Descaminhos de um precipício vazio (texto)

DESCAMINHOS DE UM PRECIPÍCIO VAZIO

(Primavera De Oliveira)

O vento soprava intensamente no final de setembro entre as labaredas das desgraças e os sorrisos dos inocentes. Eram verbos demais para se contar. Atribuições infinitas. Misérias contidas em enlatados coloridos e adocicados. Pisar em degraus, alucinações momentâneas, depredar a alma. Conter o riso e escancarar as mágoas. Caminhar novamente para o fim do ano. Para o início das compras e suas alegrias parceladas.

As reuniões fraternas. Papai Noel. Deus é generoso nas bocas adulteradas. Carregar sonhos, promover diversões, depois mais uma xícara de café, solúvel, sem gosto, amargo e frio. Descaminho. Retomar o início do final contido. Desejar morrer. Acabar. Finalizar. Depois de um brinde, fotografias. Escritas diluídas de imensos vazios. Apenas um sublime caminho vazio. Um precipício grotesco e solitário. Gritos amordaçados. A tortura em cabedais nas bancas promocionais.

Primavera de Oliveira — Send in a voice message: https://anchor.fm/catia-castro8/message

Transcrição

***

O precipício moderno contido em estojos de maquiagens, cursos rápidos, rostos moldados e revirados em prateleiras de supermercado. A velha ao lado analisa o tempo em esferas congratuladas de emoções inválidas. A histeria dos jovens. O riso cambaleante de distorções repreendidas. Novelas.  Recomeços. Suicídios juvenis. Banalização da vida. Sacos vazios preenchidos nas melhores lojas. Promoções no final do mês.

A música doce após um comprimido homeopático. Depois um cigarro e um pedaço de recomeço de sentimentos autênticos. Os pulsos cortados. O jornal embrulhado. O enlatado congelado. Visões modernas. Sapatos coloridos e deprimidos. Emoções gastas. O prazer rápido. A ilusão momentânea e infinita. As crianças brincam ao lado das construções. Tijolos autoritários. A cor opaca. O corpo marcado pelos arranhões revestidos de amor. Os precipícios são muitos. A morte é pequena. E linda, bela, transparente e eterna com sua inocência.

Nem sempre compreendemos os descaminhos e suas bifurcações, entre canções reviramos a alma carregada, rasgada e suja, parecendo mendigos em noites solitárias. Somos matérias ruídas, desejamos o desejo e seus brinquedos. E no trajeto labaredas de incertezas e inocências contidas. As misérias em nossos passos são imensas e brutais.

Em nossos olhares matamos todos os dias uma centelha de vida, um sorriso alegre, estamos vazios e malevolentes. Apedrejar o amigo, arrancar até a última flor e seu suspiro de dor. Torturas urbanas. A humanidade em armas nucleares. Em balas perdidas. Tiroteios dispersos. Facadas impróprias. Vidas destruídas em grupos cristãos. A oração antes da sabatina. Isso mesmo, recapitular todas as formas de destruir, arregimentar o mal, as vísceras expostas e todas as lágrimas encobertas.

Os abismos modernos em lotações de supermercados. Em prateleiras coloridas. Novelas demoníacas demais para serem consumidas. O transe caótico do mal. As emoções incontáveis e indesejadas. Sonhar doces pesadelos. A alma humana encardida e fétida nos umbrais das banalidades. Ser fútil. Consumir alucinações intransigentes. As transgressões da matéria. O roubo do olhar afetuoso.

O amor sobrevive no meio da loucura disfarçada de orações e bons pensamentos. A roda ativada que consomem almas. Tortura semanalmente em posturas impecáveis. A moral limpa e suburbana. A razão aprisionada no labirinto dos instintos. A sexualidade presa ou exposta. As preocupações com as intimidades alheias.

Seres humanos em decomposição assumem postos administrativos, bons cristãos. A fé em Deus é inabalável e o cachimbo de crack tem mais gratidão do que a senhora casta e ordinária. Mantras. Jogos. A puta fede ao lado do manicômio. O esgoto tem mais leveza que criança em berçários. Ordinariamente cantamos hinos cristãos. Bebemos o cálice da discórdia. Das lindas ofensas profanadas em oratórios. E no cair da noite dormimos em nossa eterna inocência.

O feriado suaviza nosso corpo em pedaços. A dormência do desatino. Da insensibilidade do olhar. Assistimos miragens de vidas vividas em gestações. Parir ofensas. Partos demorados. Desejar sentir o precipício abaixo de nossos pés e finalmente sorrir. Abrir o peito em facadas afiadas e libertar toda a escuridão.

Manter o mesmo distanciamento dos encontros solitários. Estar só em uma multidão calorosa, estridente. Morrer todos os dias ao longo da rotina enfadonha. Dos brinquedos repassados pelas mãos calorosas e fraternas. Ser despedaçado, triturado e no final sorrir. Amar a vida, os outros e o outro, e nunca se olhar no espelho. A amorosidade dos amigos. Lindos e gentis amigos em suas felicidades compradas e compartilhadas em cores alegres e festivas. O ser humano servido em pratos esmaltados, barulhentos e cinzentos.

O abraço foi ficando frio, distante. Não encontramos mais um braço ao outro apenas um leve encontrar de tecidos amarrotados. Sem perdão prosseguimos. Somos pedaços caminhando falsamente. Discursos ofegantes e belos. Palavras vibrantes. Gestos genuínos. A conversa carinhosa e devastadora. O veneno preso atrás da garganta. Os vômitos pelos corredores. Náuseas. Imensa náusea.

No horizonte longínquo a epiderme exposta. Somente dizeres afetuosos, a amizade fraterna e visceral. Brincamos com os prazeres mais nefastos, a dor mais latente e desumana. O desprezo sincero e comovido. O abraço vazio e contaminado.

Nas amizades de quinta-feira um chopp comemorativo e eletrizado, as palavras alvoraçadas. A amizade celebrada e divulgada. Caminhos sinceros e inocentes. Verbos comovidos de paixão. A doçura do apego. A presença amorosa e delicada. E depois apenas os olhares em desapego. As facas piscando em silencio e passos mastigados.

A conversa descompromissada, os risos partilhados, as emoções descobertas. Em lados opostos os traidores, as sementes estéreis, as alucinações delirantes dos corações marginais. As mentes insólitas. Conspirações, torturas desconexas. Perseguições enlouquecidos nas vozes delicadas. As orações afetuosas. Os monstros sempre dominam as manchetes e seus ciclos de reuniões.

As comemorações hospitaleiras no final do ano. As amizades balbuciadas em arcadas dentárias de mortos vazios em penteados dourados. Belezas de molduras. Entranhas consumidas pelos vermes. O hálito dos cadáveres em unhas de porcelanas. Imensas belezas. Confraternizações em mesas decoradas. A alegria em gorjetas.

Soberania da nação. O novo discurso da ONU. O carro que exibi o som romântico. Esplêndido viver. E mais sublime ainda morrer pelas artérias entupidas de ácidos etílicos. Odisseias modernas. O anti-herói cultuado nas telas, lindo. Um espetáculo de glória e louvor. Amém! As banalidades das moralidades vestidas pelo avesso. Ainda bem. Todo cristão é falso, ordinário e mesquinho. Tenham fé ou não. A hóstia consumida pelos irmãos em orgias orquestrada na difamação dos outros.

Soberba. Belezas entediadas em falsas promessas. Sou mais os corredores dos drogados. Das almas sufocadas que se suavizam num cachimbo ou num cálice ordinário. Depois um doce, um drink, uma batida de limão, o sexo até oprimir toda a alma.

As chuvas voltaram e novamente seu encontro. Suavizar a alma gasta, pesada. As sirenes nas ruas. As luzes nos condomínios. O vizinho ouvindo o sermão do pastor. A euforia dos ingratos. Os braços tatuados marcados que nem gados. Rebanhos em redenção. Poder pecar até manchar a alma. Brindar todos os desacordos. Sofrer até sentir a dor. Morrer. Enlouquecer Deus. Recitar seus evangelhos. Urinar no asfalto. Ajoelhar sobre o altar e rezar o mais alto possível dos salmos.

Odeio Deus. Amo a tristeza. A guerra. O caos absoluto. A paz enlouquece. E A gratidão corrompe. A alegria tortura, rasga a pele, sangra os pensamentos. Aterroriza as lembranças. Sentir! Viver em desapego. E novamente as chuvas depois de tantos tormentos. O corpo em febre. O sol enlouquecendo. A tristeza amando todos as congratulações. Viver num espasmo de um dia. Olhar para o precipício e ver a si mesmo. Morrer num dia de outono.  E como todas as folhas, cair, desabar.  Desprender. Aceitar o chão e olhar para o céu.

As cicatrizes são infinitas. O livrinho de mensagens recitadas com tanto amor. As presas envenenadas e o chocalho orquestrado com maestria. Linda menina cristã. Deus sente gratidão. O trabalho autêntico da imoralidade divina. O perdão em hóstias. Os irmãos doentes e em depressão. A silhueta da abominação. Santidades democráticas.

As palavras desenhadas. A eficiência desprovida de conhecimentos. As perseguições mesquinhas e traiçoeiras. Adulterando todas as verdades. Despir a razão. Esfaquear, golpear, rasgar a alma. Os juízes modernos são eficientes. Deficientes. Doentes mentais. Maquinas assassinas. Instituições soberbas. Noticiários felizes. Violências consentidas. Tráficos de bebês. Estufas humanas. Anti-heróis. A cidade incendiada. A beleza grotesca. Tantas poesias na loucura.

 Adolescente manuseando bisturis em seus corpos reluzentes. Marcas grotescas, belezas inconcebíveis. A pele exalando a barbárie. A tortura em lâminas afiadas. Pulos de prédios em construção. Corpos em calçadas. Belezas singulares. Bichinhos humanos. Humanidades em extinção. Corpos diluídos. Nas calçadas os cestos cheios de sacos de lixo orgânico.

A obesidade transparente. Várias camadas doces. O vício em calorias. Vidas ordinárias, fragmentadas. O encontro sempre disperso, rápido, instantâneo.

O ser humano em capsulas solúveis. Beijar todos os corpos e matar a alma afogada dentro de um copo servido sem companhia. A atmosfera grotesca.

Matar, matar, todos os vícios. Cheirar a solidão. Viciar nas distâncias longínquas de poucos quarteirões. As carnes congeladas nas prateleiras de supermercados. Salgadinhos. Pipocas. Telas deslumbrando a vida. Homens em ação. Deus em perdão. Migalhas de afetos. O sorriso mais doce encantou minha alma.

Pobre menino que vive de pequenos furtos. Chinelos nos pés, peito descoberto. Sorriso encantador. No bucho, nada. Na alma tudo. Entre as incertezas viver cada minuto a espera de um milagre.

Falsos santos, pastores em heresia. A Bíblia enclausurada no martírio dos esquecidos. Congratulações. Adoro essa palavra. A loucura dos encontros perdidos e solitários.

Novamente embalagens, felicitações, orgasmos padronizados. Encontros previamente marcados. A roupa despida e a alma encoberta. A luxúria em línguas afiadas.

O céu ainda continua nublado. Descaminhos sobre os caminhos. Agendar uma viagem, tanto tédio. Querer apenas um cobertor para a alma castigada nos delírios de seus pensamentos. Mentir. Sobreviver! Viver de alguma forma entre o céu e as sombras do descaso. Cobrir-se de penúria, misérias de afetos. A pobreza em se viver e amar. Apenas pausas prolongadas, abandonadas pelo tempo distante e corrosivo.

Nas calçadas, ondulações para os pedestres. A rua para os velhos. Os prédios para os esquecidos. O licor azedo sobre a prateleira empoeirada. O espelho manchado e os pensamentos corrompidos. Não se importar mais. Não sentir mais. Não querer mais. Apenas continuar. Os cabelos em cores brancas e o rosto em desespero.

Simplificar a vida. Matar a vida. Sabotagens de nós mesmos em potes de sorvete com caldas de chocolate.

Transitar por ruas descobertas. Dormir no sofá da sala olhando para a esperança. Balbuciar seu enredo grotesco. Vigorar todas as rugas decadentes. Cantar manifestações transeuntes. No final do dia garantir uma vaga no leito do hospital com suas marionetes, vedetes prostituídas de heroína injetáveis. Uma bebida quente para comemorar a vida e suas meretrizes.

O céu ainda continua nublado com suas nuvens carregadas. O cinza moldurando o céu enraivecido. Nos cinemas o novo filme do Coringa. A sociedade exposta, enraivecida e vazia. Sempre foram tempos de violência. Mas essa é histórica, pois carrega na face a brutalidade da solidão humana.

***

Tantos caminhos incertos pelas labaredas do inferno. E no final apenas um contentamento que suaviza a alma. Estamos infinitamente cegos, presos na nossa indiferença desumana. Matamos vários deuses. E depois sucumbimos em nossos precipícios. Isolamos os sentimentos, sorrimos, vestimos roupas alegres. Por instantes adormecemos em nossos pesadelos e sonhamos majestosamente com a felicidade parcelada. Belo. A arte é bela.

***

*Uniformes*

O nariz em coriza. O corpo transbordando. As ligações reunidas. O não. O desprezo. A rejeição. A patética vida sobrecarregada. Nem mesmo mudaram as estações a esperança embrulhada num fraco barato.  De novo as viroses. O chá. As pílulas saboreadas em capsulas coloridas. Papel alumínio. Plásticos. A glote. Novamente o gosto amargo. O buraco infinito no estômago embrulhado, náuseas modernas. O corpo coberto na esquina. Alguns pedaços de vidros espalhados.

Vômitos esporádicos. Sudorese. Estresse em pílulas solúveis.  E a náusea infringindo seus instantes.

No final do corredor a velhinha subiu a escada lentamente. E a luz opaca iluminava seu vulto oco e disperso. O olhar cristalino. Despencar. Depois da subida fadigada, pular no precipício, até desmembrar todos os ossos. E com o dia lindo, o sol alcançando a pele com seu mormaço no final da tarde. Morrer!

O grito da vida desprendendo sobre o piso e seus altares falsos e sombrios. A respiração final sobre as escadas do altar ficou cobertas de vazio e inexistência de um ser bruto em decomposição.

*Papéis Coloridos*

O telefone preso na garganta em acúmulo de horas desprendidas de sentido. Resistentes aos atritos dos sentimentos. Superficialidades. Inesgotáveis mensagens positivas e motivacional. E de novo o vômito. A náusea do dia. Dos amigos inocentes e belos. Provocações no trânsito. Sobre os lençóis cobertos de sexo e anfetaminas. A cocaína sobre a mesa. No interior dos corpos enlaçados. A bebida tão doce e suave. A canção sempre manifestando sua dor. E nas paredes os papeis coloridos refletindo sobre seus corpos. A nudez obscena e sem graça. Apenas peças de roupas jogadas. O gozo adorado e surpreendido. Vibrante. Mas, apenas um instante. E depois as misérias compartilhadas. Vivificadas. Petrificadas e carregadas em pastas executivas.

Cenas patéticas de calçadas etiquetadas. A avalanche dos moradores de rua. A viatura reluzente transitando sobre seus indigentes. O semáforo espetáculo. Os carros parados e indefesos diante da vida exposta sobre o sol do meio dia. As pernas de pau que insiste nas apresentações mais bizarras. E os motoristas indiferentes para o show, presos sobre os vidros automáticos, vivendo vidas tecnológicas. Saquinhos de saquê consumidos e descartados.

Ausências

O corpo grita a presença no recinto socializado. A garrafa de café próxima aos melhores amigos. A indiferença sobre os outros. E a contabilidade impecável depois do sexo na noite anterior.

Comparecer. Não lembrar.

Esquecer. Não revelar.

Migalhas. Indecisões e indiferenças.

Crimes abomináveis. E despercebidos.

O cachorro que foi socorrido enquanto o seu dono em histeria e ataque de cólera foi posto em uma coleira e recolhidos ao abrigo.

Animais que reivindicam os direitos dos animais. Animais humanos abandonados nas ruas e recolhidos depois de transmitir a raiva contagiosa e mortal. Vírus da ausência. Doença do descaso. A insensatez humana em telas.

*Apocalipse em novelas*

A rotina infalível depois de incontáveis dias. O show preso na garganta e depois esquecido pela multidão. A miséria distribuída em cartões. O corpo sendo destituído e depois consumido. Os pesadelos sempre interpretados pelos noticiários. E no final do trabalho os corpos distribuídos sobre a mesa e saciados pelos olhares ofegantes. Viver! A beleza distribuída, compartilhada. Os amores selecionados e degustados. Saber ser poesia, música no fim do dia, tapetes reluzentes para os sapatos brilhantes.

A dívida socializada. O beco sujo, distante da metrópole. O cesto de lixo invadido pelos humanos contingenciados. A massa humana destituída de todos os seus anseios. Parágrafos para a vida. Ruídos para a morte. Maquiagem para os cadáveres. Três girassóis plantados no jardim e um gnomo sorrindo alegremente após gotas de chuvas serem distribuídas.

A grama molhada. A alma seca. O sorriso cada vez mais branco. As pílulas sobre as prateleiras. Os homens em bancos, mortos em catacumbas. Depois levantam com seus rostos postos sobre o chão. O céu nunca admirado. O vento nunca sentido. O cheiro fresco nunca percebido. Morrer todos os dias em migalhas patéticas. Vidas desprezíveis.

Nas manhãs cada vez mais embrulhos reluzentes. Nos bairros afastados os humanos denunciam suas feridas. Latem para seus vizinhos. O toque de recolher. A bebida ingerida. O crack denuncia o que sobrou de uma vida. O prazer insaciável. A natalidade interrompida. Os anos iniciais interrompidos. Depósitos de seres humanos. Caixas cheias de crianças. Sentadas com olhares esquecidos. O sorriso do pouco possuído. Um corredor imenso vazio. Depois o pessoal da limpeza organizando as mesas dispersas e reviradas. O lixo no chão. O lixo atravessando o portão. Os familiares tomando suas sacolas, depois de um dia sobrecarregado. Apenas segurando suas sacolas, sem abraços ou beijos fraternos. O cachorro acompanha a família desconhecida.

Nas ruas a sirene denunciando a violência. E nos bancos escolares o sorriso, corroídos pelo crack. O corpo esquelético. A incapacidade de compreender. Adolescentes compartilhando suas bebidas. Dejetos de seres humanos. A miséria enraivecida. O corpo intragável, improprio para o consumo. Jornadas desumanas. E sobre as calçadas os cachorros abandonados se reúnem nos seus grupos humanos.

O homem preso no seu horário. Em seus encontros ineficientes.

*Instantes*

Era final de tarde o corredor com seus barulhos de sapatos. A luz opaca no final, os assentos envelhecidos. Sobre as mãos o apoio revelando o tempo. Os executivos com suas pastas. A secretária obesa disforme, desfila por entre as cadeiras, mesas empilhados no vazio deserto humano.

*Momentos*

A música entorpece a alma fatigada. Um momento sublime de leveza. A criança parece deslizar sobre o concreto. Nesse universo obscuro os momentos tocam nosso rosto e acariciam a nossa ausência. Pisamos sobre o asfalto com passos de devoção. Não olhamos os rostos, nem as flores, apenas cativamos os deuses. Sufocamos o vazio com uma taça corrosiva de anfetaminas. Morremos. Todos os dias! Recusamos a viver. Como é difícil lutar para viver. Reconhecer o vazio aberto no concreto que pisamos incessantemente.

Mentimos!

Sorrimos!

Amamos os momentos, pequenos instantes que suavizam décadas de tortura. Compramos um bichinho. Patético. Recusamos outras vidas. Negamos compartilhar sentimentos.

Contabilizar!

Devoluções de amores emprestados. Vidas em prateleiras! Poeiras.

SER, sozinho. A beleza presa numa mente insana. Depois a violência. Os corpos atirados. Os objetos jogados. Os passos cambaleantes.

Ilusões! Muros descontruídos. Favelas abandonadas. Crianças soltas em calçadas ásperas. Viver é doloroso. O medo escraviza. Rouba os sonhos. Trancam a alma.

*Pergaminho*

O passado arrasta os nossos sonhos. A palidez do abandono. Viver apenas com você e todos os seus demônios. As lembranças. O desprezo. A mais completa solidão alimentando por todos os dias a alma torturada. A loucura dos pensamentos consumindo o corpo e todas as suas entranhas.

Ousar rezar. Ousar odiar. Ousar não sentir. No final “amor fati”. Tudo vale a pena. Somente viver, mesmo que seja uma pequena gota pingando por um instante num imenso oceano. Vale a pene por esse milésimo de sentimento que destrói todos os dias perdidos. A humanidade no final sempre vale a pena. Por um misero segundo de sentimento. Um toque. Apenas um suave capricho de um instante.

*Morrer*

As cadeiras de madeira agrupadas em filas desproporcionais. Todos os dias no mesmo horário ele sentava em seu devido lugar. Demorou a amar. Depois continuou a existir. Os instantes foram se apagando. O olhar sempre foi baixo, desconexo. A vida meticulosamente miserável. A garota tinha cabelos castanhos e o nome adoçava o paladar. Mel. Os encontros duraram um semestre. A vida foi vivida por um mísero semestre. Depois uma vala absorvendo sua insignificância, seus tormentos, sua dor. Morrer depressa demais, até o último suspiro. E tragar a última dor. Sobreviver na cova.

Enfim, conseguir acabar com todos os sonhos que nunca iriam ser vividos. No braço desenhado no passado, o relógio de bolso junto com a carpa. Os últimos desenhos não foram todos traçados. Apenas o esboço da cova. O crânio e a faca sublinhada. A finitude golpeada com o martelo e triturada pelos amigos. O coração cravado com a lâmina recém afiada. A juventude assassinada pela ignorância. A ausência de livros e humanismo. A dor do sangue espalhado pelo concreto. O corpo esquartejado, e todos os sonhos roubados.

*Jardins*

A pele suaviza o ser bruto. O toque abranda a violência. O amor mata qualquer assassino. A solidão e o abandono transformam flores e depois um jardim inteiro é tomado pelos espinhos. E o abandono floresce e se alastra até ninguém mais conseguir entrar.

A desordem leva todos para a guerra. Vivemos período de autodestruição. Estamos em agonia, sobrevivendo de pequenos suprimentos de afeto. E no final continuamos. Alguns arrastam tantos objetos. Cargas humanas. Outros desprezam cada sabor. A arrogância. O véu da soberba. No final apenas a vontade de reiniciar e apagar nossos fracassos. Tantos pecados acumulados. Os erros grotescos. Correr. Começar a correr. Na impossibilidade de mudarmos nossas trajetórias, vamos ficando com tantos pecados acumulados, pagos em parcelas promocionais.

A página agora possui uma chave Pix para que você possa colaborar com qualquer valor! Anote a chave e contribua para mantermos novas histórias. Chave: catiacatia178@gmail.com

Publicidade

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s