A MORTE DO AMOR (Texto Completo)

Send in a voice message: https://anchor.fm/catia-castro8/message

A MORTE DO AMOR: quando todas as princesas morreram banhadas no seu próprio sangue

A morte do amor. Todas as princesas morreram banhadas em seu próprio sangue. O universo girou em partículas indivisíveis, pulsos e artérias expostas em potes de geleia. Um portal aberto em matérias de jornais locais.

Outro corpo caído e consumido pelos noticiários. Comentários patéticos de vidas arruinadas. A linda morte do amor em corpos de princesas esqueléticas. A maquiagem sublime e o sorriso estampado nas mídias, mostrando a alegria de uma tarde de domingo.

Felicidades em likes, vestidos reluzentes, alegria em um frasco de refrigerantes, cordas em chuveiros, lençóis presos nas janelas, estiletes afiados, cartelas de comprimidos receitados pelo psiquiatra. O lembrete da mãe sobre a mesa antes do café da manhã.

 A solidão exposta no barulho solitário da porta de entrada. O vazio. O barulho silencioso da solidão. Todas as princesas mortas sobre o seu próprio sangue numa tarde de domingo. A morte do amor no final da página.

(Primavera de Oliveira)

Apenas uma manhã delicada com cheiro de anil

Hoje eu acordei acidentalmente com um cheiro de anjos no ar. Os meus sentidos estavam mais apurados, e uma paz imensa invadiu o meu ser.

Nem mesmo me arrependi de meus escritos malévolos. O dia estava mágico, encantado, sentia-me como nunca antes, o meu coração sorria e os meus lábios obedeciam.

Mas os escritos sinistros e deprimentes tinham que continuar, mesmo com aquele cheiro adocicado que contaminou o meu ambiente. Os anjos sorriram para mim naquela manhã natalina, e eu me vi surpreendendo minha face com um leve sorriso. Mesmo tendo todas as princesas banhadas em seu sangue, algo poético me acompanhava nesses escritos deploráveis.

A morte talvez seja mesmo sublime até para corpos ainda jovens e cheios de sonhos. E o dia todo se mostrou adocicado em meus pensamentos sangrentos.  Continuei manchando as páginas delicadas de gotas vermelhas em cada história que emergia em minha mente doentia e sangrenta. E no final todas as princesas morreram banhadas em seu próprio sangue.

Esse livro não foi escrito para jovens sonhadoras. Adolescentes em sonhos. Ele é cruel demais para olhos inocentes. Nas páginas seguintes histórias tristes e desoladoras consumirão suas mentes.

 Essas páginas foram escritas por histórias criadas unicamente pela minha mente. Alguns acontecimentos nos noticiários locais podem ter influenciado em algum momento minhas emoções. Mas meus escritos são fictícios e os mais verdadeiros possíveis. Porém abstenho-me de qualquer semelhança com acontecimentos reais. Repito novamente, são todas histórias fictícias e se a vida real espelhou qualquer uma delas, apenas lamento o profundo desalento que estamos vivendo.

A autora.

***

No finalzinho da tarde o vestido manchado e o batom borrado ela despencou do penhasco e correu para o nada, estonteante, lindamente bela e enlouquecida.

***

Fevereiro, e o seu namorado terminou o noivado. E com o coração em pedaço ela jogou a chave do quarto e morreu na sua mais profunda solidão.

***

E ela que contava sempre tudo para a sua melhor amiga, naquele dia esqueceu de pedir para guardar o seu segredo. A doce amizade foi logo desfeita depois que todo mundo começou a dar risadas por onde ela passava.

Após o final da aula foi para o banheiro da escola, e de lá, murmuram as más línguas que nunca mais saiu o seu espírito. Dizem que quando as garotas estão sorrindo e dando gargalhadas no espelho, as paredes tremem num soluço sem fim.

***

Era maio… mês das noivas, no corredor do altar as flores emergiam em cânticos lindamente belos. Depois da noite de núpcias seu corpo foi jogado em uma vala de indigentes.

Seus pais nunca mais souberam do seu paradeiro. Dizem que ainda estão viajando na sua linda lua de mel. Apenas os vermes sabem de sua existência.

***

O amor aconteceu num lindo parque de sua cidade, todas as tardes de domingo ela tomava seu sorvete despreocupadamente. O moço sempre pronto do outro lado do banco, parecia até que já sabia o seu horário predileto.

 E assim depois de longas tardes compartilhadas ao longo do ano. No final de dezembro ela mudou o caminho, logo que a chuva começou a cair fininho. E no seu trajeto um saco de plástico engoliu sua juventude, foi arrastada para a mata abandona e devorada, logo depois os cachorros do parque consumiram os restos do seu cadáver.

***

O vestido novinho cheio de flores e cores. E quando seu corpo rodava ele acompanhava numa dança perfeita. A primavera inteira parecia florir em um campo encantando. O sapatinho branco e a fita no cabelo encaracolado ainda davam mais vida para aquele rosto angelical. Deus parecia sorrir.

A mãe se orgulhava, caprichava no laço. Era semana de novenas na sua comunidade. A fé sempre forte e presente nas reuniões da família. No domingo, após a liturgia, o vestidinho florido foi brincar na porta ao lado do altar, eram muitos vasos floridos na entrada.

 E cada flor guardava um cheiro, depois da missa dominical todas as rosas murcharam. Depois de uma semana um agente policial entregou um par de sapato encontrado na estrada vicinal, há alguns quilômetros da igreja do bairro dos operários. No corpo sobraram apenas algumas pétalas pisoteadas.

***

O namoro começou na juventude, apenas catorze aninhos, ele um rapaz bem mais velho, comprando doces e bonecas. Nos seus quinze anos ganhou um vestido sedutor, foi estuprada naquela noite, mas continuou o namoro.

Ganhava agora roupas de mulheres adultas, perfumes, batons, sapato de salto alto. E quando completou dezoito anos quis terminar o namoro. Ele sorriu e despejou três tiros certeiros em seu rosto. Ele aceitou o fim do namoro, e agora poderia novamente comprar outros doces, e outras bonecas.

Dedico esse livro à todas as princesas interrompidas em seus sonhos… num sono eterno, banhado em sangue e desespero.

Para todas as princesas que crescem rapidamente. Apenas um lamento de uma sociedade em decadência.

***

  CAPÍTULO l  

As donzelas que nunca despertaram dos seus sonhos comoventes…

* O Pensamento *

Todas as manhãs eram floridas. O café posto sobre a mesa, o beijo da mãe antes de ir para a escola. A tarde conversava com suas amigas da escola, faziam a lição de casa. Mas teve um dia em que o sol brilhou um pouco mais da varanda de seu apartamento.

O fogo ligado ainda cozinhava a massa de macarrão instantâneo. Lembrou da ligação do dia anterior pedindo para sua amiga não ficar chateada. Pediu com clemência para ela não ficar entristecida.

Quando os peritos chegaram apenas puderam desligar a chama que ainda estava acessa no fogão da sua cozinha. Ainda teve um sopro sobre a calçada antes do último suspiro. Nesse dia ninguém almoçou.

* Trágico *

As fotos foram tiradas assim que os braços começaram a sangrar. Logo depois que pequenas gotas começaram a surgir, seu sorriso iluminou o quarto. Colocou em exposição todas as fotos que conseguiu alcançar. Apenas os amigos visualizaram, seus pais estavam encobertos de trabalhos na rotina diária do dia a dia.

As fotos foram comentadas, ridicularizadas. Ninguém escreveu palavras macias, ou mesmo telefonou dizendo que a vida era linda e majestosa. Nos outros dias a lâmina continuou seu percurso até todas as gotas jorrarem pelo lençol da cama, em um último beijo no espelho, ela acariciou sua face.

* Deslumbrante *

O vestido sensual estava cobrindo um corpo ainda em transformação. Os quadris eram de uma criança. Os seios ainda estavam por surgir. Seus cabelos insistiam em encaracolar.

O batom forte e expressivo. O sorriso do anjo que insistia em brincar. Quando a professora deixava, ela gostava de sentar no chão da sala e copiar do quadro. Era livre e alegre. A única amiga que tinha, gostava de colecionar sapatos.

A duas marcaram um encontro na porta da escola depois do final da aula. Mas apenas uma entrou no carro do moço. E sua amiga ficou por longos anos naquela esquina, esperando aquela garotinha que um dia foi livre pudesse voltar.

* Rapidez momentânea *

A juventude tinha chegado rápido demais, ela nem mesmo lembrava qual tinha sido a sua última boneca companheira de suas brincadeiras. Estava na sexta série do ensino fundamental e era a mais velha da sala.

No corpo as roupas cada vez mais curtas, as blusas sempre bem decotadas, até se tornarem algumas tiras de pano sobre o corpo. O cabelo sempre solto e o sorriso aberto e expressivo.

 O namorado tinha uma moto barulhenta e as corridas ficaram cada vez mais velozes. Até o momento em que os lindos cabelos de sua namorada ficaram deitados sobre o asfalto, encobrindo o rosto daquele sorriso singelo.

 Após o acidente ele subiu em sua moto e acelerou apresado sem nem mesmo olhar para trás. E agora na sexta série da escola todas as meninas tinham a mesma idade.

* Tempestades *

Em meio à tempestades e saudades eternas, buscou em seu pensamento a ternura do passado quando sua mãe lhe acariciava a face.

O coração naquele dia estava apertado, depois que assassinaram seu pai dentro do carro junto com a amante em ligeiras facadas. E então, desenhou seu presente em pulso sangrento, nem mesmo pensou no filho de colo que ficaria da mesma forma que sua vida, em abandono eterno. E assim no berço ficou o pequeno Arthur, em silêncio profundo.

* Surpresa *

O final de semana se aproximava, o vestido pronto e desenhado, aguardava. Pensou na festa, nos amigos que encontraria. O cabelo estava alisado e lindamente arrumado.

Aguardava ansiosa mais uma festa, outros encontros, novos beijos e muitas bebidas coloridas. Ouviu batidas no portão, o cachorro latia como se reconhecesse alguém querido.

Estava ansiosa demais para pensar, apenas esperava o final de semana que se aproximava para rever os amigos.

O portão foi levemente se abrindo, apenas sentiu um impacto no peito e com o rosto no chão olhou para cima e conseguiu perceber apenas o vulto do rosto de seu ex-namorado.

O tiro foi certeiro no seu peito. Ficou caída no chão com o portão meio aberto e a face ensanguentada sobre o concreto. E no armário o vestido lindamente desenhado ficou abandonado.

* Confetes *

O ano tinha sido maravilhoso, muitas amigas. A sala de aula era legal. E sua melhor amiga sempre alegre e cativante. Mostrava na tela do celular o rosto do menino. Ela estava sorridente, um garoto tinha mandado um recado amoroso.

A semana já tinha terminado, era sexta-feira e iria ter uma festa na casa de sua melhor amiga. Estava ansiosa demais para pedir autorização para os pais. Apenas disse que iria visitar a amiga. Aceitou uma bebida gostosa, não sabia o que era aquilo. Depois novamente outro copo.

Acordou despida e com o corpo dormente. Na segunda-feira todos os alunos na escola conversavam pelos cantos. Sua melhor amiga foi sentar do outro lado da sala. O céu parecia desabar, nuvens negras sobre sua cabeça. O corredor parecia rodar, foi para o banheiro da escola e deu vômitos acompanhados de lágrimas.

A festa de quinze anos estava sendo organizada com tanta alegria pelos seus pais. O vestido de princesa, os sapatos macios combinando com o laço.

Os banhos ficaram cada vez mais contínuos, e no final da tarde enrolou o fio do chuveiro no pescoço e nunca mais abriu os olhos para a vida. No corpo ainda tinha rastros de hematomas da festa de sua amiga.

E no enterro de quinze anos, foi sepultada com sua linda coroa de princesa, junto com seu vestido rodeado com laços combinando com seus sapatos. E nos confetes, apenas pás de terra sepultando seus lindos sonhos.

***

  Capítulo 2 

 Os sonhos sempre interrompidos prematuramente. A vida feminina posta sobre uma cova profunda, mas a dor sempre rasa e maldita. Os domínios sobre a fragilidade de ser mulher e a beleza estonteante de quem traz a vida a esse mundo desumano.

* Rotatória *

Era uma linda tarde de domingo, mais precisamente as 17h20, quando Renata contornava a rua dos Milagres, para encontrar sua amiga Luiza.  Os planos para o casamento no final do mês, a amiga que seria uma das madrinhas.

As fotos estavam sendo organizadas para aquela semana. O vestido branco e rendado. Os sonhos finalmente alcançados. O namoro na juventude, os pais que não aceitavam sua união. O apartamento pequeno adquirido com tanto empenho.

 Os amigos enviavam presentes antes do tempo. Todos ajudavam um pouquinho. A barriga já começa a crescer. Já estava ficando tarde, lembrou de buscar a coroa que havia encomendado para sua tia Rubia. Ficou de mostrar para sua amiga, e então, subiu apressada na moto recém adquirida, contornou a giratória da avenida do bairro, quando sentiu seu corpo sendo arremessado para cima do carro.

Ouviu o barulho do impacto do carro com sua moto e o trincar de seus ossos quando seu corpo atingiu o asfalto. Apenas mais um homem bêbado que não parou na rotatória da avenida.

A missa foi celebrada na mesma igreja que estava marcado seu casamento. As mesmas flores escolhidas para o grande dia, agora ornamentava seu caixão.

Na sua lápide a mensagem dizia: Aqui jaz uma rainha e uma futura princesa que não teve tempo de vir a esse mundo. Que Deus acolha em seu seio duas flores que não tiveram tempo para desabrochar.

* Em liberdade *

Apaixonou enlouquecidamente, tinha apenas quatorze anos. Moravam na mesma rua, ele trabalha de ajudante de pedreiro. Ana Beatriz sempre esperava depois do final da tarde o seu encontro, vinha sempre sujo e cansado, lhe dava um beijo e despedia com palavras amorosas.

Nos finais de semana saiam para caminhar na praça, depois comiam um sanduíche e bebiam um refrigerante. O pedido de casamento veio no dia de seu aniversário de quinze anos. As lágrimas caíram de felicidades.

E depois caíram novamente quando ele acertou dois tiros na sua coluna deixando paraplégica para o resto da vida. Ele nunca aceitou seu pedido de separação. As ameaças eram constantes sempre que ele bebia. E o vício começou a ficar cada vez mais frequente.

Todas as tardes ele voltava para a casa com um maço de cigarro e na outra mão uma garrafa de bebida.

Depois do jantar sempre se exaltava, eram socos e pontapés. Alguns dias da semana ele gostava de apagar os cigarros na sua pele despida. Nem seu silêncio e aceitação faziam com que ele parasse.

No dia em que ela pegou um pouco de roupa e colocou em uma sacola para fugir daquilo tudo, e foi correndo até alcançar o portão de sua casa, porém, acabou ficando caída entre o muro e a calçada.

Os vizinhos chamaram a polícia e a ambulância. Seu companheiro ficou preso um ano e depois libertado por boa conduta e por não ter tido antecedentes criminais.

E ela ficou presa na cadeira de rodas pelo resto da vida.

* Contos de princesas *

Era uma vez uma princesa…

Sua mãe sempre começava a contar as histórias dessa forma. Cresceu esperando um príncipe encantado. A vida sempre tinha sido mágica. Tinha nome de rainha, Elizabeth. Nome forte e imponente. Porém, seu nome forte não foi suficiente para salva-la de vinte facadas, quando seu namorado desfechou sobre seu corpo, após o fim de um relacionamento.

* Amor passional *

 Era uma cidadezinha pequena do interior, todos ficaram estarrecidos com a morte brutal de Ana. Pedro sempre tinha sido um pai trabalhador e presente na vida de sua esposa e filha.

Joana, mãe de Ana não conseguia compreender tamanha tragédia. Suas amigas e vizinhas perguntavam o que tinha acontecido com sua filha, e o que ela tinha feito de tão grave para merecer tudo aquilo.

Mesmo tendo sido morta com o corpo cravado de facadas e alguns litros de gasolina jogados sobre suas costas, até tudo virar cinzas, as pessoas ainda achavam que ela tinha feito algo grave.

Sua mãe com a voz rouca e o peito ainda em dor, respondeu com uma pausa angustiante; simplesmente nasceu mulher.

* O Príncipe Encantado *

Era o aniversário de um ano de namoro de Marcos e Gabriela. O jantar romântico, a luz de vela. O anel de relacionamento sério. Até que o telefone de Gabriela tocou inesperadamente, ela não quis atender, o que levantou desconfiança de Marcos. A comida já estava sem gosto, e as velas já tinham sido apagadas.

Entrou no carro em silêncio, e as perguntas e insinuações começaram. No percurso de volta para sua casa, Marcos tomou um caminho diferente.

A rua não tinha saída, com poucas casas que mais pareciam abandonadas, pediu calmamente para a companheira descer do carro.

 Em prantos Gabriela suplicava para ele parar com aquilo. Apenas sentiu um chute no abdômen e depois pisadas sobre seu corpo. E mais chutes foram desferidos. Ainda em prantos, Gabriela tentou se levantar depois que ele havia cessado os golpes.

E com a voz doce e delicada, ele perguntou se ela gostaria de ir para o hospital ou a delegacia. Em soluços e com cabeça girando, disse para ir para o hospital.

O médico perguntou o que tinha acontecido. Apenas um tombo da escada de sua casa. Na segunda vez que Gabriela caiu da escada seu corpo nunca mais se levantou, nem mesmo deu tempo de escolher entre o hospital ou a delegacia. Foi Marcos que dessa vez escolheu, e então levou sua amada para a melhor casa funerária da cidade.

* Maria *

Maria tinha feito cinco queixas contra o marido na delegacia. O mesmo número de tiros que levou no corpo depois de tanto apelo.

* Domingo *

Fabiana almoçou no domingo com sua mãe num pequeno barraco alugado. Estava feliz. No trajeto de volta para sua casa foi arrastada pelo carro do ex-namorado até perder a consciência. E depois no leito do hospital foi novamente arrastada pelos corredores entre tubos e eletrochoques, até dar seu último suspiro.

*  Semana de avaliações *

Juliana nunca tinha faltado um dia sequer de aula na sua vida. Os cadernos com títulos coloridos e os deveres de casa sempre feitos. Na semana de provas não foi a escola. Nem mesmo ligaram para deixar algum recado.

O seu corpo ainda tinha as marcas do padrasto. O estupro seguido de ameaças. E no final ela desistiu de ir à escola, preferiu fazer as provas de seu funeral.

* Dançarina *

A filha tinha ficado na casa da avó, depois que a mãe foi trabalhar numa casa de shows. Conseguiu almejar o sonho querido, agora acompanhava um grupo de funk, dançando coreografias improvisadas.

Ligava toda semana para saber como estava a pequena Mariana. O sonho de trazer a filha para a cidade grande já estava quase pronto. O noivo estava sendo maravilhoso e os preparativos para o casamento, quase finalizados.

Uma semana antes da cerimônia, Luana revelou seu passado de dançaria de casas noturnas, foi estrangulada ali mesmo no terreiro da casa. O noivo saiu correndo da cena do crime. Bateu o carro em um poste, sua reputação foi mantida e de Luana revirada.

Seu passado foi contestado, divulgado nas redes sociais. Mesmo depois de morta continuava a ser assassinada numa sociedade fraterna e cristã.

Foi crucificada em vários noticiários. Apedrejada em cada comentário. E Mariana, cresceu sem saber a verdade de sua mãe, apenas mais uma princesa nas estatísticas de uma sociedade imaculada.

* In memory *

Sua vida foi arrancada sobre chutes e pontapés, o filho ficou olhando para o rosto da mãe enquanto a viatura descia a ladeira do morro, negra, pobre e analfabeta.

Ficou cinco dias em coma, isquemia cerebral provocada por traumatismo cranioencefálico causado por espancamento e desprezo.

Os sonhos foram entregues ao Instituto Médico Legal de sua cidade. Causas do crime, nasceu mulher, negra, pobre e analfabeta. Motivos torpe e desqualificado de qualquer natureza racional.

***********************************

***

Capítulo 3

E os sonhos continuaram banhando as páginas policiais. Mulheres desarmadas, mortas, esganadas, apedrejadas e crucificadas por uma sociedade cada vez mais doente.

Os boatos da vizinhança, diziam ser ela prostituta. Só assim conseguiam justificar o silêncio e a ausência, enquanto ela gritava por socorro e sentia as pauladas caindo sobre o seu corpo.

Era uma travesti, cinco homens amarram, estupraram, apedrejaram, cuspiram e depois ejacularam sobre o seu corpo ainda dando os últimos suspiros. Após o ato, mijaram, fecharam o zíper, deram gargalhadas e foram tomar uma bebida depois de tanta diversão.

* Vestido colado *

A festa tinha acabado cedo demais. O vestido colado ao corpo, branco insinuando todas as curvas, Lucélia, saiu com sua amiga e um moço que haviam conhecido na noite.

No carro os corpos se misturavam em lascívia e devassidão. Após uma discussão Lucélia desceu do carro. A rua estava deserta, porém alguns rapazes bebiam próximo a banca de jornal. E ela queria apenas estender um pouco mais a noite, dizendo palavras quentes ao grupo.

A resposta veio com chupes, socos, caiu várias vezes até compreender tudo aquilo que estava acontecendo. O vestido branco ficou manchado de sangue, o rosto fino e delicado, agora estava todo deformado.

E com a boca sangrando conseguiu ligar para sua mãe pedindo socorro. No hospital apenas a entrada sem vida de mais um corpo espancado pelo ódio de uma sociedade cínica e depravada.

* Três meses *

…apenas três meses juntos, e ela pediu para terminar o relacionamento. Simplesmente não aguenta o ciúme doentio do companheiro. Mas os poucos meses não foi impedimento do sentimento de posse abominável da criatura.

E com quatro tiros de pistola ele ceifou sua vida e seus sonhos. A bela princesa ficou caída e esquecida na praia de frente para o oceano contemplando sua beleza. E sobre o céu as estrelas despejavam lágrimas pela outra estrela caída na areia fria e deserta.

* Márcia *

Laudo oficial da perícia, esganada, violentada e espancada, pelos empresários hoteleiros de sua cidade. Márcia não teve tempo de gritar por socorro. Hoje a mãe dorme no quarto de sua filha, ainda sente o cheiro e a maciez de seus cabelos.

* Um pulo *

Morava sozinha no apartamento do último andar do prédio nobre da avenida Monsenhor Francisco. Voltava do trabalho com algumas compras do supermercado, quando o porteiro surgiu no corredor do prédio e insistiu em ajudar a carregar os produtos.

Pegou algumas sacolas de compras e colocou sobre a mesa do apartamento. E depois pegou seu corpo, vasculhou, mordeu, penetrou exaustivamente. E logo em seguida atirou seu corpo da varanda do apartamento de vista nobre.

Todos pensariam que seria apenas mais um caso de depressão e suicídio. E as compras ficaram intocáveis sobre a mesa da sala de jantar.

* Pedido *

Jonathan pediu insistentemente para que Amanda abortasse, não queria filhos, nem compromissos. Após a recursa da amante foi carbonizada três dias antes do seu aniversário.

* Domingo *

Depois de cinco anos sendo tratada como um animal, Valéria resolveu prestar queixas contra o marido. Dizia que estava confinada em casa, fazendo todas as vontades do companheiro.

O sonho, apenas poder visitar a mãe. A tristeza, talvez nem mesmo a reconhecesse, já estava enraizada em seu corpo como um órgão importante que bombeia o próprio sangue.

Terminado o depoimento subiu a ladeira de sua casa. E nesse instante foi surpreendida com dois tiros certeiros. Caiu rolando alguns quarteirões, nenhum vizinho socorreu. Era apenas mais um animal jogado na rua sem destino.

*Amor fulminante*

As trocas de mensagens amorosas pela internet, não impediu que Carlos enforcasse Yasmim com um cabo de USB, e depois enrolasse sua cabeça num saco plástico. Após o encontro marcado, Carlos não gostou de sua aparência, disse na delegacia que ela ficava muito mais atraente com uma sacola de plástico sobre seu rosto. E se ela não conseguia respirar ele não tinha culpa nenhuma.

* Faca boa de corte *

Mauro sempre matinha suas facas bem afiadas. Todo açougueiro cuida bem de suas princesas, brilhantes, certeiras e bem afiadas.

Foi assim que acertou com apenas um golpe o peito de sua amada. Caiu sem vida no chão da cozinha. O cardápio do almoço daquele dia era peito de frango grelhado na chapa. As ervas dariam o sabor final.

* Acarajé *

A roupa branca, suave e rodada, contrastava com sua pele morena. O sorriso era imenso. A barraca sempre movimentada, gostava de conversar. Era feliz. Selma nunca terminou os estudos. Começou a trabalhar cedo para ajudar as despesas em casa.

O namoro sério começou na juventude. Sandoval era sempre gentil, amoroso. Depois de cinco anos de casados começaram as brigas, o álcool cada vez mais presentes nas discussões.

Era manhã ainda quando Selma foi vender acarajé acompanhada de sua mãe, quando foi surpreendida com um tiro certeiro no peito.

A banca cheia de acarajé caiu junto com seu corpo. O vestido branco e rodado ficou com uma única mancha sobre seu peito. E seu coração alegre e afetuoso parou naquele instante. E nos braços de sua mãe deu seu último suspiro de vida.

***

FINAL

No entardecer todos os amantes juntam seus corpos em afagos e beijos.

No amanhecer depois de tantas discussões noturnas, todos os amantes banham de sangue os lençóis de suas amadas.

Princesas ensanguentadas terminam suas vidas jogadas no chão de seus quartos, ou em lotes abandonados.

Em pedaços as famílias se reconstituem em lembranças.

Todas as princesas mortas e abandonadas por um sistema ineficiente.

Os assassinos cada vez mais livres para matarem novas princesas, outros encantos, novos sonhos sendo banhados em sangue.

A violência contra a mulheres afeta toda a sociedade, mães, filhos órfãos, irmãos desolados, vizinhos inconformados. E a cultura assassina e impune vai se perpetuando como manchas indissolúveis nas mentes violentadas.

A cada geração um novo estupro, uma nova facada, mais uma mulher encontrada seminua por entre ruas e becos esquecidos.

Feminicídio um ódio sem razão. Uma perda valiosa de uma vida majestosa que são as mulheres desse país. Triste manchas silenciadas pelo abandono de nosso estado ineficiente e corrupto.

                                            FIM.

Disponível na Amazon confira: https://amz.onl/gq2It6T

A página agora possui uma chave Pix para que você possa colaborar com qualquer valor! Anote a chave e contribua para mantermos novas histórias. Chave: catiacatia178@gmail.com

Publicidade