Dissertação de Mestrado

CÁTIA DE CASTRO DIAS

TENSÕES URBANAS – TRAJETÓRIAS E VIVÊNCIAS DE MORADORES DO BAIRRO ALTO DA COLINA NA LUTA PELO ESPAÇO URBANO (PATOS DE MINAS 1980-2004)

Dissertação    apresentada    pela aluna  Cátia  de  Castro

                                                      Dias    como    pré-requisito   para   obtenção   do   Título

                                                      de   Mestre      em     História    pelo       Programa    de

Mestrado da Universidade Federal de Uberlândia  sob

a orientação   do Prof. Dr. Paulo   Roberto de Almeida.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

2005

BANCA EXAMINADORA

Orientador Prof. Dr. Paulo Roberto de Almeida UFU-Uberlândia

Examinadores

Prof ª.Drª. Célia Rocha Calvo UFU-Uberlândia

Prof. Dr. Robson Laverdi UNIOESTE-Universidade Estadual do Paraná

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS…………………………………………………………………05

RESUMO…………………………………………………………………………………………06

APRESENTAÇÃO………………………………………………………………………07

CAPÍTULO I

Expectativas e dilemas na busca do espaço urbano: a cidade como palco das ilusões e anseios de

indivíduos em suas trajetórias………………………..19

CAPÍTULO II

Desafios e lutas no pertencimento a cidade: marcas, rastros impressos nos espaços

urbanos…………………………………………………………………………………46

CAPÍTULO III

Ilusões e desilusões nos caminhos urbanos…………………………………………..69

CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………………………………………92

FONTES……………………………………………………………………………………………95

ANEXOS…………………………………………………………………………………………..98

BIBLIOGRAFIA………………………………………………………………………………..99

        

Aos entrevistados que em suas falas,

                                                  suas memórias, no recordar e problematizar

                                                               os seus viveres é que possibilitaram

                                                                                                                         a concretização deste trabalho.

AGRADECIMENTOS

Aos colegas do mestrado pelo companheirismo, amizade, pelas risadas nos momentos de descontração.

Aos professores do Programa de Mestrado em História da Universidade Federal de Uberlândia, que me deram subsídios para o desenvolvimento deste trabalho.

Ao professor e orientador dessa dissertação Dr. Paulo Roberto de Almeida, por ter acreditado neste trabalho, pela compreensão, clareza e a presença sempre nas horas de dúvidas, mostrando os trajetos possíveis.

   E aos moradores do Bairro Alto da Colina, pela receptividade e sinceridade com que me receberam. Aos ajudantes do Centro Espírita André Luiz que me indicaram pessoas para serem entrevistadas. Aos  pais dos meus alunos do colégio Padre Almir, que me receberam maravilhosamente.

RESUMO

Este trabalho aborda a constituição do atual Bairro Alto da Colina, na cidade de Patos de Minas,  a luta de moradores diante da necessidade de moradias dignas, devido aos alagamentos constantes que aconteciam no Bairro Vila Operária.

A pesquisa concentrou-se em depoimentos orais, jornais e outras documentações. Evidenciando a trajetórias desses moradores transferidos para outros locais distantes do Rio Paranaíba que por muitos anos fez  tantos abandonados diante de seus alagamentos.

A reflexão da trajetória e das vivências desses morados serve de eixo central num trabalho que problematiza o próprio fazer-se da cidade. Enquanto palco de luta de sujeitos em suas tensões urbanas, assim, constrói-se historicamente na multiplicidade e diversidade de sujeitos os interesses e lutas presentes em seu cotidiano.

 

 

 

APRESENTAÇÃO

A cidade abriga veias cobertas de asfaltos, poeiras que levam homens em direção ao trabalho. Nas filas dos desempregos, nos parapeitos dos desprezos, marcam suas existências entre abandonos, sonhos. Sobrevivem homens nas suas lutas em meio a carnes tensas que caminham pelo universo urbano.

Quando ingressei no curso de mestrado, queria desvendar todos os dilemas de sujeitos renegados aos cantos distantes da cidade. Havia uma parte do corpo da cidade de Patos de Minas que parecia ter sido esquartejada e jogada distante de seu centro, de suas ruas de comércio, dos seus bairros abastados. Na parte noroeste da cidade concentram seis bairros que são o Nova Floresta, Novo Horizonte, Jardim Aquarius, Alto da Colina, Morada do Sol e Jardim Esperança.

No  projeto inicial, eu queria desvendar todos os anseios, lutas dos moradores desses seis bairros. Minha preocupação se projetava no surgimento do bairro. Nas entrevistas com os moradores, sempre a mesma pergunta: quando haviam mudado para o bairro. Os bairros já estavam quase virando sujeitos. Não conseguia perceber esses sujeitos nas impressões de suas marcas, nas construções de seus bairros, nas trajetórias percorridas por esses homens nos seus anseios e lutas. Também tinha uma preocupação muito grande no papel desempenhado pelas associações. Achava que era através dessas instituições que os moradores conseguiam benefícios para seus bairros.

Além da distância em relação ao centro da cidade e a carência desses moradores, o que me levou a escolher esses bairros foi o meu desconhecimento em relação à vida desses moradores já que nunca tinha caminhado por suas ruas.

Quando comecei a dar aulas nos colégios públicos, fui aos poucos descobrindo outras faces dessa cidade. Essas faces não eram praças floridas, casas coloridas, mas alunos de chinelos de dedo, sem blusas de frio para o inverno, bocas que proliferavam palavrões, eram carências muito maiores que apenas alimentos. Eram os filhos dos descasos das autoridades, dos pais embriagados, desempregados. Essa realidade não circulava nos jornais locais, nas propagandas diversas. A cidade que não parava de desenvolver, progredir, com sua “gente simples e hospitaleira”. Mas, não era bem assim no dia-a-dia. A cidade abriga muito mais que praças enfeitadas, ruas com seu comércio, hospitais e escolas. Abriga também indivíduos de carnes tensas, que buscam imprimir suas marcas, delimitar seu espaço. Almejam suprimir seus sonhos, construir uma moradia, esperam que os filhos terminem os estudos. Trafegam por suas avenidas, fazem parte dessa cidade, mas nem sempre são lembrados. Às vezes esses sujeitos são obrigados a gritar, unhar as vísceras desse universo urbano na busca de poderem sobreviver, de se estabelecerem em meio a tantos conflitos, tantos dilemas. Nas caminhadas, as trajetórias e os saldos das experiências no vivido urbano.

Nas caminhadas junto às associações de bairro, percebi que a luta da qual eu esperava não acontecia. Em minhas entrevistas não era esse o papel das associações que eu esperava. Mas as entrevistas me mostraram que a luta acontecia sim, no dia-a-dia e nas pequenas coisas. Os sujeitos vão imprimindo suas marcas em seu cotidiano, nas conversas entre vizinhos, em meio a tragos de bebidas. A partir do momento que compreendi que as associações continham muito mais relevância a mim do que para os moradores, foi preciso buscar outros caminhos. Parei de tentar perceber o “bairro” para perceber os sujeitos, os moradores, as lutas, os trajetos, as vivências, as tensões proliferadas no urbano. Enfim, compreender o ir e vir de sujeitos em suas buscas, frustrações, expectativas.

Nesse caminho, comecei a recordar minha infância, as lembranças das chuvas intensas da década de 80. Meu pai gostava de me levar  para ver o rio transbordado. Era uma cena bonita, ver as águas do rio Paranaíba alcançarem os arcos da velha ponte.  Porém, ao lado o bairro Vila Operária estavam seus desabrigados. Eram quarteirões inteiros alagados. Lembro de ver da parte alta da Vila Operária, as telhas submersas e os moradores com seus olhares dispersos. Sujeitos que viviam vidas alagadas e amargas no corpo dessa cidade  que aparentemente  se apresenta sem grandes problemas.

Algumas entrevistas  foram suficientes para que eu percebesse o processo de formação de dois bairros. E este processo foi construído junto a trajetórias de inundações, lutas por moradia, por sobreviver em meio a uma cidade que lhes havia esquecido.

Não havia sentido pesquisar seis bairros. Eu não queria bairro, e sim sujeitos com trajetórias, vivências. Minhas inquietações foram se transformando, clareando. Aquela parte da cidade a qual eu achava desconhecer, fez parte de minha infância. Nas minhas visitas aos desabrigados. Não eram necessários seis bairros para desvendar as trajetórias, os dilemas de moradores nas suas lutas pelo espaço urbano.

Dessa forma consegui delimitar minha pesquisa e nem por isso a mesma se tornou menos apaixonante.

Todos os caminhos me levavam a conhecer a vida dos moradores do Alto da Colina. Os crimes hediondos que aconteciam na cidade quase sempre tinham como palco à vida desse bairro. E nesses acasos do destino no ano de 2003, assinei contrato para dar aulas no colégio deste bairro e isso  facilitou a minha caminhada por suas ruas, as visitas nos barracos, nas casas aglomeradas, nos pontos de ônibus. Comecei, a partir desse momento, entrevistar os funcionários do colégio, os pais de alunos, alguns me indicavam outras pessoas para entrevistar. Mas, nas entrevistas percebi que precisava caminhar um pouco mais, queria a visão de outros moradores. Foi então que comecei a entrevistar os moradores dos bairros vizinhos ao Alto da Colina. Os moradores do Alto da Colina sempre salientavam demais os problemas no bairro, e seus moradores vizinhos já não achavam tantos males existentes no bairro. Através de entrevistas de falas heterogêneas foi possível desvendar os passos, as tensões.

Minha própria pesquisa foi uma trajetória de idas e vindas. Perceber os dilemas de sujeitos  não é algo fácil, porém se tornou imensamente humano, rico, um aprendizado que uma sala de aula não pode proporcionar. Todos os entrevistados me receberam de uma forma muito fraterna, e com um gosto muito grande por poder contribuir.A  minha impressão foi que eles se sentiram meus professores, os papéis foram invertidos, me descrevendo suas trajetórias, seus percursos na vida urbana, suas frustrações, projetos futuros.

Muitos dos meus entrevistados vieram da zona rural, de outras cidades, nas proximidades do rio Paranaíba, nos vários pontos urbanos até construírem o bairro Alto da Colina. A maioria dos moradores do Alto da Colina veio dos bairros São José Operário mais conhecido como Vila Operária e Nossa Senhora da Aparecida, nas áreas de risco desses bairros. Ao mesmo tempo em que faziam um saldo do vivido as reflexões de suas caminhadas relembravam os projetos passados. Vidas fragmentadas, juntadas no recomeço de novos anseios.

Na década de 80 aconteceram várias inundações na Vila Operária e Nossa Senhora da Aparecida. A vida para esses moradores nesse período foi tensa, conflituosa. Quando os dias amanheciam em chuvas, surgiam os “alagados”, os inundados da Vila Operária, eram quarteirões inteiros submersos. Essas lembranças me ficaram marcadas.

O bairro Nossa Senhora da Aparecida se chamava bairro da Antena. Porém, uma parte desse bairro ficou conhecida com “o beco da Antena”. Essa parte do bairro  Nossa Senhora da Aparecida também sofria com as inundações, com os estigmas da pobreza. A população de Patos de Minas sempre se referia a esse beco como a parte que maculava a imagem da cidade. Havia um certo medo da população nessa área, ninguém caminhava por suas ruas sem saída, seus becos. Mas, quando começou a transferência dos alagados para outro local desta cidade, isso fez com que esse beco ficasse no esquecimento, os olhares agora vão se destinar para os moradores do Alto da Colina.

E nessas inundações, tumultos e alagamentos é que os moradores das áreas de risco vão conseguir seu espaço nessa cidade. As inundações constantes da década de 80 e os dramas desses moradores fazem com que a sociedade se sensibilize, todos os anos os jornais abordavam esses dilemas.Mas, essa sensibilidade vai acontecer depois de muitas lutas desses moradores, muito sofrimento, reivindicações.

As tensões urbanas ficaram mais visíveis nessa época, os dramas se afloraram, o que já era difícil de se conviver com a miséria lhe pesando sobre os ombros, sobre suas vidas, o descaso das autoridades se tornavam insustentável. As chuvas dificultavam ainda mais a vida desses sujeitos, as lutas se tornavam mais intensas. A população  começou a ouvir os lamentos da Vila Operária, os sons do desespero, dos barracos alagados, da fome, da falta de dignidade, de respeito, cidadania.

As ruas de paralelepípedos viviam encobertas de água e sujeitos sem moradias, ano a ano as mesmas cenas se repetiam.

Chega um momento em que toda essa sociedade patense se sensibiliza com os dramas dos alagados da Vila Operária e do Nossa Senhora da Aparecida. A vida para esses moradores estava sendo insustentável, os dramas eram imensos e as chuvas cada vez mais intensas. Essa sensibilidade por parte da sociedade é justamente esses momentos de tensões que levam sujeitos a tomarem providências, seria o limiar da agonia, da miséria desses sujeitos que lutam, brigam, reivindicam diante de tantos dilemas,

As ruas da Vila Operária com seus paralelepípedos, com seus trabalhadores pediam socorro, sofriam com as inundações e os descasos das autoridades. Porém, a medida que a sociedade começa a perceber esses dramas, essas tensões, esses percalços que seres humanos são atormentados as autoridades começam a tomar medidas para solucionar esses dilemas. A cidade não deixa suas feridas expostas, porém, cobre-se, tampam-se as suas anomalias e disfarçam em pinturas ordeiras onde o progresso caminha junto ao homem.

Deixar as feridas expostas é apagar uma imagem de cidade limpa, bonita, tranquila, de gente trabalhadora. As anomalias devem ser conduzidas a outros espaços para que não perturbem o progresso do homem, dessa cidade tão “isenta” de problemas. Esses sujeitos vão ter que conviver vários anos sobre o perigo de novas inundações até conseguirem outros espaços nessa cidade. A vida tem que prosseguir, caminhar, a cidade vive em conflitos, tensões, os seus habitantes querem os seus espaços, poder deixar as suas marcas, suas faces sobre seus asfaltos, ruelas convexas, botequins, escolas e continuar tentando suprimir suas expectativas.

A cidade não é só o centro com seu comércio, suas avenidas floridas, no tráfego de pessoas bonitas. Mas, ponto de ônibus, crianças com fome, alunos que “coçam” cabeças infectadas de piolhos. A cidade abriga corpos desumanos, explorados, vivendo tensões urbanas. Crianças empurram carrinho de mão, nos pés a ausência de sapatos, nos rostos as marcas dos descasos.

Esse trabalho se tornou muito mais que desvendar ruas desconexas, mas, ao mesmo tempo em que eu ia percebendo essas tensões, esses dilemas urbanos, eu também comecei a me humanizar, perceber o outro e suas expectativas, sonhos.

As entrevistas realizadas com alguns moradores acabavam me puxando para uma realidade dura, porém, fraterna. Os seres humanos enfrentam dificuldades, dilemas, também cativam amizades, criam vínculos, sociabilizam, disseminam culturas, proliferam sonhos.

Nas entrevistas sempre permaneciam algumas inquietações, não entendia o preconceito por parte da população patense ao referir a esses moradores. Queria entender a partir de que momento começa a surgir essas manchas, esses preconceitos tão vivo no dia-a-dia desses moradores. Para suprimir essas inquietações entrevistas com os moradores vizinhos foram fundamentais. Busquei compreender os anos iniciais até a formação do bairro, no surgimento das primeiras ruas, a falta de transporte público, as ruas sem asfalto, o descaso das autoridades, tinha a impressão que uma outra cidade estava sendo aberta, construída, redefinida dia-a-dia. O universo urbano é polêmico, conflituoso, abrigam carnes tensas, sobrepostas sobre seus pilares, nos seus espaços.

De início, queria alcançar todos os cantos dessa cidade, buscar o seu fazer-se. Estrangular cada parte até desvendar todos os seus segredos. Mas, não conseguia entender a “áurea” de preconceitos, de disputas, de conflitos que, cotidianamente emergiam na vida dos moradores do bairro Alto da Colina. A luta pelo espaço urbano era muito mais ampla do que minhas pequenas inquietações.

Para buscar esses dilemas conferidos nos espaços urbanos eu tive que buscar ajuda nos jornais, na época das inundações, nas entrevistas dos moradores, nas aulas proferidas dia-a-dia.

O que levou as autoridades a buscarem outros espaços para novos personagens? Quais as tensões que são vivenciadas nesses espaços? Qual a cidade que querem apresentar? E qual a cidade existente nesses dilemas? O que os seus moradores buscam, almejam? O que esperavam dessa cidade? De que forma essa cidade, atrai, iludi, homens e mulheres? Como esses sujeitos caminham pelas avenidas, namoram, trabalham, disputam seus espaços?

Patos de Minas é uma cidade que vive da agropecuária, do comércio local, sem grandes indústrias. É uma cidade que tem em grande parte o trabalho  dos boias-frias, na colheita do café, do tomate, do feijão e tantos outros produtos. Essa cidade ela atrai, encanta, iludi indivíduos que contém expectativas, sonhos. Mas, nem todos os sujeitos vão abrigar espaços dignos em suas ruas, porém, lugares distantes do centro, perto do rio, longe do emprego, são  mundos desiguais.

Os campos na vida desses sujeitos serão outros, sem milhos, roças, gado, apenas a afronta do rio, da vida, da fome, do desemprego. Isso se tornou dramático na década de 80 para os moradores próximos ao rio Paranaíba. Devido aos dilemas vividos pelos moradores do bairro Nossa Senhora da Aparecida e Vila Operária na época das inundações, passa a ser insustentável a continuação desse drama. A sociedade se sensibiliza, os jornais locais não vão parar de focalizar os dramas vividos por esses moradores. Pois, esses moradores circulam por essa cidade, trafegam por suas avenidas, conversam, trocam informações vão a prefeitura, reivindicam, buscam novas oportunidades.

 Então, as autoridades começam a providenciar a “retirada” desses sujeitos. Começam as transferências para o bairro “Jardim Aquarius”, “criado” justamente para os moradores que estavam em situação de risco. Ao entrevistar um funcionário da prefeitura que acompanhou esses dilemas da década de 80, fiquei sabendo que o nome Aquarius foi justamente em referência aos desabrigados da época. O responsável pelo loteamento na época disse para pegar os “alagados” e colocar tudo em um aquário, daí o nome do bairro “Jardim Aquarius”. Porém, o aquário se tornou pequeno, foi necessário outro espaço. Daí começa a surgir o bairro Alto da Colina, uma extensão do bairro Jardim Aquarius. Os bairros vizinhos ao Alto da Colina são o Nova Floresta, Novo Horizonte, Jardim Aquarius, Morada do Sol e Jardim Esperança. Todos localizados longe do centro, é como se um braço direito fosse sendo criado no corpo dessa cidade. Os pés (Vila Operária) que viviam inundados ganharam braços longe do corpo higiênico e sadio dessa cidade. Porém, esse braço é que caminha pelas madrugadas em direção ao trabalho, limpam suas ruas, constroem seus prédios, suas casas. E ao carregar os fardos desse corpo se tornam eles mesmos o próprio peso dessa cidade. O que restam para esses sujeitos são os descasos das autoridades, o medo do desemprego, à volta ao campo como boias-frias, botequins nas esquinas dos desafetos.

Esses sujeitos trafegam por esse corpo, limpam todos os poros e permanecem em manchas, nesse estigma da pobreza que os maculam a cada dia.

Para o desenvolvimento deste trabalho leitura teorias de alguns autores  foi primordial. Em especial o texto de KHOURY, “Narrativas orais na investigação da História Social”, em relação ao papel que os sujeitos vem ocupando na história, nós enquanto pesquisadores devemos sempre dialogar “… com o passado a partir de uma concepção do presente permeada por uma perspectiva de reconhecimento das diferenças e do direito da participação de todos nos destinos sociais”.[1]

Além de chamar atenção para o reconhecimento das diferenças, a autora também lembra o cuidado que se deve ter em não separar o objeto daquilo que pertence, mas, pessoas que participam da história e estão nela inseridas. E que se deve  abordar a história “… como um processo construído pelos próprios homens de maneira compartilhada, complexa e ambígua e contraditória, o sujeito histórico não é pensado como uma abstração, ou como um conceito, mas como pessoas vivas, que se fazem histórica e culturalmente, num processo em que as dimensões individual e social são e estão intrinsecamente imbricadas. Esses sujeitos são moradores das cidades, pequenos agricultores do campo, artesãos,  pescadores, trabalhadores assalariados, grupos de imigrantes, de mulheres, de jovens, velhos ou crianças, membros de movimentos específicos, vivendo experiências de trabalho, construindo modos de viver e de se organizar, ou sobrevivendo em becos e ruas, com bagagens culturais diferentes, com perspectivas futuras diversificadas, enfrentando, ou não, processos de exclusão, marginalização e segregação social.”[2]

A nossa inquietação presente nos leva a questionar esse passado e o modo como esse presente reflete nos modos de vida de sujeitos que vivem em conflitos, distorções urbanas. E nessas reflexões as diversas leituras teóricas de textos como os de Yara Khoury, Alessandro Portelli, Thompson, Raymond Willians, Eder Sader, contribuem muito para examinarmos o papel que empregamos aos sujeitos históricos que têm permanecido nas margens desse desenrolar dos acontecimentos.

E nesse caminho o uso das fontes orais proporcionou novos diálogos com esses sujeitos, lembrando que “… cada pessoa é um amálgama de grande número de histórias em potencial, de possibilidades imaginadas e não escolhidas, de perigos iminentes, contornados e por pouco evitados.”[3]

 Caminhar nesse trajeto é, como nos dizeres de KHOURY, buscar “… apreender os significados mais profundos das relações sociais, e da mudança histórica, compreendendo e incorporando a diversidade de perspectivas e ponto de vista, como possibilidades alternativas colocadas no social…”.[4]

Também nessa trilha de pensar e buscar novos modos, de ver esses “sujeitos”, Eder Sader, em sem livro “Quando os Novos Personagens Entraram em Cena”, contribuiu muito para compreender essa noção de “sujeito”. O modo como o autor procurou entender o significado do que acontecia com a condição da classe proletária em São Paulo, é deixar emergir um novo campo de análise desses sujeitos. Longe de copiar modelos, mas novas formas de reelaborar, do como as experiências no cotidiano de diversos sujeitos vão sendo forjadas num universo de disputas, conflitos e tensões.

Nesse caminhar, E.P Thompson no livro “A miséria da teoria ou um planetário de erros”, me fez refletir para esse repensar de nossas investigações, pois, podemos “… fazer novas perguntas a evidencia histórica, ou pode trazer à luz novos níveis de evidência. Nesse sentido, a “história” ( quando examinada como produto da investigação histórica) se modificará, e deve modificar-se, com as preocupações de cada geração ou, pode acontecer de cada sexo, cada nação, cada classe social. Mas isso não significa absolutamente que os próprios acontecimentos passados se modifiquem a cada investigador, ou que a evidência seja indeterminada.”[5]

Outro texto que me fez refletir no papel que desempenhamos a esses sujeitos e a forma como os analisamos foi o de Raymond Willians, “Dominante, Residual e Emergente”, onde o autor chama a atenção para a nossa percepção aos resíduos que vão permanecendo na vida dos sujeitos e o que vai emergindo.

“Por “residual” quero dizer alguma coisa diferente do “arcaico” embora na prática seja difícil, distingui-los. Qualquer cultura inclui elementos disponíveis do seu passado, mas seu lugar no processo cultural contemporâneo é profundamente variável”, e sobre emergente, “… entendo primeiro que novos significados e valores, novas praticas, novas relações estão sendo continuamente criados.”[6]

Na dinâmica da vida de sujeitos, novas práticas vão emergindo. Porém, pode permanecer resíduos que foram formados no passado e novos elementos podem ser trazidos para o presente. Os sujeitos vivem relações dinâmicas, que vão sendo forjadas no dia-a-dia de suas vidas, novos significados, elementos podem ser constituídos no seu caminhar.

Ao trabalhar com trajetórias e vivências de moradores do bairro Alto da Colina tive de “lidar” com lembranças de sujeitos nos trajetos de suas vidas. Para desenvolver minha abordagem sobre os elementos e evidências trazidas no desenrolar da pesquisa, o diálogo com esses autores foi fundamental, além das discussões feitas em sala de aula durante o período do mestrado.

As discussões teóricas, os diálogos com as fontes, as trocas de experiências entre os colegas do mestrado e a clareza dos professores ao mostrar os caminhos possíveis a serem trilhados, além da paciência, é que se tornaram possíveis às descobertas e possibilidades de concretizar a pesquisa proposta.

Outro aprendizado que me foi muito rico é o fato de poder ter trabalhado com sujeitos, isso me trouxe uma experiência muito grande. Foi a oportunidade de trabalhar com sentimentos, vidas que contém expectativas, elaboram projetos, vivências. Nos dizeres de PORTELLI, a entrevista “… é uma troca entre dois sujeitos: literalmente uma visão mútua”.[7]

E é no diálogo com esses sujeitos que se torna possível compreender as experiências que foram sendo travadas nas suas vidas. É dessa forma que considero possível reconstituir o processo histórico de homens e mulheres no seu ir e vir. Entre o morar, andar de ônibus, permanecer sobre filas, madrugadas na noite em direção ao trabalho, tropeçar em botequins, buscar sonhos é que trafegam sujeitos na busca de seu espaço. É através de depoimentos desses indivíduos que se buscou resgatar as diversas experiências compartilhadas na vida urbana e os elementos que vão emergindo no dia-a-dia.

Nas falas dos moradores poder desvendar uma cidade, caminhar por todos os seus poros ofegantes nas busca de imprimirem suas marcas, seus rastros tão conflituosos e densos nessa vida urbana.

Diante desses trajetos, a opção pelo trabalho com fontes orais é que se mostrou um material rico em desvendar as experiências vivenciadas dos moradores do Alto da Colina na sua luta pelo espaço urbano.

Para o desenvolvimento deste trabalho foram feitas entrevistas com os moradores do bairro Alto da Colina, Morada do Sol, Jardim Esperança, Novo Horizonte, Nova Floresta e Jardim Aquarius.

Além dos jornais que estão arquivados na biblioteca do Centro Universitário de Patos de Minas, UNIPAM, outros documentos também foram utilizados como os dados do IBGE e mapas da cidade.

Os jornais pesquisados abriram possibilidades de reconstituir os dramas vividos pelos moradores da Vila Operária, Nossa Senhora da Aparecida e o mais importante, como a sociedade patense em um determinado momento se sensibiliza para os dramas vividos por moradores que estavam em áreas de riscos. Cuja sensibilidade foi nada mais que o reflexo dessas tensões

Busquei as trajetórias de moradores, suas vivências e tensões de como se articulavam nesse desmembrar da vida. Na luta cotidiana de garantir sua sobrevivência em um meio hostil, onde campos opostos vivem momentos de tensões, o fazer-se da cidade vai sendo configurado, contaminado, constituído na vida de homens e mulheres nos seus descaminhos urbanos.

Nas entrevistas realizadas sempre procurei fazer algumas perguntas já elaboradas, outras foram acontecendo no percurso das entrevistas. Mas, sempre perguntava aos meus entrevistados um pouquinho sobre suas trajetórias, a infância, adolescência, os sonhos, as frustrações, os novos projetos e expectativas. A vida desses moradores não começou no bairro Alto da Colina e alguns, quando mudaram, ainda não era um bairro já formado. Mas, ruas cobertas de terra, sem transporte, energia elétrica, eram o começo de uma nova luta. E essas lutas e tensões não cessam, esses sujeitos vivem expectativas, frustrações. E nesse caminhar as entrevistas e minhas análises me fizeram trabalhar em três capítulos.

No primeiro capitulo busquei recuperar as trajetórias e as vivências desses sujeitos. As expectativas que foram sendo criadas no universo urbano em meio a conflitos, dilemas múltiplos, os anseios desses indivíduos. A cidade é muito mais que escolas, hospitais, comércio, bancos, bailes, são sonhos, projetos, expectativas, lutas travadas cotidianamente.
No segundo capítulo, trabalhei os desafios que esses sujeitos são atormentados. A luta na busca de pertencimento numa cidade que não lhes abriga, mas, afugenta, domina, explora, maltrata por suas veias nocivas, homens e mulheres em suas expectativas. Como esses sujeitos vão imprimindo suas marcas, seus rastros nesse universo urbano.

No terceiro capítulo, as frustrações, a cidade não suplanta todos os sonhos, mas novos projetos vão emergindo junto com novas lutas. Novos significados vão sendo forjados no meio urbano. Alguns ainda acreditam nessa cidade, outros restaram o sonho da volta para o campo ou a procura por outras cidades, alguns esperam que os filhos possam realizar aquilo que não conseguiram. Novos significados, expectativas, sonhos vão emergindo na vida desses moradores.

Sobram as lutas, as experiências, o saldo do vivido, do permitido. Os lamentos urbanos, os gritos abafados, os muros a sufocarem esses indivíduos e nos portões a esperança, os olhares do bairro para o cerrado e ver o sol se pôr sem porteiras. No corpo, as marcas, as novas feridas, o surgimento de novas vidas, novos atores, novos lamentos. Na cidade as caminhadas nas faixas apagadas. Como companhia, as dores, as “ferroadas” dos descasos. Em algumas ruas a união, as brigas, as derrotas e as vitórias que sujeitos travam por suas vidas nos asfaltos urbanos.

Nas entrevistas, as frases finais sussurravam esperanças, novamente essa sombra a acompanhar esses sujeitos, pelas avenidas, nesse universo urbano, nesse palco desigual, nessa atmosfera, sonhos.

Capítulo I

Expectativas e dilemas na busca do espaço urbano: a cidade como palco das ilusões e anseios de indivíduos em suas trajetórias.

Patos de Minas é uma cidade que vive do seu comércio local, da agropecuária, sem grandes indústrias. Porém, é uma cidade bonita, cheia de praças, a entrada de acesso à cidade é muito suntuosa e conduz seus visitantes diretamente ao centro E se os seus visitantes não percorrerem aos pontos mais distantes, dificilmente irão ver as moradias precárias e indivíduos vivendo em tormentos, dificuldades, alagamentos. Para poderem perceber essa dualidade terão que percorrer os pontos distantes, longe das avenidas suntuosas, das praças enfeitadas e com seus casais de namorados. Mas a cidade que se apresenta não é a realidade existente nos seus poros distantes.

Porém, essa cidade apresentada na sua suntuosidade, nas propagandas oficiais de certa forma,  atrai, encanta homens e mulheres.

De que forma essa cidade atrai, fascina, faz com que sujeitos sonhem, almejem percorrer suas ruas? O que levam homens a trafegarem por suas avenidas? A terem que sujeitar ou disputar com um mundo de letrados?  A buscarem suplantar expectativas?

O que esses sujeitos esperam dessa cidade? Apesar dessa cidade não ter grandes indústrias, viver  do comércio local e da agropecuária, porém, suas ruas não têm parado de crescer. A cada dia homens e mulheres vem habitar os seus espaços. Mas, para muitos indivíduos irão restar apenas os becos, as ribanceiras do rio, as ruas cheias de matos. Os sonhos não vão ser tão doces ou confortáveis, mas de concreto, sem luz elétrica, como vizinho o rio ou o abandono.

“Mais conhecida como a “Capital do Milho”, Patos de Minas, situada na mesorregião do Triângulo Mineiro a Alto Paranaíba nomeia a micro região de Patos de Minas, constituída por dez municípios, segundo pesquisa do IBGE (1996).

Quanto aos recursos fluviais, o município é cortado por vários cursos de água, havendo inúmeras lagoas naturais, além de nascentes espalhadas por todo o território com água de ótima qualidade, o principal rio é o Paranaíba.

A rede rodoviária de Patos de Minas é cortada pelas rodovias federais BR 354, pela BR 365 e pelas rodovias estaduais MGT-354 e MG-410 e ainda as BRs 265, 040 e 146.

Patos de Minas não desenvolveu o transporte ferroviário, o mais próximo é feito através da RFFSA, a 70 Km da cidade, no município de Patrocínio. Vale ser ressaltado que há no município vizinho grandes construções abandonadas que seriam utilizadas por uma rede ferroviária que não chegou a ser instalada, hoje estes monumentos estão enfeitando os campos afora servindo de “pinguelas” para os moradores ou  moradia para morcegos no caso de bueiros

Quanto à agricultura destacam-se os produtos: milho, feijão, arroz, café e sorgo. A criação de gado vem se desenvolvendo ao longo dos anos devido às condições climáticas favoráveis que a cidade oferece. Além da pecuária também se destaca a suinocultura e avicultura, sendo a primeira uma grande fonte de pesquisa genética, que traz desenvolvimento para a cidade, tendo em vista as granjas que servem de modelo para todo o Brasil.

Um grande exemplo de produtor rural é Décio Bruxel, que em suas muitas fazendas, produz soja, café, milho, feijão e tomate. Só de milho, são três mil hectares, a soja também ocupa uma área do mesmo porte. Nessas áreas a produtividade média é superior a 1,7 mil quilos por hectare, contra 2.460 quilos em media dos soficultores americanos. Em 2000 este mesmo produtor conseguiu 20 mil sacas para exportação numa área de 750 hectares. Cabe ressaltar também que em Patos de Minas e seus arredores, enquanto uma das maiores regiões produtoras de milho do País, concentram-se 70% das empresas de melhoramento genético de suínos do país, tais como Dan Bred, a belga Segheres e Agroceres PIC.”[8]

O artigo da Revista Exame de novembro de 2001, p.48, da autora Nely Caixeta, registra que Patos de Minas ficou num lugar de destaque ao ser citada dentre outras regiões em que melhor se desenvolve a agropecuária atualmente. Como se percebe, a região de Patos de Minas contém grande produtores rurais e que produzem em larga escala, mas deve ser observado que há na região um grande número de pequenos e médios produtores.

Mesmo sem grandes indústrias, essa cidade atrai esses sujeitos, a maioria dos  entrevistados vieram de regiões próximas a Patos de Minas, outros das proximidades do rio. A D.Eva moradora do bairro Alto da Colina, veio de uma fazenda do município de Patos de Minas. Trabalhou a vida inteira na zona rural, sonhava em vir para a cidade, porém, tinha medo de passar fome. Mas, a vontade foi muito maior, achava que com sua vontade de trabalhar, sua disposição para o trabalho era possível sobreviver na barriga urbana. Veio, lutou. Foram anos de luta até conseguir seu espaço. Na entrevista realizada em sua casa D. Eva fez questão de  mostrar os cômodos que conseguiu aumentar em sua casa devido ao seu trabalho e com suas economias.

Depois  mostrou cada móvel comprado e o valor de cada um e como os adquiriu. Ao encerrar a entrevista foi  mostrando os seus projetos futuros, havia dois sacos de cimentos já comprados. Devido à quantidade de caruncho que caía, esperava poder construir a laje em sua casa. Outro sonho que ficou muito visível foi a esperança que a filha mais nova terminasse os estudos já que os  mais velhos não prosseguiram.

Foram tantos outros sujeitos iguais a D. Eva que minha pesquisa foi se deparando, conhecendo, permitindo a análise. Neste capítulo, estarei abordando a trajetória desses sujeitos até a construção do bairro Alto da Colina. Alguns entrevistados vieram da zona rural, de outra cidade, outros bairros de Patos de Minas e a maioria do bairro São José Operário (Vila Operária) e Nossa Senhora da Aparecida. Serão vários anos vivendo constantemente desabrigados até conseguirem o seu tão sonhado espaço nessa cidade, a casa própria, a garantia de pelo menos uma casa para deixar para os filhos, já que o desemprego assombra constantemente e os estudos poucos prosseguiram.

Construído num passado de inundações, o bairro Alto da Colina abriga esses sujeitos provenientes das áreas de risco.

 “Pro ce vê, na época de enchente mesmo minha mãe tinha que leva nóis todo mundo porque, nóis ia mesmo pros lado daquele campo, busca coquinho, nóis se virava cada um, mas, vizinho não, nóis nunca teve amigo de lá, lembro de muitas pessoas de lá que também ta aqui, a gente lembra. Todo mundo próximo né.”[9]

A D. Lucelena lembra bem essa época de inundações apesar de criança nesse período, porém, a lembrança ainda está muito presente. Além de alguns vizinhos de hoje terem sido companheiros das dificuldades originadas na década de 80, o que deixa ainda mais viva a memória em relação ao tempo das inundações, mesmo de estarem nos dias atuais, morando longe das margens do rio. Porém, essa “transferência”, começou a acontecer depois de muitas inundações, lutas de moradores, reivindicações até que a sociedade patense começa a se “sensibilizar”, os jornais começam a divulgar artigos e fotos mostrando a realidade vivida por esses moradores. Após dias de chuvas era comum as pessoas irem olhar o rio, o seu transbordamento e as casas afetadas pelas inundações. E, então, começa a ser frequentes as matérias nos jornais.

“Pelo Decreto Municipal 632/84 foi desapropriada área 3,5 hectares próximas aos Bairros Nova Floresta e Novo Horizonte mediante pagamento à vista de Cr$6.000.000,00 ( seis milhões de cruzeiros ) dia 16 de janeiro último

Área se destina após a aprovação pela Câmara Municipal, à doação e ou permuta com os flagelados da Vila Operária, para a construção de residências dotadas de toda infra-estrutura (esgoto, água, luz) e a consequente transferência do pessoal PREVIAMENTE selecionado pela Comissão Municipal de Defesa Civil Comdec.”[10]

O artigo de 26 de janeiro de 1984 chama a atenção pelo enfoque dado ao papel dos órgãos responsáveis em resolver a questão dos flagelados, no empenho em transferi-los. Mas, os artigos não vão parar, serão notas constantes apresentadas nos jornais locais durante todo o ano. De início, era apenas o jornal do setor da Igreja Católica, o “Folha Diocesana”, que estava focalizando a questão social. O jornal a Folha Diocesana veiculava em suas páginas, notícias dos problemas enfrentados pelos moradores da parte baixa da Vila Operária devido às inundações. Depois, outros jornais patenses vieram a acompanhar as questões sociais vivenciadas nesta cidade “aparentemente” tão “isenta” de problemas sociais.

Os artigos iniciais nos jornais vão focalizar o papel do poder público e o seu empenho em sanar os problemas existentes. Depois, começam a aparecer artigos convocando a população patense a ajudar as vítimas das inundações. Até mesmo os jornais mostram trajetórias em seus discursos, alguns momentos visualizam a dedicação das autoridades, outros as dificuldades de moradores e alguns começam a conclamar a sociedade a prestar ajuda. São momentos distintos que vão sendo emaranhados nesse período.

“Aconteceu no último dia 13 às 20:00 horas no salão social “Américo Elias Tompa” da Loja Maçônica “Amor e Justiça 3”em Patos de Minas, uma importante reunião com representantes do conselho Patense de Defesa da Comunidade e Comissão Municipal de Defesa Civil.

Reunião teve como objetivo básico, discutir a viabilização do projeto de construção 50 casas, no bairro “Jardim Aquariús”, a serem destinadas aos moradores da “Vila Operária”, cujas residências estão situadas em locais críticos, sempre alcançadas pelas enchentes do Rio Paranaíba. O problema já alcançou uma dimensão bastante séria, com graves reflexos sociais, merecendo das autoridades municipais e de toda a comunidade patense, na pessoa do Prefeito Arlindo Porto Neto, encabeçou a iniciativa, visando sanar de vez o problema que a cada ano se apresenta por ocasião das enchentes do Rio Paranaíba. Adquiriu o terreno, encarregou-se da infraestrutura, comprometeu-se em colaborar doando cascalho e areia, bem como a mão-de-obra pesada e o transporte dos materiais através de seus caminhões. A comunidade representada pelas entidades de classe e clubes de serviços entrou na luta, e as soluções vão se delineando a partir de discussões sérias e objetivas como a do último dia 13.

Várias sugestões foram apresentadas, foram constituídas comissões de trabalho e o projeto deverá passar do papel para o concreto no mais curto espaço de tempo possível antes de chegarem novas enchentes (…) há uma proposta de envolvimento maior de toda a comunidade de construção e também de dinheiro. Foi aberta no Banco real-agência de Patos de Minas, uma conta para receber doações em dinheiro, em nome do Condec, com o n 1022-8000 onde quem quiser colaborar com esta importante obra de cunho reconhecidamente social e humanitária, poderá depositar sua contribuição. A participação da comunidade é muito importante.”[11]

Contas bancárias são criadas para receberem doações da população. Propostas são elaboradas e a preocupação de novas enchentes, novos alagados começam a preocupar a população patense. A questão da moradia, da sobrevivência, da dignidade humana é colocada como uma importante obra humanitária. Campanhas começam a ser feitas e divulgadas, a imprensa começa a expor e enfocar os clamores da população. A aparente solução dos problemas desses sujeitos é colocada como uma grande sensibilidade do Sr. prefeito que se comprometeu com a ajuda de alguns itens para a construção das casas. Depois algumas instituições também vão se comprometer a ajudar essa cidade que se vê ameaçada em sua ordem, em seu progresso, nas suas tranquilas e pacatas ruas aparentemente tão exímia de problemas.

As inundações maculam essa imagem de cidade “ordeira” onde o “progresso não para”, com sua “gente simples e hospitaleira”. As autoridades não podem deixar essas feridas abertas que se veem inflamadas a cada ano no recomeço de chuvas os alagamentos, os desabrigados dessa cidade ordeira, que caminha para o progresso.

“A comdec-Comissão Municipal de Defesa Civil, está agilizando a campanha para a construção de 50 casas destinadas aos moradores da “Vila Operária”, cujas moradias são alcançadas constantemente pelas enchentes do Rio Paranaíba (…)

Ficou definido que a União dos Estudantes Patenses-UEP- organizará uma gincana, com o apoio dos Lions Giovanini e Rotary Clube, visando arrecadar materiais de construção destinados à primeira fase das obras.”[12]

Devido às inundações, uma área específica foi criada para a transferência desses sujeitos que vivem submersos alguns períodos do ano tendo como luta a afronta do rio, da vida, do desemprego, do estigma da pobreza que vão sendo criados ao longo de suas vidas. Problemas esses que não cessam, mas, vão sendo mesclados nas suas trajetórias, em suas transferências, nos seus cotidianos. Os meses vão passando e as notícias nos jornais não cessam, começa a mobilização da sociedade para participarem na solução desse problema social. Problemas este de caráter responsável dos órgãos públicos.

“A COMDEC está empenhada na construção de 52 casas no bairro Jardim Aquariús destinadas as famílias residentes na área alagável  da nossa Vila Operária. Todos os anos, por ocasião das enchentes, várias casas daquele bairro operário são alcançadas pelas águas barrentas do nosso rio Paranaíba, repetindo-se um drama que já se estende há tempos (…) O trabalho é árduo oneroso e necessita de apoio de toda a comunidade.”[13]

O comprometimento das obras e sua viabilização prosseguem e, além da preocupação de que outros indivíduos futuramente poderão estar vivendo novamente em situação de risco, levam as autoridades responsáveis a construírem uma área de lazer nos locais mais afetados. Isso tendo como preocupação o cuidado de não ter de disponibilizar recursos futuros para novos sujeitos que poderão estar vivendo novamente sobre o risco de novas enchentes.

A questão da moradia não cessa, outros indivíduos irão emergir para essa cena. Novas áreas serão destinadas para esses sujeitos que se espremem no dia-a-dia na busca de trabalho, de sobrevivência, de moradia. Pensando em amenizar a questão da moradia em Patos de Minas, começa o projeto Pró-Habitação e a construção do bairro Alto da Colina, vizinho ao Jardim Aquarius. E a maioria dos moradores inicial que vão habituando no bairro  Alto da Colina, veio das proximidades do rio Paranaíba. Na década de 90, ocorreram duas grandes inundações. Além de indivíduos alagados, outros sujeitos iram compor esse momento de construção do bairro Colina. Em um primeiro momento, os moradores que viviam em situação de risco ganharam lotes localizados próximos ao bairro Jardim Aquarius, hoje denominado Alto da Colina. Alguns moradores aproveitaram o material de suas casas demolidas próximo ao rio e construíram no Alto da Colina. Outros sujeitos vão ganhar o material da prefeitura e através de mutirão, construíram suas casas. Em outro momento foram “doadas” casas já prontas para outros indivíduos.

“Aqui ainda não tinha o Jardim Esperança, o Morada do Sol, nem aqui pra baixo, aqui do posto policial num tinha. Aqui o prefeito ele deu  e o material também, a gente só construiu. Ele deu só o lote e o material. Só tinha  a rua de lá, as paineiras, jatobá, cedro, dos pinheiros e jacarandá, só isso, num tinha mais nada aqui, num tinha mais nada aqui, nem escola, mais nada(…)[14]

Não tinha “mais nada”, nada, a cidade é amarga, a luta árdua, a vida da D. Lucelena foi uma trajetória de poucas esperanças. Mas, a luta não cessa, o presente também tem sido árduo, o seu caminho até se estabelecer no bairro Alto da Colina foi um trajeto pesado, conflituoso, da Vila para a Casa das Meninas, uma instituição que ainda hoje abriga meninas abandonas ou em situação de risco em Patos de Minas. Vive da ajuda da comunidade e de setores privados. Para sujeitos como a D. Lucelena, e sua irmã que mora na casa do fundo, no mesmo lote, resta a esperança de que essa cidade ainda lhes possa proporcionar dignidade no viver, poder criar projetos, apesar dos sonhos estarem cada vez mais ausentes.

“Nóis morava no Vila Operária, nossa casa  era lá, mas nóis ficava na casa das meninas, a gente conheceu muito pouco lá de baixo. Foi, foi por causa das enchente, nóis moro lá, nóis morava bem debaixo do morro, então, onde é o campo nóis era muito pequena, nóis brincava na água do rio, então, por isso que nossa mãe coloco na casa das meninas. E a casa lá racho, a água subiu demais lá onde nóis morava, e racho as parede todinha, e fico sem segurança, nenhuma.”[15]

O campo a que se refere a D. Lucelena foi construído depois da transferência de vários moradores que viviam em risco. O bairro Vila Operária é um bairro de difícil acesso, tendo a parte alta e a parte baixa, palco das inundações.

Esses sujeitos vão viver anos em situação de risco, de afronta do rio. Foi necessário, no caso da D. Lucelena, ter sido encaminhada para uma instituição que abriga meninas abandonadas em Patos de Minas, a Casa das Meninas. E depois de tanta luta é que vai conseguir uma moradia com menos risco.

Mas nem por isso a luta cessa, a cidade abriga carnes tensas. Os sujeitos vivem momentos de tensões, medo do desemprego, das águas do rio, do alcoolismo, das drogas cada vez mais comum nas ruas, nas escolas. A cidade abriga um universo tenso de trajetos conflituosos, ruas dolorosas. Já para as autoridades ficam as precauções, tampam-se novos corpos criando barreiras. Na “descoberta” de um caminho que facilite a pressão por moradias, as autoridades constroem um campo de futebol todo murado. Isso impede os sujeitos de erguerem novas casas. A cidadania é abafada em cimentos. Restam para esses personagens novas lutas, novos caminhos.

“Minha mãe coloca nóis na casa das meninas nóis era pititinha, nóis fico até os nove.. Agora minha mãe fico lá  dezoito anos. Ela moro.

Lá na vila operária? Não. A gente conheceu bastante gente, mas, assim, um bairro de pessoas assim, acho que naquela época era muito cheio, um bairro, muito violento, nóis tinha muito medo. Nóis era muito pequenininho, pro ce vê , teve uma época que nóis deu crise de verme, nóis ficava sozinho, minha mãe trabalhava. Nóis passava é, na beira do rio, só a minha mãe trabalhano, cinco menino pequeno, nóis passava tanta fome que nóis comia cerraje. Aí veio aquele tal de Zé Mendonça na época, que tinha aquele Zé Mendonça de Morais, que achou nóis lá, que foi deu socorro, ajuda, nóis fico muito tempo fazendo tratamento, nossa …

Tinha vizinho lá, mas era uma coisa assim, se a nossa mãe saísse e deixasse nóis trancado lá, nóis ficava trancada até a nossa mãe chegasse. Nóis que nóis era muito pequenininho, não dava conta de abrir a porta. Aí minha mãe chegava onze horas da noite, aí nóis ia come a hora que a nossa mãe chegava do serviço, por que ai ela trazia comida do serviço pra nóis. Então, vizinho ali a gente conheceu, de vez em quando dava uma olhadinha, porque nóis custumava muito ir pra berada do rio, ai olhava.”[16]

O passado na vida de D. Lucelena foi de fome, de abandono, do medo de novas enchentes, sem pai, apenas a mãe para alimentar os filhos, na falta de vizinhos, amigos.

Para a D. Lucelena e seus irmãos a vida não foi apenas uma trajetória de afronta do rio, mas, da fome, do abandono, dos vermes, da falta de dignidade para se viver. Após a mudança para a casa localizada no Alto da Colina a luta também não cessa. Continua, o rio agora se transforma no desemprego, na ausência da mãe, nos irmãos que vai ter que alimentar.

“Ah, eu já trabalhei em tanta coisa. Tipo assim o que? Trabalhei de doméstica, já mexi em lavoura. Agora nessa época todo mundo ta pra lavoura.”[17]

Patos de Minas “acolhe” muitos trabalhadores provenientes da zona rural, mas essa mesma cidade os leva de volta como boias-frias, são caminhos dolorosos. Na época de colheita é comum ver ônibus, caminhões transportando os trabalhadores com suas roupas típicas, na mão a marmita. No coração o sonho que a cidade ainda possa realizar, e então a permanência. Restam os filhos e a esperança que terminem os estudos. Como os filhos de D. Carmem, ao perguntar sobre o seu sonho, disse que ao menos os filhos terminassem o ensino médio e arrumassem um emprego bom. Essa cidade acaba iludindo esses sujeitos, camufla, cria esperanças, sonhos. Os sujeitos transportam projetos, expectativas, e assim vão vivendo, se contorcendo no meio urbano. A cada entrevista me sentia triste, pois sabia que poucos irão conseguir realizar seus sonhos, seus projetos. Alguns dos entrevistados eram pais de alunos meus. Ao falarem no sonho dos filhos prosseguirem os estudos, lembrava de seus filhos em sala de aula, já estão no ensino fundamental e mal sabem ler, interpretar, é um mundo desigual.

Os entrevistados, a maioria tinham apenas o primário, daí o sonho que os filhos possam ao menos terminar o ensino médio. E nesse caminhar, a luta em deixar pelo menos a casa própria para os filhos, também isso significa a sua marca nessa cidade, nesse universo de asfalto e tensões.

Esses sujeitos vão ter trajetórias difíceis. A D. Lucelena teve que ir para a lavoura ainda adolescente para cuidar dos irmãos, o trabalho pesado e ao mesmo tempo também demonstra o trabalho da maioria de seus vizinhos, o da lavoura. Não que seja o único, mas, o trabalho predominante que emprega a maioria de meus entrevistados são de empregadas domésticas, boias-frias, pedreiros, donas de casas e tem também aqueles que se encontram desempregados. A D. Lucelena está afastada do trabalho por problemas de saúde, osteoporose tendo apenas vinte e cinco anos, sua vida tem sido difícil, conflituosa.

“Ia nóis três, pra cuida do menino. Não, só com café não, tomate, eles falam pimentão, mas num é pimentão não, é aquês pimenta ardida, dedo de moça, aquelas pimenta vermelha grandona, ês fala que é pimenta de dedo de moça, aqui na gente assim arde tudo, que era o único serviço que a gente sabia faze pra sobreviver era esse de lavoura, porque lá tanto faz, sê trabalha um pouco cê ganha, cê trabalha muito sê ganha.

Aí, então juntava por exemplo, eu a Regina ia panhano a Carla ia incaxetano, aquilo ali, dava no fim do dia era umas duzentas caixa de tomate, então, tinha uma comissão, né. E então, tudo que nos ganhava na semana era de comer, é, aí depois num faiz foi como se diz, num melhoro não feiz foi piorar. Regina descobriu a deficiência do menino dela, aí ela paro de trabalha. Aí eu também já conheci o  Vantuir, ai depois eu também comecei a mexe de doméstica. Aí eu comecei a passar mal no serviço, aí eu trabalhava de carteira assinada, pro Zé Roberto, eu comecei a trabalha pra ele, ai eu passei mal dentro da casa dele, ai ele foi quando me levo pro médico. Não, fiquei encostada  muito tempo, aí o médico pego, me chamo, eu já tinha saído daqui e ido pra Brasília pra continuar o tratamento lá, porque tava secano o braço. Aí, já tinha passano  para o outro, já tava atacano minhas costas, nossa eu num tava, eu já não tava aguentano, aí eu fui pra lá.”[18]

Esses sujeitos vão exercer funções diversas nessa cidade Para a D. Lucelena restou apenas o trabalho na lavoura, era preciso alimentar os irmãos após a morte de sua mãe. Era preciso sobreviver na barriga urbana, fazendo a única coisa em que sabiam fazer, a lavoura, a colheita do tomate, sol a sol a lhes corroer. E neste trabalho era necessária a ajuda dos irmãos..

Além dos problemas vividos no dia-a-dia dos moradores do Alto da Colina, também vão surgindo os preconceitos, as manchas da pobreza e o que esta acarreta. A entrevista realizada com o morador do bairro Nova Floresta, vizinho ao Alto da Colina, delineia bem como vão sendo criados esses estigmas da pobreza na vida desses sujeitos.

O jovem artesão Luis Carlos de Barcelos ao mesmo tempo em que mostra esses preconceitos, também revela um pouco de como eram os anos iniciais da vida dos moradores do bairro Colina.

Para Luis Carlos as moradias das pessoas da beira do “fundão” eram como casinhas de pombo, com fazendas cercando esses sujeitos, era um bairro ainda sendo construído na luta de seus moradores, em suas trajetórias conflituosas. E hoje os problemas não são mais os alagamentos, mas “a droga que roda a meninada”, e o preconceito também. Preconceitos esses que foram sendo construídos em meio às essas trajetórias de inundações, transferências, de morar agora localizados longe do centro da cidade.

“O bairro que eu  lembro de ter começado assim, foi o colina, na época era difícil porque era o povo  lá do fundão, da beira do rio, a maioria das pessoas que mudo  pro colina era lá, por causa das enchentes, aí começo a construir as casinhas de pombo ali no colina(…)

O Jardim Aquaruús já existia, na época que ês féis o colina, mas era uma coisa pequenininha, só tinha tipo um quadrado, ai, do Jardim Aquarius começo a surgir o colina, ai era só  fazenda. Lugar das aventuras. Levar carrero. Tinha um lugar chamado catinguento, sabe, era uma fazenda que tinha lá, cheio de pé de coqueiro, pé de manga, e represa, hoje em dia acabo com tudo. Mas, o povo ia lá e os fazendero num dexava não, sabe. Era chumbo que só nas costas. Também nessa época gostava muito de brinca no mato. Sair no meio do mato. E polícia ladrão. Na época também o bom de tudo é que era muita gente sabe, tipo vinte menino, você olhava pra todo lado tinha gente brincando.”[19]

Quando começam as transferências de sujeitos das áreas de risco ou de outros pontos da cidade, os estigmas da pobreza não ficam para trás, mas acompanham a vida dessas pessoas em suas trajetórias. O beco da Antena que antes era considerado um local precário, de diversos problemas já não se torna tão comentado. O bairro Alto da Colina já, desde o seu inicio, começa a concentrar os olhares da população patense. Para compreender melhor esses olhares foi necessário buscar outras falas, ouvir outros moradores dos bairros vizinhos.

Desde o surgimento do bairro Alto da Colina os sujeitos trazem em si as marcas da pobreza, sempre as mesmas referências “o povo lá do de baixo”, como se referiu a D. Lucelena e depois Luis Carlos, o “povo lá do fundão”, e tantos outros. Como se fosse aquilo que se tem de pior, que está lá embaixo, no nada, diante do descaso, que não “compartilham” com a cidade os favos do progresso, mas, como se fossem os empecilhos, algo que precisa ser combatido, e então, o desdém, o desvio de olhares, de verbas, de minguados recursos. Daí a falta de cursos oferecidos no Caic, sem outras instituições a lhes servir, apenas descasos.

Na entrevista realizada com o morador do Nova Floresta o Sr. Mozart Marquês Gontijo, representante comercial que se mudou para o bairro no final da década de 80, é possível perceber que ele delineia bem essa visão de preconceito em relação aos moradores do bairro Colina.

“Olha essas pessoas são muito inferiores em cultura, cê… entendeu, são pessoas que eram…. de nível , muito, muitos vieram lá de baixo do rio. Tem pessoal que moro, a maioria foram, foi mais… Hoje melhorou, agora, mais….A maioria foi vendeno o direito, desfazeno, ai vieram outras pessoas ai foi melhorano, melhorano”[20]

As manchas não se apagam. Ao contrário, vão surgindo novas, acrescentando novos olhares, ficaram as marcas da beira do rio, do fundão, qualquer violência cometida no bairro leva as pessoas a puxarem um passado de inundações. Esses olhares não se apagam. Novas manchas vão surgindo, novos preconceitos, novos dilemas.

O passado, as trajetórias de inundações refletem no presente. Ser morador do bairro Alto da Colina é puxar um passado de dificuldades, de alagamentos, de sobrevivências. Mas, as dificuldades do passado vão se misturando, mesclando com problemas do presente. Agora os problemas são a falta de emprego, da violência, de novos dilemas, na busca de novas expectativas que vão surgindo dia após dia.

Os problemas enfrentados por esses moradores são muitos, a maioria veio de trajetórias conflituosas, com sonhos  ainda não conquistados como a Sra. Eva, de querer que, pelo menos a filha mais nova termine os estudos já que os mais velhos não prosseguiram.

A trajetória da D. Eva vai ser diferente dos demais moradores. Ela vai mudar para o Alto da Colina depois de alguns anos após os primeiros moradores construírem suas casas em regime de mutirão. Proveniente do meio rural, município próximo a Patos de Minas, a D. Eva sempre quis ter se mudado para Patos de Minas na busca de trabalho, de uma vida mais digna. Trabalhava no campo sem salário, apenas recebia alimento e a casa para se abrigar, mas, o medo de vir para cidade e os filhos passarem fome foi o motivo da demora da mudança. A cidade apresentava para a D. Eva muito mais que tráfego, comércio, hospitais, significava o  lugar onde conseguiria realizar os seus anseios, com o seu trabalho ela achava que conseguiria obter êxito na vida urbana.

Pensando nestas possibilidades, a D. Eva mudou-se na década de 80, foi exercendo o trabalho que já praticava no meio rural que conseguiu sobreviver na barriga urbana, mudando sempre de um bairro para outro, foi se espremendo, esticando. Quando saíram as inscrições na prefeitura para a população carente de Patos de Minas obter um lote localizado no bairro Alto da Colina, a D. Eva fez sua inscrição.  De início, não conseguiu. Mas, depois nas dificuldades do dia-a-dia ficou sem moradia, insistiu muito na prefeitura até ganhar um lote, onde o dono anterior havia desistido, só assim conseguiu a sua casa própria e com a ajuda dos amigos construiu a casa através de mutirão.

“É tudo de lá mesmo. Não eu ia lá era no tempo da mãe, muito nada, lá de vez em quando. Não arrependi assim porque que quando eu casei, quando num tinha menino era nova né eu num vi já de uma vez. Ajudava uai, ajudava na roça, ajudava ela lavava ropa e num recebia não minha filha. Num deu nada, nem uma casa. Trabalhei dez ano. E ela falo né que eu num podia muda pra cá não porque eu tinha minino eu ia passa fome. Ela não sê vai vê. Pensei, ah. Num arrependo não(…)

Morei ah,… eu casei com 17 ano, eu morei lá mais de dez ano, casei e morei lá uns dez ano depois que eu mudei pra ca. Não Sá, era na roça  só tinha o João a Rosa e a Simone, já tinha . Eu morei lá no Sebastião Amorim, uai lembro ichá, no Jardim Recanto, morei na Vila, depois da vila eu passei pra cá A  vila Padre Alaor.(…)

Ah, na luta mesmo, ia lá na prefeitura pedia, pedia e ês num arrumava nada, ai eu mesmo fui arrumano. O lote foi pruque eu fiz a inscrição né. Foi, foi ganhado. Fiz, depois saiu, depois ês me chamaram, depois eu cheguei lá ês tinha dado pra  outra mulher e eu fiquei sem. Ai que ês resolveram a me dar também. Essa casa a qui já tava na base já sabe(…)

Não quando eu mudei pra cá o bairro já tinha muita gente, já tinha casa mais eu num consiguia não, sabe, eu custei a consegui casa aqui, depois paro de faze. A minha foi a derradera a sair. Esse povo que mora aqui tem mais ano do que eu.(…)

Não Sá, a minha foi que eu tava bem dize já mesmo na rua, sabe. Ai o joazinho feiz multirão e feiz a casa. Não, era pititinho só uma sala um quarto e um banheiro e cozinha(…)”[21]

A cidade de alguma forma atrai, encanta, ilude pessoas como a D. Eva, esses sujeitos têm expectativas. Ao buscarem novos lugares, novos palcos, terão que se desdobrarem na luta por sobrevivência, num mundo de letrados, seja em meio a inundações, desempregos, desqualificações, cantos sem ritmos, sem alimento ou assistência. Assim, esses indivíduos lutam. Uma luta desumana atrás de moradia, de roupas para lavarem, trafegam pela cidade, conhecem-na mais que os homens letrados. A D. Eva desafiou o medo da fome, dos filhos passarem necessidades, da cidade não lhe abrigar. Depois a luta por conquistar a casa própria, sempre tentando, persistindo, indo na prefeitura, pedindo, mesmo diante das dificuldades não desistiu, continuou. Essas pessoas frequentam bares, hospitais, filas, inscrições, sorteios de cestas básicas, uma cultura se prolifera, ramifica, absorvem novos hábitos, criam novos valores, vozes ecoam pelos semáforos, nos classificados, nas igrejas evangélicas, entre matos, lotes que habitam entulhos, humanos sobrevivem.

A D. Eva percorreu todos os poros dessa cidade fazendo faxina, lavando roupas de suas freguesas, lutando por uma casa própria, a vida foi dura, pesada. Ao perguntar como conseguiu a casa própria, a resposta simples e rápida “na luta mesmo”. Restam para esses indivíduos somente lutas? Lutar. Lutar sempre. Ter como recompensa somente a casa própria que nem sempre todos conseguem, apenas uma minoria. Ficam as frustrações dos filhos perdidos, sem vagas nos cursos do Promam (Programa Municipal de Apoio ao Menor). Sem empregos para todo mundo, restam os “bicos”. E nesses percursos tantos outros sujeitos vivendo realidades idênticas a da D. Eva.

Já para a vida da D. Antonieta, ter mudado para Patos de Minas de início foi um erro, pois ela arrependeu muito, disse que até chorou. Com oito filhos para cuidar, no início não foi fácil. Hoje luta para obter a escritura de sua casa. Ganhou o lote no final da década de 80, conseguiu o material da prefeitura e construiu sua casa. Aqui o “ganhar” o lote é obter o financiamento da prefeitura. Pagando pequenas parcelas por mês. Muitos moradores do bairro Colina tiveram suas casas dessa forma, obtendo o lote da prefeitura através de inscrições, havia a seleção dos inscritos e assim parcelava-se o valor do lote. Muito dos entrevistados sempre citavam um amigo ou vizinho que venderam o direito ou perderam suas casas por não terem conseguido continuar pagando as prestações.

D. Antonieta vive com uma filha Brenda de 14 anos e uma neta que ela cuida desde pequena, Ana Claudia, com 15 anos. Os outros filhos se encontram espalhados. Trabalhou de empregada doméstica, hoje trabalha como enfermeira particular, cuida de um senhor idoso Dessa forma consegue manter sua filha e neta. Mora no Alto da Colina, numa casa simples como são as casas de todos os moradores desse local, tem um rosto alegre apesar das rugas que o tempo imprimiu em seu semblante.

Esses sujeitos vão enfrentar trajetórias difíceis, vivendo realidades duras, de concreto, desviando da fome, lutando nesses descaminhos da vida até conseguirem o que para eles, seria ao menos o direito a casa própria.

“Morei em Brasília dezoito anos, primero eu fui pra Goiás depois Porangatu, depois Brasilia, morei dezoito ano lá,  aqui já vai faze dezessete. Ai eu casei ai cabo, aqui eu incerei(…)

Não, eu fui a primeira a morar aqui. Eu vi primeiro antes mesmo de rebocá, então eu vim primeiro. Foi da prefeitura que eu ganhei, nóis pagamo deis ano. Eu num consegui que falta mais ou menos 1000 reais pra pegar a escritura da casa agora. Eu falei pra ês eu paguei dez ano ainda vô te que paga pra pegar esses papel, mais num vô mexe com isso é nunca. Esses deis ano que eu paguei as prestação dessa casa, que foi deis ano né, depois que nóis pagamo deis ano agora pra pega a escritura a gente tem que paga ainda.

Então primero so pra pega os papéis, mexer com o papel eu tenho que leva lá 83 reais, ai pra mim assina eu vô te qui da 380. Ai depois pra mim entrega os papel prontim eu num sei nem quanto eu vô pagar(…)

Eu tive vontade, eu arrependi muito, até chorar eu chorei, porque eu vim pra qui meu Deus. O que eu vô fazê aqui com esse tanto de menino agora (risos). Mas, até quim fim Deus ajudo que cresceu(…)

Teve que paga, teve. Nóis pegamo o lote, ês da os lote e da os material é … pra gente construir. Eu mesmo que furei as valeta eu mais uma menina minha que ta morano em Brasília. Esses dia eu até tava falano nisso quando eu pega essas escritura acho que vô pega e coloca no nome dela, porque ela me ajudo a faze a casa, ela me ajudo a faze tudo mesmo. Porque como diz a Zilda tem a casa dela as filha minha tudo casada  tem as casa dela(…)[22]

Ao pegarem as escrituras, talvez muitos de seus moradores deixarão o bairro.Podem ter conquistado a tão sonhada casa própria, mas, não significa que alcançaram o lugar esperado no corpo desta cidade. Alguns podem permanecer morando no bairro, outros podem procurar novos lugares ou talvez outras cidades como demonstrou a D. Lucelena. As expectativas não cessam, novos anseios emergem na vida dessas pessoas, pois vivem relações dinâmicas. Nada se encontra dado ou acabado nos percursos da vida desses sujeitos.

Mas, no passado a vida foi uma trajetória de lágrimas, cimentos, valetas, filhos, muros imensos levantados no seu dia-a-dia. As lágrimas que rolaram ao ter que conviver com uma cidade que não te queria, na casa os tijolos sobrepostos com seu trabalho na ajuda dos filhos, dos amigos. E no presente a luta para adquirir a escritura de sua casa. Esses sujeitos vivem caminhos difíceis, dilemas difíceis, nesses espaços urbanos vão concretizando suas marcas, seus rastros em meio a dores, medos, choros de crianças, desafetos contínuos  entre muros, vidas duras, sufocadas no desrespeito das autoridades.

Alguns moradores do Alto da Colina ainda hoje lutam pela moradia, mas, agora é pela escritura da casa. Vários dos moradores financiaram suas casas em prestações para serem quitadas de dez a quinze anos. Alguns agora têm que pagar pela escritura. Esse é o caso de D. Antonieta que acha revoltante ter pagado tanto tempo e ainda deve uma quantia que ela considera alta para ter aquilo que, de direito, já lhe pertence.

“… eu paguei dez ano e ainda vô ter que pagar pra pega esses papel”

No mesmo caso também se encontra a D. Lucelna:

“Tinha, tinha água, luz, mas, nós só pagava as prestação da casa na época, né. Nóis pagava prestação pequenininha, que até hoje paga. Num foi bem de graça não, porque até hoje a gente paga. Igual pra eu  e a Regina pegar a escritura daqui, que essa casa não é nossa, né, é a casa do lado de lá na Jatobá. Pra gente conseguir a escritura eu mais a Regina, pra nos pega a escritura da casa de lá nóis tem que paga quinhentos reais. É quita os resto da prestação que quando a minha mãe tava viva ela pago, depois que ela morreu de 94 pra cá ai , ela morreu em 94, fica em 600 reais, aí ela falo não eu vou da 100 pra vocês, ai  ficava por 500,  depois ele ligo na prefeitura e ele falo não eu dô mais 100, mais 100 pra elas, aí agora pra nos sobro 400 reais. E ele, nos tem que paga agora, ai a casa é nossa se não ela não é nossa.

Depois  diz ele, ai sim a casa é nossa, depois disso pago é que ele faz uma procuração e passa a casa pra nós, que agora ela ta no nome da minha mãe, mas tem que colocar no nosso nome que minha mãe faleceu, e aí nois tem que pagar.”[23]

Sujeitos como a D. Lucelana e  D.Antonieta ter a escritura de suas casas representa um valor simbólico muito grande. Significa a conquista do seu espaço nessa cidade que as desafiam a cada dia, são as suas marcas. O que consideram um pedacinho conquistado através de suas lutas e aquilo que poderiam ao menos deixar para seus filhos

Nesta mesma trajetória de dificuldades de luta, encontra-se a D. Elza Basílio. Sua vida teve muitos percalços, vários caminhos, do trabalho ainda criança, na falta da mãe e do pai. Tendo sido criada pelos avós, na adolescência já começa o vício, alcoólatra, hoje se encontra afastada da bebida. Morou nos bairros vizinhos ao Alto da Colina e também neste. Hoje mora no bairro vizinho ao Alto da Colina, o Jardim Esperança. Atualmente trabalha em serviços gerais no Colégio Padre Almir, localizado no bairro Colina. Terminou a 8ª serie do ensino fundamental no ano de 2002.

“Nasci em Belo Horizonte. Ah, morei lá quatro ano, morava ia e voltava. Não minha mãe me abandono muito anos eu tinha quatro anos. Que eu saiba não, aqui em Patos ela não ta. Não, conheço meus irmãos tudo pó lado de meus pais eu conheço, mais ela tem mais duas filhas eu  não conheço.

( Eu queria que a Sra. contasse a sua história até chegar aqui. Que a sua vida não começa aqui no bairro, sua vida começa antes. O que você já trabalhou, sua vida na escola, se já começou a trabalhar desde pequena ou não, se apenas morou em um lugar ou outros e quais.)

Olha, eu comecei a minha vida mesmo que eu lembro foi em Belo Horizonte pra cá pra Patos eu vim com quatro anos, ai eu morava com meus avós lá no bairro do Rosário, no Senhora das Graças vivi até lá, até uns 22 anos. É, com meus avós, assim, eu tinha uns dez ano de doméstica e fora isso eu com quase seis ano eu vindia verdura nas rua. Um dia vendia nas ruas isso até os dez ano.

Mas, isso eu trabalhava mais tinha infância, minha horas vagas era brincar, sabe. Eu fui muito… a minha infância foi muito boa, assim, era muito difícil, rígida, mas ela ensino tudo de bom, tudo de bom. Se nos éramos hoje num é culpa dela não, sabe, ela ensino a gente a ser honesta, trabalhadora… aprender a fazer as coisas.”[24]

A D. Elza enfrentou na vida o abandono dos pais, o trabalho já na infância, os martírios da bebida, a tentativa de conciliar o estudo e o trabalho. Foram fracassos e vitórias, cada dia novas lutas. Percorreu vários locais antes de conseguir seu espaço nessa cidade. Trabalhou na infância vendendo verduras, nas ruas, depois de doméstica, de serviços gerais nos colégios públicos, um ano trabalhou na indústria Cica, depois conseguiu voltar a trabalhar no colégio do bairro Alto da Colina. A luta pela casa própria foi uma trajetória árdua até conseguir realizar seu sonho, nesse período ainda vivia nos vícios da bebida, morando num cômodo localizado no bairro Alto da Colina, com os filhos pequenos. Foram tropeços e vitórias numa vida de trajetos tensos.

Nas entrevistas a D. Elza sempre me falava com grande desenvoltura sobre a época do alcoolismo, quando se internou numa clinica para se recuperar, como era o dia-a-dia no tratamento de sua doença. Porém sempre que eu tentava saber da época que seu pai lhe buscou de volta para Belo Horizonte, havia um certo corte, acabava voltando a falar da vida em Patos de Minas. (Infelizmente nem sempre ouvimos o bom senso e respeitamos os entrevistados, algo lamentável). Por  insistência, a D. Elza contou que, quando voltou para Belo Horizonte estava grávida de seu primeiro filho. O seu pai acolheu depois que seus avós a rejeitaram, mas para ela foi a época mais difícil devido ao pouco acolhimento de sua madrasta, acabou tendo que trabalhar de doméstica, sem dinheiro para comprar roupas, sem autoestima ou dignidade. Nesse caminhar vai morar em Brasília.

“Ah, lá do bairro, né eu fui trabalha lá no bairro caiçaras de doméstica. Lá eu ia da escola, da escola eu voltava pro serviço de novo, depois que ia pra casa. Depois eu adoeci… deixa eu vê, depois meu pai veio e me levo pra BH(…)

Depois eu comecei aqui eu trabalhava eu sei que a fase de criança eu fui muito criança, eu trabalhava mais eu era criança, eu trabalhava mais eu era criança demais. Eu vendia os trem pros outros eu falava quem quer compra um saco de couve, cebolinha e chero verde, eu num sabia que chero verde era  a mesma coisa que cebolinha e salsinha. Então, foi uma infância sofrida, a falta da minha mãe também eu falava assim eu chamava minha tia Elda que hora que a minha mãe vem, amanhã. O amanhã eu to esperando até hoje, ai com o tempo eu me acostumei.”[25]

Foram vários trajetos percorridos durante a vida da D.Elza. Tantos caminhos trabalhados e o peso da ausência da mãe. E como consolo a esperança que o amanhã trouxesse a mãe distante.Logo depois na adolescência, começa um novo trajeto. O  alcoolismo e a luta para sair do vicio.

A cidade trava lutas constantes com esses sujeitos. O medo do amanhã, do acordar sem emprego, que a filha passe pelas mesmas dificuldades, as mesmas lutas, tudo isso faz com que a Sra. Elza caminhe, continue, volte a estudar, a pensar neste amanhã. No passado o sono devido ao excesso de trabalho fez com que abandonasse os estudos, a dureza da avó não deixando que parasse de trabalhar, e neste caminho a falta da mãe, “… o amanhã eu to esperando até hoje”. A vida para esses sujeitos tem sido uma espera, sempre o amanhã que venha  trazer melhores momentos, caminhos mais fáceis, menos dolorosos.

“É a fase de criança para adolescente eu fui muito, mais depois da adolescência pra cá até hoje…

(E você começou a beber você tinha quantos anos?)

Ah, eu tinha uns quinze anos, comecei bem…fiquei bebendo até os vinte e nove ano, eu parei eu parei com vinte e nove. Eu fiquei catorze  ano mais isso ai o que eu num podia tipo assim parece que eu abafava tudo era na bebida ai eu ficava mais triste.  Hoje, hoje eu sô alegre, mas, há  uns seis anos atrás eu era…. eu podia te casado, mas eu falava sempre que num queria casar. Eu falava que eu num queria casar pro meu marido num me bater. Parece que alguma coisa fico na  minha cabeça. Eu pensava assim que todos os homens batia nas mulheres, sabe. Mas isso ai num foi meu defeito maior não, o meu defeito maior foi a falta de aceitação.

Eu falo hoje, eu digo que o meu defeito maior foi a minha fraqueza, sabe, e eu culpava todo mundo. Todo mundo era culpado por eu beber. Mas, o dia que eu descobri que sô responsável por minha felicidade. Ah, eu to infeliz porque o arroz acabo ah, não, vamo da um jeito de trabalha e comprar o arroz, trabalhar, caçar um meio. Depois que eu descobri que não tem ninguém responsável, não existe ninguém responsável pela minha felicidade. E a felicidade é interior num ta no externo(…)

Eu digo assim, quando num tinha uma televisão, geladeira, num tinha nada aqui dentro de casa eu era mais feliz ainda, sabe, porque eu ouvia rádio eu cantava mais que hoje.”[26]

Foram tantas as dificuldades na vida da D. Elza, hoje ela os considera superados. Era o refúgio na bebida, o medo de continuar o sofrimento no casamento, a falta do arroz, dos móveis necessários. A luta cotidianamente, sem tréguas nesses espaços urbanos que escondem, dificultam, porém, emergem sujeitos que se vêem margeados nos desconsolos, na falta de emprego, de moradia tendo como filhos batalhas sem minutos de descanso, sem ombros a lhes confortar, sem comida ou respeito. Esses sujeitos caminham todos os dias, percorrem pelas avenidas, procuram imprimir suas marcas e definir os seu espaço nessa luta urbana.

“Depois que eu comecei a trabalhar eu já tava de maior ai eu estudava, né. Trabaiava o dia inteiro e estudava a noite ai um dia eu cansei de estuda e trabaia, sabe. Tinha veiz que eu saia do serviço cinco e meia pra chega na escola Normal, que eu estudava na escola Normal ai a aula lá na época começava cinco pra seis.

Ai menina eu comecei a baquia, ai lá na escola normal não podia toma duas bomba e eu já tinha tomado duas bomba. Ai eu trabalhava de doméstica comecei a paga um colégio particular era o Kennedy, onde era o Leonardo da Vinci hoje, sabe ai eu tava cansada dimais da conta ai eu perguntei o meu avô se eu podia parar de estudar e parar de trabaiá que eu queria um tempo e ele falo que quem num trabaia num come. (…)

Tinha veiz que eu começava, … eu entrava pra dentro da sala ai os dois primeiro horário eu agüentava ia beleza mais depois eu baxava e dormia o tempo todo, ai parei. Ai fico, isso foi em 83 fiquei e voltei o ano passado fiquei vinte ano parada. Agora isso ai eu acho assim que tudo tem a sua época, tem muita gente que não sabe lutar eu converso muito com minha menina eu falo oh, se você não lutar pra progredir na vida tem muita gente ao invés de progredir tem é regressão e depois você apanha

Ai eu falo quem não quer lutar eu posso ser melhor do que o outro mas se não luta.”[27]

Devido ao excesso de trabalho, D. Elza não conseguiu continuar os estudos. Foram vários os dilemas enfrentados por ela com sobressaltos, falhas, comprometimentos, desfalecimentos nesse trajeto da vida urbana.

As marcas são visíveis, a preocupação com a filha para que essa não cesse sua luta, que continue, progrida, caminhe.

“Eu comecei a trabalha lá no bairro caiçaras, nessa virada, nesses dois anos eu arrumei minha menina mais velha, mas no inicio tava me dano muito problema, problema assim eu fico em pé o dia inteiro e eu inchava demais, sabe. Eu inchava muito e fui pra casa da minha avó pra ela deixa eu mora lá. Antes eu morava na casa da minha patroa.

Trabalhava e morava lá, sabe, ai eu pedi minha avó  pra dexá eu fica lá. Ai foi aonde ela não dexo eu morar sabe. E eu então eu vô pra Belo Horizonte, né, isso eu tava com vinte e três ano.

Ai eu fiquei na casa de meu pai até ganha a menina, mas, quando eu ganhei a menina, mas, lá eu servi como empregada doméstica para deixar eu morar lá. Aqui quando a menina nasceu ela mando eu segui meu caminho. Depois meu tio me chamo ligo pra lá falando que meu outro tio que mora em Brasília tava precisando de gente pra trabaia na imobiliária com ele, ai eu fui era olhar os filhos dele, era três crianças e lá eu penei, eu num tinha ropa eu num tinha calçado eu num tinha nada só menino pra cuida. Ai um dia eu  entreguei e falei não eu não, eu vô cuida  da minha vida, vou voltar pra Patos a minha avó não queria mais, eu vô arrumar um serviço a minha menina na creche e moro nesse serviço até ela pegar certa idade e na creche eu pego só pra dormi. Ai eu vim praminha tinha no Nova Floresta,  morei lá dois ano depois eu vim pro Morada do Sol ai a minha tia quando tava fazeno um ano ela me tiro de lá ai eu fiquei sem casa, sem lugar pra bota as minha coisa e minha filha tava com dois ano.(…)

Eu morei do colina pra cá eu lembro todinho quando eu mudei pra lá (Morada do Sol) ês tava fazeno aquelas casa. Ai eu morei também no colina, depois do Morada do Sol, depois eu voltei pra minha tia no Nova Floresta, depois eu fui morar de aluguel, né .

(Morou aonde de aluguel?)

Lá mesmo no Nova Floresta, morei lá um ano,ai es venderam  casa, lá foi em 93, depois de lá eu voltei pro meu vô depois ês não me quis mais e foi onde eu fiquei sem lugar pra fica, sabe, eu ficava andano eu amanheci na pracinha porque num tinha lugar pra fica, sabe, eu fiquei sem lugar pra fica, sabe, eu ficava andano eu amanheci na pracinha porque num tinha lugar pra eu ir, sabe. Depois eu fui pro colina fiquei seis meses isso foi em 94, depois saiu as inscrições eu tinha feito, ai eu comecei a ir, eu um tava aguentano aonde eu morava,(Colina) o pedacinho onde eu morava era de terra, igual aqui nesse terrero de casa, era cheiro de gotera, goterava tudo dentro de casa a cama na terra, o lençol… tudo cheio de gotera, fedia, fedia cocô lá dentro que tinha uma casa lá, o esgoto passava por dentro. Ai morei lá seis méis que num tinha outro lugar pra morar.

Quando eu trabalhava no Padre Almir (colégio localizado no bairro Colina), que eu comecei a ir no Jarbas Cambraia, todo dia eu ia lá, ai a Marlene Caixeta que era diretora no Padre Almir, que eu comecei lá em 93, ai eu comecei a ir no Jarbas Cambraia, todo dia eu ia lá, ai a Marlene Caixeta que era diretora no Padre Almir a gente ia e  descia com ela e a secretaria falava que ele não tava lá e eu aguardava.

Ai um dia eu botei ele dentro do carro, eu falei não, vamo lá pro ce vê onde eu moro, ce vê, ai eu falei não vamo lá em cima pra você vê onde eu moro, eu pedi ele me da o lote que eu não tenho onde morar, e ele é mais eu não tenho condição de consegui não num sei o que . E eu se você me der o lote eu tenho como  construir, é amanhã ocê vem aqui. Quando foi no último dia que eu fui lá eu fiz ele pegar o carro e falei vamo pega a sua secretária e vamo lá vê onde eu moro. E ele foi, a hora que eles entraram eles viram o lençol branquinho, o alumínio arreadinho e eles foram olhando os trem, e o mal chero da caxa aquele mal chero, eu falei aqui que eu moro, ta veno, é aqui que eu dô conta conta de pagar. Aqui eu dô conta mas até quando, ele falo, não você pode arruma um outro lugar que amanhã vai sair um lote e vai sair pra você.”[28]

Nem sempre esses sujeitos são consolados nas durezas da vida. No caso da D. Elza sua tia mandou “seguir caminho”. Resta andar, mesmo sem destino, sem apoio, continuar .Esses sujeitos enfrentam vários trajetos quase sempre amargos. De idas e vindas, sem garantias, sem cidadania, sem autoestima. Apenas afazeres no meio urbano, o medo do desemprego, de um teto que lhes cubram o sol, de alimentos que lhes suprimam a vida. Misérias, dores.

A lembranças ainda estão muito vivas, amargas, o cheiro de esgoto, as goteiras, a miséria. O presente fica a luta. Indignações resignadas em esperança. Olhar para trás e rever as pedras. Mesmo vivendo sobre goteiras, misérias a D. Elza continuou andando se agarrando em brechas, não aceitou a praça como lar, a cama estendida no chão, ela mostrou que conseguiu superar.

Foi tempos de insistência até D. Elza conseguir um lugar, uma casa, um espaço nessa cidade. Tentou continuar a vida em Belo Horizonte, em Brasília, no “buxo” da mendicância, das humilhações, desse esfacelamento humano. Trilhou lutas, conseguindo deixar suas marcas no que ela considera hoje uma vitória, sua casa localizada no Jardim Esperança, no trabalho digno, atualmente longe da bebida. Esses sujeitos vão reconstruindo suas vidas apesar de terem começado sua luta desde a gestação, porém, ainda continuam no dia-a-dia, no trajeto para suas casas, no medo do desemprego, na afronta dos vizinhos, do lixo fétido no lote baldio, no preço da passagem do coletivo, no salário minguado indivíduos esperneiam, sobrevivem, se arrastam pelas veias urbanas.

Nos descaminhos conseguem vitórias entre dilemas, dores, desafetos, sobrevivem. A D. Elza antes de conseguir construir sua casa teve que buscar vários abrigos, em casa de tias, dormindo em praças. Pagando aluguel em uma casa onde estava cheia de goteiras e com o cheiro do esgoto presente, sobreviveu, lutou, caminhou. Esses sujeitos tem trajetórias desumanas, onde as autoridades poderiam amenizar o que já deveria ser garantido que é o mínimo de cidadania, dificultam, tampam se os olhos, dão  as costas para a miséria e esses sujeitos se veem dispersos tendo nos passos a luta contínua.

A D. Elza teve que enfrentar o álcool, a falta de uma residência, o desemprego, a desqualificação  ao mercado de trabalho e a busca da recuperação longe do vício. Foram dificuldades imensas travadas no dia-a-dia, tentando sair do vício, buscando um trabalho e tendo que cuidar de dois filhos, mas, hoje se considera vitoriosa.

Nessas trajetórias de dificuldades, a vida da D. Divina também foi cheia de lutas. Veio para Patos de Minas, ainda jovem para estudar, proveniente da zona rural. Morou em vários lugares da cidade até alcançar a casa própria. Um dos locais que D. Divina morou foi no Beco da Antena, palco também das inundações, localizado entre o bairro Nossa Senhora da Aparecida e Vila Operária. Ainda hoje é uma das áreas mais carente da cidade. Residiu por pouco tempo no beco devido aos problemas existentes e depois de percorrer vários lugares é que a D. Divina vai conseguir um espaço nessa cidade.

“Morei no Abner Afonso, no Nossa Senhora da Abadia, na rua da mata, lá na avenida Brasil (bairro Brasil), morei lá na Antena, na época que eu morei ali… já tinha ganhado o Jonathan, nessa casa só me servia sair de lá, fiquei poco  tempo lá.

Ah, aquele bairro tinha muita briga, eu morei lá com medo… mas, antigamente era pior, mas, na época que eu fiquei lá já tinha melhorado bastante. Mas, agora diz que volto tudo. Morei ao lado daquela igreja lá.”[29]

A Vila Operária e o  Beco da Antena eram  considerados uns dos locais mais problemáticos da cidade, todos os preconceitos em relação a pobreza e seus males eram focalizados nos seus moradores. A partir do momento que as inundações se tornaram insustentáveis para a vida desses sujeitos, então, começam as transferências. Mas, o novo local de moradia não apaga os estigmas que circulam a vida desses sujeitos. Muitas entrevistas que foram realizadas com moradores vizinhos do bairro Colina mostraram claramente essas marcas  na vida desses sujeitos. Os entrevistados se referiam como o pessoal do “fundão”,  da “beira do rio”, da Vila Operária, em referência aos moradores do Colina,. Homogeneízam-se indivíduos que são heterogêneos e que têm trajetórias diferentes, apesar de alguns terem semelhanças. E nesta trajetória, para a D. Divina ter morado no beco da Antena foi algo insustentável, nessa “… casa só me servia sair de lá, fiquei poco tempo lá,…”. Foram muitos os problemas, as brigas que aconteciam no bairro, o medo de viver com o perigo sempre ao lado. Depois nas dificuldades de viver na cidade volta para a casa da mãe permanecendo por sete meses. Nesse trajeto ela volta para a cidade, novas lutas, expectativas, sonhos.

“Eu fiquei em Major Porto sete meses na casa da minha mãe. Depois eu vim pra cá e mudei ai pra Nossa Senhora da Abadia, da casa da Nossa Senhora  da Abadia fui pro Abner Afonso, do Abner Afonso eu vim pra cá.”[30]

A vida da D. Divina vai ser um trajeto de idas e vindas. Apesar de não morar no bairro Alto da Colina, ela também presencia os problemas de seus vizinhos, nas amizades dos filhos, nas amigas de conversa do portão de sua casa. Esses sujeitos não vivem isolados, eles circulam, trafegam pelas ruas, pelos salões, botequins, pelas igrejas, nas associações de bairro.

“Eu achei difícil que aqui num tinha asfalto, era só terra e enxurrada,  era muita trabalhera, achei triste o lugar. Mas, agora graças a Deus, melhoro bastante”.[31]

O local era triste, não respondia às expectativas de D. Divina, muito pelo contrário, mas, o sonho da casa própria era maior que a falta de asfalto ou energia. A insistência em permanecer num local difícil de se viver, significava ter o seu espaço nessa cidade, algo tão almejado durante sua vida.

A D. Divina já saiu pequena da casa de seus pais com o sonho de prolongar os estudos.

“Eu vim pra faze o segundo grau, o magistério, é..

 (Você sentiu muita saudade de seus pais, de sua casa?)

Senti. Eu fiquei na casa de uma parente de minha mãe, morei lá na casa dela, sai de lá pra casar, fiquei la sete anos. Não, só cuidava da casa dela, a olhar os menino, cuidava da casa, fazia tudo. Ai logo eu casei, né.

(…) Achei ruim que eu larguei meus pais, né, eu nunca tinha separado deles, mas eu gostei. Gostava do lugar que eu morava fiz tudo. Eu pensava que ia formar e ia por lá, né,  da uma aula, é… quando eu tinha a oitava série eu dei aula lá na Capelinha do Chumbo de primeira a quarta série, ai eu num trabalhei mais, ai num adianto, né.”[32]

O sonho de D. Divina era muito mais que a casa própria, era o seu espaço no mercado de trabalho, nessa cidade. Hoje, toma conta da casa, cuida dos estudos dos filhos, os sonhos foram ficando para trás como a própria trajetória. O sonho maior, que era o trabalho e a continuações dos estudos, foram transferidos para os filhos. Mas, a medida que narrava a sua vida, sua trajetória. Também faz ao mesmo tempo uma retrospectiva de sua vida. Como se fosse um saldo do vivido, do permitido. D. Divina lembrou que gostou de vindo para a cidade mesmo tendo separado de seus pais. Achava que ia se formar, fez planos, apesar de não tê-los  concretizado, mas outros foram realizados. Novas expectativas vão surgindo, mesclando nesses dilemas, entre prestações, brigas no bairro, desafetos do marido, nos braços as marcas da violência, da queimadura como lembrança da briga com o esposo. E na memória a recordação de quando foi professora mesmo que por pouco tempo.

A cidade suplanta expectativas para esses sujeitos, mas, também cria novos projetos, novos desejos, como também desencanta, se torna amarga e de fardo pesado.

Assim, sujeitos vão vivendo sobre novos dilemas, sonhos, preconceitos, nas ruas, culturas começam a ser compartilhadas, transformadas.

Entre britas, matos, semáforos, instituições filantrópicas, pau-de-arara, marmitas, humanos trafegam, lutam pelo seu espaço, reivindicam seus muros. Memórias amalgamadas de dores, desafetos, brigas, álcool, desemprego, são construídos no universo urbano.

Capítulo II

Desafios e lutas no pertencimento a cidade: marcas, rastros impressos nos espaços urbanos.

Os sujeitos que começaram a mudar para o bairro Alto da Colina tiveram muitas dificuldades de se adaptarem. De início, eram apenas algumas ruas com poucos moradores, sem asfalto, coletivo, distantes do centro da cidade. Começa na vida desses sujeitos, uma nova etapa, uma nova luta. A construção de pertencimento a cidade e os diversos problemas enfrentados no dia-a-dia.

No capítulo anterior trabalhei a trajetória desses indivíduos, a busca de suprimir expectativas nesse dilema urbano. Porém, os dilemas vão sendo mesclados junto a realizações e frustrações.

A busca de um espaço na cidade é muito mais que o sonho da casa própria. É ter escolas para os filhos  estudarem, asfalto para pisar, um transporte publico, veias saudáveis que se possam trafegar por essa cidade que lhes afronta sempre.

A trajetória desses indivíduos foi um caminho árduo, cheio de lutas, frustrações. Entre cimentos, tijolos, a luta pelo seu espaço, por um lar digno pelo direito ao emprego, lazer, conhecer vizinhos, caminhar nesse universo. Foram várias formas de pressão para conseguirem a casa própria. A D. Lucelena “obrigou” o responsável na doação de terrenos lhe dar o seu pedaço nesse meio urbano. A D. Eva “na luta mesmo” insistindo, persistindo e, nesses dilemas, tantos outros sujeitos. Agora, depois de construído os seus alicerces na vida urbana começam novas lutas, novas buscas de pertencimento, desafios.

“Tinha que pega o Novo Horizonte. Tinha que pega o Novo Horizonte, era muito difícil porque aqui era muito barro, né, muito, ai  a chuva veio e acabo, ês aterramo ela todinha assim, então demoro dimais a passa o asfalto. Aí veio a chuva e lavo tudo feiz aquela buraquera e a gente saia tudo cheia de barro, ai tinha que procura a casa de um vizinho lá no Novo Horizonte, ês até tratava a gente de pé vermei de tanta sugera, Nossa mais foi um trabalho gente do céu.”[33]

Esses sujeitos buscam melhores condições de trabalho, melhorias na moradia, um representante de bairro, postos de saúde, outros empregos, diversões no final de semana. Enfim, imprimir suas marcas entre ruelas, festas, trabalhos alternativos, em confrarias, bate papo entre vizinhos, nessas vivências, buscar seus espaços nesses trajetos urbanos.

“É, não, foi muito difici, quando ês começo a faze essas casinha ai a gente penso. Gente será que quando aumentar esses bairros ai vai melhorar. Será que vai vim umas pessoas assim, assim que num dá problema, porque aqui nesse colina deu problema dimais, cê num podia dexa uma vasia no terrero, antes de ter muro né, hoje de vez enquando tem isso ce deixa  ropa no arame ês pega e leva, aqui acontece muita coisa assim, sabe. Ai eu pensei quando fizesse  o Jardim Esperança, quando saísse as casas do Jardim Esperança, eu pensei agora vai melhora. Ai chega o povão da avenida Brasil, daques  meio de lá. Ah, ai foi só piora, ai quase que os policial tinha que morar no bairro. Era pobrema…

Ah, o único que num da muito problema, problema assim é o Morada do Sol que é até mais queto. Eu acho tamém que tem mais menos criança que aqui nesse Colina e Jardim Esperança,  vô te fala é gente dimais.” [34]

Os pequenos furtos eram comuns no bairro Alto da Colina, desde vasilhas até roupas penduradas no varal. D. Antonieta salienta que seu bairro  “deu problema dimais”. Estamos falando de uma cidade sem grandes indústrias, oferecendo poucos empregos. Isso reflete na vida das pessoas, quaisquer deslizes dos moradores do Alto da Colina bastam para “puxarem” um passado de inundações, as manchas da pobreza não desaparecem de um dia para outro.

Depois, a quantidade de crianças existente no bairro. Foi períodos de muitas carências para esses moradores, “jogados” para longe do centro, sem transporte público, no meio do mato, do nada. Mesmo assim persistiram, lutaram, construíram seu espaço, até chegar o asfalto, a escola para os seus filhos, as associações de bairro, dia-a-dia, ergueram tijolos nesse meio urbano.

No caso de D.Antonieta teve que buscar ajuda em casa de amigos no bairro vizinho para poder lavar os pés, devido à quantidade de barro em épocas de chuva. Mas, nem por isso desistiu de sua casa, de seu bairro, dessa cidade que lhe confrontava a cada dia, porém, buscou soluções, caminhou, trafegou entre barros, displicência das autoridades, assim como vários outros sujeitos que não abandonaram suas residências. Pelo contrário, persistiram, lutaram.

Ainda hoje, muitos moradores do bairro Alto da Colina, Morada do Sol, Jardim Esperança se dirigem ao bairro Novo Horizonte para poderem pegar o coletivo desse bairro que faz um itinerário maior. A luta não cessa, mas, vão surgindo novos problemas, seja o transporte público, a falta de emprego para os jovens, a droga que começa a rodar a meninada desde pequenos. Novos problemas, novas lutas vão emergindo nessa face urbana e confrontando a vida desse sujeitos.

Para a D. Antonieta, o passado foi difícil, conflituoso, porém, o presente também tem sido problemático. Foi necessário construir um muro na frente de sua casa devido aos furtos. Mesmo sem ter condições financeiras, D. Antonieta se “espremeu” de todos os lados e ergueu seu muro. Depois veio a esperança de que houvesse um relacionamento mais estável no convívio entre os moradores com a vinda de novos sujeitos. Lembrando que o mesmo passado que levaram essas pessoas a construírem suas casas no bairro Alto da Colina, em sua maioria, pessoas que vieram dos bairros próximos ao rio Paranaíba, essa dinâmica vai continuar com o aparecimento de novos personagens nesse palco urbano. Agora, porém vão ocupar novos lugares, novos espaços nesse meio urbano.

“Ai chego o povão da avenida Brasil, daques meio de lá, aí foi  so piorar…” . Novamente o preconceito e como ele vai sendo construído, reconstruído, redefinido. Ao referir “povão da avenida”, é buscar um passado de problemas, de inundações que ficaram gravadas na memória desses sujeitos. Essa avenida ao qual se referiu D. Antonieta fica localizada no bairro Brasil, próximo a Vila Operária, ao Rio Paranaíba, onde concentra um número elevado de famílias carentes localizadas nessa região e que se localiza exatamente ao lado oposto aos bairros que aqui nos referimos.

Os preconceitos não cessam, mas, se mesclam junto a novos indivíduos. Não são apenas problemas como a falta de transporte que esses sujeitos vivenciam, são dilemas múltiplos.

A luta pelo espaço urbano tem diversas faces, os problemas são amplos e vão se formando nessa dinâmica da vida urbana. Os conflitos não são apenas o medo do desemprego, violência, mas, preconceitos que vão se formando em torno de indivíduos que levam vidas difíceis.

“Todo mundo, todo mundo, se falar colina, todo mundo já, vamô supor, saio vô numa festa, tem uma menina gata pra caramba, você chega naquela menina. Ai alguém vai e te fala que ela é do colina.Aí, a gente fica pensando, e será que rola. Fica criando uma desigualdade que não existe né, que não existe ninguém melhor do que ninguém”[35]

Para o jovem Luis Carlos o preconceito em relação aos moradores do bairro Colina é muito acirrado, além de criar uma desigualdade que não existe. Não são apenas problemas de irem a uma festa que esses sujeitos vivenciam, mas também, quando vão procurar um emprego, abrir um crediário em uma loja e ter de dizer o local em que residem é mostrar mais uma dificuldade na vida desses moradores.

No ano de 2003, tive a oportunidade de conversar com uma amiga que trabalha em uma imobiliária em Patos de Minas, porém, não gravei a conversa. A amiga relatou as pessoas que procuravam a imobiliária para comprar ou alugar uma casa ao saberem que ficava próximo ao bairro Colina, logo desistiam do negócio. Então, esses são fatos que acontecem na vida desses moradores e não são apenas preconceitos que estes vivenciam, apesar deste estar muito vivo e forte no dia-a-dia. Os conflitos que emergem na vida dessas pessoas são muito amplos.

Esses sujeitos têm que enfrentar as marcas da pobreza, a dificuldade de educarem os filhos, o medo constante do desemprego, na dificuldade de deslocarem nessa cidade, devido às tarifas com seus preços sempre altos, pois, a empresa Pássaro Branco não enfrenta concorrente. Restam os sonhos, as lutas, as esperanças  no dia-a-dia, nesse caminhar.

Na entrevista realizada com o professor Antônio José Maria, morador do bairro Nova Floresta, ao falar sobre o transporte público de seu bairro, ficou muito transparente o preconceito que sente ao ter que pegar o ônibus do bairro Colina.

“Não o ônibus aqui é cheio, não tem um ônibus especifico para o bairro e desce lá embaixo, a gente pega o ônibus do colina, eu não vejo o Nova Floresta no ônibus, não existe. Você vai lá no centro e tem que pegar o colina, infelizmente você pega o colina. Você não vê o Nova Floresta, existe é o intermediário que te deixa no bairro. Na verdade existe é uma carona que te traz no Nova Floresta, mas o destino dele é o colina. Ou você pega o colina ou o Morada do Sol pra  descer no seu bairro, ou você tem que vir a pé, porque não tem um ônibus exclusivo para o seu bairro. Igual o eucarístico existe um micro-ônibus para o bairro, aqui não.”[36]

Em Patos de Minas os ônibus públicos levam o nome dos bairros à sua frente, alguns bairros não têm os seu transporte especifico como é o caso do Nova Floresta.  Pelo fato do bairro Alto da Colina se localizar depois do Nova Floresta, então, o ônibus do Colina passa pelo bairro Nova Floresta.

A recusa do Sr. Antônio é muito mais do que reivindicar um ônibus próprio para seu bairro, mas, não querer ser identificado como morador do Alto da Colina.

O professor Antônio gostaria de ter outros vizinhos que não os moradores do Alto da Colina. Mas, indiretamente, tem que conviver com a presença desses sujeitos. Acha lamentável ter que dividir o mesmo transporte público “infelizmente você pega o Colina”. Ou seja, infelizmente você tem que vir ao lado de trabalhadores com suas roupas sujas depois de um dia inteiro de trabalho, os olhares cansados, com seus filhos pequenos. Essa realidade incomoda, é dar de cara com outros rostos que de certa forma nos agride devido às nossas condições pouco melhores que nos encontramos. É a nossa displicência pedindo mendicância, são os analfabetos que poderíamos ter ajudado a alfabetizar. É o resultado de nossa pouca participação na política, nos nossos descasos, desconhecimentos. Levamos vidas corridas, não temos tempo para o outro e esquecemos, mas de vez em quando nos encontramos com o próximo, poder ser num semáforo, nos assaltando, compartilhando o mesmo transporte público ou alguém que bate  à porta pedindo esmolas.

As manchas na vida desses sujeitos não param. Os moradores do bairro Alto da Colina levam as marcas das inundações da década de 80, os dedos da violência sempre presente. Esses acontecimentos foram sendo gravados na memória da população patense. Nas ocorrências policiais veiculadas na rádio local e as referências aos moradores do Alto da Colina. Entre concretos, matos, dilemas vão sendo forjados nessa dinâmica da vida urbana.

Outras pessoas vão ter visões boas em relação aos moradores do Alto da Colina, como a D.Maria da Glória Meira Ferreira, moradora do Nova Floresta. Assim como tantos outros indivíduos, a D. Maria da Glória também teve que pisar em barro, sofreu com a falta de transporte. Morou também no final da av. Brasil, veio do município de Poças, zona rural próxima a Patos de Minas. Para D. Maria da Glória o bairro Alto da Colina não aparenta ter tantos problemas como a população patense diz ter. Quando foi perguntado a ela sobre o seu contato com algum morador, ela citou as visitas feitas ao seu irmão que reside no Morada do Sol, próximo ao bairro Colina.

“Não, não. O povo tinha uma estória que não podia fica de passano lá ( bairro Colina) conforme a hora porque… eu tamém, eu falo gente, as veis eu vô lá porque ês joga pedra na gente, corria atrás da gente, eu nuca vi. Agora a violência ta tudo enquanto é lugar pra trás num tinha essa… essa coisa…o povo que era mais unido um com o oto, agora parece que perdeu o remorso com as coisa, agora por qualquer coisa ês tão matando, né, robano. De, de certo tempo pra cá assim, num tinha essa ladruage essa matação e agora ta teno dimais. Igual ocê num ta nem podeno deixa a casa sozinho.

Hoje o povo ta matano tudo por qualquer coisa, ês tão matano. O mais ruim é isso, né,  mais.. Os que vem agora se já ta dificil agora imagina mais pra frente, sabe, as veiz que não. Tomara que não né, quem sabe.”[37]

Preconceitos vão sendo criados, alguns não gostam de morar próximo ao bairro Colina, outros pegar o coletivo com esses moradores. Já outros, como a D. Madalena, moradora do bairro Morada do Sol, acham o seu bairro vizinho bom, sem tantos problemas.

A violência não se encontra mais localizada em um determinado ponto, mas em todos os poros dessa cidade. Não é possível mais apontar para o Beco da Antena, para o bairro Alto da Colina, como causadores de todos os males, os locais da violência, dos jovens “baderneiros”. A cidade vai se transformando, os sujeitos não vivem relações estáticas, mas dinâmicas. Esse universo não pára, dizeres se mesclam, novas relações de trabalho vão emergindo, novos relacionamentos, novos dilemas. Uma cultura se prolifera, absorvem novos valores, mantém alguns, incorporam novos hábitos. Mesclam novas formas de se viver no cotidiano aonde vão sendo emaranhados novos relacionamentos, hábitos.

“O problema do colina é muito menino, né. E aquele bairro ali num é ruim não, tem muitos anos que eu moro ali, passo ali direto de noite e nunca vi nada de diferente ali, é só o nome que ês boto que é ruim que fica ruim, né…

O pessoal do colina, Vila Operária, Alvorada, todo mundo tem impressão. Vem dá aula no Caic, você morre, eu prefiro o Padre Almir ( colégio localizado no bairro Alto da Colina).

Num gosto que ninguém fala mal daquele colégio ali.”[38]

A D. Madalena não gosta que falem mal do colégio Padre Almir, pois, seus filhos estudaram neste colégio e, no seu dizer, valeu a pena. As manchas não são tão intensas para todo mundo, alguns acham que é apenas exagero nessa imagem de violência, mazelas. D. Madalena nunca viu nada de diferente no Alto da Colina, certamente outras pessoas viram algo de “diferente”. Esse diferente seria essa imagem da pobreza, esse estigma, essas marcas, que não largam esses sujeitos, os acompanham, caminham por entre suas vidas, são campos opostos entre o da mendicância  e o da fartura. A dualidade do mundo letrado com olhares de sujeitos que procuram seu ônibus olhando as cores, são iletrados que essa cidade rejeita. Conduz para os seus poros mais distantes.

As pessoas têm visões diferenciadas em relação aos problemas vivenciados pelos moradores do Alto da Colina. Já, para os seus próprios moradores, são vários os problemas existentes. Problemas estes que se misturam com suas próprias vidas.

A D. Lucelena tem enfrentado várias dificuldades como a sua doença, o relacionamento difícil com seus vizinhos, a casa pequena, apertada e a violência cotidiana, tudo faz com que tenha vontade de mudar para outro local, outra cidade.

    “ No bairro aqui acho que ta ótimo, o único problema é a  segurança. Aqui, a coisa, assim, a verdadeira coisa que existe aqui, nóis é dentro de uma verdadeira favela. Porque aqui, as pessoas que cê acha assim, nossa, que pessoa boa legal, aquela pessoa hora que você vai saber melhor sobre ela,entendeu, é um dos maiores traficantes do bairro.”[39]

O relacionamento tem sido uma das grandes dificuldades na vida da D. Lucelena. Pode ter o seu canto, suas paredes, seu espaço nessa cidade, mas ainda não alcançou o sossego, a paz, vizinhos com menos problemas. O dia-a-dia tem sido conflituoso, problemático.

Para a D. Lucelena o bairro está ótimo, quer dizer, tem infra-estrutura. Porém, o convívio com os moradores tem sido difícil. Esses conflitos os problemas de tráfico, drogas, brigas, para D. Lucelena isso é que significa morar em uma favela. Estar dentro de uma favela é ter de conviver com o medo, com a falta de policiamento.

“Aqui, nóis veve nisso, entendeu. Só porque como nois já acostumo no bairro, nóis já conhece o bairro pra nois não existe perigo. Pra ocê vê, igual, dia de sábado e domingo, como tem muita gente no bairro muita moça, rapaiz, aqui, ês num pode vê uma pessoa diferente entrano, entendeu. Ês num pode vê uma pessoa diferente no bairro, ês que agredir, que mexe, se ocê não baixa a cabeça e não continuar seu caminho, se ocê parar e ignorar aquilo, é uma coisa que você apanha. Igual pro ce vê, um campeonato que tinha aqui na nossa quadra, pessoas de outro bairro, com esse bairro daqui, pro ce vê, a troco de nada mato um rapaiz. Pro cê vê, agora aqui nessa esquina, quinze dias aqui de novo, outro, outro rapaiz morto, gente do bairro. Pro cê vê, é uma coisa muito violenta, cê vê, num tem uma semana direito, uma coisa, Cê vê, desses quinze dias que eu to te contano, ês pararam de briga entre eu e minha irmã, mas aqui eu tipo assim se eu sai aqui todo mundo me conhece, então, ninguém me estranha. Sê te vê eu mais ocê ninguém estranha. Mas. Pro cê vê, ês garro de briga entre eu e minha irmã, ora que chego na frente, o cara pego da faca, duas faca no otro, o otro  caiu e fico morto, pronto.

Sê vê se eles não me conhece, o rapaz pego no meu ombro, afasto me viro, eu falei me solta, arredei deles, chego na esquina o outro tira da faca e mata. Então pro cê vê, tem meu sobrinho aqui, do lado de cima, é um que tava na praça no dia do campeonato lá, no final do campeonato, não morreu mas fico, com duas facas do rosto, duas nas costas.

Eu acho que o nosso bairro agora, maior calmo agora, deu no sábado, sexta de noite, sê num suporta….

Aqui pro ce vê, até época de eleição, de coisa, nem de comício aqui no bairro ês gosta de faze.Não tem uma coisa que não no bairro, que no outro dia cê não fala assim, oh, teve uma morte dentro do bairro. Sempre tem, cê vê nóis mesmo que é do bairro num freqüenta, cê vê, oh, minha irmã saindo daqui, oh, nesse corredor, o vizinho daí debaixo deu um tiro aqui, fazendo graça aqui pra assustar  briga daí da rua.

Deu o tiro que arrebento o muro aqui, oh, ela laino deu tiro aqui,  pro cê vê, eu cheguei, cheguei na janela tem hora que não tem nem como falar, a pessoa ta transtornada, tudo pela droga.”[40]

A falta de segurança, de policiamento, de empregos, vagas nos cursos oferecidos aos jovens no Caic, negligência das autoridades e a ausência de projetos sociais tudo isso dificulta ainda mais a vida desses sujeitos.

Além das dificuldades da vida, a negligência e o descaso das autoridades fazem com que o dia-a-dia desses indivíduos se torne mais tumultuado, “… o outro caiu e fico morto, pronto.” A vida urbana compreende muito mais que “balas”, sapatos gastos, tragos de bebidas, filas, prostituições, comícios, leilões, mas sonhos, lutas, mãos cravando marcas em meio a semáforos, faixas, avenidas dispersas. E diante da morte apenas o cair e pronto, sem justiça, sem vidas dignas resta apenas o lamento urbano.

De todos os  entrevistados, a que mais lamentou dos problemas de seu bairro foi a D. Lucelena, nos momentos de falar das dificuldades, das violências, nos descaminhos da vida, sua voz alterava. Sempre apontando para os vizinhos, os locais que ela achava mais problemático.  Outros entrevistados não comentaram a fundo, mas, era visível nos seus silêncios as dificuldades com os vizinhos, com a violência cotidiana. D. Eva começou a falar um pouco, porém, parou, (dessa vez não insisti, aos poucos vamos aprendendo a respeitar de verdade nossos entrevistados).

Esses sujeitos carregam problemas muitos maiores que nossas pesquisas possam abranger ou compreender. A morte tem sido algo natural, a violência já se encontra banalizada e a dor tem sido constante e corriqueira na vida desses moradores.

A cada recomeço do dia trazem novas lutas, batalhas. D. Lucelena tem que se levantar cedo para arrumar a marmita do marido. E ao longo do dia ajuda sua irmã Regina a olhar os seus filhos.

Esses sujeitos circulam pela cidade, buscam seu espaço que é muito maior que um salário no final do mês, ou uma casa própria, é ter dignidade, sobreviver com respeito, caminhar sem medo do amanhã, do desemprego na falta de médicos nos postos de saúde. Buscam a cada momento seu pedaço nessa cidade e  para poderem olhar para o lado e verem a sua face no rosto dos filhos que crescem em meio a expectativas, sonhos, projetos.

“Aqui é tudo em droga, igual essa aqui, igual aqui mesmo no nosso lote, é o meu sobrinho. Cê sobe mais em cima aqui o cara dos pior, o cara que mato o cara, então, uma coisa que ocê veve no meio daquilo, entendeu, não tem como ocê se defender. Eu dependo daqui pra mim morar como eu sair daqui se eu não tenho outro lugar, então, é uma coisa que ocê tem que saber, ocê deita, ora que ce levanta cê só ta sabeno que vai deita, hora que vai deita, entendeu.”[41]

No ano de 2004, continuei minhas aulas no colégio Padre Almir (localizado no bairro Colina). É difícil trabalhar nesse colégio, com os filhos de pais que vieram de inundações, dos descasos das autoridades, dos campos que não os abrigam mais. Porém, é difícil  “largar” essa realidade, dar as costas para esses alunos. Não me sentiria tão necessária se estivesse trabalhando apenas com os filhos da outra margem dessa cidade. Trabalho hoje nesses dois mundos, o da desigualdade e o da fartura. Porém, o primeiro tem sido problemático, o sentimento às vezes é de incapacidade.

No ano de 2004, foi  mais fácil trabalhar com esses alunos  na hora do recreio fico conversando, ouvindo, aos poucos vamos conhecendo ainda mais essa realidade. Dois alunos meus abandonaram a escola devido às dívidas com as drogas, estavam devendo e não conseguiam pagar e, por causa das ameaças, tiveram que desistir. Outro está internado numa clínica de recuperação. Recentemente uma aluna tentou suicídio. Já outra, a Luciene, diz que sua mãe tem que esconder as compras de supermercado na casa da tia, devido ao irmão que vende qualquer coisa que vê pela frente para comprar bebidas, drogas. E assim tantos outros alunos, tantos casos que presenciei.

A realidade é muito mais árdua e amarga do que nossas pesquisas possam abranger. A cidade abriga corpos deformes, com campos tensos. As praças do centro já não são tão floridas ou coloridas para mim.

Porém, novas expectativas vão sendo criadas na vida desses sujeitos e novos dilemas. No dia-a-dia vão sendo carimbados com a tinta do estigma da pobreza, são preconceitos, lutas, vitórias, desilusões e novas ilusões. Uma cultura vai se proliferando, absorvendo novos valores e sendo “surrados” por novos dilemas.

“O único problema daqui do bairro é a segurança mais nada, nada, nada. Porque, assim, o caso de saúde, pro cê vê tem posto tem creche, né. Cê vê primeiro quando num tinha aquele mini-hospital era um inferno, o menino morria nos seus braços, mais ês num atendia porque ali no Regional só tumultuado. Agora pro ce vê cê já pode ir pro Regional, pro São Lucas que o São Lucas faz parte do SUS, é ambulância vem o corpo de bombeiro, agora polícia não, se fô um caso, igual, houve um caso de briga, igual uma coisa, cê chama, hora que já mato, que todo mundo já correu aí é que ês aparece. As veiz é até o pessoal do bairro é que da socorro, entendeu.”[42]

Apesar de todos os males, porém, o problema da segurança tem sido o maior vilão, a falta de policiamento no bairro. Perto do colégio Padre Almir fica o posto policial, porém quase sempre fechado. Esses moradores se vêem abandonados, largados nos cantos dessa cidade. No dia-a-dia vão aprendendo a conviver com o medo, as brigas dos vizinhos, a meninada solta correndo por suas ruas, sem amparos, apenas a certeza do amanhã.

A falta de segurança, de policiamento no bairro aflige a vida da D. Lucelena, mas, os problemas têm levado a união dos moradores na tentativa de solucionar os dilemas que vão sendo forjados nesse cotidiano urbano. Em uma pergunta feita sobre o papel desempenhado da associação de bairro, foi possível perceber a união dos moradores para solucionarem os problemas que vão surgindo no dia-a-dia. Os moradores não ficam de braços cruzados esperando a associação resolver. Na falta de ajuda de alguma instituição ocorre à união entre os moradores e a tentativa de solucionar os problemas.

“Depois que ês começo a arruma, aí veio o tatu, né, Regina. Aí teve dois, também presidente aqui do bairro, o seu Vicente Eustáquio, porque o tatu é assim, é o presidente do bairro, mas cê só sabe  que ele é o presidente do bairro quando todo mundo comenta, num vem na casa da gente, uma coisa assim, igual tem varias coisas assim, que faz os presidente de bairro faz, né, e  aqui a gente num fica sabeno. Não, nada, ele é um tipo de pessoa assim, analfabeto tal, né num sabe assim nada. Quase num mexe com nada. Geralmente assim, sempre tem uma pessoa do lado dele ajudano, mas, assim não, a gente num sabe de nada, geralmente ele vem, muito difícil mesmo, so na  rua mesmo, cumprimenta, bão, bão. Assim, a gente voto nele por uma coisa, ele era do bairro, e  sê mais simples, muito humilde, mas, nunca tem uma reunião por exemplo, comenta as coisa. É uma coisa assim a gente num vê a participação dele, igual o prefeito José Humberto, num ta liberando o povo pra varrer a rua, aí nóis fica todo mundo loco, gente cada um vamo junta um poco numa parte, e cada cuida das suas coisas. E isso a gente faiz, mais, num tem participação de associação de bairro, nada.”[43]

“O bairro mais, tipo assim unido que tem aqui é o colina, ali, cê anda lá, eu tenho amigo de mais lá, eu vô lá, você anda lá, cë vê o povo conhece todo mundo. Aqui, não, igual eu to te falando, antigamente não. Hoje  ta mais bem de vida, a maioria aposento né, tal, fica mais bem de vida. Mas, antigamente era gente que trabalhava, e não gostava de querer ser o que não era, sabe. É cada um por si, sabe. Ninguém importa com ninguém.”[44]

Para o jovem Luis Carlos, o seu bairro foi abrigando novos personagens, outros foram ficando com melhores condições financeiras, muitos foram se aposentando. E então o bairro foi perdendo a sua característica de abrigar pessoas simples, humildes, trabalhadores tendo praticamente o mesmo patamar de padrão financeiro para uma diferenciação maior de renda entre seus moradores. Todas essas mudanças, a falta de união dos moradores, porém, ele vê essa união nos moradores do bairro Colina, onde ainda predomina uma igualdade maior nas condições de vida.

Até mesmo a D. Lucelena que (parece)  apenas ver mazelas em seu bairro mostrou uma certa cobrança nas reuniões. Apesar das desilusões, restaram esperanças, querem reuniões para que seu bairro melhore. Isso é ter esperança, acreditar por pior que esteja, há uma solução. E se as ruas não estão sendo varridas com a união dos moradores esse problema pode ser solucionado. Os homens não são apenas de mazelas, dores e amarguras.

Agora, para D. Antonieta, o convívio com os seus vizinhos é bom, porém, não gosta de pedir nada emprestado e ter que ficar devendo alguma coisa. (Certamente no passado ela teve de recorrer a algum vizinho e acabou ficando devendo algo, e no presente tenta não criar esse tipo de vinculo).

“Não eu num gosto de procurar vizinho não, arruma nada imprestado cum vizim não pruquê, é muito complicado, né, cê ranja hoje quando depois quando fô amanhã cê acaba e vai lá de novo, então não da certo não.

Meu vizinho assim pra mim, eu gosto sô pruma amizade, cê precisa de mim eu to pronta pra sirvir mais, eu num gosto muito de ocupa não. Veio uma coisa que veio dos meus pais e ês sempre falava.”[45]

Algumas pessoas têm relacionamento agradável com seus vizinhos, outros não. Como é o caso da D. Lucelena.

“É, aqui, só se fô em caso de doença (risos) é, eu mas, a Regina nóis é muito sistemático, nóis num é de misturar com os outro não. Igual, aqui do lado tem duas moças também. A vizinha do lado de cima, esse tempo tudo que moro aqui eu só vejo ela chegando e entrando. A da frente também, a gente num da muita confiança, porque ela a religião é completamente diferente, e ela só fala sobre religião…

É ela é evangélica. E eu sô assim, fui católica, claro, mas agora eu aprendi  viver ali, então eles me perguntam, eu falo, não, eu sô da religião espírita, então, eu falo, claro, participei de tudo que falasse que participasse a gente participo, mas agora eu sô espírita, aprendi a ser assim, porque, o Otaviano me pego no colo, sê vê eu vô faze vinte seis ano.”[46]

Além da correria que esse sistema capitalista tem imposto na vida desses sujeitos outros fatores têm contribuído para que a D. Lucelena tenha um convívio difícil com seus vizinhos. Alguns devido à religião o que acaba criando barreiras. Ao lado dos botequins podemos encontrar casas evangélicas em um número significativo. É possível encontrar até duas casas num mesmo quarteirão. No bairro Jardim Esperança encontram-se dezessete casas evangélicas. O que parece é que “Deus” tem “acompanhado” o dilema de sujeitos na suas vidas, em seu bairro. São misérias, cultos, lotes baldios, gritos da meninada, bêbados nas esquinas dos desafetos, senhoras a balbuciar por suas ruas, jovens fumando.

Nem todos os moradores vão ter convivências agradáveis nesse universo urbano, mas para a D. Lucelena isso parece ser mais difícil ainda.

O convívio com os vizinhos tem sido difícil, a religião diferente das vizinhas atrapalha o relacionamento. D. Lucelena sempre foi católica, mas, agora se converteu ao espiritismo. Também essa falta de tempo vai comprometendo o convívio entre as pessoas, vizinhos vão se tornando distantes, desconhecidos. Essas são algumas mudanças que acompanham a vida dessas pessoas. Mas, novas formas de relacionamento também podem emergir.

 A D. Lucelena, nos finais de semana, participa do coral da Casa da Sopa no Centro Espírita André Luiz, além de receber ajuda dessa entidade em mantimentos para sua casa. Esses sujeitos procuram novas formas de relacionamento, de convivência junto a outros moradores e, neste cotidiano novas experiências começam a ser compartilhadas. Discussões sobre problemas no bairro começam a ser questionados, dificuldades no convívio com outros vizinhos, problemas dos filhos no colégio, enfim, a vida vai prosseguindo, insistindo nesse meio urbano.

As inundações são outras, o rio se transforma na fome, no medo do desemprego, na violência. No enfrentamento da dor, da desilusão, na insistência da vida urbana. Multiplicam-se indivíduos, transformam a vida em favos amargos, em corpos prostituídos, em filhos viciados, mãos traficadas. Semáforos invisíveis, vidas dispersam.

Nas ruas, garis limpam as poeiras, autoridades apagam sonhos. Nos passos, o passado de lama, as referências dos pés vermelhos. Manchas são construídas, forjadas em personagens “paridos” pelos descasos nas ruas frias que a cidade cria.

A cidade abriga rastos, unhas, gritos, (carnes sangrando ausências), sonhos, dores. Homens caminham no asfalto, poeiras, esgoto a céu aberto, o universo urbano é comandado, criado, restituído, tencionado por suas veias ligando seres por todos os espaços. A cidade é o corpo higiênico trabalhado e reestruturado tendo suas partes com anomalias graves. Sendo essas partes de anomalia, os braços que trabalham levando os fardos mais pesados. Limpam todos os poros e permanecem distantes das sombras, das veias saudáveis. Permanecendo nos espaços de “cocho”, vazio nas veias doentias no “ronco” da fome lhes beirando o dia.

Nas esquinas, nos botequins, nas casas de prostituição, nas escolas, associações de bairro, nos mais variados espaços, as vidas vão sendo constituídas. O pertencimento a cidade é feito de lutas, de lágrimas, decepções, sonhos, novelas dramáticas. Entre ausências, filas, chinelos, carrinho de mão, uma cultura vai se constituindo, amalgamando.

A vida urbana é muito mais que casas hospitais, lojas, são sonhos, projetos, tijolos sobrepostos sobre lutas, insistências, boatos, bares com seus viciados .Os homens trafegam, empurram carroças, constroem prédios, ruas, espaços de lazer nesse universo.

O palco urbano vai sendo constituído de desafios, de rostos desfigurados, risos cariados, falhos, mãos calejadas, trêmulas, músculos concretizados pelas faixas urbanas. Latas de lixos são reviradas, o ônibus de boias-frias se encontra sempre cheio, nas madrugadas, caricaturas desfilam na cidade.

Muros são erguidos, flores germinam pelas praças e a cidade vai seguindo seu fluxo. Entre lotes baldios, lixos fétidos, carcaças de animais em estado de putrefação no solo urbano, caminham vidas, passam longas horas buscando trabalho, catando pedaços de sobrevivência pelos lixos, recolhendo papelões, insistindo em sobreviver, pertencer a esse palco urbano.

A D. Lucelena foi imprimindo suas marcas, lutou contra a inundação, com a fome, buscou seu espaço. No presente, a batalha por uma casa melhor, uma vizinhança menos desumana. Sonham em ter filhos, porém, devido ao tamanho de sua casa não possibilita mais uma vida. Sua casa tem apenas dois cômodos e não tem banheiro. Tem apenas um quarto e uma cozinha, o banheiro teve que construir na casa de sua irmã que reside no fundo em uma meia água. Os transtornos são imensos, novas expectativas começam a emergir, como a busca de um bairro melhor, uma casa maior, uma vida mais digna, sem tantos problemas.

“Pra ocê vê, quando nóis mudo pra cá ninguém, minhas irmã num tinha menino, nóis era tudo assim, só nós, minha mãe e mais dois irmão. Ai veio os menino da Regina e depois o da Carla e nóis já foi separano, né. Eu sempre já fui mais custosa. Nunca gostei assim, de morar com família. Aí eu já separei da minha mãe e fui morar ali em cima, e comecei trabalhando, aí casei, to aqui até hoje. Cê vê, to morando em dois cômodo, cê vê a Regina mora aqui nessa meia água, aqui dentro desse lote nos somos quatro famílias, só menino são dezoito…

É , e lá onde é minha casa da frente, minha irmã na do fundo, mas também tem outro menino dela, só ai foi separano, pra você vê…., a tendência aqui é tá sempre crescendo, sempre crescendo, crescendo. A gente ta na fila de espera dessas casas que vai financiar agora, então, o bairro sempre crescendo(…)

Cê vê, a noite aqui é a maior dificuldade, eu pra mim faze um banheiro aqui, eu tive que faze na casa da Regina. Então, eu pro cê vê, eu tive que fura outra rede de esgoto, otro padrão , outro registro separadinho, cê vê, a noite, se eu dê  vontade de ir no banheiro a noite num tem nem como. Eu tenho que passa dentro da casa da Regina. Eu, parece que é até uma coisa que eu a noite eu num levanto, depois que eu deita é só de manhã, então, pra eu ir pro banheiro.

Cê vê, tomar banho, da oito, oito e meia eu tomo banho, então  só esse banho também, e eu num só muito de freqüenta a casa da Regina que o marido dela também é muito sistemático. Aí fica assim, como é que eu vô arruma um menino morano em dois cômodo.[47]

A D. Lucelena ao mesmo tempo em que narra os problemas que tem enfrentado no cotidiano, também dá alguns indícios de como o bairro está crescendo. É comum  encontrar mais de uma casa em um mesmo lote. As dificuldades que vão passando esses sujeitos levam a tomar soluções nem sempre confortáveis. Morar quatro famílias em um mesmo lote é algo desumano. Porém, outras pessoas se encontram nas mesmas dificuldades. Isso reflete também no convívio entre os moradores. As dores urbanas são projetadas no próximo, entre palavrões, brigas, desentendimentos.

Também a falta de espaços próprios para crianças e jovens poderem brincar tumultua ainda mais a vida desses moradores. O  bairro Alto da Colina não tem praças, apenas uma quadra de futebol que está abandonada, restam para a meninada a rua. E nessa falta de espaços próprios, começam os tumultos para os moradores.

D. Antonieta, na entrevista, enfatizou muito o dia que teve que trocar algumas telhas de sua casa devido ao fato da “meninada” do bairro  ter atirado pedras na sua residência.

“Aqui é som muito alto na rua, joga pedra nas casa, quebra as teia da casa. Outro dia mesmo eu tive que subi ali em cima, eu e a Ana Claudia. Teve que troca quinze teias, que ês  joga pedra e quebra as teia…

Aqui hem deus do início que a gente mudo pra cá ês faiz isso, joga pedra nas casa da gente. Ta precisando faze uma praça, pros menino de 12, 13 ano, porque isso aqui é muito difícil é por causa das crianças que num tem o que faze e começa a brigar e  faze as coisa que num pode në. Cê tivesse alguma coisa coisa aqui pa ocupa essas crianças seria bem melhor.”[48]

Para D. Eva, o problema é o som alto no final de semana e os jovens viciados, além do trafico que considera muito.

“Nossa é até doente, som alto no final de semana. Não, aquela colega da Sirley ali é ponto, direto. É o fuma,é … de… a única coisa de mais ruim aqui é isso, a única coisa de mais difícil é essa, é dimais de todo tipo, num acaba.(…)

Não, né, quando  precisa ês até vêm ês fala que ês num olha(policiamento),, mas eu acho que olha Sá (jovens viciados)é que é problema demais sabe. Como diz ês num dá conta, e num da mesmo não, um tiquim que sai na rua a gente vê.”[49]

A quantidade de jovens usuários de drogas no bairro é expressiva. Também é comum  caminhar pelo bairro e ver uma concentração de jovens fumando de dia, nas esquinas, perto do posto policial que está sempre fechado.Os moradores já “acostumaram”, porém, fica a preocupação com os filhos quando os pais saírem para trabalhar. Esses acontecimentos acabam gerando um mal estar ainda maior em relação ao preconceito por parte de moradores de outros bairros.

Faltam projetos sociais destinados aos adolescentes, o único lugar que oferecem cursos gratuitos  é no  Promam (Programa Municipal de Apoio ao Menor). Porém, fica muito distante e as vagas são poucas. Restam para esses sujeitos o  nada, as ruas, as brigas, a malandragem, já nas brincadeiras de crianças o pular muros, o ofício começa nos primeiros anos.

E nesse universo as marcas começam a tomar vidas próprias, a rondar a vida desses sujeitos. Homogeneízam-se indivíduos que são heterogêneos, múltiplos, diversos, com seus sonhos próprios. Moradores são carimbados, marcados pelo preconceito, pelas dificuldades, tensões são vivenciadas, compartilhadas.

Para alguns moradores o que falta no bairro também são as ruas de lazer tão comuns nos outros locais. A rua de lazer acontece quando a associação de bairro ou outra liderança fecha determinada rua e coloca um carro de som. As pessoas dançam, encontram amigos, compram cachorro quente, bebida, pipocas, é um divertimento alternativo para os moradores. Porém, no bairro Colina isso não tem acontecido. O que os entrevistados alegaram é devido a violência, o medo de surgir alguma briga, daí a resistência nesse evento.

“Não aqui é muito difícil (rua de lazer), esse bairro aqui quase  num tem nada. Esse bairro aqui ta muito parado…

Pra te fala, a associação  de bairro ela num feiz nada, nada, nada pra te fala a verdade.

Pro cê vê tinha agora que, num sábado, num domingo ês falo que ia te baile ali naquele barracão ali, né. Ês falo não depois tem que paga, tem que te uma licença na prefeitura é muito difícil, não sei mais o que, tudo pra ele é difícil, então por isso que ele num faiz nada.

Eu tava falano se tivesse jeito de troca prum melhor, pra oferecer alguma era bão…

Não, num faiz nada cê precisa de vê, ele vai na prefeitura a gente fala as coisa cum ele, não seu Vicente ta precisano disso, disso, ele falo, não eu fui lá mais, ele falo, não eu fui lá mais num resolvi nada mais eu vô volta lá de novo…

É muita coisa que tem que faze a gente fala com ele, e ele fala que faiz mais quando é no final das conta ele num faiz nada. Outro dia eu tava falando ês  tem que muda esse presidente de bairro, que ês as veiz quem sabe, as veiz faiz nada, nada, nada. O que seu Vicente feiz aqui, pra te fala a verdade é  nada mesmo, num tem uma pracinha, num tem uma rua de lazer, tem veiz que passa até dois, teis ano sem tê nada aqui, né…

Não, aqui pra te fala a verdade, aqui nesse colina num tem é nada, nada, nada. Nada prus menino diverti, num tem nada, nada. Num tem praça, num tem nada. Não aquilo lá já acabo (quadra e vestiário do bairro), ta tudo quebrado. Mais cê sabe pruquê, isso  é falta de cuidado, se o presidente, aqui no bairro não  é só ele né, tem mais, se preocupasse mais ele cuidaria, né. Se quebro ele, não vamo lá consertar isso, estrago, não, estrago agora se quisé faiz outro e pronto.”[50]

Esses sujeitos não querem apenas um trabalho, escolas, para seus filhos, vagas nas creches, mas, também querem se divertir irem em bailes no seu bairro. Querem também cursos para os jovens, praças no seu bairro. Reclamam principalmente dos cursos que antes eram oferecidos no Caic (Centro de Atendimento Integral a Criança), as aulas de pinturas, bordado, datilografia, dança e agora não oferecem mais, além dos cursos do Promam.

Porém, mais do que cursos reivindicam um bairro melhor, mais alegre, com ruas de lazer, para se divertirem sem ter que ir para outros locais. Esses sujeitos querem praças, um presidente ativo, uma vida melhor.

“Ês inventaram um negócio das crianças faze, de faze bola, bordado, agora acabo isso tamém, num tem nada naquele caic de curso assim.

Não aqui ta precisando de muita coisa pras crianças participar, mais ou menos nessa idade ai de treze, catorze ano.”[51]

Antes também os moradores próximos ao Caic podiam utilizar as quadras, agora não podem mais freqüentar. Lembrando que o Caic fica situado entre os bairros Morada do Sol, Colina e Jardim Esperança.

“Eles num dexa, só usa o Caic quem estuda lá, o meu menino se quiser jogar bola lá agora, eles num dexa por que ele não estuda lá mais…

Num tem praça, num tem nada prus menino brincar, tem que cê na rua.”[52]

“(…)no Caic acabo tudo, computação, acabo tudo.”[53]

“Os meus menino tinha curso, depois que mudo de prefeito tiro tudo, num tem coisa boa igual tinha, sabe, esses trem mio.”[54]

“…ta precisano é de uma coisa pra fazer, né, trabalhar. Trabalhar e num ficar  em rua.”[55]

Todos as entrevistas citam a mesma coisa quando pergunto o que está faltando para os jovens do bairro. A resposta sempre é  mesma, cursos. Muito dos adolescentes desses bairros freqüentam o Promam (Programa de Municipal de apoio ao Menor), que fica situado no bairro Brasil. Além de não ter essa instituição num lugar mais próximo os jovens têm que caminhar até o bairro vizinho, o Novo Horizonte, para usar o ônibus deste bairro que é o único dessas proximidades que passa perto do Promam. Nesta instituição são oferecidos cursos de jardinagem, computação, marcenaria, dança, agente jovem, recebem assistência odontológica e uma ajuda de 60 reais. Todos os entrevistados  mostraram a necessidade de ter uma instituição desta no bairro.

A falta de projetos sociais para os jovens carentes tem causado problemas para diversos moradores. Devido ao número elevado de crianças e jovens na rua fazendo algazarra, jogando pedras no telhado de algumas residências como a casa da D. Antonieta. E também no surgimento de turmas de jovens que acabam causando tumultos em bailes. Isso tem disseminado ainda mais o preconceito em relação aos moradores do Alto da Colina.

“Ah, não o colina é mais, o colina sempre foi que aqui no colina, sempre já veio uma tendência assim, oh, no primeiro veio turma do Curui, depois veio turma da batatinha, sabe, agora já vem outras coisa, depois veio a turma do meu irmão que eu tenho, hoje, ele é foragido da polícia muito perigoso também, e eles falavam a turma do Paulo Preto, que esse é meu irmão. Aí, foi cada veiz mais ino, e até hoje não acaba, sabe.”[56]

“Eu num gosto de farra, de nada, meu lugar é aqui, toda hora que quiser me encontrar eu tô aqui em casa, principalmente na parte da tarde, mas o bairro ele é muito… Pra quem não convive nele, num tem custume nele… É normal, de segunda a segunda, direto aqui, num tem um dia que você liga o rádio que no outro dia não tem uma ocorrência policial aqui no bairro nosso aqui.”[57]

A D. Lucelena sugere que desde o início o seu bairro sempre teve uma tendência a dar problemas. Já que o processo de “transferência” foi conflituoso, o presente também se torna. As marcas não se apagam. Ao contrário, novas cicatrizes começam a emergir na vida desses sujeitos, agora com os filhos dos “sobreviventes” das inundações da luta urbana, das misérias. Os preconceitos são ampliados e disseminados pelos asfaltos, “… você liga o radio que no outro dia não tem uma ocorrência policial aqui no bairro nosso aqui”.

A violência, os preconceitos, todos os problemas urbanos tomam várias dimensões a partir do presente que as pessoas vivem.

Para a D. Maria da Glória, a violência está em todos os lugares, seria como se os sujeitos tivessem perdido “… o remorso com as coisa, agora por qualquer coisa ês tão matando”.

A sua vida também foi conflituosa, cheia de dores, de lutas urbanas. Já a D. Divina o “… o colina antigamente…, agora melhoro muito, mas ainda acontece muita coisa”. A vida vai prosseguindo, evoluindo, caminhando nesta atmosfera urbana e desumana.

Para a D. Violeta Calazans, a vida foi mudando, tomando contornos diferentes.

“E também naquela época a gente tinha mais segurança, né, mais confiança, igual agora, a gente sai, mais sai mais preocupado com a casa.. Sê vê, igual agora grade pra tudo quantuá. É hoje não tem aquele prazo mais pra ficar na porta conversando. E a gente fica era aquela turma sabe.”[58]

O medo não é mais localizado, a vida não é mais de casas com varandas, conversas demoradas com os vizinhos. Mas de muros, empresas de segurança particular, noticiários pessimistas, o presente faz com que as pessoas relembrem o passado com um certo saudosismo.

Madalena também acha que os problemas estão em todos os lugares, não vê seus vizinhos (moradores do bairro Alto da Colina) como algo problemático, “… nunca vi nada de diferente ali…”. Também compartilha desta mesma visão, a D Abadia.

“Não acho que isso de um modo geral, né, hoje em dia é essa discussão em família,  essas briga tudo de um modo geral e tudo, num tem como. Você liga um rádio, é notícia de todo jeito, então, num é so no bairro onde a gente mora.”[59]

Apesar dos moradores vizinhos ao Alto da Colina acharem que os problemas estão disseminados e que o seu bairro vizinho não apresenta tantos problemas. E que as tensões urbanas estão em todos os poros, porém, aqueles que vivem na pele as manchas dos preconceitos, as suas visões são muito mais amplas.

O jovem Luis Carlos definiu bem essas marcas, ao referir-se as pessoas que sofrem esse cotidiano urbano. Carregam esse corpo urbano, transpiram por suas ruas, aglomeram em pequenos barracos e, antes mesmo de florescerem, são esmagados no trânsito dessas tensões.

“Ta mais ou menos igual uma mata, você olha a mata, mas tipo assim, mas você nunca olha na berada as ervas daninhas que ta no chão. Antes delas florescerem você pisa.”[60]

O jovem Luís Carlos está reivindicando um espaço, a oportunidade de poder crescer, evoluir. De poder construir seu espaço sem tantas lutas, tantos sapatos a esmagarem suas vidas. Querem poder ter oportunidades, direitos, cidadania, comida, empregos para todos.

A margens da cidade não são olhadas apenas, mas, pisadas, esmagadas antes mesmo de alcançarem seus espaços. Os rastros são apagados, outros, porém, conseguem se concretizar.

Nesse universo urbano, veias são desmembradas, pisadas.

“Nóis faz um auê lá em cima, toda época de lua cheia, nóis faz um lual lá. Eu fico lá em cima olhando, lá de cima você vê a cidade igual um fungo, sabe, ai você vai pensando, bicho, o trem ta parecendo fungo ta comendo tudo, só cresceno, cada vez ficando pior, igual um fungo mesmo. Onde você olha assim tudo escuro, ai de cima você vê os quadrado da cidade, certo, sabe, vai se alastrando roendo.[61]

Novos sujeitos vão comparecer para esse palco, novos rostos, mãos, pés de aço desmembrando asfalto, trafegando pelas ilusões, criando expectativas conferidos nos espaços urbanos. Os muros se alastram, corrompem, desenvolvem tentáculos pelos mais variados espaços, catam seus dilemas, imprimem suas marcas. E assim o universo urbano vai se constituindo, reunindo, revelando novos sujeitos.

CAPÍTULO III

Ilusões e desilusões nos caminhos urbanos

Como foi apontado no  capítulo anterior analisei as dificuldades dos moradores do bairro Alto da Colina na formação do bairro, a luta por melhorias, a falta de lazer e os problemas diversos enfrentados  no dia-a-dia. Buscou-se as várias formas de relações sociais desses moradores, as dificuldades diversas, entre violência, drogas, preconceitos, desempregos e os vários espaços de luta, de se firmarem nesse espaço. As formas de sociabilidade, lazer, religiosidade, de se estabelecer nessa cidade, nesse bairro, nesse meio urbano.

Neste capítulo, lanço mão novamente das vivências desses moradores nos seus caminhos urbanos tendo agora como “fardo” o peso das amarguras, das desilusões e de novas “ilusões”  que foram sendo criadas nos seus trajetos, nas suas expectativas.

Trabalhei os anseios desses moradores e as tensões experimentadas diante de novos emblemas, novas expectativas. As amarguras diante do desemprego, dos filhos abandonando os estudos, restando como esperança o amanhã menos nublado. Da volta dos filhos aos estudos, de “reparos” na casa. Alguns dos  entrevistados mostram muito a necessidade dos filhos fazerem cursos para enfrentar o mercado de trabalho, também mostram as frustrações diante das novas mudanças, das correrias urbanas levando as pessoas a se comunicarem cada vez menos. Outros já gostariam  de mudar para uma outra cidade, os sonhos, as expectativas são imensas.

Analisou-se também a preocupação desses moradores de estarem sempre “olhando” seus filhos para a questão da droga que está sempre presente, além do sonho de concretizarem os estudos. Percebi esses anseios quando no final de cada entrevista sempre perguntava aos meus entrevistados qual o sonho que não tinham realizado e que gostariam de tê-lo feito.

“ Eu não consigo estudar mais, porque eu tenho tanto compromisso, que eu acho que num da mais. Hoje meu sonho é que meus filhos terminem o básico, que eu possa ajudar né. É, é terminem o segundo grau, ter uma profissão, um espaço, né, acho que é o sonho de toda mãe, não é só o meu é de toda mãe.

Principalmente desses bairros aqui que tem mais necessidade, né. Aqueles que um dia consigam um trabalho, um emprego. O básico pra gente viver, sabe, esse é o meu sonho, sonho mais nada. Uma mansão, uma casa aí, pode ser de primeira, eu não, posso continuar com as mesmas coisas mesmo, não precisa ta de mudando nada, sabe. E é isso…” [62]

A D. Maria Carmem nasceu em Patos de Minas, depois mudou com quatro anos de idade para a zona rural devido ao trabalho dos pais. Voltou para a cidade com seis anos  morando no bairro Vila Operária por cinco anos e depois nove anos no Nossa Sra. da Aparecida. Depois ela foi morar no bairro  Alto da Colina, já então casada, e como tantos outros, ganhou o lote e o material para construir. Conheci a D. Carmem ao visitar a Casa da Sopa Orlando de Barros, pertencente ao Centro Espírita André Luiz. D. Carmem é responsável pela coordenação da fabricação de enxovais para gestantes, além de ajudar na distribuição da sopa e evangelização infantil.

Sua casa é simples, cheia de plantas, mãe de cinco filhos, atualmente apenas dois moram com ela. A maior preocupação de D. Carmem é com relação aos estudos dos seus filhos, que “terminem ao menos o segundo grau”. Transferiu seus filhos para um colégio do centro, diferente dos outros moradores, onde a maioria dos filhos estuda no colégio do bairro.

Para D.Carmem o importante é que seus filhos terminem o segundo grau, pois, isso significa ter um espaço e transporta esse sonho como se fosse o de toda mãe. Esse espaço seria o de um emprego, uma profissão, uma vida digna sem sofrimento. Em 2004, novamente encontrei D. Carmem, perguntei pelos seus filhos, e a resposta foi “pesarosa” os dois haviam sido reprovados um deles já é o segundo ano consecutivo e ambos se encontram desempregados. Os sonhos são amargos, pesados e consolados com pequenas ilusões.

Nem todos irão conseguir o que para D. Carmem seria o básico, terminar o segundo grau.

“O que as pessoas reclamam, pede muito né, pra melhorar é, em relação  aos jovens, né. Tinha que ter uma maneira dessa situação se contornar, sabe de melhorar, nesse sentido…

Por exemplo os meus filhos eu dô uma dura, até dez,  dez e meia eu quero que esteja em casa, né. Eles brincam com o vídeo game, tem o colega do lado que brincam. Agora  ficô aqui na rua do bairro eu tenho medo, né…, a droga ta ai, né. Então a gente tem medo.”

Briga, assim as vezes eu fico sabendo de alguma coisa, mas num tem issso. Mas, eu num vejo, né. Eu saio pra trabalha de manhã, né. Então, os meus meninos num tem grandes problemas com eles. O mais novo gosta muito de jogar futebol.” [63]

Para D. Carmem os seus filhos não podem chegar muito tarde em casa ou ficar na rua. O que tem a rua? Qual o problema com os seus outros vizinhos? Ao mesmo tempo em que D. Carmem diz não acontecer brigas no bairro, mas às vezes fica sabendo. Não vê isso acontecer, mas o medo está sempre presente, “a droga ta aí, né”, e o sonho dos filhos prosseguirem os estudos também. Expectativas, anseios e desilusões caminham juntas nos trajetos urbanos. Sonhos.Expectativas. Anseios. Desejos. Porém, fica a defesa do seu bairro, aquilo que é seu, o local, a marca, quando ela diz que não vê brigas, não tem isso, mas, logo depois, a contradição. Lutas. Permanências.

Ao mesmo tempo em que retrata seus anseios e expectativas, fica também a indagação “tinha que ter uma maneira dessa situação se contornar”, sobram sonhos, talvez alguma possibilidade das coisas mudarem. Certamente foi essa preocupação que levou a D. Carmem a transferir seus filhos para a escola do centro, mesmo diante da distância, das dificuldades, esperanças.

A luta não cessa, a vida pode se “contornar”, criar novas formas, gritar em outros cantos, outros projetos que pudessem ser visualizados.

“ Sô te minha casa mais nada, cê eu tivesse minha casa acho que tava tudo perfeito, se eu conseguisse pra mim, minha casa. Essa aqui é do meu marido. Uma só pra mim, porque como se diz. Igual a última coisa que eu queria na minha vida era casar, eu acho que a dificuldade foi tanta, o trabalho foi tanto que eu num pense, entendeu, tava como se diz de cabeça quente, na hora eu num pensei, então, nossa novinha demais.Eu casei com quinze anos

Eu do certo, eu num brigo, que eu sô muito calada, e ele nossa ele é sistemático até na tampa. Demais sitemático, e eu num gosto, o único vício é o cigarro nóis dois tem, fora isso mais nada,  ele não bebe. Só vejo ele também a noite, ele é assim do serviço pra casa da casa pro serviço.”[64]

As expectativas, os projetos da D. Lucelena se misturam com a sua necessidade presente que é uma casa mais digna e ao mesmo tempo ela faz uma análise de sua vida, as decisões precipitadas. Talvez, se não tivesse casado, os caminhos seriam outros, mas ao mesmo tempo, também fica procurando um consolo, algo que a conforte com sua decisão passada, pois, era “novinha demais”, “nossa novinha demais”. Partes de seus sonhos foram “enterrados”, “nossa novinha”, “a dificuldade foi tanta, o trabalho foi tantona hora eu num pensei”. Os fardos foram tantos, a pobreza, os irmãos  para cuidar na ausência da mãe, a falta de escolhas, de alternativas, de outra vida, sem outros caminhos, “atropelos” nos trajetos urbanos. Vidas atropeladas. “Nossa novinha demais”, seriam esses os atropelos da vida, da infância, sem juventude, o trabalho, o casamento como alternativa de vida, sem escolhas. O presente apenas o sonho de uma casa maior.

Desilusões da vida, do casamento, do passado sem escolhas, da falta de oportunidades, a osteoporose corroendo os seus sonhos, afastada do trabalho, longe da esperança. Nos asfaltos, fardos, cansaços, sonhos corroídos, expectativas diluídas. Encontrei a D. Lucelena no final de 2004 estava grávida, a barriga já estava grande, e o corpo ainda pequeno, frágil, pernas finas, braços finos, o rosto magro. Agora mais uma vida, outros sonhos, novas expectativas. Quando ingressei para o mestrado, necessitava criar contato com pessoas do bairro, foi quando comecei a visitar a Casa da Sopa Orlando de Barros. Ainda hoje visito de vez em quando, ajudo a distribuir a sopa, cestas básicas, revejo alguns ex-alunos, ex-entrevistados como a D. Abadia que começou a frequentar a casa depois que eu a entrevistei. Na entrevista que foi longa conversamos sobre os problemas do seu bairro, dos bairros vizinhos, da falta de vagas nas creches e da Casa da Sopa Orlando de Barros, e através de mim ela ficou sabendo da distribuição de cestas. Agora todo o  sábado ela busca sua cesta e assim, de vez em quando, eu revejo alguns entrevistados como a D. Abadia, Lucelena, Carmem e tantos outros. A vida vai prosseguindo, tomando novas formas, buscando novos projetos, realizando alguns sonhos, perdendo esperanças, olhando novos horizontes, criando novos vínculos, desafiando a pobreza, amargando derrotas, homens vão tecendo vivências nos caminhos urbanos.

“Ah, Patos num oferece muitas expectativa, cê vê, hoje é muito difícil, igual aqui os adolescentes quase  tudo fuma, cê vê é uma coisa que tem, mãe que vai numa reunião de escolinha e ta contano que o filho as veiz aprendeu a fumar droga dentro da escola, entendeu. Então acho que é a falta de emprego. Patos de Minas num oferece muito, igual pro cê vê, os menino do Caic é a coisa mais boa, tem lá dentro, de lá os meninos já sai tudo empregado, igual os meninos aqui de casa, o aqui o menino tem oito anos, ele faiz um mundo de coisa lá no caic, então ele só vem aqui em casa as cinco horas da tarde…

 O William ta no polivalente, o William já só chega aqui em casa as seis horas da tarde. Ai, num tem tempo, ele sai as sete horas da manhã e só chega a tardezinha. Então, os meninos do Caic, sai tudo empregado. Lá oferece, o uniforme, o projeto, né, Regina. Sê, vê, menino de lá, igual aqui no Padre Almir, dentista do Padre Almir, vai lá pro Paulo Borges ou então pro Caic. Não lá no Caic, o menino ta lá, sentiu uma dorzinha é na hora, passo mal é na hora. Então ta sempre oferecendo alguma coisa, e segurança lá na porta do Caic, lá na porta do Caic você nunca tem uma reclamação que menino saiu machucado, que acontece uma briga, que a escola tem segurança. Então acho que hoje Patos de Minas num ta oferecendo muita coisa pros adolescentes não.”[65]

Patos de Minas é uma cidade que não “oferece muita expectativa”, ou seja, sonhos, projetos, poucas ilusões, a D. Lucelena acha isso mais visível para a vida dos jovens. Para ela eram os que mais precisavam de projetos, de poderem sonhar, tecerem expectativas, visualizar novos horizontes, novos destinos, oportunidades. Restam as drogas para os adolescentes em lugar de projetos sociais, pois, como disse a D. Lucelena “Patos de Minas num oferece muito”. O que fica são as lutas, na falta de expectativas, coragem, dores, desilusões. A D. Lucelena tem como solução para os problemas sociais, o Caic e refere-se aos projetos lá existentes, onde os jovens conseguem aprender alguma atividade e assim ingressar no mercado, seriam para ela novas expectativas. Além de serem assistidos no surgimento de algum problema ela chama a atenção a todo o momento para a questão mesmo da cidadania, ser cidadão, poder ter direitos, igualdade de oportunidades, só que coloca de forma como se fosse à cidade que não oferecesse. A cidade seria seus representantes que estão cada vez mais distantes dessa realidade, dessas questões, desses dilemas.

Depois eu perguntei a D. Lucelena o que ela achava do projeto de judô do colégio Padre Almir(localizado no Colina).Hoje o projeto de judô inclui 80 participantes entre crianças e jovens que estudam no colégio. Este projeto é uma parceria da escola com a empresa Agroceres. A escola seleciona os alunos mais “problemáticos” para participarem das aulas desde que eles queiram. Os alunos, então ganham o uniforme e as aulas totalmente gratuitas. E  o professor de judô acompanha o rendimento e a disciplina do aluno, caso não seja satisfatório pode então excluir o aluno. Eu vejo com bons olhos o projeto, tive a oportunidade de dar aulas para alunos que faziam parte do projeto, a preocupação desses alunos era grande de não se verem desligado do projeto, das viagens que aconteciam quando tinha campeonatos em outras cidades. E o rendimento acabava sendo mais significativo em relação aos outros alunos.

“Não, cada um  e a sua opinião, eu acho que incentivano eles a fica mais violento, mais violento porque minha própria cunhada aqui, do lado de cima, tiro os dela por conta de ta usano, porque pro cê vê quebro o braço do outro usando o que ele aprendeu lá na escola. Pra uns né, que tem uns mais calmo. Mas tem uns sempre mais violento, acho que… Acho que incentivo eles a ficar mais violento porque cê tem que vê menino sai da escola e fazeno coisa do outro mundo.”[66]

O fato da D. Lucelena não concordar com o projeto é muito maior que a questão da violência que ela atribui ao projeto, que seria mais um gerador de violência. É que ela gostaria que tivessem mais oficinas como as do Caic. Essas oficinas ensinam atividades que poderiam facilitar o ingresso ao mercado de trabalho, como as aulas de computação, bordado, pintura que acontecem hoje no Caic. É a necessidade de terem que aprender alguma atividade, é uma nova oportunidade,  seria a busca de expectativas, sonhos e não desilusões, violência, desempregos, mas oportunidades, espaços em meio a tantos conflitos.

Em meio a desilusões esses sujeitos vão criando novas ilusões, necessidades. A D. Lucelena deixou muito claro à vontade de ir pra fora, outra cidade, ter novas oportunidades.

“Meu marido ele é adestrador de cavalo, trabalha lá no parque, não igual ele, já chamo ele, igual lá em São Paulo é assim, igual ele é muito bom de serviço, já acostumo a monta na época da festa, essas coisa. Eles falam pra ele vamo lá pra São Paulo, lá é melhor tal, né.. Ele trabalha pelo clube do cavalo, não tem nada a ver com o sindicato, ele trabalha de domingo a domingo, não tem uma folga.”[67]

Expectativas são essas chamas que alimentam a vida desses sujeitos. No final da entrevista a D. Lucelena me acompanhou até a porta de sua casa e ainda continuamos a conversar.Ela disse que o marido tinha que levantar as quatro da manhã, e na época de frio ele ia trabalhar com um cobertor nas costas, pois, não tinha blusa de frio. Também, ela tinha que levantar cedo para preparar o café e a marmita do marido. Tudo isso faz com que ela tenha sonhos, projetos. Esses sujeitos vivem vidas difíceis, duras. Num país onde os direitos têm sido transformados em ajuda restam apenas sonho. Nos dizeres de Vera Telles onde para os pobres “ … é reservado o espaço da assistência social, cujo objetivo não é elevar condições de vida mas minorar a desgraça e ajudar a sobreviver na miséria. Esse é o lugar no qual a pobreza vira “carência”, a justiça se transforma em caridade, mas pela prova do que dela está excluído.” [68]

Tudo isso tem levado esses sujeitos a criarem novos projetos, alguns idealizarem uma outra cidade para morar, como se fosse à solução para os problemas existentes.

    “Ah, não agora é aqui mesmo, agora a casa é minha  né. Eu agora num to em condição, que agora se eu vender  essa  casa e se desse pra mim comprá otra tudo bem que num é que eu gosto mais a gente já acostumo. Mais se eu pudesse eu mudava pra aqui é muito difícil. Pro ce vê pra eu consulta em dezembro e foi agora que ês me chamo, ota veiz eu fiz uma como é que fala, endoscopia. Pois, é, demoro um ano pra mim fazê, ai pra mim entrega o resultado demoro seis méis se fô uma coisa grave.Uai, que vê tem uma vizinha minha pru baxo dessa ota casa aqui, ela tinha problema serissimo no celebro, um tumor no celebro, marco pra marca uma consulta pra ela pra manda ela pra fora com essa cirurgia, o dia em que feiz seis méis aqui em casa que mandasse ela pra faze cirurgia, mais eu falei tanta coisa como seis méis, quando precisa faze uma cirurgia é rápido. Agora oceis espera a pessoa morrer pra depois chama pra faze a cirurgia. Foi até que ela morreu sá, uma muié nova ela tinha uns vinte e poco anos, foi no Regional, foi ali no São Lucas, ela tinha ido em quase todos os hospital aqui, no hospital Nossa Senhora de Fátima também ela fiz radiografia no celebro, mais precisava de ir rápido. Ês deu encaminhamento sô que tinha que esperar a vaga, ai quando era pra ela ir ês num chamo não, mais depois de seis meses que ela tinha morrido é que ês chamo ela.

Mas, aqui acontece isso sim, sempre acontece. E é assim desse jeito que acontece, aqui ser humano vô te contar sofre muito mesmo.

A gente temo o dinheiro vai lá paga ês faiz na hora, agora se fô pagar ês faiz na hora, agora se fô pelo SUS é desse jeito é complicado que ai pelo SUS cê  tem que espera até um ano, até dois ano. Que eu fiz esse exame de vista e já tem mais de um ano que eu marquei essa cirurgia, esse exame, sabe e eu ia ter que faze uma cirurgia  então, vai ficando, essas coisa assim.”[69]

Para D. Antonieta, o ser humano principalmente onde ela mora, tem sofrido muito, não tem sido atendido, como deveria, a espera de uma vaga para consultar é muito demorado, falta agilidade, dignidade, compromisso com a saúde, com a vida das pessoas, dos cidadãos. Falta respeito. Sobram carências. Faltam empregos. Restam filas. Dores. Apertos. Perdas. Já, para D. Eva “é muita gente”, os governantes não dão conta devido ao excesso de pessoas com dificuldades.

“Não, né quando precisa ês até vêm ês fala que ês num olha (policiamento), mas eu acho que olha sá (jovens viciados). É que é problema dimais, sabe.Como diz ês num dá conta, e num dá mesmo não, um tiqui que a gente sai na rua a gente vê.

Tem horário tem toda hora, (transporte público) só que é cheio dimais, mais é que é muita gente né…

Antigamente eu ia (casa da sopa Orlando de Barros) ajudava lá e é até um instistimento né, mas eu acho que aquês muié a maioria podia trabaia né. Num é  só vive só de lá não. Nossa é gente dimais, nossa teve um dia que eu passei…, nossa aquilo enche de gente, de muié, se vê aquês muié gordona mesmo.” [70]

Os problemas para a D. Eva se dariam devido ao excesso de pessoas, ao mesmo tempo em que narra os problemas, ela faz uma análise das causas, o número de pessoas ociosas que deveriam estar procurando um trabalho e ficam dependendo da ajuda de outras pessoas. Outros problemas seriam a quantidade de jovens viciados, “gente dimais”, isso bastaria para as autoridades não “ conseguirem”  solucionar esses dilemas, assim, como o excesso de usuários do transporte público.

A única frustração da D. Eva é devido ao abandono dos estudos por parte de seus filhos, os dois menores ela espera que terminem. Quando perguntei se valeu a pena ter deixado à zona rural e vindo para a cidade, ela foi muito enérgica ao responder que valeu,  ou seja,valeu ter conseguido trabalho, construído a sua casa, os filhos casados, a esperança dos filhos mais novos terminarem os estudos, os projetos para reformar a moradia. Tudo isso valeu a pena. Os trajetos urbanos não são apenas amarguras e desilusões.

“É tudo de lá mesmo. Não eu ia lá era no tempo da mãe, muito nada lá de vez em quando. Não arrependi assim porque que quando eu casei, quando num tinha menino era nova né eu num vi já de uma vez. Ajudava uai, ajudava na roça, ajudava ela lavava ropa e num recebia não minha filha. Num deu nada, nem uma casa. Trabalhei dez ano. E ela falo né que eu num podia muda pra cá não porque eu tinha minino eu ia passa fome. Ela não sê vai vê. Pensei, ah. Num arrependo não”[71]

Agora, para a D. Elza, as amarguras foram muitas, as desilusões imensas, mas a vontade de vencer foi muito maior. No passado o abandono da mãe, o trabalho ainda criança, a vontade de ter prosseguido os estudos,  a luta por vencer o alcoolismo, construir a casa própria, educar os filhos, foram muitos trajetos. E ao responder as  perguntas ela sempre dava um exemplo de vitória de alguma conquista do passado. Desde a fuga da casa do pai quando pequena conseguindo achar sozinha a casa da avó, depois outra fuga sempre associada à obstinação, a insistência, a garra, “eu era do queixo duríssimo”, sempre respondia, sempre desafiava. Esse desafio era muito maior do que responder, brigar com a madrasta, com o pai, mas desafiar a vida, a miséria, o desemprego, o álcool, o nada.

“Ah, lá do bairro, né eu fui trabalha lá no bairro caiçaras de doméstica. Lá eu ia da escola, da escola eu voltava pro serviço de novo, depois que ia pra casa. Depois eu adoeci… deixa eu vê, depois meu pai veio e me levo pra BH…

Ah, a melhor fase da minha vida, hoje eu conto e falei que vô conta pros meninos bisneto. Meu pai me pego e levo pra Patrocínio eu e minha irmã mais velha. Eu tava com onze ano e ela tinha doze na época. É a gente foi passear a minha irmã tava morano lá a mais velha do que eu. E eu nunca tinha morado com meu pai, né, quando eu era criança, né. E a minha irmã, a mulher dele era uma bisca, sabe. Ela só sabia bater e quem apanhava mais era eu, sabe, eu não calava, eu tinha o queixo duríssimo.

Eu tava com nove anos, eu fui pra lá numa sexta-feira pra passear e meu pai me prendeu lá. Era pra volta no domingo ai ele falo que eu num ia volta mais. A minha irmã mais velha já tava lá e minha madrasta comprano ela cum ropa e mais ropa tudo bonito, o dia que a gente…

Ai nois, eu falei vamo embora e ela não, eu num vô não e eu não, vamo embora Sá. Eu vô ocê num vai não. Ai ela pra eu num vim sozinha nóis veio de Patrocínio  andano até o Patão a pé.

Fugindo e menina do céu, meu pai, era sabe e eu fui lá passear e ele me tranco. E eu num gostava nem de Patrocínio nem da mulher dele e eu fui lá e ele me segurando e mesmo assim eu trouxe a minha irmã, sabe. E antes disso quando a gente morava em BH, a minha irmã avó ia lá a gente morava em boa vista e meu pai começo a bate na minha irmã e foi bateno, bateno e eu peguei e fugi e fui para do outro lado da cidade, sozinha. Sabe, atravessei o viaduto, sabe, não, até a minha avó menina do céu…

Eu lembro até a roupa que eu tava, eu tava com o vestido que eu usei no casamento de minha mãe, assim que ela casa e feiz um vestido pra mim e pra minha irmã mais velha do mesmo jeitinho, branco e de corpinho e parece uma gotinha d’água tudo branco…

Ela morava numa favela, num conjunto antigo, sabe. Lá em BH e quando… eu fui com medo do meu pai ta bateno nela e me bater também, sabe. Depois no outro dia ele já tinha andado BH inteira, aonde ele conhecia os lugar que a gente  conhecia ele foi atrás de mim foi me encontra lá na dirdinha. Ou, mais eu lembro que  ele abraçava assim e falava que tinha medo de ter acontecido alguma coisa. Pro cê vê que inteligência, né, eu sai de um lugar pro outro. Ai  com o tempo a gente veio e estabilizo aqui.” [72]

A D. Elza nunca aceitou o conformismo, a madrasta indesejável, o descaso das colegas de trabalho, a dureza da vida. A cada dia sempre confrontava os desafios da vida com sucesso e com vitórias. Tanta obstinação é algo que faz questão de contar futuramente para os netos, bisnetos, porque significa sua determinação diante dos desafios. Sua vida sempre foi de luta de “queixo duríssimo”, nunca curvou ou desistiu, mas tinha determinação, vontade, garra.

As desilusões foram combatidas, as amarguras, lembranças. O presente, a D. Elza quer apenas prosseguir os estudos, já terminou a oitava série, agora falta terminar o segundo grau.

Para a D. Abadia, as desilusões em relação ao salário são grandes. Na época da entrevista o salário mínimo estava no valor de duzentos e quarenta reais, ela trabalhava quatro horas por dia e recebia cem reais.Para ela deveria ser pelo menos a metade do salário mínimo, chegou até a conversar com o prefeito. Diante da vergonha do baixo salário, é obrigada a complementar a renda da família, trabalha de manhã na prefeitura e a tarde como empregada doméstica e “carrega”, como sonho, ter algum dia dinheiro para pagar uma faculdade pros seus filhos. Uma das suas filhas foi minha aluna, a Paula. Era a melhor aluna da sala, sempre estava ensinando os colegas a fazerem os exercícios. Era com pesar que eu sempre  olhava  tanto talento  que dificilmente essa nossa sociedade vai deixar florescer, não sei se ela gostaria de ingressar numa faculdade, ou qual seria seus sonhos, projetos, mas penso que sim. E no fundo ficamos torcendo para que isso aconteça.

A D. Abadia foi uma entrevista muito rica para mim, encontrei uma pessoa que exercia a profissão de gari e de doméstica, mãe de filhos adoráveis, me recepcionou maravilhosamente bem em sua casa simples. As paredes ainda no reboco, sem pinturas e poucos bancos para sentar, roupas penduradas no varal no meio da cozinha. Ela se mostrou  muito a vontade para falar diante do gravador. Os outros entrevistados, de início, mostravam-se receosos. D. Abadia não. Disse que até se eu quisesse utilizar a gravação para pesquisa em sala de aula, não teria o menor problema. Eu esperava encontrar alguém rude, de linguagem empobrecida e de pouca receptividade. Talvez, todos nós, quando saímos de nossas casas um pouco mais confortáveis esperamos encontrar o outro, o trabalhador, o gari, o pedreiro, o carroceiro e tantos outros apenas com farrapos, por vezes somos surpreendidos nas nossas mesmices burguesas. Tantos talentos submersos, tantas vidas apagadas nas durezas das desigualdades. A maior pobreza se torna a nossa de não enxergarmos esse outro ser que quando esbarramos pelas esquinas da vida, já vem o receio de sermos assaltados. São esses olhares que temos criado a cada – dia.

“Aí, é assim, igual por exemplo, tem na época do café, né. Na colheita do café na época da colheita tem muita gente do bairro, o ônibus passa aqui acho que é único da  manhã, é varia a época do ano quando tem época do café é muita gente que vai e tem as que trabalha de empregada doméstica…

É mais ou menos as veiz faiz bico, fica desempregado é tudo quase ao mesmo tempo, dependendo da sorte, vamo supô que a gente eu por exemplo consigo serviço, a Lúcia colega minha consegue, é  quando a gente trabalha de doméstica, as veiz a gente ta gostano do serviço, mais o patrão tem que por causa de é … ah, a  firma ta quebrando enfim, a dificuldade em casa, então, o trabalho de doméstica é mais difícil, fica mais sem serviço

Então tem colega minha que trabalhava por mês agora tão trabalhando treis veiz na semana e tem umas que vai só uma veiz na semana pra da faxina e ganha ai a metade do preço..

Igual eu trabalho no Aurélio Caixeta (bairro) então, assim pessoa rica , né então a gente sempre vê eles falando, né, negócio do desempregado, hoje num ta fácil não…

Hoje a gente vê a própria dona de casa com a mangueira lavando, ai a gente fala ai cadê a fulana, não ta despedida qu eu to se quandição de paga. E as veiz assim uma senhora as veiz ta até viúva mais uns dois rapaiz igual é o caso de uma que teve, então paga outra pessoa pra ajuda. Então eu tenho conhecimento que as pessoa mais rica mesmo que tem condição melhor num ta dano.

É, eu vô ficano por aqui mesmo,eu falo pro meu marido se ele comprar uma fazenda eu vô embora pra fazenda ai as menina, ah não,mãe…

Eu acho assim mesmo, Deus me da minha saúde pra cuida dos meus filhos e um dia mantê uma faculdade,eu tenho uma renda baxa meu marido também, então. A gente num da conta de faze muita coisa por eles, mas no mais como se diz o outro eu num tenho muito o que sonha mais não. Quando eu sonha era quando eu era menina que eu tinha de estudar, né.”[73]

A realização dos filhos estudando também se torna uma concretização de seus próprios sonhos que não foram possíveis, o presente para a D. Abadia, além de estar melhorando a casa se preocupa com os estudos dos filhos já que o salário pouco promete, e talvez a volta para a zona rural. Sonho que também é o de seu pai. Quando ela me falou de sua trajetória fiquei, curiosa para saber de seus pais também. D. Abadia saiu da zona rural criança ainda para trabalhar em casa de família, como fez questão de salientar. Depois sua mãe adoeceu, e seu pai, então, vendeu a fazenda. Perguntei se foi difícil à adaptação de seu pai.

“Eu vim pra cá pequinininha, meus pais ficaram nas Pindaíbas, eu vim a trabalho eu acho que eu tinha uns nove, nem nove eu ia completa ainda. Aí passo algum tempo meus pais vieram pra cidade vendeu, a minha mãe adoeceu ai eles venderam a fazenda lá ai es vieram pra cidade e ai ês ficaram morano aqui…

Eu já vim empregada, de primeiro era assim, a gente vinha direto com ah, … era até a patroa que buscava a empregada na casa do pai,  que era uma responsabilidade e tanto, era assim eles costumavam a falar que era pra gente conviver assim com uma criança tomar conta, mas, isso trabalha, mais. E os filhos eram muitos bons, eles obedeciam mais, né. O patrão era a mesma coisa, que pai, a convivência era muito boa, era tudo diferente, sabe. E se falasse não é não pronto.

Não, meu pai foi fácil sempre foi uma pessoa calma tranqüila, ele sempre trabalhava em lavora, sem estudo. Como se diz aprendeu assim no lombo, é, assim um tempo atrás tinha o Mobral, né. Ai ele entro mal sabe escrever o nome, mas num tem estudo não, era lavoura mesmo.Depois ele conseguiu lá na Agroceres e fico lá muito  tempo…

Assim, até hoje ele trabalha pra ele carrocero, né, e ele fala que tem vontade de mudar pra roça, mas, tem que ter uma companheira, né. A companheira anterior que ele tava morano com ela eu num sei que ele arrumo, num sei que ele vai fazer da vida não.”[74]

A D. Abadia olha tudo a sua volta com tanta positividade, sem pesar, parece que tudo valeu a pena, tudo está bom, mesmo a volta ao campo. Valeu a pena, os filhos prosseguem os estudos, a casa própria, mesmo faltando tantos acabamentos, o emprego de salário minguado. Mas, significa que valeu a pena, tem um trabalho, uma casa, seus sonhos, sua vida valeu. Tem valido a pena. Mesmo sem saber como vai ser de agora em diante  se conseguirá pagar uma faculdade para seus filhos, restam ainda sonhos, projetos.

Ao mesmo tempo também D. Abadia analisa as dificuldades de seus vizinhos, as necessidades que poderiam ser suprimidas se não houvesse ausências de projetos sociais.

“É vê televisão, é o final de semana pra ês, é muito num tem nada aqui no bairro. Rua de lazer, quando é ano político ai ês faiz, mais, assim se num fô é muito raro…

É aqui eu converso muito com os menino porque os menino aqui no bairro, que o Promam é muito perto do rio é lá em baixo, aí é muito difícil, é ta certo que as veiz que a gente num tem que da opinião, as veiz e tudo, é bom se tivesse feito um promam aqui. Hoje os menino de lá ganha 35 reais, né na medida que ês vão atendeno ês vão ganhando pra ês, então, assim, e ficava mais próximo, pegava esse vairro aqui, né, e  e evitava coletivo e evitava menino atravessando de um lado e do outro da  cidade, né, que é muito longe, chega da escola correno, quando é meio dia e quinze tem que pega o coletivo do Novo Horizonte. Então, o certo mesmo seria, o mesmo entre o morador, né, assim, o mesmo o presidente do bairro, das pessoas assim que pretende fazer um promam, uma coisa que tirasse os menino da rua, sabe, pra ês te uma atividade. Lá te tem mais vaga é de manhã e a maioria estuda de manhã.

Então pro bairro, pros adolescentes de 10 a 16 ano a idade critica, né é que falta projeto, um tanto de coisa mais… ajudaria um pouco, né.”[75]

A fala da D. Abadia se acompanha com tantos outros entrevistados que vêem o mesmo problema. Mas, falta vontade política, enquanto isso ficam os jovens transitando de um lado a outro da cidade. E essa preocupação de uma atividade para os jovens, além de eles terem um ofício, também minimizaria as brigas no bairro, seriam menos jovens ociosos. O que representaria uma qualidade de vida melhor.

Enquanto isso, resta as conversas sem resultado com o  Prefeito que, para aumentar o salário dos garis, vai pensar num projeto, mas ao ligarem a televisão suas indignações apenas vão aumentando.

“Eu acho que só Deus mesmo pra ajuda os grandão mesmo a conscientizar, eu tava assistino horário político e apareceu aquele tanto de deputado, né. E eu santa misericórdia só Deus mesmo pra da conta recebe mais de 30 mil capaz no ordenado deles, então. Esse povo lá ta com nosso dinheiro, ai num sobra nada cá pra baixo  mesmo não. É por isso mesmo que o povo ta brigano na política mesmo, né, cada ano que passa…

Já trabalhei de empregada doméstica, de babá de passadera, lavadera, de diarista. Não na prefeitura nois trabalha de seis as deis da manhã e nois ganha 100 reais eu trabalho ali no Nova Floresta treis veis por semana, é … é ruim mesmo so de te uma carga horária na cabeça, ai a gente realmente. Asssim, outro dia eu tava reclamano com o cara que trabalha lá, né, ele não, seis faiz as conta pra voceis vê parece que quem ganha trabalha oito horas por dia, ganha um salário mínimo, né,  parece ai ceis calcula o trabalho de voceis é de seis as deiz, então, pela base tem que sê isso mesmo, ai, mesmo assim eu mais uma vizinha fomos na prefeitura e falamo pro Zé Humberto (Prefeito). Pra ês da um aumento pra nóis, mais, eu falei, mas pelo menos ce pensa numa idéia C~e estuda uma coisa assim, né. E ele, não vô monta um projeto e vejo o que eu arrumo, né. Ai ele vai vê como ajudar nóis.

Ai lá no Nova Floresta eu trabalho treis veis por semana ai eu vô depois do almoço, segunda, quinta depois do almoço e no sábado eu vô de manhã.”[76]

“As pessoas que sabe mais não  procura ensinar nada pra ninguém, é essa a minha indignação. Quanto pior que a pessoa  estiver, melhor ela vai ta, que não vai pisar no calo dela. Então, ninguém procura ajudar ninguém, sabe, tipo cadeia, reformar o ser humano, ensinar a ele uma profissão, qualquer coisa que ele pode fazer é bom pra tirar ele daquele mundo, daquelas drogas, vô te falar droga, se você não tiver uma coisa que te interessa mesmo, sabe, um motivo forte mesmo, pra você largar dela, não larga não, nunca larga…

Aqui você já vai crescendo com a cabeça sabendo que você num vai ser nada. Você cresce com a sua autoestima em baixo mesmo. Mais tem muita gente que não ta nem aí não. Tipo no colina mesmo tem gente que trabalha o mês inteiro pra ir numa loja e comprar roupa cara pra ir ai num baile, e chega no fim do mês o dinheiro dela acabo, fica devendo.”[77]

Tantos jovens como adultos têm as indignações, os descasos, o banal, a normalidade dos indivíduos diante da opulência e da miséria e os que “sabe não procura ensinar nada pra ninguém” . Somente descasos.

“O problema que eu vejo é a tal da pedra que chego aqui em Patos, tem poco tempo, já vejo neguinho aí que era gente boa, já ta roubano, vendendo tudo que tem.

José Geraldo ele é nordestino, tem um disco que chama  terceiro mundo, a capa do disco dele é um monte de prédio e um curral no meio da cidade e um cara tirando leite em cima do prédio, tem uma música dele que fala assim, isso aqui anda tão sujo, bem mais sujo que um grande curral, com tanta boca ta faltando cocho, ta faltando sal. 

Meu pai, o que ele mais fala é em fazenda, agora ele arrendo, só que agora ele não ta dando conta de mais nada já ta velho. Mas, a vontade dele era isso, vende a casa e comprar uma terra, minha mãe já brigo demais com ele por causa disso.”[78]

Tá faltando cocho, tá faltando oportunidades, espaços nos caminhos urbanos, ta faltando, tá faltando comida, tem muito gado, tem muita gente e num tem nada. Não tem empregos, não tem cursos para os jovens se profissionalizarem. Agora para a D, Lucelena talvez se trocasse de prefeito as coisas iriam melhorar.

“Agora pra acaba de melhorar o prefeito tem que sair, que esse prefeito nossa, esse prefeito infelizmente, ele não fez na, nada,nada. Cê vê  ali ele ta entregano casa ali o lote inteirinho, um lote igual esse aqui em dois lote, ele ta construindo, ele ta fazendo favela ali em cima, ce vê, a Chiquinha freqüenta muito a casa da sopa tamém, ce vê ela tem nove filho, dois cômodo e um banheiro, não compensa. A Vilma que morava aqui, ela morava só num cômodo com seis filhos, ele jogo ela lá também. Eu acho que pra Patos ficar melhor tem que sair esse prefeito

São vinte e oito que ê entrego pronta, agora tem essas que ês ta entregano meio lote, que ês partiu, fazeno elas de cumprido, eu já vi cinco dessas.Ele ofereceu pra mim maia minha irmã, falô pega meio lote, eu falei , eu já moro em meio lote, num tem como, eu quero um lugar pra pó minhas coisas, igual todo mundo falo, porque que ocê num tem um filho, eu falei num tem quandição.”[79]

Se as autoridades perguntassem às pessoas sobre suas necessidades, certamente não surgiriam tantos. Isso é afrontar a dignidade humana. Jogar corpos amontoados em espaços reduzidos. Como disse a D. Lucelena, ao invés dos governantes melhorarem a qualidade de vida das pessoas, eles próprios vão criando os descaminhos urbanos, a favela. Para a D. Lucelena, favela seriam pessoas viverem tumultuadas sem espaço, sem cômodos para poderem construir, redefinir de acordo com suas necessidades, padronizar as necessidades de cada um.

 As mudanças são perceptíveis, vão acontecendo no dia-a-dia, nas necessidades cada um. Os valores também vão sendo reelaborados, novas formas de convivência. Para a D. Violeta o medo de receber um vendedor em sua casa  são coisas que não aconteciam no passado.

“Olha, eu já dei aula em São Pedro da Ponte Firme, é, você fazia baile, fazia aquelas festas, é, nossa é diferente demais, todo mundo, e era assim aquele coleguismo, sabe. Então, todo mundo dançava quadrilha, todo mundo tinha, é, é… uma vida assim, é, bem mesmo, sem nada. Agora hoje tudo que você  é… com medo, né…

Não, até um vendedor, né, que vai venderuma coisa você tem medo de comprar, uai. A segurança eu num sei, as veiz, eu falo, assim as veiz é a mudança demais um fato assim, quando tem um pouquinho de respeito, das pessoas a vida era boa, agora num tem nada disso, num tem respeito, num tem respeito, num tem nada. Sê vê um policial passano ai, é a mesma coisa de num ta passano nada. As pessoas mais velha … tanta coisa que ta acontendo, né.”[80]

Essas pequenas desilusões também vão ocorrendo na vida desses sujeitos, não são apenas as amarguras das derrotas, dos projetos não alcançados. Mas também, de alguns, a perda de valores, a correria no dia-a-dia que vão fazendo perder o contato com os amigos.

“Não, eu tenho saudade, era mais unido e tinha muito vizinho aqui, assim, tinha muita amizade, o pessoal conversava muito, a gente encontrava muito. Agora foi ficando muito assim, o pessoal todo mundo correno pra trabalhar, né Sê vê, igual aqui, o pessoal sai cedo chega de noite, né.”[81]

A D. Violeta sente um certo saudosismo em relação ao passado. O presente foi ficando calmo, monótono, com tantas mudanças  acabaram por incorporar novos valores . De professora primária na zona rural, hoje aposentada com os filhos já casados, os amigos todos na correria do dia-a-dia, faz com que ela sinta saudades do passado.

Já para o jovem professor Antônio José Maria, sua vida até os dias de hoje tem sido muito dinâmica, sempre mudando de uma cidade para outra, em busca de estudos, trabalhos. Tudo isso faz com que  ele se sinta frustrado em relação a cidade de Patos de Minas. Ele gosta de onde mora, mas, não vê muitas perspectivas de trabalho, de melhorar de vida.

“Eu saí da minha localidade pra estudar, lá não tinha o segundo grau. Eu sai com o objetivo de estudar, fui pra Lagamar. Eu formei em 87, lá. Depois de lá eu fui pra mineira, em Vazante. Eu fiquei na mineira um ano e meio.

Lá me deu vontade de estudar de novo, eu tinha feito contabilidade, então resolvi a fazer o cientifico, ai eu vi que era mais um diploma que eu ia arruma de segundo grau, então, de lá eu fui pra Uberlândia. Em Uberlândia eu trabalhei de barman . Trabalhei ao lado das Lojas Americanas, morava em republica. Depois, eu trabalhei uns quatro meses de barman, depois eu larguei, depois eu arrumei um serviço de Office-boy. Eu tava primeiro morando num pensionato , depois que eu fui para uma  republica, eu e mais seis colegas, cada um de uma cidade diferente….

Só pra trabalho mesmo, eu prestei vestibular de educação física, na UFU, não consegui. Aí, eu não consegui, eu voltei pra São Brás, de São Brás lá tem uma festa que chama Festa do Arroz. Então, nessa festa eu encontrei com um primo meu de Brasília, e ele mando eu vir. Ai fui pra Brasília, teve um concurso público federal, né, do corrreio e eu fiz a prova e passei de primeira. Tava com uns 22, 23 anos. Antes eu trabalhei com materiais descartáveis , eu trabalhei com materiais descartáveis nove, dez, meses.

Brasília eu morei seis anos e meio. Não, prestei vestibular pra geografia, passei, em formosa Goiás, mas não quis fazer faculdade. Por causa das despesas, da distância. Ficava caro pra mim….

Ai, por causa da distância, da correria, do transporte, o cansaço não deixa eu encarar. Lá dentro do correio mesmo eu fiquei quatro anos. Tentei transferir aqui pra Patos, mas vim pra cá tentei vestibular pra História, passei no vestibular, fui aprovado, mas eu num consegui a transferência. Como a faculdade aqui é particular, aqui… eu  num vi embora, porque, como é que eu ia chegar aqui sem trabalho, então não tinha condição. Ai fui embora. Isso demoro dois anos, o primeiro ano eu não consegui, cancelei a minha faculdade aqui. E no ano seguinte, eu prestei novamente, no inicio do ano, ai eu vim de novo e passei. E quando foi no dia 12 de dezembro, minha transferência saiu, no dia 16 eu já tava dentro de Patos…

Não, é uma cidade boa pra se morar…é mas, não existe uma cidade boa… é, uma cidade fértil igual Patos, a todo vapor, que não existe igual Patos é, surgindo novos bairros, mas, não existe uma cidade boa se não tiver campo de trabalho pra população. Então, não adianta só morar na cidade, né, te uma qualidade de vida. A qualidade de vida também envolve, né…num adianta ter clima bom, sem violência, sem a correria das grandes cidades, Uberlândia, Brasília, né… e das violência, e ainda não é violenta em proporção ao tamanho que a cidade ta crescendo, da população, ainda não é considerada uma cidade violenta, uma cidade boa .

Mas, o que falta em relação às cidades grandes como Uberlândia é questão de industria pra solucionar o problema … é , pra melhorar a qualidade de vida da população, né. A cidade cresce e acaba que no problema da violência futuramente, senão tem industria.”[82]

O passado do professor Antônio foi muito corrido, intenso, sempre em busca de estudos, trabalhos. Mas, ele ainda não achou seu lugar. Pretende se mudar de Patos de Minas. Disse que tinha vontade de ir pra Palmas (Tocantins) dar aulas, acha que lá teria maiores oportunidades. Com um passado de tantas mudanças, tudo isso  tem levado o professor a  querer procurar uma outra cidade. Apesar do discurso de “cidade fértil”, frase sempre muito usada pelas empresas da agroindústria nas propagandas ao longo do ano e que se tornam mais intensas na época da festa da cidade, mas, mesmo isso de nada adianta. Faltam empregos, indústria, não adianta a cidade ser considera pouco violenta, de clima bom, gente hospitaleira, faltam condições para se viver, faltam trabalhos, oportunidades.

Ao mesmo tempo em que ele denuncia essa falta de oportunidades, também mostra que é possível contornar. Pois, saiu de uma cidadezinha do interior, foi para Brasília e passou no concurso para trabalhar no correio e de primeira, ou seja, venceu, conseguiu.

Sua vida sempre foi de muitas mudanças, algumas vezes não conseguiu no momento que queria, mas depois continuou tentando, não queria só mais um diploma de 2º grau, queria ter curso superior, um trabalho, uma cidade que lhe oferecesse oportunidades. E agora Patos de Minas já não está mais oferecendo tudo aquilo que Antônio gostaria para sua vida. Assim, como a D. Lucelena gostaria que seu marido tentasse melhorar a vida em São Paulo. Esses sujeitos elaboram novas ilusões, projetos, outros caminhos possíveis ou não diante das desilusões, dos fracassos.  

As dificuldades no dia-a-dia fazem esses sujeitos repensarem suas trajetórias. Analisam, tiram conclusões positivas, pessimistas, trabalham em novos projetos, visualizam novos  caminhos. A cidade toma proporções imensas. Os desejos não acabam, e assim sujeitos, vão reelaborando suas vidas, fazendo novas amizades, dinamizando a vida, a cidade, amalgamando valores. Buscando soluções, cruzando com as frustrações, trazendo novas vidas, novos caminhos.

Bom, são vários os sonhos eu num tenho um só, são vários. Eu tenho um sonho, por exemplo de chegar a diretoria de uma escola. Eu tenho um sonho de terminar de pagar a minha casa, de quitar, minha mesmo própria, que ainda não é propriamente minha, propriamente dita não é minha, e ter um carro…

Ah, eu tenho do meu tempo de escola, é.. sonho, sonho meu era trabalhar em algum projeto social sem política no meio… tipo uma ong independente, sem envolver prefeito, vereador, com o apoio da comunidade, e também pra não me tornar um  político.

Por exemplo eu tinha vontade de ter por exemplo um  poliesportivo, um ginásio, pra criança, eu tinha vontade, mas, sem envolver político, por que quando envolve essas coisas geralmente em época de campanha acabam usando o nome. Não, é em São Brás que em São Brás eu conheço, é um lugar menor e é um lugar que eu tinha vontade de crescer, né.”[83]

Quando chegar a ser diretor de uma escola talvez, novas expectativas irão surgir, novas necessidades como de um carro, conseguir quitar a casa própria. Assim os sujeitos vão caminhando, diante de ilusões, projetos, expectativas.

A D. Eva está sem trabalho atualmente, mesmo assim não arrepende hora nenhuma de ter vindo para a cidade, ter tentado, ter lutado. O seu único arrependimento foi o de não ter vindo antes, ter ficado tanto tempo sem receber  nem sequer um salário trabalhando na zona rural. Atualmente está tentando arrumar um trabalho, colocou anúncio num dos classificados que circulam semanalmente pela cidade. Ela sente orgulho de ter saído da zona rural e arriscado a vida na cidade. Foi se aperfeiçoando, fazendo cursos.

“Não, nessa época era sá, diara, se eu quisesse trabaia duas veiz por semana eu trabiava que tinha serviço direto agora ta mais dificil, e eu tive que parar, né porque ela adoeceu, né, eu tive que parar eu dexava com a Viviane, mais depois a Viviane tava trabaiano tamém.

Não faxina, só, só, eu não troco faxina  por sirviço nenhum, que a gente ranja né, de doméstica. Não Sá, eu num tenho um pingo de arrependimento, não, como diz era mais difícil porque ocê num tinha um médico, era muito doente os menino tamém era e aqui não, aqui é difici mas, eu cheguei aqui né, eu num conhecia ninguém depois eu fui arrumano, sabe. Depois teve aquês curso do sine, eu peguei fiz tudo, sabe. Porque o que deu preu passa eu passei , sabe. Ês me puseram mais foi na faxina, pruquê tinha mais  pricisão era nas faxina do que lavadera do que passadera, né. Eu lavava mais e dava faxina. Assim, os curso que eu fiz valeu poco, porque ês me pôs foi nos sirviço mais pesado,né.

Mais, eu também dizanimava, tinha dia que ês xingava a gente das quês coisa mais triste, mais nóis num sabia de nada mesmo (fala rindo, um riso de vergonha e tristeza)

Uai, hum sonho que eu gostaria é de ta arrumano um forro sabe. Troca as teia já apodrecida, sabe. É a teia tem que troca que tem dia que eu vo barré sabe, pra fora ai aquês  pó no meio da gente é até uma praga, né com calma a gente rruma”[84]

D. Eva chegou a me mostrar dois sacos de cimento que já havia comprado para reformar a sua casa, porém agora diante do desemprego  o sonho vai ter que ser adiado. A sua vida toda foi uma luta, vitoriosa, sobram  ainda sonho, expectativas. Desejos que seus filhos mais novos prossigam os estudos. Expectativas  de conseguir um trabalho, sonhos de uma casa melhor. E assim a vida caminha junto com os sonhos, projetos, dilemas. Tropeços.  Recomeço. Ilusões.

A D. Antonieta gostaria de estar melhorando sua casa além de poder pagar cursos  para sua filha e sua neta. Gostaria de poder comprar um computador para elas, sabe  que vai ser muito difícil de conseguir, fica então o sentimento de frustração e esperança.

“Mas que eu vô pedi, que eu gostaria de realiza é…, eu tenho certeza que eu não vô consegui não. O que eu tinha o meu sonho o que eu mais precisava que eu tinha vontade meu sonho era esse era, terminar de arrumar minha casa e arruma u serviço e compra um jeito de as menina estuda em casa, igual ês ganha curso eu num pude paga, isso é muito triste.”[85]

A D. Elza  progrediu, tem conseguido ficar longe da bebida devido ao alcoolismo, tem a sua casa própria. Hoje ela consegue olhar no espelho e se admirar. Certamente o passado de dificuldades, do alcoolismo, tudo isso lhe afastou da frente de um espelho, dos olhares dos “outros”, lhe conduzindo  a caminhos árduos.

O passado foi áspero, amargo, o presente tem sido mais calmo, porém, ainda tem que fechar os olhos alguns instantes para continuar vivendo. Mas valeu a pena, tem valido a pena para a D. Elza.

“Você ganha a liberdade, sabe, que liberdade eu pensava assim eu faço o que eu quiser eu não tenho ninguém pra me mandar eu pensava que era assim, é o meu pai e minha mãe que me manda, sabe. Eu não tenho que andar debaixo do pé de ninguém. E realmente eu não tenho não mesmo.

Mas, hoje eu já descobri que a maior liberdade que eu  tenho é aquela que eu faço o que eu não quero. Eu não faço o que eu não quero sabe. Nossa … tudo eu posso fazer, posso. Droga eu posso beber, eu posso sair por aí, mas não me convém gente, quem vai chegar em mim e falar é você num faz isso não, né. Faço, a vida num é da gente, mas lhe convém fazer, né. A liberdade maior é essa que você pode fazer tudo, mas, não deve, sabe. Eu descobri que a nossa felicidade não está no externo, ta no interno. Tem dia que eu to uma pilha, sabe. Nossa não pode nem olhar quando eu num gosto de uma coisa, sabe, eu tenho que fecha o olho, pra eu não ver ai eu vô vivendo, sabe. Eu não faço o que eu não quero. Eu não tenho inveja do progresso dos outros. Igual hoje eu tava falando com a Daisy, se sabe o que é bom que eu acho aqui em casa o quintal até cheio de terra aqui dentro é limpo, isso ai pra mim é progresso. Quando eu vô sair eu tomo um banho eu mesma me admiro, sabe, mas isso tudo porque aqui dentro ta bem gente…”[86]

A esperança conduz sujeitos pelos trajetos urbanos. Sonhos. Ilusões. Os caminhos vão  tecendo vidas, novas vozes emergem pelos asfaltos. Infiltram todos os poros da cidade, de seu comércio, de suas avenidas dispersas. Escolas vão se formando junto a praças, lotes baldios, pontos de ônibus. Nos muros vão se estendendo as roupas para o sol secar, nas calçadas crianças, nos bares desafetos, nos cultos evangélicos, encontros.

No fim do dia, vida, na manhã o recomeço, no passar das horas, sonhos, esperança. Expectativas misturadas em sonhos, a cidade e seus homens, nos cantos, abandonos, desânimos, amarguras, crianças brincando de pegar, outras brigando, junto a fome, esperança, trajetos árduos. Nos asfaltos desfilam permanências, vivências, analfabetismo, descasos alheios, consultas médicas, vagas para o mercado de trabalho, lutas permanentes.A cidade vai se formando na luta de sujeitos, nos cantos diversos, nas desqualificações, nas ruas, tropeços, recomeço.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No início deste trabalho, me senti perdida como os “meus” próprios entrevistados. Necessitava criar canais para contatos, para desenvolver minha pesquisa, buscar sujeitos, entrevistá-los. Aos poucos acabei me sociabilizando numa atmosfera desconhecida.

Ainda me via confusa entre bairros, sujeitos, moradores, preconceitos. A cada entrevista, sentia um enriquecimento maior de minhas perguntas, das colocações de meus entrevistados. Tinha vontade de entrevistar a cidade inteira. Mas, ainda tinha dificuldade de perceber os conflitos e dilemas que viviam os moradores do Alto da Colina.

Foi então, que comecei a entrevistar os moradores vizinhos do Alto da Colina. Posso citar um exemplo que me ajudou a compreender melhor os sujeitos e me libertar das barreiras dos bairros do qual eu havia criado. Após  entrevistar D. Eva (moradora do Colina), logo em um quarteirão  abaixo entrevistei a D. Divina  no bairro Jardim Aquarius. No início fiquei perdida entre bairros, como se eu não pudesse ultrapassar um quarteirão, pois no próximo  já começava outro bairro. Necessitava então, compreender os sujeitos como construtores de seu bairro, e não o contrário do qual eu havia criado. Um bairro não “cria” moradores, sujeitos, e sim, a luta por cidadania, dignidade, é que vão delineando novos personagens nesse universo urbano. Essa foi uma das barreiras que tive de demolir. E aos poucos descobri que podia entrevistar os pais de meus alunos ( trabalhei no colégio do bairro), assim a pesquisa foi se enriquecendo, tomando formas, tendo rostos, carnes humanas, poros, suor, trabalhos coletivos, tomando vidas.

 A maior contribuição que essa pesquisa me proporcionou foi o alargamento dos  “meus olhares”. Ainda encontro meus entrevistados pelas esquinas da cidade, na rua varrendo, nas filas das casas lotéricas. Aos poucos, fico sabendo de alguma conquista. Já outro os dilemas vivenciados. A exemplo de D. Carmem, sempre que a encontro são novas dificuldades enfrentadas devido aos seus dois filhos, um já está respondendo processo depois de uma passagem pela polícia. A vida continua, os meus entrevistados não congelaram em suas expectativas, em seus sonhos.

D. Abadia, sempre que a encontro, me transmite o mesmo sorriso de que continua tudo bem. A filha de D. Antonieta, a Brenda se tornou evangélica. E assim sujeitos, continuam, persistem.

No dia a dia, novas indagações vão surgindo nessa dinâmica da vida. Também circulo por essa cidade. Ainda me faço perguntas a certos questionamentos que não consegui aprofundar nessa pesquisa, mas, para isso seria necessário um estudo a parte, como exemplo a ligação ainda tão forte entre campo e cidade. Esse diálogo que acontece  entre campo e cidade  em Patos de Minas é muito forte.

No mercado Municipal, a qualquer hora do dia, podemos ver senhores com seus chapéus, cigarro de palha, nos bairros afastados do centro, os caminhões transportando os bóias-frias.

Não me propus analisar essa dicotomia entre campo e cidade, pois seria uma outra pesquisa, mas, são fatos que aparecem em minhas entrevistas. Não posso simplesmente apagá-los. Patos de Minas é uma cidade que tem suas peculiaridades, sem grandes indústrias, o  trabalho do homem do campo ajuda muito a dinamizar o comércio local.

O que também atrai esse homem do campo que é essa ilusão, expectativa de viver no meio urbano, também os leva de volta, como boias-frias.

Nesses trajetos, ilusões e desilusões vão surgindo, margeando a vida desses sujeitos.

Algo que também não tive como pesquisar, mas, que, certamente enriqueceria muito este trabalho, são as  “inundações” atuais, lembrando as que ocorriam no Vila Operária. Atualmente, foi construído um bairro perto da área industrial em Patos de Minas que se chama Jardim Paulistano, fica muito próximo ao Rio Paranaíba. Têm acontecido, algumas vezes, de pessoas construírem suas  casas muito próximas as margens do rio e, quando acontece uma chuva um pouco mais forte, logo ficam desabrigadas.

Esses fatos são os canais que esses sujeitos foram criando para terem acesso a cidadania, ao direito de terem ao menos uma casa própria. Hoje não acontece mais a inundação no bairro Vila Operária. Esses sujeitos foram encontrando novas formas de  viver no meio urbano, pressionando as autoridades de outro jeito. Era um bairro que eu não conhecia, mas, devido a essa pesquisa fiquei curiosa por conhecer, seria a história se repetindo “como farsa”. Seriam apenas esses canais de diálogo possíveis.

Essa foi a maior contribuição desta pesquisa, perceber o outro, sua luta, sua história, sua busca por dignidade, por trabalho, cidadania. E não vê-lo como um vadio, um qualquer, que prefere a mendicância a um trabalho.

Essas foram as formas que esses sujeitos encontraram por “gritarem”,  “esbravejarem”, dizendo que sempre estiveram ali, estão lutando e que não precisam de alguém para  pesquisar suas trajetórias e lhes dizerem que eles fazem    história, ajudam a construir essa cidade e são eles os que carregam os fardos mais pesados, amargos. As cidades são sonhos, sujeitos vivendo vidas exploradas, trafegando suas ruas ingratas, buscando dignidade, respeito. Construindo sonhos, ilusões.

FONTES

  1. Entrevistas
  • Antonieta de Lima Julião – 2003 – Bairro Alto da Colina – idade 50 anos – profissão enfermeira.
  • Antônio José Maria – 2003 – Bairro Nova Floresta –idade 34 anos- profissão professor
  • Divina Helena Dias de Azevedo – 2003 – Bairro Jardim Aquarius – profissão do lar
  • Elza Basílio Leal – 2003 – Bairro Jardim Esperança – idade – 38 anos – profissão serviço gerais.
  • Gislene Aparecida Borges da Silva – 2003- Bairro Alto da Colina – idade 34 anos – profissão doméstica .
  • Eva Maria de Morais – 2003 – Bairro Alto da Colina – idade 43 anos- profissão serviços gerais
  • Lucelena dos Santos Oliveira- 2003- Bairro Alto da Colina – idade 25 anos – profissão doméstica.
  • Luis Carlos de  Barcelos-2003- Bairro Nova Floresta-idade 20anos- profissão artesão.
  • Madalena Pinheiro de Souza – 2003 – Bairro Morada do Sol – idade 43 anos- profissão do lar
  • Maria da Gloria Meira Ferreira – 2003 – Bairro Nova Floresta – idade 50 – profissão costureira.
  • Maria Abadia Moreira Andrade – 2003 – idade 35 anos – profissão gari e doméstica.
  • Mozart Leal – 2003 – Bairro Nova Floresta – idade 52 anos –                                        profissão representante comercial
  • Regina Célia dos Santos Oliveira – 2003 – Bairro Alto da Colina – idade 26 anos – profissão do lar.
  • Violeta Maria Calazans – 2003 – Bairro Nova Floresta – idade 64 anos – profissão professora (aposentada)
  • Entrevistas não gravadas
  • Marta  – 2003 – Bairro Novo Horizonte – profissão costureira.
    • Pámela – 2003 – Bairro Novo Horizonte – secretária
  • Censos urbanos do IBGE, 1996.
  • Jornais – período ( 1980-1990 )
    • Folha Diocesana
    • Folha Patense
  • Revistas
    • Debulha
  • Mapas

BIBLIOGRAFIA

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CÁTIA DE CASTRO DIAS

TENSÕES URBANAS – TRAJETÓRIAS E VIVÊNCIAS DE MORADORES DO BAIRRO ALTO DA COLINA NA LUTA PELO ESPAÇO URBANO (PATOS DE MINAS 1980-2004)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA2005


[1] KOURY, Yara Aun. “Narrativas Orais na Investigação da História Social” In: Revista Projeto de História. São Paulo, n.22, jun.2001

[2] Ïdem

[3] PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre ética e história Oral. Projeto de História. N 15. São Paulo, Educ, abr., 1997.

[4] KHOURY, Yara Aun. Narrativas Orais na Investigação da História Social. Revista Projeto de História, São Paulo, n 22, jun.2001.

[5] THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria ou um Planetário de Erros: uma critica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

[6] WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

[7] PORTELLI, Alessandro. “Forma e Significado da História Oral: A pesquisa como um experimento de igualdade”. In Revista Projeto História, São Paulo, n 14, fev. 1997.

[8] MARTINS, Márica Fernandes de Souza. “Da poeira do cerrado ao asfalto da cidade”, sonhos lutas e desafios no deslocamento para o espaço urbano 1980 a 2000. Patos de Minas:Unipam, 2003 (monografia)

[9] Entrevista realizada dia 21/07/03. D.Lucelena dos Santos Oliveira, moradora do bairro Alto da Colina. Naturalidade Patos de Minas, idade 25 anos, escolarização 4 série primária. Profissão doméstica.

[10] Folha Diocesana. Patos de Minas. 1984. Ano XXVlll. P.2

[11] Folha Diocesana. Patos de Minas. 16 de agosto de 1984. n°1225. p.8.

[12] Folha Diocesana. Patos de Minas. 23 de agosto de 1984 .p.1

[13] Folha Diocesana. Patos de Minas. 27 de setembro de 1984. p.1

[14] Entrevista realizada dia 21/07/03 D. Lucelena dos Santos Oliveira. Naturalidade, Patos de Minas, idade 25 anos. Escolarização 4 serie primária, moradora do bairro Alto da Colina.Profissão doméstica

[15] Idem

[16] Idem

[17] idem

[18] idem

[19] Entrevista realizada 10/06/03, Luis Carlos de    Barcelos, morador do bairro Nova Floresta, idade 20 anos, profissão artesão, escolarização 6 serie do ensino fundamental

[20] Entrevista realizada 09/03. Sr Mozart Marquês Gontijo, morador do Nova Floresta, natural: São Gonçalo, escolarização 2 grau ensino médio, profissão: representante comercial, idade 52 anos.

[21] Entrevista realizada dia 15/09/03. D. Eva Maria de Morais. Natural : Areado, Município de Patos de Minas, escolarização 4 serie.Profissão lavadeira, idade 43 anos. Moradora do bairro Alto da Colina.

[22] Entrevista realizada com D. Antonieta de Lima Julião, dia 23/09/03.

[23] Lucelena dos Santos Oliveira21/07/03.

[24] Entrevista realizada dia 01/11/03, com a D Elza Basília Leal, moradora do bairro Jardim Esperança, idade 38 anos, profissão: serviços gerais. Natural: Belo Horizonte. Escolarização 8 serie do ensino fundamental.

[25] Idem

[26] Idem

[27] Elza Basílio 01/11/03

[28] Idem

[29] Entrevista realizada dia11/03 D. Divina Helena Dias de Azevedo, idade 46 anos, escolarização 2 grau completo, magistério. Natural de Major Porto, Distrito de Patos de Minas. Profissão do lar, moradora do Bairro Jardim Aquarius.

[30] Idem

[31] Divina Helena Dias de Azevedo 11/03

[32] Idem

[33] Entrevista realizada 23/09/03. D. Antonieta de Lima Julião.

[34] Idem

[35] Entrevista realizada 10/06/03. Luis Carlos de Barcelos.

[36]  Entrevista realizada dia 27/07/03, professor Antônio José Maria, morador do bairro Nova Floresta, reside pouco mais de um ano e meio no bairro. Idade 34 anos. Natural de São Brás de Minas. Município de Lagamar.Morou em várias cidades, como Vazante, Brasília, Uberlândia, exercendo trabalhos diversos. Hoje trabalha como professor de História em Patos de Minas, se sente realizado na profissão.

[37] Entrevista realizada dia 22/09/03. D. Maria da Glória Meira Ferreira, moradora do Bairro Nova Floresta, idade 50 anos, profissão, costureira.

[38] Entrevista realizada dia 09/08/03. D. Madalena Pinheiro de Souza, moradora do bairro Morada do Sol. Profissão do lar. Idade 43 anos. Natural de Bertioga, município de Presidente Olegário.

[39] Entrevista realizada dia21/07/03. D. Lucelena dos Santos Oliveira.

[40] Idem

[41] Idem

[42] Idem

[43] Idem

[44] Entrevista realizada dia 10/06/03. Luis Carlos de Barcelos.

[45] Entrevista realizada dia 23/09/03. D. Antonieta de Lima Julião.

[46] Entrevista realizada dia 21/07/03. D. Lucelena dos Santos Oliveira.

[47] Idem

[48] Entrevista realizada dia 23/09/03. Antonieta de Lima Julião.

[49] Entrevista dia 15/09/03. Eva Maria de Morais

[50] Entrevista realizada dia 23/09/03. Antonieta de Lima Julião.

[51] Idem

[52] Entrevista realizada dia 09/08/03. Madalena Pinheiro de Souza.

[53] Idem

[54] 15/09/03. Eva Maria de Morais.

[55] Divina Dias de Azevedo.

[56] Entrevista realizada dia 21/07/03.D. Lucelena dos Santos Oliveira

[57] Idem

[58] Entrevista realizada dia23/06/06. Violeta Maria Calazans, moradora do bairro Nova Floresta. Idade 64 anos, profissão professora primária. Natural: Lagamar

[59] Entrevista realizada dia10/03. D Maria Abadia Moreira Andrade. Moradora do bairro Jardim Esperança, idade 35 anos, natural do Distrito de Chumbo, Município de Patos de Minas, escolarização 4 serie primaria. Trabalha de gari pela prefeitura de Patos de Minas e três vezes por semana como empregada doméstica.

[60] Entrevista realizada dia 10/06/03. Luis Carlos de Barcelos

[61] Idem

[62] Entrevista realizada dia 22/01/03 com a D. Maria Carmem Pereira de Paula . profissão doméstica, moradora do Bairro Alto da Colina.idade 39anos. Natural de Patos de Minas.

[63] Idem

[64] Entrevista realizada dia 27/07/03. D. Lucelena dos Santos Oliveira

[65] Idem

[66] Idem

[67] Idem

[68] TELLES, Vera da Silva. Pobreza e cidadania: Figurações da questão social no Brasil Moderno. In: Direitos Sociais. Afinal do que se trata? Ed. UFMG. 1999.

[69] Entrevista realizada dia 23/09/03. D. Antonieta de Lima Julião.

[70] Entrevista realizada dia 15/09/03. D. Eva Maria de Morais.

[71] Idem

[72] Entrevista realizada dia01/11/03.D Elza Basilia Leal.

[73] Entrevista realizada dia 10/03. D. Abadia Moreira Andrade

[74] Idem

[75] Idem

[76] Idem

[77] Entrevista realizada dia 10/06/03. Luis Carlos de Barcelos.

[78] Idem

[79] Entrevista realizada dia 27/07/03. D. Lucelena dos Santos Oliveira.

[80] Entrevista realizada dia 23/06/03. D. Violeta Maria Calazans.

[81] Idem

[82] Entrevista realizada dia 27/07/03. Antonio José Maria.

[83] Idem

[84] Entrevista realizada 15/09/03. D. Eva Maria de Morais

[85] Entrevista realizada dia 23/09/03. D. Antonieta de Lima Julião.

[86] Entrevista realizada dia 01/11/03. D.Elza Basília Leal

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2 comentários

  1. Léo Campos disse:

    Li o resumo e a apresentação. Muito bom seu olhar: enxergar o que se tenta esconder.
    Lembrei de Quarto de Despejo, Maria Carolina de Jesus.

    Curtido por 1 pessoa

    1. Serena De Primavera disse:

      Carolina de Jesus tem uma narrativa maravilhosa que eu gosto muito e lembra a temática da minha dissertação de mestrado que é “O Canto Triste”, Enquanto lá fora a alvorada se agita existe aqui um coração angustiado, aflito que palpita. Quando você entender o cantar dos pássaros começará a entender o porquê da vida. A ave que deixa seu ninho em busca de alimentos para seus filhinhos e ao regressar, que desagradável surpresa, encontrar seu ninho vazio, porque (a mão) degenerada (mão e) seu ninho violou, levando junto seus filhinhos.
      Desesperada ela apoia-se em um galho de uma árvore bem alta e põe-se a cantar; um canto que só ela sabe, pois não é letra conhecida e a música é a inspiração do momento. Seu canto é a prece que ela Suprema ela ao CRIADOR com todas as forças que tí cala. Abre Senhor a inteligência de meus filhos para quando acontecer com ele o que hoje acontece comigo, eles saberem levar ao Todo Poderoso esta mesma prece em forma de canto.

      Acho essa passagem maravilhosa, ou seja, no momento de maior dor o canto. Esse canto em forma de prece. A dissertação de mestrado “Tensões Urbanas”, mostra um pouco disso, essa prece de sujeitos em conflitos, tensões urbanas, e depois de tantas lutas, perdas, o canto como prece.

      Curtido por 2 pessoas

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