Miguel e o céu

Summary

Miguel e o céu: Sobre o azul celeste

(Primavera de Oliveira)

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Miguel e o céu: sobre o azul celeste

O céu era azul corrosivo. A terra seca e estéril. Os sonhos impossíveis de se engolir com a boca seca e trincada. Miguel foi encaixando os pertencentes, colocando tudo dentro do lençol, depois uniu suas pontas e deu um nó. Igual a vida cheias de nódulos, carregando o peso de uma vida. Caminhou por horas pisando na poeira arredia do sertão.

            Andou depressa, por vezes lentamente, a cachorrinha jurubeba acompanhava seu dono sem tristeza alguma. A esposa com o semblante distante. Maria não se dava por vencida. A lembrança dos filhos e netos deixados para trás. A terra infértil. O céu sem nuvens.  O gado magro. A morte assombrando junto com o mormaço do dia. O olhar no horizonte infinito. Nos quilômetros distantes a promessa de um pedaço de terra. Os filhos cresceram, e as bocas para serem alimentadas, aumentaram. O casebre ficou pequeno. A alma encolhida.

Era necessário a travessia. A busca de novos caminhos. Uma outra vida. Miguel depois de um tempo de caminhada, suspirou olhando par o céu. Sem sonhos ou esperanças. Apenas a dor da caminhada e o peito vazio da escolha sentida. O mês era novembro. As chuvas ainda não tinham brotado. A poeira florescia. Algumas pedras, depois a pele cortando a carne. Os poros batidos, apisoados, trincados até revelar a alma. O olhar sem brilho, seco, distante, em sombras, negro e vazio.

Ainda era novembro e a esperança já tinha sido depositada numa cova rasa próximo ao buritizeiro. Nas suas proximidades o vento suavizava a alma, batia no rosto em forma de algodão. Nesse instante dava para sentir o gosto da água na boca, e a maciez de gotas sobre a pele. Depois tudo ficava parado mostrando a vida. Novamente o semblante desabava junto com toda aquela atmosfera.

Ninguém além do céu azul celeste sobre suas cabeças. Nada depois daquele mar de poeira grotesca. Apenas o sol adormecendo a pele enrugada, cravada na alma desatinada. Sem saber se estava vivo ou morto. Em algum lugar entre o chão e o céu. Entre os galhos secos e o mormaço do sertão. Jurubeba abanava o rabo com tanta doçura, sem compreender toda aquela miséria e almas trituradas. Era necessário continuar a caminhada.

Depois de tantas horas Miguel resolveu parar sobre a sombra de um sisal. Era preciso sentir os pés, as pisadas, o caminhado por entre a caatinga. Tudo estava dormente. Nem morto ou mesmo vivo. Paralisado entre a poeira que emergia a cada passo dado. O corpo pedia abrigo. A mente bruta nada dizia. Era mudo. Desumano. Rude. Um animal desfigurado pelo sol. As mãos calejadas, pesadas, pareciam muros de concreto.

O sol castigava plantas e homens. A terra aceitava sua sina. A caminhada deveria continuar. Existia a promessa. Depois de cinco dias de caminhada já podia avistar os barracos de lona negra. Tudo estava organizado. A terra estava seca, mas pouco abaixo um fio de rio corria por entre as pedras. Os lotes seriam distribuídos na outra semana. Maria parecia aceitar tudo aquilo como uma boa cristã em seu calvário.

Jurubeba estava feliz. Miguel apenas olhava o céu. Agora tudo parecia terminado. Os ombros não pesavam tanto. A paz tinha alcançando sua pele, seus olhos descansavam. Escorou em seu barraco. Tudo estava tranquilo. O corpo leve, seus pés ligeiramente formigavam. O vento novamente acariciou seu rosto.

As pessoas do acampamento começaram a aglomerar próximo da cachorrinha Jurubeba. Tentaram reanimar aquele corpo. Parecia sorrir para o céu. Maria convalescida em seu calvário, apenas aceitava. Seu marido Miguel parecia olhar o céu azul celeste. Talvez, Deus estivesse sorrindo para eles, mas, somente Miguel olhou. O vento batia sobre os galhos das palmeiras. E no meio daquele alvoroço, Maria agradeceu seus dias.

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