
ATRAVÉS DA JANELA Selene de Maio Selene de Maio, escritora da primavera, de romances intensos e nebulosos. Fragmentada em ilusões amorosas. Instantes audaciosos e inesquecíveis. Um prazer contido em cada página. Um coração roubado e fervilhado do mais puro êxtase momentâneo. (Primavera De Oliveira) Um amor num espaço de tempo. A infinidade de se amar. […]
Um amor num espaço de tempo. A infinidade de se amar. Buscar o inalcançável e depois sucumbir ao prazer, desmembrando cada parte do corpo em um êxtase profundo.
O livro “Através da Janela”, narra todos os alicerces demolidos
de uma nova paixão. Sejam bem-vindos a cada página desfigurada
desse amor
doentio e sombrio.
(Selene De Maio)
Viver como luzes incandescentes na mais completa escuridão.
(Primavera De Oliveira)
A noite nunca foi solitária. O céu sempre acompanhou você nos mais tórridos dos destinos. (Selene De Maio)
COMO CONTINUAR?
Um espaço na eternidade. Nesse vazio gritante sussurro seu nome. Vejo seus precipícios. E como são belos. Poder te tocar, apreciar, sentir seu gosto, sua boca decadente e infame.
Tragédias humanas. Deterioramos entre escolhas solitárias. Te amo. E como eu amo. Perdidamente? Não! Não mesmo. Amo seus olhos e toda a sua insensatez. E ainda continuo a amar seu corpo. Seu gosto. Suas ruínas. Todo esse seu desprezo.
Ontem olhei para a sua janela. Penumbras? Talvez uma taça em ruídos dilacerados pelo chão. Ainda sinto seu gosto. Sua boca sufocando meus gritos. Sua língua amaciando minha pele, percorrendo meus poros, minha glote.
Descruzo minhas pernas e trepo ordinariamente. Como é bom sorrir. Enlouquecer. E depois adormecer o meu corpo em seu peito retalhado.
Hoje despeço de nossos encontros. Busco um pouco de lucidez. Visto meu manto de solidão. O calor é doce, suave, desliza sobre minha pele. Deito-me sobre a cama e masturbo com meus olhos sobre você. Gozo maravilhosamente sobre sua face maldita.
Apenas nesse instante, desprezo. Escárnio. Retribuir feridas. Esfaqueamos nossas verdades e depois voltamos para nossa casa sombria e cada vez mais solitária.
O rosto no espelho nunca mais foi o mesmo. O sorriso tem profundidades inalcançáveis.
Conseguimos cantar em silêncio. Chorar no desprezo. Nem mais fingimos, apenas somos o que nos tornamos. Monstros fraternos. Desertos. Montanhas de areias. Olhamos para esse mar maravilhoso do deserto. Pisamos em princípios, sentamo-nos e sorrimos.
Olhamos para esse abismo e sentimos toda a paz adormecer nossas mentes. E o corpo finalmente aceita a morte. E levemente sorrimos. E o meu amor cada dia mais me trouxe um pouco de você. Beijos no infinito.
Como não poderia amá-lo? Todo o ar que eu respiro é você. A cada deslizar dessa caneta eu me perco em leves sorrisos. Meus olhos me trazem você.
Selene de Maio
22/07/2021
I Parte
Meus olhos sempre contiveram você.
(Selene de Maio)
Alucinações passadas
Ontem sonhei que demônios saiam de meu corpo. Eram alucinações malditas. Sem tempo nem espaço. A atmosfera era negra. Impossível olhar o horizonte. Apenas espaço sem paredes. Uma bolha nebulosa.
E minhas tentativas inúteis de não contaminar. Vagões eram separados. Apenas os famintos eram segregados. Em outros espaços os melhores eram selecionados. O caminho era sem volta. Uma escravidão em ruínas.
Vivíamos no terceiro andar isolados, esquecidos do mundo. E a noite contaminava todo o espaço. Tudo sombrio. Nevoeiros de maldição.
Acordei nessa manhã de inverno com esses sonhos entre meus pesadelos repetidos. As dimensões sufocam nossas vidas. E em qual delas podemos viver uma fantasia?
Nada mais me assusta, aos poucos vamos bebendo a noite. E nem mesmo percebemos a ausência da luz. Apenas um horizonte de escuridão, medo e abandono. Sem tristeza, me desespero num altar de mim mesma. Apenas aceitamos.
Continuar?
Acordo com o olhar vazio. Uma leve penumbra no dia. Lembranças de tormentos. A memória apenas fleches de instantes nostálgicos.
Por vezes monstruosos demais para que sejam lembrados na sua íntegra. Desprezo. Ah, esse verme que corrompe nossa alma.
Na época não existia sentido. Mas, hoje compreendo aquele instante que meu olhar congelou por segundos. Existia algo que me fazia sorrir. Uma nuvem de esperança que passeava pelo meu céu de fevereiro. Era um corredor vazio, algo que não poderia ser compreendido nessa dimensão.
O sentimento de pertencimento, talvez houvesse gritos me chamando, guiando, não sei bem explicar.
Existia algo oculto e indecifrável. Meu coração congelou e minha mente tentava compreender.
Apenas nesse momento consigo entender, somente nesse presente as lacunas desse labirinto foram decifradas.
Sei que você estava por entre aquelas paredes. Agora meu passado reflete nessas páginas desse presente infame. E novamente você recusa compreender. Morreu mergulhado em sua exatidão. Suicidamos em quartos separados, nesses rascunhos inacabados.
Quinta-feira negra.
O sorriso melancólico que transborda em cinismo, rebeldia e falência de uma vida. O vazio abrangendo todo o ambiente. Paredes negras.
O chão em abismo. O céu em metáforas. A dor extrema da escolha maldita. Sem vida, sangue, plasma, olfato e olhar. Talvez todas as cifras corrompessem suas artérias. O café ordinário, o cheiro esquecido. O amor nunca vivido.
A procura. O peito em ruína. A aceitação cristã. O peso da família. O sobrenome aplaudido. Esqueceu de ser ele mesmo. Preso em passados de ruínas decadentes de esquinas.
O amor ficou do outro lado da rua, abandonado em sua liberdade. A sina de ser você mesma e transformada em precipícios de jardins. O abismo de uma cama confortável e bela. As gargalhadas voltaram para meu rosto e cada vez mais estridentes.
É difícil ser nós mesmos diante de tantas faces embrutecidas. O concreto da vizinhança sufoca os gritos.
As paredes se tornam bolhas sem cantos. Sem janelas. Sem portas. Apenas o espaço girando, contraindo e dilatando as veias de meus pensamentos. Tudo girando e contraindo o peito. Naufragando os olhos. Sem abraços. Apenas o manto da solidão confrontando e aquecendo a alma.
Os caminhos foram separados tortuosamente. O aprendizado era o oposto de todos os verbos adjacentes. Sombras caminhavam junto com alguns traços de luz.
Você me veio calmamente em semblantes de solidão. Magicamente perdido em sua insensatez. A loucura vestida de razão. Tudo clama misericórdia em sua face.
Amei perdidamente seu semblante de pecados. Pasmem! Nunca alguém refletiu tanto a minha própria face. Os sentimentos foram contraditórios.
Primeiro desejei, amei. Depois odiei cada olhar que remetia sua lembrança. Refletimos nossos fracassos em rostos amaldiçoados.
Esses míseros “rascunhos inacabados”. Sim, você. Não escrevi todo o alcance de meus sentimentos. Na primeira parte apenas descrevi as primeiras ondas do amanhecer. O sol nem mesmo tinha emergido em sua força.
Apenas a lâmina do vento frio e gélido batendo sobre minha face. O precipício nem mesmo tinha sido construído. Simplesmente uma areia deserta, sem conchas ou estrelas do mar. Um deserto infalível de um oceano infinito.
Olhei calmamente seu discurso inicial de arrependimentos e ausências. Um confronto revestido de resignação.
Era novamente fevereiro. Odeio esse mês. Sempre uma surpresa desagradável. Um amor em conta gotas. Um alvoroço juvenil.
Talvez esse despertar de esperança a cada recomeço. Sempre me surpreendo com essa capacidade do ser humano de amar. Recomeçar novamente em um novo formato.
Novas desilusões sombrias, esperançosas, ruidosas. Odeio ter esperança. Deixar despontar um sorriso. Aos poucos vamos nos acostumando com o eterno retorno do amor, e logo depois seu fim no espaço de uma curva.
Tudo termina em ruínas. Depois de um tempo os pedaços dessa insensatez se tornam cenário para o início de um novo amor, porém sem grandes atribuições.
Começou no final de um abismo
Um dia antes foi a temperatura mais baixa dos últimos anos. A geada atingiu os campos do interior, relatos de animais que não suportaram a baixa temperatura e morreram em manadas.
Nos campos o barulho de cacos de vidros, pois quando seus moradores pisavam sobre a relva molhada e petrificada pelo frio intenso que cobriu os dias, e então os estalos em passos. E foi justamente nessa estação mais fria do ano que meu coração aqueceu minha alma.
Sua boca tinha cheiro de pêssego. A maciez do veludo. Os olhos semicerrados. E o seu gosto extremamente adocicado. Foi em uma manhã de inverno com o barulho ensurdecedor do motor do carro ligado e com a conversa febril no telefone, a discussão, o desentendimento. Fiquei olhando. Admirando.
E por um breve momento você desligou, e todos os ruídos desapareceram. Somente nós dois naquele espaço. Eu sei que você continuou me olhado ir embora com as chaves recém roubadas. Ah, que manhã ensurdecedora. Acordou meu pobre coração. O lençol revirado, meu cabelo solto e desiludido. A água quente aguardando o café. Foi num pobre sábado. Parece que ficou num passado tão distante.
E depois novamente nos encontramos. O telefonema da noite anterior. A roupa despida devagarinho. O beijo molhado, quente, vibrante. Uma boca suave, intensa. Uma eternidade dentro de um minuto.
Um oceano dentro de uma única gota. Minha mente começou a girar. O corpo ainda estava quente quando ele foi embora. Os lençóis sempre amassados. Pensei em desistir. Eternizar esse instante de calor em meio ao inverno mais frio dos últimos anos.
Fecho os olhos e escuto o barulho da relva sendo esmagada no caminhar de seus moradores. Parece estilhaços de vidro sendo recolhidos depois de uma intensa luta. O branco dominando a paisagem. O gelo formado em camadas finas sobre a água cristalina.
Mas enquanto vou descrevendo o tempo, vou olhando seu rosto refletido sobre minhas lembranças. A boca, o olhar profundo. Tento respirar inutilmente o seu corpo. Não consigo. Apenas abraço o inalcançável. O amor eterno no início da noite. Nem mesmo esperamos a madrugada.
A despedida sem garantias ou promessas. Apenas o barulho do portão gritando a vida em seu rangido solitário.
Através da Janela
Era final de tarde e o sol ainda continuava vigorando depois da janela. O calor era insuportável, talvez Maomé tivesse alucinações desprezíveis nas temperaturas incandescentes do deserto.
Ainda lembro do frio e minhas pantufas pelos corredores do velho hospital. O câncer que acompanhou minha vida por tantos ciclos.
As lembranças acompanhadas de uma xícara de chá. Ah, sim, todos os dias em intermináveis recomeços. Reconheci sua voz assim que virei o olhar sobre o pedestal de um final de relacionamento.
As migalhas não alimentavam mais a alma desvalida, torturada. Ainda continuo acompanhando sua saga de jardineiro. As flores crescem a cada dia nos canteiros trilhados por suas memoráveis mãos. Tantos afetos desprezados.
Somente nesse ano em que as sombras me alcançaram notei sua doce presença nesses percursos de seringas e morfinas. Abracei tantos carrascos, tanta solidão que me cegaram. Agora reconheço meu abismo acima de minha cabeça. Existia um céu e tanta luz.
JUBARTE
Ah, o som. A insensatez. O saber desprovido de razão. Bom, acredito que tenha sido o calor. Era primavera, o sol queimava, florestas sendo devastadas pelo fogo. E na tarde de domingo o mormaço me lembrando, consumindo minhas memórias.
Tentei mil vezes correr do meu destino, mas você estava lá, tão sério, intenso. Busquei minhas lembranças. Ah, agora percebo, você nunca se aproximou.
Minha presença atormentava. Você fugiu para longe do meu encontro. Corremos do destino e ele apenas nos aproximou ainda mais.
Começo a sorrir. Talvez, o tempo. Ele mesmo, sempre presente, lembrando. E a fita do destino ficou flutuando no céu escaldante.
Labaredas de calor consumiam a vegetação castigada pela seca. E você tão intenso consumia minha seiva, meus orgasmos espalhados pela cama que dormimos sobre a noite incandescente.
E na manhã coberta de sol de primavera, as últimas flores desabaram sobre o concreto escaldante, o céu sem nuvens, límpido e obstinado acompanhou nossos últimos momentos, bem no final da primavera.
Últimas palavras
Sempre sobram espaços para as últimas palavras, aquelas que nunca foram ditas, pronunciadas. O último minuto, as últimas lágrimas caídas, meu Deus, e como elas caem lentamente.
O percurso do rosto até o chão. A cabeça levemente abaixada e as lágrimas pingando igual gotas de chuvas. Os últimos minutos.
E quando a esperança der seu último suspiro sufocada em sua loucura, na busca de se viver, sempre sobrará espaço para as últimas palavras não ditas.
O último cigarro tragado. A taça não bebida. Sempre no último minuto um sopro sufocado do fim de um único suspiro. A esperança depois de longos períodos de agonia, agora silencia no fim dessa primavera maldita. Ah, como é bom dizer adeus.
O intocável tocável destino
Brumas, penduricalhos e nos outros muros, seu rosto sem espelho. Metáforas da angústia.
A escravidão moderna nos noticiários. A primeira boneca depois de uma eternidade. O rosto sem rugas, expressões. Prosopopeias da atualidade.
Compramos embalagens reluzentes para presentes transparentes. Na camiseta decorada, desenhos de unicórnios.
Gargalhadas proféticas. Lembro ainda como se fosse hoje, subi as escadas suavemente acompanhada do seu olhar. O destino com lâminas afiadas mutilou nossa presença.
Depois de tanto tempo a distância trouxe uma brisa de sua presença. Na verdade, foi apenas um sentimento. Uma emoção que foi preenchendo cada sopro de minhas manhãs.
Vejo você mais velho, um pouco mais cansado. Os braços mais fortes. O olhar mais sombrio e o sorriso mais triste. Um desalento sem explicações. Ainda procuro nosso martírio. Os deuses devem estar mesmo loucos com nossa desobediência. Todos os ventos me trazem sua lembrança.
Nossa linha estava o tempo todo próxima, embaralhando nossa angústia, apertando nosso pescoço, cortando nossa carne, agora que o tempo desenrolou todas as pontas, ficaram as cicatrizes expostas. E o coração em pedaços insistindo em bater nossa melodia mais profunda.
Meu querido são brumas que não voltam mais. Pesadelos revestidos de sonhos. Solidão alimentada por anjos. Uma morte lenta e angustiante caminhando lado a lado em nossos malditos passos. E em todo o meu corpo eu vejo você.
Sinto sua presença em todos os dias miseráveis de minha vida. Agora que o laço não corta mais meu pescoço, posso sentir toda a minha solidão e perceber sua presença insistente.
II PARTE
Pesadelos de um passado sombrio e triste, velado na mais pura solidão.
Talvez! Talvez. Quem sabe eu o amasse de verdade. Nenhum de nós dois iremos descobrir. Foi melhor assim. Sem decepções. Nem lençóis amarrotados ou corações despedaçados. Verdades! Apenas nossos corações sabem sobre elas. Malditas verdades. A consciência inerte como neblinas de calor sobre o asfalto.
Somente um céu sem nuvens e o brilho do sol consumindo nossas consciências. Seu beijo nunca mais será lembrado. E sobre o meu rosto nenhuma lágrima será mais desenhada.
As cadeiras vazias do refeitório. No final do corredor a última luz apagada. Ainda consigo escutar a sombra dando seus últimos passos.
Apagar a mente com um leve sorriso sobre os lábios ainda úmidos do seu último beijo de adeus.
(Primavera De Oliveira)
Mármores de pétalas
O frio que cobria meu pescoço era de náilon, fino, cortante e indecifrável. As lembranças em cápsulas paradisíacas. O corredor. Algo me remetia para aquelas portas. A atmosfera suspensa sobre o peso geométrico. Mármore. Deuses gregos em bancos universitários.
Os desenhos sempre em rascunhos de rostos invisíveis. Nossas miseráveis vidas foram sendo redesenhadas, rabiscadas, dilaceradas por nossas escolhas. Talvez, devido a esse coração impossibilitado de sentir.
Os espaços vagos foram sendo ampliados cada vez mais. O peso desse fio invisível e tirano foi estrangulando dia a dia nossa esperança. Começamos a envelhecer e nem mesmo decoramos nosso jardim.
No final do mês iremos comemorar o início da primavera. O céu florescerá em pétalas rubras depois de uma leve chuva de gotas afiadas. Finalmente seremos enterrados sobre nossos jardins floridos.
Quarta-feira
No meio dessa semana interminável, arruíno minha vida docemente. O amor em cápsulas revestidas de solidão. Abandono em afagos eternos de insensatez. Miseráveis vidas. Penduricalhos balançando contra o vento em perfeita harmonia.
A porta voltou com seu ruído majestoso. Uma canção hilariante ressoando nesse vazio imenso. Ontem olhei novamente através de sua janela opaca e sombria.
Apenas um sentimento leve de um passado tão distante, faminto em se viver. Morremos todo entardecer no mais vazio dos tormentos.
As lembranças sussurram nosso instante. Lembranças infinitas de um segundo não vivido. Nos perdemos em labirintos miseráveis de livros empoeirados. Estantes que afrontam nossas vidas.
Os corredores abrigam lembranças. Elas cantam majestosamente. Entre colunas, jardins. Sobre os estilhaços, morfina. Nos sorrisos indefinidos, palavrões contidos do mais puro desprezo. Mergulhamos em nossas loucuras profundas. A escolha sempre foi nossa.
Tártaro
E se eu te dissesse que ainda guardo todos os seus desejos. Um pouco gasto, nem mais tão profundo, apenas raso e insignificante. Aliás, aos poucos percebemos que nada mais importa, vamos ficando ou nos tornando indiferentes. É preciso muita luz para suplantar todo o ambiente sombrio de nossa alma.
Somos sombras de nós mesmos. Os instantes vão se tornando insignificantes. Tudo vai perdendo o sentido, apenas mais um dia, outro recomeço. Novamente outros passos. Outro sorriso indiferente. Novos rostos velhos e distorcidos.
A janela não é mais a mesma. Nem mesmo percebemos se está fechada ou aberta. Tudo vai se torno indiferente. Nem mesmo importamos se existe uma parede ou outras lágrimas. Somente o abismo parece sorrir de verdade em gargalhadas estridentes.
O coração fininho e anêmico. A música precisa ser autêntica. O som deve ser forte, o volume no último patamar das desgraças. Começo a sorrir. Ultimamente não paro de sorrir. A morte deve ter uma programação com altos índices de audiência. Novamente começo a sorrir.
No final do precipício o tártaro lindo e bárbaro como novelas ao acaso. Toda a lucidez no fundo do poço em labaredas perfeitas. Ah, como a loucura se tornou a própria sensatez desses nossos dias de infindáveis ruínas.
Busco em minha memória toda a volúpia de nossos encontros de um passado obstinado em lamentações infames de presentes miseráveis.
Seu sorriso nunca foi intenso. Apenas um leve desenho num rosto arruinado. Tão preso em seu passado. Morto por lembranças, pelas escolhas erradas. Foram tantos os caminhos contornados de incertezas que agora pouco importa.
Erramos em tudo. Sem pecados. Nunca merecemos o nosso próprio perdão. A culpa será nossa única companhia depois de todo esse tempo esquecido.
Panfletos
Era abril quando o coração ainda suportava a esperança em panfletos de esquinas. As escritas contidas em papéis coloridos. Foi numa manhã singela de domingo que atendi seu pedido.
Nos encontramos falidos, mas ainda existia um pequeno brilho de esperança doentia em nossos olhos devastados. Nunca mais encontramos nossos versos. Os cadernos foram todos descartados. Matamos toda a poesia no final de domingo.
Todas as palavras que não foram escritas, nem desenhas ou sentidas. Apenas sufocadas, estrangulas em nosso pensamento. Assassinamos nossa alma, enterramos nossos novelos.
Não tivemos nenhuma missa, nem um canto, nenhum acorde. O túmulo não era mais frio que nossos corpos. Morremos naquela tarde de domingo. Seu corpo não sangrou, minha pele não dissolveu, minha mente finalmente conseguiu alcançar toda a paz perturbadora de uma vida. Finalmente morremos.
Os meses passaram tão rápidos. Começamos tudo novamente. Rastejando. Lambendo as tetas do amor ou da rejeição adúltera e fragmentada de escárnio. Crescemos em desprezo e solidão. E novamente nos encontramos. Esses recomeços de amores indefinidos. Meu coração sempre esteve preso a suas lembranças. Seus tormentos sempre alcançaram minha alma.
Nossos desencontros sempre nos trouxeram todas as misérias dessa única e inexplicável vida. Sem tesouras, sem facas, sem anotações.
Novamente esse maldito desencontro. Os mesmos erros. Insistimos em fugir, corrompemos a esperança. Tragamos bebidas de solidão, adultério encobertos de cocaína e whisky. Beijamos a atmosfera de nossas desgraças.
III Parte
Cortinas em janelas indiscretas. Semblantes de pessoas estranhas em sutilezas densas. Sonhar com o paraíso em chamas depois de consolidadas todas as desgraças em labaredas amaldiçoadas. Sua lembrança suaviza meus pesadelos ruidosos.
(Primavera De Oliveira)
O amor em parcelas gratuitas
Dessa vez sem janelas paradisíacas. O fio puxando levemente a cortina e encobrindo tudo. Desenhos em papéis coloridos. Assumimos nosso desespero em embrulhos de presentes memoráveis de nossas confraternizações demoníacas.
Buscar a morte em paladares adulterados. Em demônios execráveis. Borboletas em novembro.
Meus santos nunca foram confiáveis. Estabeleço tantos cordéis. Todos os bemóis e sustenidos me foram apagados.
Tudo sempre foi mantido em escárnio. Parcelado em tarifas autoritárias, manchadas de abandono.
Sonhei essa noite que você dizia adeus. Senti tanta paz. Chorei em calmarias olhando a correnteza suave deslizar pelas pedras infinitas. Novamente esse início interminável.
Pincéis diluídos em álcool
Os desenhos em rabiscos, envolvendo linhas, páginas manchadas, cabeçalhos vazios, sem assinaturas ou ponto final.
Palavras, traços ao acaso no início da linha. Parágrafos, acentos, sem frases terminadas. Apenas o começo. Novamente o início. De novo o recomeço. O fim sempre o mesmo. Vazio.
Todos os pincéis molhados de puro álcool. A vida pronta a inflamar. Meus demônios são intensos e letrados na mais pura devassidão. Ontem sonhei com sua boca adulterada e pálida do mês de agosto.
Você me veio como uma sombra fresca e sorridente. Morri muitas vezes em seus braços e depois novamente no mais puro desprezo.
Apunhalamos nossos destinos. Através da janela aprisionamos nossos sonhos e esfaqueamos nosso amor delicado. Abandonamos nossos pesadelos em intermináveis noites sobre o luar solitário. Terminamos enlouquecidos em nossas escolhas.
Nossos caminhos nunca mais serão os mesmos. Até que enfim, morremos.
Selene de Maio.
Apontamentos
Era para ser “Borboletas de Novembro”, mas as janelas…
Elas precedem nossos tormentos.
Vivemos escondendo por entre frestas, janelas trancadas e esquecidas.
E por vezes envolvemos em cortinas. Escondemos do mundo, e no final apenas de nós mesmos em cortinas.
Nunca pensei em subtrair ou me envolver em mantos de solidão, apenas cortinas sobre parapeitos.
Como se quisesse cobrir a alma. Esconder do sol. Dessa vida infame e esquisita que nos consomem como mercadorias em prateleiras de supermercados.
Somos os produtos poucos ostentados dessa iguaria vendidas em mercados imundos e povoados dos mais exigentes fregueses.
Meu rosto vislumbra sua face perdida e autoritária.
O meu amor ficou esquecido no fundo da prateleira empoeirada.
Sem preço, promoções ou carrinhos de compras, apenas suplantado por produtos reluzentes.
No final pouco importa se estamos vivendo ou lendo um livro de folhas desiguais.
Apesar do final, sempre recomeçamos em nossas tragédias pessoais. Talvez seria melhor “Borboletas de Novembro”, pouco importa. No final as janelas continuam fechadas e encobertas de mentiras e desprezos.
Meu amor nunca foi de agosto. Apenas recomeços…
No final que bom que nós dois morremos em nossas escolhas.
Finalmente um pouco de paz antes de todo o recomeço amaldiçoado de nossas escolhas indesejáveis. Somos cruéis com nossa face. Seres doentios e esquecidos.
Tramamos contra o destino. Mas, no final continuamos nós mesmos.
Somos matérias gastas. Seres ordinários. Mesquinhos. Fingindo sentir o outro, além de nós mesmos. Misérias…
Tantas pobrezas em se viver! Sentir! Desejar!
Vivemos uma vida inteiras em frações de segundos. Depois ficamos arrastando pela vida esperando sentir esse milésimo de segundo novamente.
Uma vida inteira desperdiçada, esperando.
Meu amor foi muito maior que eu mesma.
Sobre a janela descansa meus fracassos encobertos de cortinas.
E sobre as suas janelas, imensas escadarias que levam para o mesmo precipício que um dia você tentou se ausentar.
O destino e suas armadilhas.
Na esquina o mesmo abismo que no passado enterraram nossos corpos.
Agora somente janelas fechadas.
BORBOLETAS DE NOVEMBRO: Através da Janela — edin763