eu falei:
– Cota do céu, eu tô cum muita sede dimais, eu vou morre, até chega lá em casa, eu tô morrendo di sede, cumé qui eu vô fazê?
– Para di reclamá, vai sê burricido!
Pruquê ela tava tranquila, né, e eu naquela ansiedade, eu falei:
Num tem cume não, eu vô vortá naquele ribeirão, modi eu bebê água…
– Não, vamo até lá na casa do Mosiro qui ocê bebê água lá.
Aí, eu nesse cavalinho e gritano. Cota toca esse cavalo, qui eu vô morre de sede, toca qui eu vô morre de sede. E aí nóis tocano os cavalinho pelejano e passava a mão numa vara e bateno nesse cavalo. E eu naquela sicura mais triste, e chegô lá no tale Mosiro, e eu falei:
– Oh Cota, vamo pará modi eu bebê água. Mais cume eu era muito acanhado e pensava assim, se desse um copo di água a gente num pudia pidí mais, já tava bão. Era um maió respeito, aí chegô a muié caquela água, era um mei copo só, eu bebi aquela água, mais parecia qui eu nem tinha moiado dentro de mim, e cum muita vergonha, num pidia mais não, e fomo imbora. E aí eu falei pá Cota:
– Vamo imbora qui eu võ morre di sede!
Mais a hora qui eu cheguei lá him casa a sede acabô, cabo tudo, e o istame cumeçô imbruiá, e eu cáquele istomaguizinho quente, disturcido, e aí eu deixei a Cota quesses bizerro lá e fui deitá. Aí ela chegô e falô:
– Uai Neca, ocê tá passano male?
– To cá barriga muito bão não.
Aí fiquei ali quitinho, di repente vem subino aquele trem assim, e eu vomitei, mais vomitei, lá em riba da cama, no chão , mais vomitei bão memo, feiz aquele monte lá na bêra da cama, assim. Eu tava prostado e durmi. Daí quando mais tarde, meu pai chegô, aí a Cota pego, e falô:
– Oh, pai, o Neca tá deitado passano male, ele vumito muito, vai lá no quarto pô sinho vê.
Aí meu pai passo a mão na lamparina e saiu lumiano, e falô:
-Ô Neca ocê miorô?
-Agora tó dus mió. Ah, acho qui eu cumí um trem qui dizandô a minha barriga.
– Deixa eu vê, o que feiz mali pró cê.
E ta lá lumiano o vumitado, assim, e aqués pelona de frango, grandona. Aí meu pai pego e falô:
-Credo meu fio! Nossa Sinhora! Há valensa qui é aqui em casa, si fosse nota casa ocê ia me mata de vergonha.
-Meu fio, mais ocê cumeu as pele de frango sem mastiga, oía só, tem até coxa intera aqui!
Baile da Chita
Lembro-me muito bem dos bailes que encantavam a todos, mas de um em especial que só acontecia de vez em quando, era o da Chita.
Baile da Chita acontecia em um enorme salão dentro da casa de Epaminondas Porto, casado com Alice Porto, que tinha duas filhas, Sinhá e Kide, ambas estudavam fora de Chumbo.
A casa de Epaminondas ficava bem na praça de Chumbo, detrás da Igreja, era a melhor e maior residência que havia na época.
Sinhá e a Kide estudavam fora e quando elas vinham passar as férias em Chumbo, então Alice Porto dava aqueles bailes, que era uma coisa maravilhosa. Não via uma briga uma pessoa bêbada, que era uma coisa maravilhosa. Não via uma brigada, uma pessoa bêbada, o baile acontecia até a hora que ela queria
C – A música era ao vivo?
D – A música era tocada pelo genro de Alice Porto. Ele tocava saxofone e não tinha violão ou sanfona. O som era apenas do saxofone?
D – Sim, o baile durava no máximo até as 10:30, quando ela falava acabou, acabou. O salão era muito grande e cheio de cadeiras em volta, no meio ficava livre. A casa também não funcionava apenas com seus bailes, que eram muito esporádicos, do outro lado do salão havia uma loja de tecido, armarinhos, e ainda tinha uma loja de ferragem.
C – Apesar do Areado ser pequeno, na época tinha todos os produtos necessários ao dia a dia?
D – Tinha de tudo. O carro que eu lembro era do meu bisavô Major Augusto, e era chamado de “Ramona”. E todo dia, eu era muito curiosa, mas não perguntava, todo dia ele saía pra cidade, era o único carro que havia, ele tinha que bater a manivela, e eu pensava, pra quê. Ele também tinha telefone.
C – A casa era só pra dançar?
D – A casa era dela, ela morava lá
C – Havia na época baile de debutantes?
D – Não lembro, não lembro não.
C – Também naquela época as mulheres casavam muito novas, antes de completarem os 15 anos, não é?
D – É, casavam novas.
C – No baile como os rapazes chamavam as moças para dançar?
D – Falava assim, “faça o favor de dançar comigo”. Caso a moça não quisesse o moço saia pra lá.
C – E o namoro com era nessa época?
D – Nós por exemplo, a nossa diversão era sentar a tarde na porta da casa com os pais, né. E iam chegando os amigos, as moças, o nosso brinquedo, nossa diversão era “a minha direita está vaga”.
C – E o que era isso?
D – É, eu quero aqui fulano de tal, aí o moço vinha e se sentava perto, mas só se sentava ali e pronto. Passávamos anel e fazíamos rodas e íamos cantar, e os nossos pais ficavam conversando o assunto deles.
O vestido só via no dia do baile, era feito também um lenço da cor do vestido. No dia do baile a moça colocava o lenço dentro de uma sacolinha, e uma pessoa ficava encarregada de passar o saquinho para que os moços pudessem tirar o lenço. O lenço que eles saíssem, significava que iam dançar com a moça que tivesse a roupa da mesma cor. Depois que achassem a dama dona, dona do lenço, então eles colocavam o lenço no ombro delas e iam dançar.
C – Vinham muitos alunos da zona rural para estudarem?
D – Tive. Vinham a cavalo do arraial dos Firmes. Eu fico pensando hoje a facilidade que o povo tem pra estudar e de tudo, e muitos não querem, em nosso tempo vinha de longe.
C – A escola funcionava o ano inteiro, ou na época da colheita ela fechava, muitos ajudavam os pais, como era?
D – Eu acho que não, os pais que tinham interesse dos pais, esses prosseguiam. Muitos vinham debaixo de chuva, sol, a pé, a cavalo. Era difícil.
C – Como era as missas na Igreja naquela época?
D – Cantavam no coro da Igreja com a professora de música, mas não entendíamos nada, a oração que eu sabia era o “Creio em Deus Pai”, “Salve Rainha” … que nós já sabíamos.
C – Como era as procissões?
D – Faziam doces, e vinham nas latas de querosene antigamente era assim. E traziam doces, biscoitos. Durava a semana inteirinha, aqui. Armavam barracas, enfeitavam de bandeirolas, de bananeiras. A procissão do encontro com “Nossa Senhora das Dores”, e o corpo de Jesus Cristo, era muita alegria, tinham os fogos de lágrimas em louvor aos santos, banda de músicas que vinham de Patos de Minas, tinha a Verônica que enrola a toalha do Senhor. As casas que iam passar a Verônica, eles punham uma tira na janela.
C – Os velórios como eram. Eles bebiam, cantavam, ou não havia essa tradição aqui?
D – Contavam casos, eram gargalhadas daqui gargalhadas dali. Era esquisito, diferente, até em Patos de Minas eu já vi. Eles bebiam tinha muita fartura. A vida era assim, simples. No final saímos como um riso e a vida vai seguindo seu percurso.
“Chico do Luciano”, em “a moita arranha gato”
Um dia tava ino andano, meu pai distraído, um veinho di oitenta ano, lá ia passano numa estradinha, assim né, e veio uma vaca pegadera e cambô atrais dele né, ela correu atrais dele e ele cum medo da vaca, xuxou na moita di ispinho “arranha gato”, mais ele mixia pra ir embora, mas dentro ficava da moita “arranha gato”, mais quando ele olhava di lado a vaca. E aquele ispinho aicado.
Aí o rapaiz oiô, ê, não vô dexa meu próprio pai dentro da moita “arranha gato”, eu qui tenho coração bão, fui lá e taquei fogo dentro da moita e meu pai saiu correno.
Maldita Carona
Um dia daquês de invernuzinho qui chove dois, três, quatro dia imendado, um home na bera da istrada pediu carona um caminhão, o caminhão parô e o home falô:
Eu ti dô carona, mas ocê num repara não, pruquê tem um caxão aí em cima, aí ele falô:
– Não, tá bão!
E pulo pra cima do caminhão. Intão ele oiô, oiô, e falô:
-Cumo eu tô moiano, vô entra dento desse caixão, e entrou memo.
O caminhoneiro seguino a viagem topo mais na frente oto caronero, e o home do caminhão falô:
– Há pode entrá, mais já tem oto aí dento, aí ele entrô e oiô e não viu ninguém só o caxão, e quando chegô lá na frente o caronero falô:
– Já vô apiá, ode pará o caminhão? Aí o oto qui tava dentro do caxão levanto a tampa dele e falô:
– Oh, a chuva já istiô?
E o oto caronero casco fora correno, e falô:
-Há esse caboco tá é vivo!
“Bitu” O carro de gasolina
A primeira veiz veio esse carro di gasolina aqui minha fia, o povo visitia a rupinha miô qui tinha pá vê, muitos até mijava na ropa di tanto medo, saía assim correndo e escondendo, medo dimais da conta, igual bicho. Tinha um veió qui falô assim, “ah, mais vi um bitu, mais eu num quero vê ele mais nunca.
O que era do rico era do rico, o do pobre era pobre mesmo
No tempo qui nóis era piqueno, tinha um home qui fazia precata di coro cru, coro di vaca, sabe? Intão nóis quando tinha, guardava pra assisti uma missa, uma festa, quando a gente via fala numa festa qui vontade di omeno cumê uma pelota, e pelota nesse tempo era um chique.
Pra tê as precata a gente buscava lenha até, minha nossa Sinhora da Guia, pra pagá, pra fazê aquele trem mais feio do mundo. Naquele tempo quando a gente tinha dois vestido, tinha muita coisa. Era uma pobreza danada, o que era do rico era do rico, o do pobre era pobre mesmo.
A serpente voadora
Diz a minha mãe, ela mais a cumade Gerarda, veio aqui pra rua, e o povo contô qui ia passa uma cobra muito grande no ar e diz qui era uma serpente qui ia ingulí o povo, e a minha mãe tava ino daqui pra lá e a hora qui ela viu passa aquele “ajato”, ela mais a cumade Gerarda ajueiô no chão e rezo a Deus, dá o céu a todo mundo , a deus dá a sarvação, a elas num morre tão longe dos fio.
O casamento
– Casei qui nem uma cachorra, quando foi pra mim casar eu ganhei trêis tunda di cabresto, uma cedo, uma mei dia, uma di tarde, e a coitadinha da Bartola apanho que nem uma cachorra, pruquê nóis num quiria casar. Eu morava numa taperinha di capim, mais numa taperinha di capim qui ocê precisa vê, qui taperinha de capim qui era lá di trabanda do morro.
Casei num tinha nem quinze ano interado, casei qui nem uma cachorra. Pra oiá o moço assim, a gente dava um jeito di furá um buracão, mais a gente num via o moço di cara di jeito nenhum.
A linguiça
Diz qui cumo caso do Oto, tinha um caboco qui morava ali perto daquela casa lá, diz qui si ele comprasse uma linguiça, coisa boa, cherosa um trem bão, lá na casa era só ele e a mãe dele, e a mãe dele num pudia cumê não, ela inchia a boca d’agua, assim com vontade di pegá um pedacinho, mas num pudia, se pegasse depois qui ele chegasse e ele via qui tava fartano, ele pegava ela di coro.
E um dia ele pego e comprô uma linguiça, uma linguiça muito boa, dessas gostosa, cherosa né, e dispinduro lá e falô:
– Oh, mãe a Sinhora não mexe nessa linguiça lá não.
E a mãe dele oiava a linguiça lá, dispindurada no varale, e cum vontade de cumê um pedacinho daquela linguia, a boca dela inchia d’agua e ela guspia no chão di vontade de omeno prova um pedacinho. Aí ela falô:
-Háaa, meu fio falô qui num é pá mim cumê, mais eu vô, aí foi lá e tiro um pedacinho da linguiça e cumeu.
Aí num foi nada não minha fia, quando foi di tarde, esse caboquinho . Não! Um cabocão! Aí ele chegô e oiô lá assim, a linguiça e deu farta dum pedacinho qui a mãe dele tinha cumido, e ele falô:
– É mãe, a Sinhora cumeu minha linguiça, né!?
– Não meu fio. É pruquê eu tava encheno a boca d’agua, meu santo, qui eu tava com fome.
É mãe distraçada, agora vô baté na Sinhora!
Aí ele pego a mãe dele e monto nela, casardo di ispora, dessas ispora sete bico qui é cunhicida hoje, e ele isporô ela, isporô ela daqui pra li, bateno, ispora nela do tipo dum animale, qui animale, cavalo, égua, ocê ispora, né!? Aí ela pego e falô:
Meu fio, num faiz isso não, pelo amô di deus.
Aí ele tá isporano ela, mata qui num mata, e ela pegô e rancô a mama né, e falô:
– Não meu fio! Pelo amô de Deus, pelo leite qui ocê mamo aqui nessa precatinha aqui, num faiz isso cá sua mãe não. E ele falô:
– Guarda essa maminha aí mãe, pruque sinão eu corto isso, e ela temô quele. E ele pego um facão e cortô a maminha da mãe dele. E ela choro muito e espraguejou ele amardisuano.
Então é purisso qui hoje ele tá no cimintéro, onde tá aquela árvore di painera, diz qui muita genta vai lá, e não pode mexê onde ele é sipurtado. Diz qui si mexê lá onde ele é sipurtado a terra treme, iscuta gimido, purisso qui lá é uma parte reservada do cimintero, qui ninguém é interrado lá perto.
(Ainda hoje podemos constatar que a paineira está na parte esquerda do cemitério, intacta, e continua sendo uma parte muito reservada naquele local).
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“Verbo da Boa Sorte”
Concentra bem em Nossa Sinhora, qui no final dessa reza Nossa Sinhora abaixa pra dá o sangue e o leite ocêis.
Sábado da Lúiz Pilatos cubriu Jesuis, a terra tremeu Jesuis num tremeu, ocê tamém não há di tremê com febre, maleita, inveja, nem prisão di ventre. Como Jesuis Cristo poderoso e di Deus glorioso cravado na cruiz assim sempre esteve ao lado di Deus, ocê tamém não treme com trabaio nenhum, Jesuis qui ti dá um serviço bão, Deus só há di dá boa sorte pro cê e se Deus quis e Jesuis cravado na cruiz só há di dá boa sorte pro cê e boa alegria, e quando fô pro cê casá Deus vai guiar um rapaiz bão qui ti dá muito prazê e muita boa sorte, muito gosto, muita alegria.
Santa Ilía tinha três fia, uma lavava ota cuzinhava, ota custurava. Com que Santa Ilídia lava o trabaio do cê. Com água da fonte, raminho do monte e as trêis pessoa da Santíssima Trindade, ela lava as farsidade, ela lava amigo farso, amiga farsa, maloiado, feitiço, malifício, inveja braba, amigo farso, todos os males qui vié pro cêis. Qui leva tudo pro mar onde não vê o galo cantá, num vê o fio do home chorá.
Santa ilídia com suas trêis fia, uma lavava, ota cuzinhava, e a ota tecia. A qui cái no fogo do trabaio ela vem e lava aquele trabaio di todo o fogo, aquela qui custurava discustura tudo quanté male qui os oto fizé com cêís, dismancha tudo.
Qui o manto di “Nossa Sinhora das Dores” e “São Milguel” menino Jesuis, “Nossa Sinhora da Aparicida” ti dê boa sorte.
Pai nosso qui tidê boa alma, Deus criô di corpo e alma, qui o demônio não ti incarna nem dia dia nem di noite, qui na morti não morrerás no inferno não si alimentarás e mantenha seu corpo fechado. Salvei a vida dos cêis di todo o mal oiado e de todo o feitiço e di todo malifício.
Qui a famía dos cêis ti dê muita boa sorte, muito prazer, muita alegria qui minino Jesuis vai ajuda ocêis, qui vai protege a vida dos cêis. Eu ti curo di ispinhela caída, di vento virado, di mal oiado, di feitiço, di malificio, di amiga farsa e di amigo farso.
São Gerardo e São Vicente di Paula e Nossa Sinhora das Dores qui ti cobre com o manto dela e qui ninguém tenha força di toma seu serviço.
Seu anjo di guarda, seu castelo forte, seja seu amparo na sua vida e na sua morte, para sempre, amém, Jesuis.
Agora ocêis pede seu anjo di guarda, qui o anjo di guarda qui ocêis antecedeis venceis o seu medo qui seja atendido, qui o anjo ti garda no seu castelo forte.
Além da benzedura a Senhora ainda sugere a moça benzida, plante alguns dias antes do casamento um pé de rosa e um de cravo.
Segundo a Senhora a rosa seria a esposa e o cravo o futuro marido. Algum tempo depois viria um beija-flor que pousaria no cravo e na rosa, depois disso o beija flor voaria até a esposa e jogaria polens de boa sorte para o casal. E quando o marido ou esposa morresse o cravou ou a rosa, morreria.
Palavras Finais
O Brasil ainda é um país
De medo, de receios, de jeitos,
Onde o silêncio esconde o homem.
Esse medo invisível e por vezes até visíveis,
Nos olhos alheios, nos fantasmas passados,
Neste calabouço chamado memória.
É assim que Chumbo esconde,
Mas as vezes deixa transparecer
O obscuro dos bastidores do poder,
Da política, das intrigas, das rixas,
Até mesmo entre vizinhos ou amigos,
Da oposição que quando perde uma eleição
Acaba virando perseguição, exílio.
E o homem não consegue ultrapassar
uma simples porteira, ao contrário cria-se outras,
e assim vai se limitando nesse andado calado,
nesse olhado sagrado, fato de fardos,
de fatos, de laços, de mordaças a calar
as suas reminiscências, sua essência
que o cria e o ilumina na sua vida.
Cátia de Castro
Chumbo guarda um tesouro fabuloso que é este homem ainda puro, nato, com seu cheiro de terra fresca e certa, e suas histórias fantásticas. As miraculosidades desse sistema capitalista em que vivemos nos deixou cegos e extasiados demais para enxergarmos as belezas desse ser, e o qual nosso mero conceito de civilização o põe em exposição grotesca a exclusão e ao preconceito. Não levamos em consideração nosso passado mais remoto e nem nosso presente mesmo que distante.
Referências Bibliográficas
BARBOSA, Waldemar de Almeida. História de Minas. Editora Comunicação. Belo Horizonte. 1979
FONSECA, Geraldo. Domínio de Pecuários e Enxadachins: História de Patos de Minas. Belo Horizonte. 1974.
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 27.ed. São Paulo: Companhia Editora. Publifolha, 200.
TORRES, João Camilo de Oliveira. História de Minas. 3 ed. Belo Horizonte, Itatiaia; Brasília, INL, 1974.
PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 11 ed. São Paulo. Editora Brasiliense. 1971.
[1] TORRES, João Camilo de Oliveira. História de Minas. 3 ed. Belo Horizonte, MG. Editora Lemi. 1980. Vol 1. (p.173-174)
[2] Idem p. 120
[3] VASCONCELOS, Diogo de. História Antiga das Minas Gerais. 3ed. Belo Horizonte, Itatiaia; Brasília, INL, 1974. (p. 142-143)
[4] Entrevista concedida VALENTIN, Lorinda. Entrevista I [07.2001] Entrevistadora: Claudia Alves Soares, Chumbo 2001. Arquivo mp3 (45min)
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